Ensinar e aprender no campo clínico: perspectiva de docentes, enfermeiras e
estudantes de enfermagem
INTRODUÇÃO
Ao se colocar em pauta a formação do enfermeiro, o ensino clínico nos campos de
prática constitui-se uma questão importante, uma vez que propicia ao estudante
a oportunidade de refletir sobre a ação propedêutica e a terapêutica específica
da atuação profissional(1).
O ensino clínico constitui, nesse sentido, um componente vital para que o
estudante possa colocar em prática os conhecimentos introduzidos em sala de
aula, proporcionando o desenvolvimento das habilidades e competências clínicas
que devem compor o perfil do enfermeiro(2-3).
O conhecimento que possibilitará ao futuro profissional de enfermagem uma
atuação competente baseia-se em uma série de práticas e atividades
compartilhadas com uma comunidade profissional constituída por enfermeiros e
docentes que atuam no contexto onde a prática clínica acontece.
A rede ensino-serviço pressupõe o compartilhamento de saberes, permitindo a
construção coletiva da aprendizagem. As relações dos atores sociais envolvidos
nesse processo conduzem à edificação do conhecimento, desencadeado pela
reflexão sobre a realidade, a sua teorização, ação e reflexão nos diversos
cenários de aprendizagem na área da saúde(4). Nesse contexto, inserem-se os
docentes, os enfermeiros assistenciais que atuam na supervisão da prática e os
estudantes, que, em conjunto, constroem o conhecimento clínico.
Formar um profissional para atuar na área da saúde exige uma
corresponsabilização do sistema educacional e do serviço de saúde, envolvendo a
atuação dos profissionais destes cenários e, consequentemente, impactando em
uma maior qualidade na formação.
Reconhece-se, no entanto, que tal articulação apresenta-se, muitas vezes, como
um desafio a ser enfrentado na prática clínica, culminando na dificuldade de
conferir ao aluno oportunidades de aprendizagem que o dê a segurança necessária
ao bom desenvolvimento das atividades no campo clínico(3,5).
Desse modo, a aproximação docente-assistencial constitui-se em elemento
construtor e facilitador do ensino. Possibilita que os sujeitos compartilhem e
reflitam sobre as experiências em comum, com vistas a uma aprendizagem que
valorize o envolvimento do docente, do enfermeiro assistencial, do estudante e
do paciente, considerados integrantes ativos do processo de construção do
conhecimento(6).
Frente às considerações apontadas, surgiram as seguintes inquietações: como os
docentes e enfermeiros assistenciais participam do processo de aprendizagem dos
estudantes na prática clínica? Quais as suas expectativas em relação ao ensino
de enfermagem que conduzem no campo clínico? Como os estudantes vivenciam o
ensino clínico? Quais as suas expectativas em relação a este ensino?
Este estudo tem como objetivo conhecer e discutir as expectativas de docentes,
enfermeiros e estudantes em relação ao ensino de enfermagem em campo clínico em
um Curso de Graduação em Enfermagem de uma universidade do estado de São Paulo.
Estudos atuais publicados em periódicos brasileiros com indexação internacional
trazem evidências científicas que versam sobre a experiência do professor(6) e
do enfermeiro(7-8) em campo clínico, bem como sobre a produção científica nesta
temática na Enfermagem(1). Contudo, não foram identificados estudos que se
proponham a investigar o ensino clínico sob a ótica concomitante de docentes,
enfermeiros e estudantes.
Portanto, este estudo confere uma contribuição importante à construção do
conhecimento produzido sobre o tema na Enfermagem. Compreender a perspectiva
dos principais interessados no ensino clínico possibilitará que o mesmo seja
construído de modo a proporcionar ao estudante um melhor desenvolvimento das
habilidades e competências clínicas exigidas no mercado profissional(2).
Os resultados deste estudo poderão fornecer subsídios para a proposição de
ações efetivas que levem em conta a melhoria da qualidade do ensino, pautada
nos anseios que os sujeitos envolvidos compartilham no que tange ao ensino de
enfermagem no cenário de prática.
MÉTODO
Trata-se de um estudo qualitativo, fundamentado na fenomenologia social de
Alfred Schütz. Este referencial busca compreender as relações a partir da ação
de um determinado grupo social(9).
Os pressupostos conceituais mundo social, intersubjetividade, reciprocidade de
perspectivas, situação biográfica, bagagem de conhecimentos, motivação e ação
social(4) foram utilizados para subsidiar a discussão dos resultados.
Participaram da pesquisa nove docentes de uma universidade pública do estado de
São Paulo, 11 enfermeiros que atuam no ensino clínico do Curso de Graduação em
Enfermagem vinculado à referida instituição de ensino e 11 estudantes inseridos
neste contexto.
Foram incluídos professores efetivos e enfermeiros assistenciais que atuavam no
ensino clínico minimamente há três anos, por considerar que esse tempo seja
suficiente para que os sujeitos relatem com riqueza de significados suas
experiências. Quanto aos estudantes, foram incluídos aqueles que cursavam o
último ano do curso, uma vez que, neste momento, já teriam vivenciado o ensino
clínico referente às disciplinas e parte do estágio supervisionado.
A técnica utilizada para a coleta dos dados foi a entrevista de abordagem
fenomenológica, com as seguintes questões abertas para docentes e enfermeiros:
como você vê a sua participação no processo de aprendizagem do estudante em
campo clínico? O que você espera ao conduzir o ensino no campo clínico? Para os
estudantes, foram dirigidas as seguintes questões: fale-me sobre o ensino que
você vivencia no campo clínico. Quais suas expectativas em relação a este
ensino?
As entrevistas foram gravadas e realizadas no período de abril a agosto de
2012. Os docentes e estudantes foram entrevistados nas dependências da
instituição de ensino e os enfermeiros, nas dependências do hospital, durante a
jornada de trabalho.
Os sujeitos que concordaram em participar do estudo assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido. Para garantir o anonimato, os depoimentos
dos docentes foram identificados com a letra "D", os dos enfermeiros com a
letra "E" e os dos estudantes com a letra "A", acompanhados do número arábico
em ordem crescente de acordo com a sequência em que foram realizadas as
entrevistas.
O número dos participantes não foi determinado previamente, tendo sido as
entrevistas encerradas no momento em que as inquietações dos pesquisadores
foram respondidas e o objetivo do estudo alcançado.
A análise dos dados foi realizada conforme os passos propostos por
pesquisadores da fenomenologia social(10-11): leitura e releitura criteriosa de
cada depoimento para apreender o sentido global da experiência vivida;
identificação e posterior agrupamento dos aspectos significativos dos
depoimentos para composição das categorias concretas - significados emergidos
das experiências vividas; análise dessas categorias e discussão dos resultados
à luz da fenomenologia social de Alfred Schütz e de estudos relacionados à
temática.
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos
da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, conforme o Processo de nº
1019/2011 e do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, sob o
Registro de nº 1104/2011.
RESULTADOS
A contextualização dos sujeitos no campo de ensino clínico
O ensino de enfermagem no campo clínico acontece no mundo social, onde as
pessoas interagem umas com as outras em uma relação face a face inscrita na
intersubjetividade. Esse mundo constitui-se no cenário onde o ser humano vive,
o qual se encontra estruturado anteriormente ao seu nascimento. O homem tem a
capacidade de intervir nesse mundo, transformando-se continuamente e alterando
as estruturas sociais(9).
Cada pessoa segue, durante toda a sua existência, interpretando o que encontra
no meio em que vive, a partir das perspectivas de seus próprios interesses,
motivos, desejos, compromissos ideológicos e religiosos(9). Essa interpretação
conduz o sujeito a agir, transformando a realidade social. O ser humano age
mediado por motivos existenciais, que são os fios condutores para a
interpretação da ação. Os que se relacionam ao alcance de expectativas são
chamados "motivos para" e aqueles que compõem as experiências presentes e
passadas são denominados "motivos porque"(9).
Nesse sentido, é importante demarcar que a ação de ensinar e aprender está
inscrita em um contexto motivacional. Este é composto pelas experiências
prévias e presentes dos sujeitos (motivos porque) e pelos projetos que
possibilitam a concretização da ação (motivos para).
O campo de ação dos sujeitos envolvidos na aprendizagem em campo clínico, no
cenário desta pesquisa, apresenta particularidades que merecem destaque. As
experiências de aprendizagem em pauta neste estudo situam-se em uma instituição
pública da maior metrópole brasileira - São Paulo. Embora haja semelhanças com
o ensino clínico realizado em outras escolas, considerando-se o conteúdo
preconizado pelas diretrizes curriculares nacionais para os Cursos de Graduação
em Enfermagem brasileiros, o cenário escolhido para a pesquisa trouxe
evidências científicas que explicitam especificidades diferenciadas de
aprendizagem.
Ao descrever a experiência com o campo clínico (motivos porque), o enfermeiro
considera o ato de ensinar como uma atividade inerente a sua prática
profissional, voltando-se à participação das ações de aprendizagem, com uma
estreita relação com a instituição de ensino. O docente está mais centrado no
ensino teórico e nas atividades de pesquisa, atuando especialmente no
planejamento das atividades e na avaliação da prática, contando com a
participação do enfermeiro especialista no desenvolvimento do ensino clínico.
Docentes, enfermeiros e estudantes apontam o especialista como um elemento
fundamental no acompanhamento direto do estudante no campo. O estudante, ao
descrever a experiência do ensino clínico, revelou-a como uma oportunidade
proporcionadora do desenvolvimento de habilidades práticas necessárias à
formação profissional. Considera ser acolhido pelos profissionais do campo e
receber suporte teórico dos docentes para a aprendizagem prática.
As características biográficas das enfermeiras alocadas no hospital revelam que
possuem idades entre 28 e 54 anos e atuam na instituição hospitalar há um
período de quatro a 20 anos. Duas têm a titulação de doutora, quatro de mestre
e as demais de especialista. A maioria atua concomitantemente como enfermeira
assistencial e docente em instituições privadas. Quanto às docentes, todas têm
a titulação de doutora e atuam no ensino há um período de 12 a 34 anos. Os
estudantes são solteiros, sendo dez mulheres e um homem, com idades entre 21 e
34 anos.
Considerando estar contida na expectativa do sujeito a possibilidade de
transformação da realidade na qual os estudantes, enfermeiros e docentes estão
inseridos, optou-se por categorizar e analisar os "motivos para" da ação
inscrita no ensino clínico de enfermagem. Tais sujeitos, embora situados de
modo diferenciado no ensino clínico, trazem expectativas similares ao colocar
em pauta o ensino em campo de prática. Estas são expressas pelas categorias:
"Integração teórico-prática" e "Postura pró-ativa e reflexiva".
Integração teórico-prática
No que tange ao ensino clínico, integrar a teoria à prática constitui uma
expectativa recíproca para docentes, enfermeiros e estudantes. O docente
concebe essa integração encadeada pela teoria, que deve ser resgatada na
prática:
[...] espero que o aluno articule o conteúdo teórico à prática. (D2)
[...] espero que ele tenha embasamento teórico para as coisas que ele
faz [...] que a vivência da prática leve à aprendizagem efetiva da
clínica e do cuidado, vinculando o conteúdo teórico da disciplina.
(D5)
As expectativas do docente de unir a teoria à prática são evidenciadas também
pelos enfermeiros, que valorizam essa interface do conhecimento como necessária
à construção da aprendizagem:
[...] espero que eles estudem [...] para subsidiar a prática. (E2)
[...] espero que eles busquem a teoria para a prática ser mais
produtiva. (E7)
A articulação da teoria à prática se desdobra na expectativa de que o estudante
possa apreender e aplicar o conhecimento teórico-prático no exercício
profissional:
[...] que levem tudo o que aprenderam aqui para outros lugares e se
tornem bons profissionais. (E4)
[...] que eles consigam fazer, aprender e adquirir base para a
experiência profissional. (E6)
Também o estudante vislumbra a articulação teórico-prática como uma
possibilidade de qualificar o ensino, considerando fundamental a
complementaridade evocada por tal articulação:
[...] não tem como você passar por uma disciplina sem a prática. Fica
incompleto [...]. (A3)
Para efetivar a articulação entre a teoria e a prática, o docente e o
enfermeiro esperam que o estudante se veja como sujeito ativo do processo de
aprendizagem. Por outro lado, o estudante tem como expectativa ter oportunidade
para desenvolver-se no campo de prática, considerando necessária uma postura
proativa dos facilitadores de sua aprendizagem. Nesse sentido, os sujeitos
envolvidos no campo clínico consideram a postura pró-ativa e reflexiva como
mediadora da aprendizagem.
Postura proativa e reflexiva
A expectativa dos docentes e dos enfermeiros quanto ao ensino no campo clínico
é de possibilitar o desenvolvimento do estudante neste cenário. Percebem-se no
papel de facilitadores do ensino e referem estimular o estudante para executar
a prática profissional:
[...] eu me vejo como estímulo e acompanhamento [...]. (D1)
[...] Eu estimulo os alunos que precisam, dou um toque. (E5)
Diante do papel que se vê desempenhando no cenário prático, o docente espera
que o aluno conquiste autonomia, mediada por iniciativa e motivação próprias:
[...] busco colaborar para que o aluno fique autônomo, emancipado,
pensando sempre no papel que ele vai assumir ao se formar. (D3)
[...] espero que eles busquem novos conhecimentos [...] ter essa
iniciativa, essa motivação. (D9)
O enfermeiro apresenta reciprocidade de intenções com o docente no que tange às
expectativas de que o aluno possa desenvolver no campo de prática uma atitude
pró-ativa e comprometida com o que vivencia na situação de aprendizagem:
[...] espero que, com a prática, ele tenha iniciativa e consiga andar
sozinho aqui dentro da unidade - claro que com supervisão. (E1)
[...] minha expectativa é que ele estude e que se comprometa com o
trabalho. (E2)
O estudante também considera que o ensino em campo clínico deve assumir um
caráter de complementaridade na sua formação profissional, especialmente para
aquisição de segurança e autonomia:
[...] é na prática que você consegue ver seu posicionamento, sua
autonomia, seu conhecimento. (A3)
Para o estudante, a conquista da autonomia está atrelada a um suporte
profissional no campo de prática, seja do enfermeiro do serviço ou do docente:
[...] espero ser acolhida pelo enfermeiro [...] que sejam dadas as
possibilidades para desempenhar as funções próprias da enfermeira,
preparando a gente para ter uma boa atuação não somente naquele local
da prática, como também em outros campos. (A7)
[...] Espero do professor uma prontidão para me ajudar no que
precisar, me indicar referências, esclarecer dúvidas, conversar
comigo [...]. (A8)
Tendo em vista que o ensino clínico transcende a realização de procedimentos
técnicos, docentes e enfermeiros esperam que, ao facilitarem a aprendizagem
prática, o estudante possa desenvolver habilidades que não se limitem ao fazer,
mas que o possibilitem refletir criticamente sobre o que faz:
[...] espero que o aluno possa refletir no processo de
desenvolvimento dele, como futuro profissional, tanto no que diz
respeito às questões teóricas, práticas, como atitudinais. (D6)
[...] o que acontece na prática a gente conversa com o aluno e ele
traz algumas questões que nos possibilitam voltar e rediscutir. (E3)
O estudante, ao vivenciar a prática, agrega ao fazer a possibilidade de
refletir para além do que faz, vislumbrando no ensino clínico a oportunidade de
experienciar o ser enfermeiro:
[...] a prática contribui bastante para a gente refletir que tipo de
profissional quer ser. (A1)
[...] você vai aprendendo aos poucos o que é ser enfermeiro [...] só
a prática para te dizer isso [...]. (A2)
DISCUSSÃO
A Enfermagem é uma profissão predominantemente baseada na prática, sendo
necessário que o processo de formação do enfermeiro seja construído a partir de
um forte elemento prático agregado ao caráter técnico-científico exigido nos
cursos de nível superior(12).
A ênfase ao componente prático da formação do enfermeiro se dá no campo
clínico, o qual envolve a participação do docente, do enfermeiro assistencial e
do estudante. Concebe-se que a relação dialógica entre estes sujeitos implica o
aproveitamento das oportunidades emergidas no cenário da prática, culminando em
um maior desenvolvimento das potencialidades do estudante neste contexto de
ensino(8).
Para a reflexão sobre o ensino de enfermagem em campo clínico, os sujeitos se
amparam na bagagem de conhecimentos que possuem, considerando o modo como estão
situados no processo de aprendizagem. A bagagem de conhecimentos é constituída
inicialmente pelos progenitores, que são os mediadores da inserção do homem nas
relações sociais. Soma-se o conhecimento agregado pelos educadores e as
próprias experiências do sujeito, que complementam essa bagagem de referência
para a compreensão do mundo, situando o homem de modo específico no mundo
social - situação biográfica(9). Nesse sentido, considera-se que a bagagem de
conhecimentos e a situação biográfica dos sujeitos subsidiam seus projetos em
relação ao ensinar e aprender em campo clínico (motivos para).
A tríade de sujeitos envolvidos diretamente no processo de aprendizagem
vislumbra a integração teórico-prática, que tem como propósito a aplicação do
conhecimento técnico-científico no campo clínico, como subsídio para o
exercício profissional. Assim, a teoria assume um caráter complementar à
prática e vice-versa.
A parceria professor-enfermeiro-aluno é enriquecedora, uma vez que proporciona
ao acadêmico o contato com profissionais experientes nas diferentes áreas de
atuação da Enfermagem. Tal parceria permite a observação das atitudes e
posturas tomadas pelo enfermeiro, além de possibilitar ao estudante a
articulação entre o conhecimento teórico e as situações vivenciadas na prática
(13).
A fusão da teoria à prática impulsiona o estudante a perceber o papel que
desempenhará como profissional. Isso o conduzirá ao amadurecimento e,
consequentemente, o levará a exercer a profissão com qualidade, habilidade e
segurança(9). O aprender a ser enfermeiro implica um processo multidimensional
que exige o aproveitamento das oportunidades de aprendizagem disponíveis e o
suporte de supervisores que tenham conhecimento para mediar a integração do
desenvolvimento de habilidades técnicas, científicas e interpessoais
necessárias ao cuidar em enfermagem(14).
É importante considerar no ensino clínico a importância de o estudante
desenvolver as habilidades profissionais de modo contextualizado, o que
possibilita a compreensão do papel do enfermeiro. Do contrário, sua prática
tende a ser fragmentada e desconexa, interferindo na sedimentação do
conhecimento(14).
Tal apreensão está atrelada a um exercício reflexivo da prática, ampliando a
condição de o estudante intervir na realidade vivenciada, considerando a
habilidade instrumental para a realização dos procedimentos e o aporte crítico-
reflexivo necessário a cada situação.
Docentes, enfermeiros e estudantes almejam que o contexto da prática fomente o
desenvolvimento de habilidades que transcendam a dimensão do fazer pelo fazer,
estimulando a capacidade de refletir criticamente a situação vivenciada. Os
sujeitos facilitadores do ensino esperam que a prática possibilite ao estudante
tornar-se ativo no seu próprio aprendizado. Do mesmo modo, o estudante espera
que o ensino clínico o conduza à autonomia necessária ao exercício
profissional.
A autonomia referida pelos sujeitos do estudo envolve a postura pró-ativa do
docente e do enfermeiro, no sentido de estimular, apoiar e colaborar na
aprendizagem e do estudante, no que tange ao aspecto motivacional e à
iniciativa necessários para adquirir segurança e desenvolver a autonomia no
campo clínico.
O campo de prática constitui um cenário fecundo para trabalhar conteúdos
atitudinais. As atitudes do docente como facilitador do processo de
aprendizagem podem ser expressas pela busca de maior aproximação com o
estudante, pela conversa aberta, pelo exemplo de vida profissional e pelas
oportunidades criadas que possibilitam a ele expressar suas dúvidas e os seus
sentimentos(15).
Espera-se que, no ensino clínico, o estudante reflita sobre a sua ação,
tornando-se um profissional crítico e reflexivo, com conhecimentos científicos
necessários ao desenvolvimento do cuidado. Considera-se também importante que
seja capaz de trabalhar em equipe, identificando o seu papel como enfermeiro,
adequando-se à cultura da profissão e da instituição de saúde onde está
inserido(15). O campo clínico permite ao estudante adquirir a sua
independência, trabalhar em equipe, construir uma postura profissional e
desenvolver habilidades para lidar com o usuário do sistema de saúde e com os
familiares deste(16).
Para tanto, faz-se necessário que o estudante seja acolhido em suas limitações
e conflitos, sendo sistematicamente acompanhado no ensino prático. Isso se
desdobrará na promoção de sua maturidade pessoal e profissional, transcendendo
a formação estritamente técnica e valorizando a formação de cidadão, de ser
humano, cujo fazer produz implicações nas dimensões social e existencial(17).
Portanto, a experiência prática permite ao estudante construir uma identidade
profissional própria. Isso o subsidia para atuar de modo competente e seguro
diante das diversas situações e cenários do mercado de trabalho(13).
Tendo em vista que, no ensino clínico, é esperado o desenvolvimento de
habilidades técnicas, científicas e interpessoais, faz-se necessário que o
cenário de prática seja um ambiente que promova empatia, confiança, paciência e
respeito para com os estudantes de enfermagem. A experiência positiva do
estudante neste contexto lhe permitirá refletir sobre sua atuação profissional,
inclusive ao retornar ao cenário prático como enfermeiro(18).
Nessa perspectiva, é necessário que os facilitadores do ensino promovam a
valorização do estudante no campo clínico, apoiando-os na aprendizagem e
garantindo sua inclusão no processo pedagógico, com respeito às
individualidades(19).
As expectativas dos docentes, enfermeiros e estudantes em relação ao ensino
clínico estão atreladas à bagagem de conhecimentos que possuem, considerando a
situação biográfica que ocupam no contexto da formação profissional. Dessa
forma, a ação de ensinar e aprender traduz o modo como esses sujeitos se voltam
para o ensino clínico, considerando os seus papéis na construção do
conhecimento.
Somado a isso, há que se considerar que tais expectativas são pautadas no
contexto onde a prática acontece. Nesse sentido, é importante identificar a
complexidade inscrita nos diversos cenários e situações do cuidado humano. Isso
pressupõe o desenvolvimento da criatividade e curiosidade, o enfrentamento das
incertezas e o entendimento da dinamicidade do conhecimento construído
continuamente(20).
Percebe-se, portanto, que a fluidez do ensino clínico coloca os sujeitos
envolvidos em uma relação dotada de reciprocidade, requerendo um diálogo
constante e compatível com as necessidades e possibilidades do docente, do
enfermeiro e do estudante. A reciprocidade de intenção externa a convergência
de intencionalidades dos sujeitos para um dado objeto - neste estudo,
representado pelo ensino clínico - que se traduz em construções típicas de
objetos de pensamento, revelando o modo como estes são conhecidos pelos
sujeitos que se relacionam no mundo social(9).
Na medida em que esta pesquisa foi realizada com sujeitos vinculados a uma
universidade pública do Estado de São Paulo, seus achados retratam uma
realidade específica, mostrando a compreensão do fenômeno sob uma dada
perspectiva. Isso se configura como uma limitação do estudo que, se realizado
em outras realidades, poderá elucidar outras facetas do fenômeno ora desvelado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao colocar em pauta as expectativas dos docentes, enfermeiros e estudantes
referentes ao ensino clínico no Curso de Graduação em Enfermagem, evidenciou-se
reciprocidade de intenções relacionadas à integração teoria-prática e à postura
pró-ativa e reflexiva requerida pelos sujeitos envolvidos nesse contexto de
ensino.
No que tange à integração teórico-prática, os achados deste estudo apontam que
os sujeitos inseridos no processo de aprendizagem devem estar abertos ao
diálogo, a fim de que tal integração aconteça. Isso pressupõe considerarem as
potencialidades e limitações inscritas nas pessoas envolvidas e nos cenários
onde ocorre a aprendizagem, para que a relação dialógica seja congruente e
recíproca, independentemente da situação biográfica dos sujeitos.
Nesse sentido, é almejada pelos participantes da pesquisa a postura pró-ativa e
reflexiva no ensino em campo de prática. Isso se traduz em uma necessidade de
feed-back entre os facilitadores da aprendizagem, que devem estar voltados
ativa e reflexivamente para o processo mútuo de construção do conhecimento.
Este estudo traz implicações importantes para serem consideradas no processo de
formação em enfermagem. Para o enfermeiro assistencial, que acompanha o
estudante no ensino clínico, sinaliza a necessidade de este profissional
atentar-se para o seu papel como suporte na realização das atividades práticas,
incluindo ações de incentivo, motivação e criação de possibilidades para o
desenvolvimento das potencialidades do estudante.
Ao docente cabe a reflexão sobre a necessidade de planejar e executar um ensino
clínico subsidiado no aporte teórico que encadeia na sala de aula. Somado a
isso, reitera-se a importância de conduzir a prática de modo contextualizado,
contemplando as demandas, possibilidades e potencialidades inscritas na
singularidade dos sujeitos envolvidos na aprendizagem.
Ao estudante os resultados da presente pesquisa apontam para a importância de
se perceber como um sujeito ativo na construção do seu próprio conhecimento.
Desse modo, cabe a ele não somente cobrar o ensino que espera, mas também se
motivar na busca pelos recursos/possibilidades de aprendizado disponíveis para
o seu bom desenvolvimento no cenário da prática.
Espera-se que os achados deste estudo sejam primordialmente considerados pelos
atores que compõem a gestão do ensino em enfermagem, em especial na elaboração
dos projetos pedagógicos voltados para a formação do enfermeiro, valorizando o
ensino clínico como importante alicerce na construção do conhecimento e da
identidade profissional.