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BrBRCVHe0034-71672014000200296

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variedadeBr
ano2014
fonteScielo

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Prevalência de transtornos mentais comuns em trabalhadores de enfermagem em um hospital da Bahia INTRODUÇÃO Diversos estudos foram realizados nas últimas décadas relacionando as condições de trabalho e as suas implicações para a saúde dos trabalhadores de enfermagem (1-5). De maneira geral, os estudos revelam a importância que a saúde do trabalhador tem frente à produção do cuidado em saúde.

O estudo do processo saúde/enfermidade do trabalhador deve levar em conta três condicionantes básicos deste processo; as condições gerais de vida, as condições de trabalho e o processo de trabalho propriamente dito. As condições de trabalho referem-se a questões mais facilmente perceptíveis e quantificáveis do processo como: a jornada de trabalho (número de horas trabalhadas, obrigatoriedade de cumprir horas extras); o tipo de contrato de trabalho (carteira assinada, prestação de serviços); a forma de pagamento (por mês, semana, dia, tarefa); o valor da remuneração; o horário de trabalho (diurno, noturno, por turnos); as condições do ambiente de trabalho, dentre outras(6).

O desgaste físico, emocional e mental gerado pelo trabalho podem produzir apatia, desânimo, hipersensibilidade emotiva, raiva, irritabilidade e ansiedade; provocam ainda despersonalização e inércia, acarretando queda na produtividade, no desempenho e na satisfação do trabalhador(7).

Estes são alguns dentre muitos fatores que colaboram para o surgimento de problemas relacionados à saúde mental, com destaque para os transtornos mentais comuns (TMC), expressão criada por Goldberg e Huxley(8) para designar sintomas tais como insônia, ansiedade, depressão, irritabilidade, dificuldade de concentração, esquecimento, fadiga e queixas somáticas que, embora demonstrem ruptura do funcionamento normal do indivíduo, não configuram categoria nosológica da 10ª Classificação Internacional de Doenças (CID-10), ou dos Manuais de Diagnóstico e Estatística (DSM) da Associação Psiquiátrica Americana, mas se caracterizam como um importante problema de saúde pública(9).

No Brasil, pesquisadores têm evidenciado, em estudos epidemiológicos realizados com trabalhadores da área da saúde, uma associação entre a ocorrência de transtornos mentais comuns e o trabalho exercido por esses profissionais de saúde(1-4). Pesquisas também foram realizadas associando elevada prevalência de transtornos mentais comuns com alta demanda e o baixo controle no trabalho(3,5- 6,10).

As demandas são pressões psicológicas a que os trabalhadores são submetidos no trabalho e que podem se originar da quantidade de trabalho a executar por unidade de tempo e/ou do descompasso entre as capacidades do trabalhador e o trabalho a executar. Quanto ao controle, trata-se da autonomia ou possibilidade que ele tem de governar o seu trabalho, a partir de suas habilidades ou conhecimentos(11).

Karasek(11) desenvolveu um modelo de análise do trabalho conhecido como demanda-controle, representado por uma figura quadrangular, onde cada quadrante representa associações entre níveis de demanda e graus de controle. Assim, considera duas dimensões que podem favorecer o desgaste no trabalho (job strain): as demandas psicológicas caracterizadas pelo ritmo e intensidade no trabalho; e o controle, que é a habilidade e a autonomia referida pelo trabalhador sobre o trabalho executado. Assim, atividades que requerem alta demanda psicológica e sobre as quais o trabalhador tem baixo controle favorecem o desgaste psicológico e adoecimento físico.

Ao demarcar a importância que o ambiente hospitalar tem sobre a saúde dos trabalhadores de enfermagem objetivou-se, neste trabalho, descrever a prevalência de "suspeitos" de transtornos mentais comuns (TMC) em trabalhadores de enfermagem em um hospital geral, no estado da Bahia.

MÉTODO Trata-se de um estudo de corte transversal, populacional, exploratório, cujos dados foram coletados no período de agosto a novembro de 2010, entre os trabalhadores de enfermagem que atuam no hospital geral público na cidade de Feira de Santana-BA. A instituição possui 296 leitos, sendo referência no atendimento de alta complexidade para 126 municípios, que corresponde a uma população adstrita de aproximadamente 4 milhões de habitantes.

A população do estudo foi constituída por todos os enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem atuantes nos diversos setores do hospital e que concordaram em participar da pesquisa. Os critérios de inclusão adotados para a participação na pesquisa foram: que os sujeitos fossem trabalhadores da equipe de enfermagem (enfermeiros, técnicos e auxiliares); que estivessem desenvolvendo atividades assistenciais; e que aceitassem participar do estudo após a leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram excluídos do estudo, os trabalhadores que, no momento da coleta, estavam afastados do trabalho por doença, licença gestação, férias etc.; que não estivessem atuando em atividades assistenciais; e que não aceitassem participar do estudo após a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Na coleta de dados foi utilizado um questionário padronizado com seis blocos de questões. O primeiro bloco abordou características sociodemográficas; o segundo bloco, questões relacionadas às condições de trabalho; o terceiro bloco, características do ambiente de trabalho e os aspectos psicossociais do trabalho, adotando-se o Job Content Questionnaire (JCQ); o quarto bloco, as queixas de saúde e doença; o quinto bloco avaliou a saúde mental por meio da aplicação do Self-Report Questionnaire (SRQ-20) e um instrumento de detecção de bebedor-problema, o Teste CAGE; finalmente, o sexto bloco abordou questões sobre doenças e acidentes de trabalho, problemas de saúde recentes e hábitos de vida.

Foram construídos dois bancos de dados no EpiData 3.1 para confrontar as informações e identificar possíveis erros de digitação. Utilizou-se para a análise dos dados o programa Statistical Package for the Social Science (SPSS®) version 9.0 for Windows.

Foi realizada a descrição das variáveis estudadas: sociodemográficas, condições de trabalho, hábitos de vida, aspectos psicossociais do trabalho, queixas de saúde e doença, e o SRQ-20. Foi realizada análise de associação entre as questões relacionadas à demanda e o controle do JCQ e o resultado do SRQ-20, utilizando-se a razão de prevalência (RP) como medida de associação. Como o estudo foi populacional não foi necessária a utilização de medidas de significância estatística(12).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) sob o Protocolo 14/2010, CAAE 0016.0.059.000-10.

RESULTADOS Estudou-se 309 profissionais de enfermagem, correspondendo a 79,6% da população de 388 indivíduos inicialmente elegíveis. Os 79 (20,4%) sujeitos que não participaram da pesquisa foram considerados como recusas, pois, embora contatados pelo pesquisador, não devolveram os questionários nem o TCLE assinado.

A população de trabalhadores apresentou média de idade de 36,8 anos (± 9,9 anos), sexo feminino 90,9% (281), casadas(os) ou com companheiros(as) 50,3% (148), com filhos 58,1% (175), escolaridade até o ensino médio 64,0% (194) e renda de até três salários mínimos 60,4% (168) (Tabela_1).

Tabela 1 - Características sociodemográficas dos trabalhadores de enfermagem de um hospital geral na Bahia, Feira de Santana-BA, 2010    Características sociodemográficas  N*   % Sexo  309      Feminino  281  90,9  Masculino  28  9,1 Faixa etária  308      20-39 anos  182  59,1  40-59 anos  96  31,2  >60 anos  30  9,7 Situação conjugal  294      Casado/a  120  40,8  União livre  28  9,5  Solteiro/a  112  38,1  Viúvo(a)/ divorciado(a)  34  11,6 Tem filhos  300      Sim  175  58,3  Não  125  41,7 Escolaridade  303      Até ensino médio  130  42,9  Superior incompleto  64  21,1  Superior completo  27  8,9  Especialização, mestrado ou doutorad 82  27,0 *respostas válidas, excluídas as respostas ignoradas.

No tocante às variáveis relacionadas ao trabalho, identificou-se que a maior parte dos trabalhadores é composta por técnicos de enfermagem 46,4% (143); por trabalhadores com vínculo temporário, ou seja, com contrato de trabalho temporário baseado na Consolidação das Leis do Trabalho/CLT 64,2% (178) e, destes, 88,5% (161) estavam contratados pelo Regime Especial de Direito Administrativo (REDA); com menos de 11 anos de trabalho na área de enfermagem 58,6% (181). Entre os profissionais estudados, 53,7% (165) apresentavam mais de uma inserção de trabalho; 43,6% (134) trabalhavam em outra instituição e 8,6% (26) dos profissionais atuavam em mais de duas instituições, além do hospital estudado. Entre os enfermeiros, 77,4% (65) apresentavam mais de um vínculo de trabalho e, entre os auxiliares e técnicos de enfermagem, essa frequência foi de 35,4% (28) e 49,6% (71) respectivamente. A carga horária semanal de trabalho mais frequente foi mais de 40 horas semanais, 59,9% (181) (Tabela_2).

Tabela 2 - Características profissionais dos trabalhadores de enfermagem em um hospital geral na Bahia, Feira de Santana-BA, 2010  Características profissionais    N*   % Tipo de vínculo    277       CLT  17  6,1   REDA  161  58,1   Estatutário  95  34,3   Outros   4  1,4 de vínculos empregatícios    307       Um  142  46,3   Dois  134  43,6   Três ou +  31  10,1 Carga Horária Semanal    302       <40 horas  121  40,1   >40 horas  181  59,9 Renda média/mês    268       Até 3 SM**  168  60,4   De 4 a 7 SM  85  30,6   8 SM  25  9,0 Acidente de Trabalho    307       Sim  85  27,7   Não  222  72,3 Ocupação    308       Aux.Enfermagem  80  26,0   Tec.Enfermagem  143  46,4   Enfermeira (o)  85  27,6 *respostas válidas, excluídas as respostas ignoradas; **Salário mínimo de R$ 510,00.

Entre as queixas de saúde destacaram-se como as mais frequentes: dor nas pernas 66,4% (192), dor nas costas 61,8% (178), cansaço mental 47,0% (131), sonolência 36,6 % (101) e formigamento nas pernas 35,6% (100). Dentre os diagnósticos referidos desde que começaram a atuar como trabalhadores de enfermagem no hospital (Tabela_3), se destacaram: lombalgia 52,8% (163), varizes em membros inferiores 46,3% (143), infecção urinária 37,5 % (116) e hipertensão arterial 19,7% (61). Com exceção do cansaço mental, auxiliares e técnicos apresentaram frequências mais elevadas, tanto das queixas de saúde como dos diagnósticos referidos. A prevalência de transtorno mental comum (TMC) foi de 35,0% (99).

Entre as (os) enfermeiras (os), a prevalência foi de 38,1% (32) e entre os técnicos de enfermagem 35,3% (47) e auxiliares de enfermagem 30,8% (20). O teste Cage triou 1,7% (05)de indivíduos como bebedores-problema. Entretanto, ao analisarmos a prevalência entre aqueles que informaram o uso de bebida alcoólica, observamos que 27,7% destes foram considerados bebedores-problema.

Tabela 3 - Características da situação de saúde dos trabalhadores de enfermagem de um hospital geral público da Bahia, Feira de Santana-BA, 2010  Características da situação de sa??N*   n   % Queixas de Saúde           Alergias  276  98  35,5  Nervosismo  276  93  33,7  Dor nas costas  288  178  61,8  Formigamento nas pernas  281  100  35,6  Rinite  285  94  33,0  Insônia  280  61  21,8  Sonolência  276  101  36,6  Dor nas pernas  289  192  66,4  Dor nos braços  289  111  38,4  Cansaço mental  279  131  47,0 Morbidade referida              Hipertensão  309  61  19,7  Infecção urinária  309  116  37,5  Lesão por esforços repetitivos  309  49  15,9  Varizes dos membros inferiores  309  143  46,3  Lombalgia  309  163  52,8 SRQ-20  283          Positivo      80  28,3  Negativo      203  71,7 Cage  293          Positivo       5  1,7  Negativo      288  98,3 *respostas válidas, excluídas as respostas ignoradas.

DISCUSSÃO Os resultados apontaram que 59,7% (165) dos trabalhadores de enfermagem estudados, apresentavam mais de uma inserção de trabalho, o que pode acarretar sobrecarga de trabalho entre esses indivíduos. Esses resultados são maiores que os obtidos em outros estudos(1-4,6). Múltipla inserção acarreta prejuízos à atividade de enfermagem, haja vista a necessidade de tempo para interação entre profissional e paciente, acompanhamento e avaliação cotidiana dos mesmos, bem como para integração à instituição hospitalar e para atualização profissional (aquisição de conhecimentos, habilidades e atitudes).

Os trabalhadores de enfermagem do hospital estudado apresentaram uma remuneração obtida com o trabalho que pode ser considerada baixa. Esse fato, frente às especificidades do trabalho realizado pela categoria, pode estar relacionado com outras atividades, com dupla inserção, que pode indicar uma busca por ampliação da renda mensal, gerando uma sobrecarga de trabalho. Esses resultados assemelham-se aos de outros estudos(2-3,6,10).

Os resultados revelaram elevada carga horária de trabalho, baixa remuneração, mais de uma inserção de trabalho e vínculo de trabalho estabelecido por contrato temporário/precário. Esses resultados foram semelhantes aos obtidos em outros estudos com trabalhadores de enfermagem(2,5-6,10) e as condições de trabalho reveladas nesse estudo podem ser consideradas impróprias.

Entre os problemas de saúde, destacaram-se as queixas e diagnósticos de problemas mentais e posturais, que podem estar associados às características do trabalho de enfermagem: atender a pacientes, enfrentar a dor, o sofrimento a morte, excesso de trabalho, elevada responsabilidade, atividades de plantão e baixa remuneração(1-4,13-14).

A prevalência de "suspeitos" de TMC de 35,0%, aponta para uma situação de saúde mental preocupante na população estudada. A prevalência encontrada foi maior que a observada em outros estudos com trabalhadores de enfermagem(2-3,5) todavia prevalências superiores estão descritas na literatura(13). Estudo que analisou as novas relações de trabalho e as suas repercussões no desgaste físico e mental dos trabalhadores de saúde(15) afirma que a precarização das condições de trabalho tem repercussões na saúde mental, que é indissociável da saúde como um todo.

Verificou-se com relação ao sexo dos participantes, que houve uma predominância de trabalhadores do sexo feminino (90,9%), coincidindo com o perfil da profissão de enfermagem, onde um predomínio de profissionais deste sexo, dados ratificados por estudos realizados tanto no Brasil como em outros países (16-17).

No presente estudo identificamos que as situações de alta demanda psicológica no trabalho apresentaram-se associadas a uma maior prevalência de "suspeitos" de TMC. Outros estudos também encontraram uma maior associação entre alta demanda psicológica e TMC(10,18-19). Segundo o modelo demanda-controle de Karasek(11), o trabalho realizado em condições de baixo controle e alta demanda (alta exigência) apresenta-se prejudicial à saúde dos trabalhadores.

Ressalta-se o grande número de profissionais em situação temporária de emprego, devendo-se chamar a atenção para o fato de a Constituição Federal de 1988 determinar que a investidura em cargo ou emprego público se por concurso público. Constituem-se exceção a esta regra os cargos em comissão, nomeados pelas autoridades competentes e os casos de contratação temporária para atenderem a necessidade de excepcional interesse público(20).

Faz-se necessário tecer algumas considerações metodológicas. Inicialmente devem-se apontar os limites dos estudos de corte transversal. O estudo de corte transversal examina a relação exposição-doença em uma dada população ou amostra, em um momento particular, fornecendo um retrato de como as variáveis estão relacionadas naquele momento. Por isso, esse tipo de estudo não estabelece nexo causal e apenas aponta a associação entre as variáveis estudadas. Além disso, esse estudo teve cunho exploratório, realizando apenas análises bivariadas(12). Outra limitação desse tipo de estudo é selecionar apenas os sobreviventes ao efeito estudado (viés de prevalência) o que é particularmente relevante em estudos ocupacionais, em decorrêcia do chamado efeito trabalhador sadio(10). Do ponto de vista do desenho, pode-se afirmar que o rigor metodológico do estudo buscou minimizar problemas inerentes ao seu desenho, ou seja, ao viés de seleção e aferição.

Em estudos que utilizam questionários autoaplicáveis, apresenta-se, como limitação, a opção do entrevistado de não responder a todas as questões colocadas, dificultando o controle das perdas de informação(12). Entretanto, a coerência e a consistência dos achados, apontam para condições laborais inadequadas dos trabalhadores de enfermagem no hospital estudado, bem como para uma alta prevalência de queixas de problemas mentais e posturais e de "suspeitos" de TMC.

O percentual de recusas ocorridas neste estudo foi considerado aceitável haja vista que estudos semelhantes com profissionais de saúde, a frequência de perdas ou recusas variou de 3,9% a 20,8%(3,5,10).

CONCLUSÃO A existência no trabalho de enfermagem de condições desencadeadoras de sofrimento, estresse e ansiedade, é uma realidade não mais contestada. No entanto, as repercussões sobre a saúde desses trabalhadores, reconhecidamente expostos a fatores estressantes e ansiogênicos, ainda são pouco conhecidas. Os resultados desse estudo corroboram os de outros estudos com a mesma categoria de trabalhadores e com outras categorias de trabalhadores de saúde, bem como de outras profissões.

Espera-se que este trabalho possa fomentar novas investigações sobre as características e os riscos à saúde dos trabalhadores de enfermagem que exercem suas atividades laborais em hospitais gerais; e que estimule a implantação de um serviço de saúde do trabalhador no hospital estudado. Ressalta-se, por fim, que as condições de trabalho e saúde observadas apontam para a necessidade de mudanças na organização do trabalho de enfermagem.


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