Significados de apoio social de acordo com pessoas submetidas à
revascularização do miocárdio: estudo etnográfico
INTRODUÇÃO
As condições crônicas não transmissíveis, principalmente as doenças
cardiovasculares, representam a principal ameaça para o desenvolvimento e para
a saúde humana. De acordo com dados estatísticos mundiais, o número anual de
mortes por doença cardiovascular aumentará de 17 milhões, em 2008, para 25
milhões em 2030(1). Entre essas doenças destacam-se as doenças isquêmicas do
coração e as doenças cerebrovasculares, perfazendo juntas um percentual
superior a 60%(1). A ocorrência desses agravos tem sido fortemente associada ao
aumento da longevidade (aumento do número de adultos de meia-idade e mais
velhos), observado tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento, às
condições nutricionais e à exposição a fatores de risco comportamentais(1).
O avanço terapêutico e tecnológico em cardiologia tem possibilitado a
sobrevivência de pessoas acometidas pela doença isquêmica do coração. Entre as
modalidades de tratamento, a cirurgia de revascularização do miocárdio (CRVM)
tem sido apontada como benéfica para o alivio dos sintomas, possibilitando o
restabelecimento da capacidade física, aumentando a sobrevida e promovendo uma
vida com melhor qualidade ao indivíduo(2).
A CRVM traz várias repercussões para a vida do paciente, físicas, psicológicas,
sociais e emocionais, requerendo adaptação a uma nova realidade de vida, que
implicará enfrentamento de limitações físicas e necessidade de mudança no
estilo de vida e, muitas vezes, do papel no núcleo familiar e no trabalho(3).
Entre os fatores que contribuem para o enfrentamento das condições crônicas,
entre elas a cardíaca, destaca-se o apoio social apontado como um elemento
facilitador no processo de reabilitação, após CRVM, auxiliando os indivíduos
diante dessas mudanças repentinas em suas vidas(4).
O apoio social poderá ser benéfico para o processo de reabilitação cardíaca,
influenciando na manutenção da saúde, favorecendo comportamentos de maior
adesão terapêutica(4), melhor qualidade de vida(5), diminuição do estresse e
diminuição dos sintomas de depressão e de ansiedade(6), e de outros sintomas
físicos como, falta de ar e angina(7), reatividade cardiovascular (frequência
cardíaca e pressão arterial, diminuindo os efeitos deletérios das alterações
cardiovasculares durante eventos de estresse)(8) e diminuição da
morbimortalidade em pacientes coronarianos(4,6-9).
O apoio social consiste em toda e qualquer informação que leva a pessoa a
acreditar que é cuidada, amada, estimada e valorizada, e que pertence a uma
rede de comunicação e obrigação mútua; é, também, qualquer informação, falada
ou não, envolvendo auxílio material ou não, oferecida por grupos ou indivíduo,
com os quais haveria contatos sistemáticos, resultando em efeitos emocionais e/
ou comportamentos positivos(10).
Os estudos sobre apoio social podem ser classificados em estruturais, quando
analisam principalmente o número de pessoas que integram a rede social do
indivíduo, independente, da ocorrência de eventos estressores; e funcionais
quando investigam, principalmente, a disponibilidade e a modalidade do apoio
recebido, o nível de satisfação, em relação à situação e a contextos
específicos(11).
O termo rede social tem sido empregado para designar redes de relações
abrangentes que conectam indivíduos entre si, por meio de interesses comuns
(12). As redes sociais podem se constituir em meios importantes de fornecimento
de apoio social, por meio das informações compartilhadas, da integração entre
os indivíduos que se interconectam e se ajudam mutuamente em momentos de crise
(13).
Os aspectos funcionais do apoio social podem, também, ser classificados em
instrumental e emocional. O apoio instrumental se refere à ajuda que alguém
oferece na resolução de situações práticas, como o apoio financeiro ou
material, na realização de atividades diversas do dia a dia. O apoio emocional,
demonstrado por meio de gestos e comportamentos, faz com que o outro se sinta
amado, estimado e cuidado. Inclui atitudes que demonstrem, por parte de quem
oferece o apoio, preocupação sincera e sentimento de auxílio, aliviando
sentimentos de incerteza, ansiedade, depressão e estresse(11).
O apoio social poderá ser avaliado e medido na perspectiva das pessoas que
vivenciam condições crônicas e essa compreensão, ao longo do processo saúde e
doença, poderá favorecer o processo de reabilitação nos diferentes contextos da
atenção à saúde. Nesse sentido, a compreensão do significado de apoio social
para o enfrentamento do processo saúde e doença poderá fornecer indicadores
para a equipe de saúde sobre a necessidade de incluir intervenções em saúde
para este grupo, de modo a favorecer o cuidado à saúde e a qualidade de vida
das pessoas que vivenciam condições crônicas. Assim, o objetivo deste estudo
foi compreender o significado do apoio social para um grupo de coronariopatas
revascularizados.
MÉTODOS
Estudo etnográfico fundamentado nos modelos explicativos de doença(12). Neste
estudo, considerou-se que os acontecimentos que envolvem o cuidado à saúde
necessitam ser investigados com base no contexto social em que vive o sujeito,
incluindo suas respostas ao processo saúde e doença, as quais são socialmente
organizadas em um sistema cultural, que constitui o sistema de cuidado à saúde
(14-16). O método etnográfico permite ao pesquisador inserir-se nesse contexto
para desenvolver a investigação com objetivo de compreender o sujeito no
contexto em que ele vive(16).
Os sistemas de cuidados à saúde são social e culturalmente construídos e
constituem formas da realidade social, compreendida como um sistema de
significados simbólicos e normas que orientam o comportamento, a percepção, a
compreensão dos indivíduos em relação ao mundo e a comunicação com as pessoas.
Isso ocorre por meio do processo de socialização, no contexto das relações das
pessoas com outros grupos sociais e, entre eles, o familiar(14).
Os participantes foram selecionados a partir de uma lista de pessoas admitidas
em regime de internação na unidade de pós-operatório de cirurgia cardíaca e
torácica de um hospital universitário, no interior do estado de São Paulo,
Brasil. Quarenta e seis pessoas foram submetidas à CVRM, em 2009, nesse
serviço. Desses, 12 eram moradores de Ribeirão Preto e foram pré-selecionados
para o estudo. Ao iniciar o contato com os possíveis participantes, constatou-
se que dois haviam falecido, um estava internado e outro não foi localizado
mesmo depois de várias tentativas de contato, restando oito sujeitos. Além
desses, também, foram incluídas no grupo três mulheres, indicadas por eles,
totalizando 11 participantes (cinco homens e seis mulheres).
Após aprovação do comitê de ética em pesquisa do hospital (processo número
1276/2009), foi realizado o trabalho de campo de abril de 2010 a abril de 2011.
Foram utilizadas as técnicas de observação e entrevista, consideradas
fundamentais para coleta de dados etnográficos(16). Além da entrevista
semiestruturada e da observação direta, foram utilizados o diário de campo e
informações sociodemográficas, coletadas durante as observações realizadas no
domicílio e complementadas com as informações dos prontuários clínicos dos
sujeitos (idade, raça, religião, participação em atividades religiosas,
escolaridade, renda mensal, estado civil e composição familiar).
As entrevistas foram iniciadas pela seguinte solicitação ao participante: "Fale
sobre o seu problema no coração. Conte-me o que aconteceu com você". A partir
dessa solicitação, os participantes relataram a experiência da enfermidade, a
compreensão sobre o apoio social e as fontes de apoio social importantes nesse
processo. Durante a entrevista, questões foram introduzidas, buscando desvendar
o significado de apoio social para esse grupo e esclarecer informações que não
estavam claras.
A coleta de dados foi conduzida pelo primeiro autor deste estudo, no domicilio
dos participantes e no hospital, durante o retorno médico. Todas as narrativas
foram gravadas em áudio e transcritas na integra; o tempo de cada entrevista
variou de 35 minutos a 60 minutos. Por meio da técnica de observação, foram
coletados dados sobre a dinâmica da vida dos participantes no contexto em que
viviam, observando as condições de moradia, as pessoas que moravam na casa, o
papel do sujeito no núcleo familiar, as possíveis assistências comunitárias e
religiosas e outros sistemas de apoio social. Foram assegurados aos
participantes o caráter voluntário da participação na pesquisa e o anonimato de
suas identidades e das informações, conforme termo de consentimento livre e
esclarecido, assinado por eles. A análise dos dados foi conduzida considerando-
se três fases principais: a redução dos dados, apresentação dos dados e
delineamento das conclusões e verificação(17). A etapa de redução dos dados
consistiu na leitura cuidadosa, identificação das unidades de significado,
ressaltando-se os pontos relevantes considerando-se os objetivos do estudo. Em
seguida, os dados foram agrupados considerando-se as similaridades e
diferenças. Finalmente, delinearam-se as conclusões, buscando-se interpretar as
relações e identificar os núcleos temáticos. Em todo o processo, foi
considerado o conjunto das narrativas, obtidas nas entrevistas formais e
informais, os dados da observação e do diário de campo. Os sujeitos foram
nomeados considerando-se a letra S, seguida do número de identificação, o sexo
(masculino - M ou feminino F) e a idade. As observações e o diário de campo
foram identificados como Notas de Campo (NC).
RESULTADOS
Participantes do estudo
A idade dos participantes variou de 49 a 73 anos. O tempo transcorrido da
cirurgia, até a data do primeiro contato, variou de um mês e meio a 27 meses.
Sete dos onze participantes eram casados há mais de 20 anos e oito tinham o
ensino fundamental incompleto. Apenas um participante tinha ensino superior
completo. Dois participantes, no período do trabalho de campo, continuavam
afastados oficialmente pelo Sistema de Seguridade Brasileiro. Dos 11
participantes, dois voltaram a trabalhar formalmente após a cirurgia. Os
participantes recebiam de um a cinco salários mínimos.
Foram identificados dois núcleos temáticos principais: Significado de apoio
social: os familiares como apoio essencial, emocional e instrumental e O
sofrimento do paciente e da família e o apoio na crença religiosa.
Os familiares e amigos: apoio social essencial, emocional e instrumental
Os participantes mencionaram a relação de dependência estabelecida após o
evento cardíaco. Para o enfrentamento desse processo, os familiares e amigos
foram considerados a principal fonte de apoio social. Embora os participantes
se reportassem a apenas um dos membros da família com maior frequência, o
sistema familiar como um todo, incluindo a família estendida e amigos, também,
foi incluído como fonte de apoio social. Essa percepção se confirma para além
das falas, observando-se na proximidade das casas e na rotina de convivência
nesses espaços de interação.
Nos domicílios, foi observado que, dos sete participantes casados, apenas dois
moravam somente com o cônjuge, os outros viviam com os filhos, netos e com o
sogro (NC: observação no domicílio; S1, S5, S8, S10 e S11). Durante as visitas,
observaram-se edificações recentes nos fundos dos quintais, construídas para
servir como moradia para os pais, segundo relato dos filhos. Os participantes
mostraram as moradias, assinalando os remanejamentos realizados pelos filhos
para atender às necessidades deles (NC: observação no domicílio; NC, S1, S10 e
S11). Assim, após a descoberta da necessidade da cirurgia, três participantes
passaram a morar com os filhos (um participante mudou-se para a casa da filha,
e os outros dois tiveram os filhos mudando-se para as suas casas). Outro
participante, apesar de morar com a esposa, após a cirurgia mudou-se de cidade
para morar perto do filho (NC: observação no domicílio).
Embora o apoio social, também, tenha emanado das redes sociais, de relações do
trabalho, de grupos religiosos e da comunidade, representada por vizinhos, os
membros da família foram apontados pelos participantes como principais
articuladores nessas relações:
[...] Os vizinhos, eu nem sabia que tinha tantos vizinhos, vieram
aqui me oferecer carro, o que eu precisasse... (S11, F, 62).
[...] Todo mundo conversava família, vizinhos, porque eu tenho muita
gente amiga... e todo mundo rezando e colocando a mão na minha cabeça
[...] e eles não me deixavam sozinhos todo dia alguém ia me ver...
(S3, F, 71).
Para os participantes, o apoio social esteve relacionado ao auxílio direto dos
familiares, tanto instrumental (a realização de atividades domésticas e de
autocuidado), como emocional (quando focalizaram o enfrentamento da doença e da
cirurgia considerado como um momento de ameaça e ruptura).
O apoio emocional foi demonstrado pela presença física de membros da família,
durante todo o processo de adoecimento e de reabilitação após a alta hospitalar
(NC: observação no domicílio), por meio de palavras de conforto, confiança,
esperança:
[...] O apoio foi isso, a família te ajudar na recuperação. Eu não
ficava sozinho, eles me apoiaram em tudo! Você tem o principal, que é
isso (S8, M, 49).
No período de hospitalização, os participantes relataram ter vivenciado,
concretamente, a condição de doente, com a rotina alterada e a restrição ao
ambiente de um quarto de hospital. Nesse contexto, enfatizaram a importância do
apoio emocional como uma forma de se sentirem mais seguros e confiantes para
enfrentar a doença e a cirurgia:
[...] O apoio é uma visita. Só da pessoa chegar aqui, e falar: se
precisar de alguma coisa você me avisa, você me procura, você manda
alguém me avisar. Só isso já é um apoio, não é? E eu precisei muito
disso aí, porque a gente ficava muito triste. Às vezes, a minha
esposa sentava na cama e ficava lá comigo, só para eu não ficar
sozinho (S6, M, 61).
Outros pacientes que se encontravam internados na mesma enfermaria e que
vivenciavam situação semelhante também foram identificados como fonte de apoio
emocional. Mesmo depois da alta hospitalar, alguns participantes mantiveram
contato com aqueles internados no mesmo período.
De acordo com observações e relatos dos participantes e familiares, não houve
qualquer tipo de apoio contínuo por parte dos profissionais de saúde após alta
hospitalar cirurgia (NC: observação durante o retorno ambulatorial). O cuidado
e o apoio oferecidos se restringiram ao período de hospitalização durante a
internação e consultas no retorno médico e consistiram em informações e
detalhes sobre o problema cardíaco e a cirurgia (NC: observação durante o
retorno ambulatorial). Alguns participantes criticaram o apoio recebido da
equipe de enfermagem durante a hospitalização, ressaltando que não se sentiram
cuidados:
[...] Uma noite eu passei a noite inteira sentada antes da cirurgia
e, eles viram a minha cama, viram que estava vazia, e nada
fizeram..., não me procuram... E se eu tivesse pulado da janela?
[...] (S4, F, 66).
Outros participantes relataram que se sentiram privilegiados por ter um membro
da família os acompanhando durante o período de hospitalização. Os cônjuges e
os filhos foram identificados como as principais fontes de apoio instrumental
para o participante, tanto no hospital como em suas casas, após a alta. No
domicílio, observaram-se os familiares auxiliando o participante em atividades
como: preparo das refeições, medicações e, no hospital, no acompanhamento às
consultas médicas (NC: observação no domicílio). Observou-se que durante os
retornos médicos, os pacientes sempre compareciam acompanhados por algum
familiar, principalmente o cônjuge ou os filhos que se mantinham próximos,
demonstrando atenção (NC: observação durante o retorno ambulatorial):
[...] Na primeira semana foi minha filha que me ajudou a tomar banho
(...). Ela também comprou uma caixinha, tudo separadinho, para
guardar os remédios que eu tinha que tomar; até hoje a caixinha esta
lá. Aí você pega ali de manhã e vai dando sequência porque são 10
comprimidos! Então não tem jeito de errar. (S1, M, 66).
[...] Nos primeiros 15 dias, a minha nora ficou aqui comigo também,
ela fazia minha comida, media a minha glicemia, e me ajudava a
aplicar a insulina... (S10, F, 61).
O sofrimento do paciente e da família e o apoio na crença religiosa
Outra fonte de apoio social importante para todos, pacientes e familiares, em
todo o processo de adoecimento foi a crença religiosa. Todos os participantes
citaram que ter fé é fundamental durante o processo de descoberta e
enfrentamento da doença. Diante da necessidade de operar, de tomar a decisão
pela CRVM, e durante o processo de reabilitação, os participantes referiram que
a crença em Deus proporcionou confiança para vivenciar essa situação. Embora
alguns fossem de diferentes religiões (católicos, espíritas e evangélicos), a
crença em Deus, que acolhe nesses momentos e dá apoio foi frequente nos
depoimentos:
[...] Eu creio que Deus estava passando comigo naquele vale, e eu
comecei agradecer e, no outro dia, eu agradeci
o dia inteiro. Aí me recuperei e fiquei ótima, mas foi por Deus,
(...) a senhora (outra paciente que estava internada) que estava do
meu lado morreu. (S10, F, 57).
[...] Tem que ter fé em Deus mesmo, porque a cirurgia é uma cama
elástica, você sobe nela e ela te leva lá pra Deus, aí Deus vê se é
para você ficar lá, ele segura senão, ele te manda de novo! A
cirurgia ela é de alto risco! (S11, F, 62).
A ocorrência da enfermidade foi associada pelos participantes a várias
situações descritas como tristes e estressantes e que levaram ao sofrimento,
como uma provação, um desígnio de Deus:
[...] Eu não estava sentindo nada. Eu sempre fui ao médico, sempre
fiz os exames e estava sempre tudo bem. O doutor disse que foi o
diabete, mas sabe o que eu acho que é mesmo? Uma provação de Deus.
(S11, F, 62).
A experiência da doença foi vivenciada por pacientes e familiares, e afetou a
todos. Neste contexto, o apoio recebido por meio da crença religiosa, dos
membros da família e de outras pessoas próximas acolhe a todos os que estão
sofrendo. Assim, todos se sentiram protegidos e seguros:
[...] Na minha família todos são evangélicos, então todos foram e
oraram... Foi muito apoio, eu fiquei com muitas pessoas em volta e
fiquei assim, pequenininha. (S10, F, 57).
[...] Vieram me ver, os amigos, a vizinha... e todos fizeram orações
para mim..., isso é muito importante, ajuda muito... (S3, F, 71).
DISCUSSÃO
As representações sobre saúde-doença são construídas a partir de um conjunto de
valores e conhecimentos que são próprios de cada sociedade e de cada cultura
(14). Estão incluídos nesses conhecimentos e valores, padrões de sinais e
sintomas, que possibilitam uma diversidade de explicações para a doença e que
caracterizam a compreensão popular da doença em suas diversas formas(14). Foi
com essa perspectiva que se buscou compreender os significados atribuídos ao
apoio social na perspectiva de pacientes em reabilitação que vivenciam a
experiência da enfermidade cardíaca. O apoio social principalmente dos membros
da família foi apresentado pelo grupo investigado como uma importante
estratégia de enfrentamento dessa experiência que, percebida de forma abrupta e
intensa, interrompeu a rotina diária de forma inesperada e modificou o curso da
vida.
Nesta pesquisa, o tratamento cirúrgico tornou claro aos sujeitos que a vida
havia sido interrompida e foi nesse contexto, diante do risco de morte e em um
ambiente hostil, como é o caso dos hospitais, que eles perceberam o apoio de
familiares e de pessoas próximas como fundamental. Assim, neste estudo, os
relatos dos participantes mostraram a constatação da coronariopatia, da
necessidade da CRVM e do apoio social diante da ruptura que se instalou.
Ruptura essa que foi, também, percebida de forma contínua na vivência diária da
experiência da enfermidade pela percepção das limitações e exigências de
mudanças no estilo de vida impostas pela nova condição. Assim como relatado por
outros autores, cujos estudos focalizaram a experiência de pacientes submetidos
à CRVM(3), nesta investigação, os sentimentos de tristeza e invalidez, o medo
de morrer e a revolta também fizeram parte dessa experiência da descoberta da
doença e da necessidade da cirurgia.
Uma revisão de pesquisas qualitativas sobre a experiência de pacientes
revascularizados identificou que os pacientes experimentaram solidão e
dificuldade em compartilhar e explicar para os outros a experiência de quase
morte e do medo de morrer e que as relações de apoio, de familiares e amigos,
foram fundamentais para a recuperação, após a cirurgia(18).
A constatação da enfermidade traz a impossibilidade de exercer o trabalho e
papéis sociais com capacidade plena, o que resulta em sentimentos de perda de
autonomia e tristeza, fazendo com que o indivíduo se sinta desvalorizado.
Estar doente aparece no sentido oposto à condição de normalidade(3); situação
essa também relatada nas narrativas dos participantes deste estudo ao falarem
sobre a experiência da doença coronariana. A experiência da enfermidade
envolveu a perda da identidade da condição de "normal", situação que foi
compartilhada pelos familiares e pessoas muito próximas, que foram
identificadas como as mais importantes fontes de apoio. Essa situação foi
relatada, neste estudo, desde que os primeiros sinais e sintomas foram
percebidos.
Assim, voltar a morar com filhos em busca de apoio pode se tornar uma
necessidade principalmente entre aqueles que dispõem de poucos recursos
econômicos. Membros de famílias brasileiras de classes econômicas mais pobres,
frequentemente, moram juntos e aumentam o número de cômodos da casa para
abrigar outros membros e em situações de dificuldades, como no caso de uma
enfermidade(19). Nesse contexto, pacientes e familiares apoiam-se mutuamente na
tentativa de resolver problemas financeiros e, outras vezes, de ordem afetiva
(19).
Uma pesquisa sobre as facilidades e os obstáculos vivenciados por paciente
submetidos à CVRM, após a alta hospitalar, na perspectiva dos pacientes e dos
profissionais de saúde, concluiu que o apoio social proveniente da equipe de
saúde por meio de contatos telefônicos após a alta, atuou como elemento
facilitador no processo de reabilitação, assim como o apoio fornecido
diretamente pelos familiares(20). Identificou-se nesse estudo, que o
oferecimento de apoio por parte dos profissionais de saúde foi pontual. Eles
ofereceram somente o apoio instrumental, durante o período de hospitalização e,
muitas vezes, delegaram até mesmo esse tipo de apoio aos familiares, segundo os
participantes. Nesse contexto, a família, mesmo no período de hospitalização,
apareceu como principal fonte de apoio, realizando, muitas vezes, atividades
que seriam da equipe de enfermagem.
Na perspectiva do paciente, a equipe de profissionais, que deveria estar
próxima cuidando, esteve distante, e os membros da família estiveram próximos,
fazendo com que se sentisse cuidado, amado, e valorizado, ou seja, apoiado por
eles(10).
Esse estudo não teve como objetivo avaliar os profissionais de saúde em relação
ao apoio social oferecido. Entretanto, no trabalho de campo, durante a coleta
dos dados, foi possível observar a importância da família como fonte de apoio,
o que não ocorreu com a equipe de profissionais, pouco envolvida com o
paciente. Para o paciente, o sofrimento é uma experiência única, mas para a
equipe, a situação de estresse, de dor, de ruptura percebida pelo paciente pode
fazer parte da rotina. Os membros da família compartilham a experiência da
enfermidade a cada momento com o paciente. A equipe vivencia o dia a dia da
unidade de internação, do ambulatório, do centro cirúrgico, da unidade de
terapia intensiva, entre outros locais por onde passam pacientes com doença
arterial coronariana. Um dia a dia dirigido por regras rígidas que caracterizam
"o mundo real" e, muitas vezes, hostil na perspectiva de pacientes e
familiares. O apoio social implica necessidade de tempo, dedicação, compaixão e
empatia pelo outro.
As explicações para a enfermidade relacionadas à tristeza, ao estresse e ao
desígnio Divino, possivelmente, contribuem para a valorização do apoio recebido
em forma de orações, pelos familiares e amigos. Coloca-se assim, a figura de um
Deus e a fé como o centro, explicando a enfermidade e alcançando o alívio para
o medo da morte e para ansiedade pela ameaça diante do desconhecido. Diante de
situações de doenças graves, recorre-se a Deus e, em geral, no contexto de uma
religião. De algum modo, esse tipo de apoio possibilita compreender a
enfermidade na dimensão do sagrado. A crença na dimensão do sagrado parece
estar incorporada à experiência da enfermidade que, em momentos de desamparo
suscitado pela possibilidade da morte, leva o grupo a encontrar em Deus um
alívio para a angústia, incertezas, sensação de impotência, medo e sofrimento
(3).
A religião, compreendida neste estudo como um sistema de significados
simbólicos, fornece aos indivíduos alternativas para a explicação da
enfermidade, ajudando-os a enfrentar situações de sofrimento que, muitas vezes,
parecem insuperáveis e inexplicáveis(16). Nesse contexto, a recuperação após o
procedimento cirúrgico é recebida como uma dádiva divina, levando à
ressignificação da vida, como um renascimento, uma nova chance concedida por
Deus.
O apoio social foi considerado como relevante no processo de reabilitação nos
relatos dos participantes deste estudo, quando afirmaram que o apoio social
interferiu positivamente na vivencia da experiência da enfermidade, fato esse,
que também é reportado na literatura, especialmente em relação às doenças
coronarianas. Estudos mostraram que o apoio social serviu como uma estratégia
que favoreceu mudanças de comportamentos, inclusão em programas de reabilitação
e, ainda, redução da mortalidade(5-7). O apoio emocional favorece a geração de
atitudes positivas, reforçando a confiança dos sujeitos(11). O apoio
instrumental possibilita a prática de comportamentos saudáveis, alívio em
situações estressantes, diminuição dos fatores de risco(4).
Uma importante intervenção que pode ser oferecida pelos enfermeiros consiste no
acolhimento dos pacientes e familiares durante a internação por meio da
demonstração de interesse e escuta. Acolhimento que pode ter seguimento após a
alta por meio de telefone, por exemplo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O significado do apoio foi relacionado ao auxílio direto dos familiares e
amigos, tanto instrumental (realização de atividades domésticas e de
autocuidado) quanto emocional e religioso (focalização no enfrentamento da
doença e da cirurgia e nas explicações para a enfermidade e cirurgia, um
momento de ameaça e ruptura). Para os participantes, o apoio consistiu em uma
ajuda multidimensional, envolvendo aspectos, físicos, sociais, emocionais e
espirituais de suas vidas. O apoio representou toda a ajuda e estímulo, que foi
fundamental para que os participantes pudessem enfrentar a nova etapa da vida,
facilitando o processo de reabilitação e manutenção do estado de saúde.
Embora esse estudo tenha limitações pelo fato de ter investigado um grupo
social específico, ele fornece contribuições para que os profissionais de saúde
reflitam sobre o apoio oferecido às pessoas submetidas à revascularização do
miocárdio, auxiliando-os a identificar as fontes de apoio social para pacientes
e familiares e a elaborar estratégias de acompanhamento e incentivo às mudanças
no estilo de vida e outras medidas dirigidas ao controle da doença e de outras
comorbidades.
É fundamental que o profissional de saúde reconheça as principais fontes de
apoio, explorando ao máximo os benefícios que elas podem proporcionar, a fim de
auxiliar o paciente a se readaptar à nova condição de vida.