Qualidade de vida em mulheres no climatério atendidas na Atenção Primária
INTRODUÇÃO
A população feminina brasileira totaliza mais de 98 milhões de mulheres. São as
principais usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS), seja para o seu próprio
atendimento ou acompanhando seus familiares, representando 50,77% da população
brasileira(1). Por isso, a vivência do climatério pelas mulheres está cada vez
mais presente, e demanda estratégias que melhorem a qualidade de vida nesse
período.
A atenção integral à saúde da mulher pressupõe assistência em todas as fases de
sua vida. O climatério, por compreender um período relativamente longo da vida
da mulher, deve merecer atenção crescente da sociedade, pois a expectativa de
vida após a menopausa é atualmente equivalente ao período de vida reprodutiva
(2). Assim, considera-se o climatério como uma fase da vida biológica da mulher
que representa a transição entre o período reprodutivo e o não reprodutivo(3) e
não um processo patológico(4). O período etário aceito em que a mulher poderá
experimentar os sintomas associados ao climatério é a partir dos 40 anos.
Nas últimas décadas há referências da universalidade dos sintomas climatéricos,
apesar deles sofrerem influências de características sociodemográficas, como
por exemplo, a raça. A transição climatérica é um fenômeno cultural
extremamente variável e a complexidade dos fatores hormonais e
psicossocioculturais e o próprio envelhecimento biológico produzem uma grande
variabilidade de sintomas como também consequências para a saúde em longo prazo
(5).
O diagnóstico do climatério é dominantemente clínico, baseado na faixa etária,
no padrão menstrual alterado e manifestações climatéricas. No entanto, para
avaliação quantitativa do climatério, alguns índices, denominados de índices
menopausais, foram criados e todos têm como princípio a somatória ponderal das
manifestações climatéricas; também são utilizados para a realização de
protocolos de pesquisa para comparação de tratamentos(6).
Nos últimos anos, têm surgido indagações sobre se os sintomas climatéricos e a
tendência ao comprometimento intenso ou não da qualidade de vida no climatério,
além do hipoestrogenismo, se não estariam associados também a fatores
psicossociais e culturais relacionados ao processo de envelhecimento ou, então,
pela interação destes(7). Atualmente a hipótese é de que qualidade de vida no
climatério seria influenciada tanto pela presença dos sintomas decorrentes do
declínio estrogênico, como por fatores psicossociais e culturais ligados ao
próprio processo de envelhecimento(7-8).
Frente à complexidade da síndrome climatérica e dos seus possíveis reflexos na
qualidade de vida feminina, tem sido proposta uma nova abordagem, destacando a
importância de uma escuta qualificada paralela às intervenções clínicas
necessárias, de forma a permitir maior compreensão do processo crítico
existencial envolvido, onde aspectos psicológicos relacionados ao envelhecer se
mesclam com aqueles resultantes do esgotamento hormonal(8-9).
Desta forma, de fato, com o que se relacionada a qualidade de vida de mulheres
que passam pelo período do climatério? Portanto, a presente pesquisa teve por
objetivo avaliar a qualidade de vida de mulheres na fase do climatério
atendidas na atenção primária à saúde.
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa epidemiológica, prospectiva, longitudinal. Neste tipo
de investigação, procura-se verificar a frequência de um determinado agravo na
presença ou ausência de um determinado fator condicionante/determinante
(exposição). Neste caso em especial, procura-se saber se há modificações na
qualidade de vida de mulheres submetidas à TRH e não submetidas à TRH. É
procurado, então, esclarecer uma dada associação entre uma exposição, em
particular, e um efeito específico.
Participaram mulheres no período do climatério escolhidas aleatoriamente
(sorteio realizado com os prontuários da faixa etária visada), dos serviços de
atenção primária à saúde de um município do interior paulista. As participantes
selecionadas foram divididas em dois grupos: desejosas de realizar a Terapia de
Reposição Hormonal (TRH) e não desejosas de realizar a TRH, de acordo com os
critérios de inclusão: mulheres com idade entre 40 e 65 anos de idade e
menopausa há no máximo 05 ano; e exclusão: mulheres que apresentem doença
psiquiátrica; que estivessem usando medicamentos psiquiátricos ou outro tipo de
medicação que pudesse interferir em seu estado de consciência; que fizessem uso
de qualquer tipo de droga ou uso abusivo de álcool; que já iniciaram a TRH; que
fizeram uso de qualquer medicamento não hormonal para alívio dos sintomas
associados ao climatério no último ano e fatores que contraindicassem
absolutamente a TRH).
Para a definição da amostra utilizou-se o número de prontuários de mulheres na
faixa etária de 40 a 65 anos (5.000), segundo levantamento na Unidade onde é
realizado o atendimento de ginecologia do município. Considerando que a
prevalência de boa qualidade de vida em mulheres no período do climatério seja
de 50%, ou seja, uma prevalência desconhecida, uma margem de erro de 10% e
coeficiente de confiança de 95%, o tamanho amostral mínimo foi de 96 pacientes
avaliadas antes e após a TRH. Para o grupo controle, teve-se o mesmo valor de
"n". Foram voluntárias 99 mulheres para cada grupo. A faixa etária escolhida
deu-se em concordância com o Consenso Brasileiro Multidisciplinar da Sociedade
Brasileira de Climatério – SOBRAC(8).
As mulheres selecionadas para o estudo foram acompanhadas pelos ginecologistas
do município, com termo firmado de colaboração com os mesmos. As mulheres em
uso de TRH foram avaliadas no início do estudo e após o término do tratamento,
conforme critério médico (sendo o período máximo de 06 meses); as não usuárias
de TRH foram avaliadas no início e depois de 06 meses, sendo a avaliação de no
mínimo 03 meses.
O período de coleta de dados deu-se entre novembro de 2011 e maio de 2012. As
entrevistas foram realizadas no local de maior comodidade para a entrevistada,
sendo nas Unidades Básicas do município e no domicílio, inclusive. As
entrevistas duraram em média 25 (vinte e cinco) minutos e foram feitas por
apenas um dos pesquisadores. Os dados foram tabulados em dupla inserção pelos
pesquisadores para garantir a fidedignidade dos mesmos.
Foram utilizados três instrumentos para atender aos objetivos da presente
pesquisa. Para identificação e caracterização da usuária, o pesquisador criou
um formulário de entrevista, sendo este um instrumento de identificação com
dados clínicos, comportamentais e sociodemográficos. Para a avaliação da
qualidade de vida de forma genérica e abrangente, optou-se pelo instrumento
validado denominado Medical Outcomes Study 36-item Short-Form Health Survey
(SF-36). O SF-36, utilizado para avaliação da saúde geral, atualmente é um dos
instrumentos mais conhecidos e difundidos na área de saúde(10), já traduzido e
validado no Brasil(11). É um questionário multidimensional, composto por 11
questões e 36 itens, com oito componentes ou domínios: capacidade funcional (10
itens), aspectos físicos (4 itens), dor (2 itens), estado geral de saúde (5
itens), vitalidade (4 itens), aspectos sociais (2 itens), aspectos emocionais
(3 itens), saúde mental (5 itens). Cada componente do SF-36 corresponde a um
valor, que varia de zero a 100, onde zero corresponde ao pior e 100 ao melhor
estado de saúde, derivados de cálculos correlacionais entre as respostas dos
domínios.
Para a avaliação dos sintomas em específico, a escala de maior viabilidade e
complementação do SF-36 foi a Escala de Avaliação da Menopausa – Menopause
Rating Scale (MRS), por ser rápida na aplicação e bastante direta e específica
quanto à validação dos dados. A Escala de Avaliação da Menopausa (MRS) é um
instrumento que tem em vista a intensidade da sintomatologia do climatério. É
considerada uma ferramenta valiosa na avaliação dos sintomas mais prevalentes
para esta fase da vida feminina. Esta escala foi padronizada, inicialmente, na
Alemanha por Heinemann et al.(12), tendo sido traduzida para vários idiomas,
inclusive o português. A validação para o Brasil foi realizada em 2002, pelo
Instituto Internacional "NFO", com sede nos Estados Unidos(13).
Foram assegurados sigilo e seguimento do tratamento para todas as mulheres que
utilizaram a TRH, sem prejuízo da assistência após o término da pesquisa. No
que tange ao tratamento da menopausa, o protocolo da instituição escolhida, era
composto por isoflavona de soja, estrógeno equino conjugado e estradiol mais
acetato de noretisterona.
Faz-se necessário salientar que, diante da escolha aleatória da amostra, 20
mulheres recusaram-se a participar do estudo ou foram perdidas no decorrer do
acompanhamento, tendo como justificativa para tal a insatisfação em responder
aos questionários e não verificação da relevância de sua participação.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de
Medicina de Botucatu-Unesp, protocolo CEP 3948-2011, de 01 de Agosto de 2011,
em respeito à Resolução 466 de 2012 do Conselho Nacional de Saúde.
Para os componentes do SF-36, os mesmos foram analisados pela média, desvio
padrão e percentil, após cálculos dos domínios. Foi utilizado o Teste de Tukey
para comparação entre os grupos e teste do Qui-quadrado ou exato de Fisher para
diferenças entre proporções. As comparações foram consideradas estatisticamente
significativas com p< 0,05.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As usuárias de TRH apresentaram média etária de 50,76 ± 3,63 anos e as não
usuárias de 48,95 ± 6,27anos (p=0,014). Na variável nível de escolaridade,
observamos que o grupo intervenção tem maior proporção de mulheres com ensino
superior, dando significância nesta diferença. Ainda, quanto à renda própria,
as diferenças não se mostraram estatisticamente significativas (Tabela_01).
Tabela 1 Caracterização dos grupos segundo cor, nível de escolaridade e renda
própria
Variável Grupo Controle (n=99) Grupo Intervenção (n = 99
FrequênciaPercentual FrequênciaPercentual p*
Cor 0,356
Branca 66 66,67 73 73,74
Preta 09 9,09 11 11,11
Parda 23 23,23 15 15,15
Amarela 01 1,01 0 0,00
Nível de Escolaridade 0,005
Ensino Fundamental 58 58,59 42 42,42
Ensino Médio 31 31,31 27 27,27
Ensino Superior 08 8,08 30 30,30
Renda própria 0,106
01 salário mínimo 37 37,37 21 21,21
02 salários mínimos 10 10,10 14 14,14
03 salários mínimos 09 9,09 10 10,10
Mais de 03 salários 01 1,01 04 4,04
mínimos
Não tinham renda 42 42,42 50 50,51
própria
*Teste Qui-quadrado
Quando as mulheres foram perguntadas a respeito das comorbidades (Tabela_02),
evidenciou-se significativa prevalência de HAS e Artralgia, com cerca de 20 e
30% de distribuição nos grupos. Porém, em comparação entre os grupos, não houve
diferença estatisticamente significativa. Apenas para ingestão de álcool e
tabagismo observou-se diferença. O uso eventual de álcool no grupo intervenção
é maior, ao passo que existem mais não tabagistas e ex-tabagistas no grupo
controle.
Tabela 2 Distribuição das comorbidades nos grupos estudados
Variável Grupo Controle (n=99) Grupo Intervenção (n=99
FrequênciaPercentual FrequênciaPercentual p*
HAS 0,143
Sim 43 43,43 33 33,33
Não 56 56,57 66 66,67
DM 0,788
Sim 8 8,08 7 7,07
Não 91 91,92 92 92,93
Artralgia 0,101
Sim 30 30,30 20 20,20
Não 69 69,70 79 79,80
Osteoporose 0,091
Sim 13 13,13 6 6,06
Não 86 86,87 93 93,94
*Teste Qui-quadrado
Para o estado marital, há diferença entre os grupos (p <0,001); o grupo
controle tem maior frequência de mulheres sem companheiro (26,26%) e sem
parceiro sexual (29,29); já o grupo intervenção apresentou maior proporção de
mulheres com parceiro sexual e companheiro (89,90%).
Em relação aos hábitos de vida e presença de dificuldades sexuais, conjugais,
familiares e conjugais, houve diferença estatística entre os grupos,
excetuando-se as dificuldades artísticas e atividades religiosas (Tabela_3).
Tabela 3 Distribuição nos grupos estudados dos hábitos de vida
Variável Grupo Controle (n=99) Grupo Intervenção (n=99)
FrequênciaPercentual FrequênciaPercentual p*
Ingestão de álcool 0,002
Não faz uso 87 87,88 70 70,71
Diariamente 0 0
Eventualmente 12 12,12 29 29,29
Tabagismo <0,001
Não tabagista 84 84,85 68 68,69
Tabagista 12 12,12 15 15,15
Ex-tabagista 3 3,03 16 16,16
Atividades esportivas <0,001
Sim 26 26,26 30 30,30
Não 73 73,74 69 69,70
Atividades artísticas 0,281
Sim 34 34,34 27 27,27
Não 65 65,66 72 72,73
Atividades religiosas 0,296
Sim 75 75,76 81 81,82
Não 24 24,24 18 18,18
Dificuldades sexuais 0,005
Sim 12 12,12 2 2,02
Não 87 87,88 97 97,98
Dificuldades conjugais 0,003
Sim 8 8,08 0 0,00
Não 91 91,92 99 100,00
Dificuldades familiares 0,002
Sim 9 9,09 0 0,00
Não 90 90,91 99 100,00
Dificuldades sociais 0,003
Sim 8 8,08 0 0,00
Não 91 91,92 99 100,00
Alimentação diária <0,001
1 1 1,01 2 2,02
2 27 27,27 2 2,02
3 26 26,26 40 40,40
4 ou mais 45 45,45 55 55,56
*Teste Qui-quadrado
Em relação à idade da menarca, não se observou diferença, estando a média das
idades por volta dos 12 anos, com o grupo controle apresentando 12,45 ± 1,75 e
o grupo intervenção 12,85 ± 1,59 (p=0,0738). Do mesmo modo, o tempo de
menopausa tem diferença estatisticamente significativa nos grupos, com cerca de
2 anos – grupo controle com 1,58 ± 2,0 e grupo intervenção com 2,24 ± 1,90
(p=0,014). Estatisticamente significativa foi a diferença entre a presença de
fluxo menstrual, que é nula no grupo intervenção. Quando indagadas a respeito
de quantos dias permanecia o fluxo menstrual, a média foi de 2,60 + 2,81.
Quanto à cor/etnia não se observou a associação com a intensidade das ondas de
calor, provavelmente pela dificuldade de avaliação dessa variável em nosso
meio. Cabe ressaltar que, no presente estudo, essa variável foi classificada
segundo autodeclaração da participante. Importante também destacar que o papel
da cor/etnia nos níveis hormonais durante a transição climatérica é pouco
conhecido. O estudo Study of Women's Health Across the Nation demonstrou que
mulheres americanas afrodescendentes foram as que apresentaram os menores
níveis de testosterona e de sulfato de deidroepiandrosterona quando comparadas
às caucasianas, hispânicas e orientais. Possivelmente por este motivo, as afro-
americanas foram as que reportaram maior prevalência de ondas de calor(14).
Na avaliação específica dos sintomas climatéricos com base no instrumento MRS,
verificou-se que não há severidade dos sintomas, uma vez que todos os escores
de avaliação não passaram de 0,40 para as queixas, excetuando-se os fenômenos
vasomotores, que tiveram escores acima de 0,50 (Tabela_4).
Tabela 4 Qualidade de vida geral e específica para os sintomas climatéricos nos
grupos estudados nos tempos 0 e 6
Grupo Controle (n=99) Grupo Intervenção
Variáveis (n=99)
Média e Desvio Padrã Média e Desvio Padrão
Tempo 0 p* Tempo 6 p* Tempo 0 p* Tempo 6 p*
MRS
Fenômenos Vasomotores 0,27 ± aA 0,31 ± aA 0,52 ± aB 0,41 ± 0,39aA
0,34 0,51 0,38
Queixas Cardíacas 0,21 ± aA 0,22 ± aA 0,15 ± aA 0,12 ± 0,23aA
0,30 0,31 0,26
Insônia 0,27 ± aA 0,26 ± aA 0,18 ± aA 0,14 ± 0,26aB
0,34 0,35 0,30
Depressão 0,25 ± aA 0,26 ± aA 0,15 ± aA 0,12 ± 0,23aB
0,34 0,36 0,26
Irritabilidade 0,24 ± aA 0,35 ± aA 0,35 ± aA 0,31 ± 0,32aA
0,32 0,35 0,33
Menor Capacidade 0,28 ± aA 0,28 ± aA 0,15 ± aB 0,14 ± 0,22aB
0,33 0,35 0,24
Sexualidade 0,32 ± aA 0,29 ± aA 0,36 ± aA 0,34 ± 0,33aA
0,34 0,34 0,33
Queixas Urinárias 0,19 ± aA 0,20 ± aA 0,13 ± aA 0,12 ± 0,24aA
0,32 0,32 0,26
Secura Vaginal 0,17 ± aA 0,15 ± aA 0,25 ± aA 0,22 ± 0,29aA
0,30 0,29 0,31
Queixas Locomotoras 0,33 ± aA 0,33 ± aA 0,26 ± aA 0,24 ± 0,44aA
0,37 0,39 0,46
SF-36
Capacidade Funcional 77,22 ± aA 76,21 ± aA 93,13 ± aB 93,13 ± aB
26,13 25,91 9,76 9,76
Aspectos Físicos 74,24 ± aA 72,98 ± aA 84,34 ± aA 85,61 ± aA
42,02 40,83 23,03 21,46
Dor 53,74 ± aA 53,74 ± aA 56,97 ± aA 56,97 ± aA
9,75 9,75 10,05 10,05
Estado Geral de Saúde 70,05 ± aA 70,25 ± aB 79,80 ± aB 79,34 ± aB
17,74 17,86 10,69 10,44
Vitalidade 66,26 ± aA 66,21 ± aA 69,75 ± aA 69,95 ± aA
22,54 22,75 17,76 17,88
Aspectos Sociais 43,73 ± aA 47,47 ± aA 46,09 ± aA 46,34 ± aA
10,00 10,10 12,45 12,28
Limitação por Aspectos 80,13 ± aA 79,12 ± aA 91,25 ± aA 92,26 ± aA
Emocionais 40,66 39,44 25,01 23,24
Saúde Mental 72,36 ± aA 71,72 ± aA 73,45 ± aA 73,49 ± aA
21,21 21,33 18,19 18,21
a: Comparação do tempo fixando o grupo; A: comparação dos grupos fixando o
tempo
*Teste de Tukey ajustado
Para os domínios do SF-36 observou-se uma boa qualidade de vida. Apenas o
domínio de dor esteve com escores por volta de 50 e o domínio de aspectos
sociais, abaixo de 50.
As ondas de calor frequentemente determinam um impacto negativo na qualidade de
vida, relacionando-se a alterações do sono com consequente fadiga,
irritabilidade, desconforto físico e problemas no trabalho. No Brasil, segundo
estudo de base populacional, a prevalência de ondas de calor é de 70,3% em
mulheres no climatério. Embora pareça ter como principal causa a deficiência
estrogênica, as ondas de calor apresentam prevalência e intensidade que variam
segundo características da população estudada. Dessa forma, o índice de massa
corpórea (IMC), tabagismo, consumo de álcool, escolaridade, antecedente de
ooforectomia ou de câncer são alguns fatores associados à intensidade das ondas
de calor(14).
Segundo O'dea(15), dentre os fatores associados à qualidade de vida da mulher
ao longo do seu processo de envelhecimento, os mais relevantes são as suas
condições físicas e emocionais prévias, a sua inserção social e experiências
frente a eventos vitais. Mais recentemente, verificou-se que a sintomatologia
climatérica e a qualidade de vida no climatério eram influenciadas também pelas
atitudes e percepções das próprias mulheres em relação à menopausa, o que pode
ter ocorrido no estudo de Silva-Filho e Costa(16). Nesse contexto, a
preocupação com a qualidade de vida se contrapõe com a tendência moderna de
tecnologização excessiva da Medicina, contribuindo para que se resguarde um dos
mais atuais paradigmas da saúde, a questão da humanização, o que vai ao
encontro, inclusive, com o proposto pelos inúmeros protocolos e consensos em
relação ao climatério.
Recentemente um estudo de coorte que avaliou o impacto da TRH na qualidade de
vida de mulheres climatéricas verificou que após um ano do início dessa terapia
houve melhora estatisticamente significativa das alterações do sono, capacidade
funcional e dor, porém sem benefícios clínicos significativos avaliados(17).
Nesse mesmo estudo, após três anos de seguimento não foi observada melhora
significativa em nenhum dos domínios da qualidade de vida.
Na presente pesquisa, observou-se que a TRH foi iniciada em média após dois
anos de início da menopausa, o que pode justificar a melhora na qualidade de
vida, ainda que discreta nas variáveis sintomas vasomotores, insônia, depressão
e menor capacidade do MRS. Com relação aos domínios do SF-36, não houve melhora
estatisticamente significativa após a intervenção.
Optamos por definir como critério de exclusão as mulheres que estivessem
utilizando algum medicamente antidepressivo ou semelhante que pudesse
interferir nas variáveis insônia e depressão, assim como as outras associadas,
mas em estudo de inquérito populacional realizado no Brasil mostrou que os
tranquilizantes/antidepressivos foram a medicação de escolha (28,3%) para
mulheres que procuraram o serviço médico por queixas climatéricas(18). Em
geral, os tranquilizantes são usados para alívio do nervosismo, ansiedade,
irritabilidade e insônia. Próximo ao período da menopausa, essas queixas
relacionadas ao humor podem estar associadas ao climatério. Isso sugere que a
TRH pode aliviar as queixas relacionadas ao humor na mulher climatérica(18).
Esse efeito benéfico da TRH sobre o estado do humor parece não só ser
decorrente do alívio dos sintomas vasomotores, mas também pode estar
relacionado a um efeito direto dos hormônios sexuais femininos sobre o sistema
nervoso central. Isso leva a crer que mulheres em uso de tranquilizantes /
antidepressivos poderiam ser beneficiadas com a TRH. Especula-se que a alta
taxa de uso de tranquilizante em mulheres que consultam um médico por queixas
climatéricas possa, em alguns casos, representar um diagnóstico errôneo em
relação aos sintomas psicológicos, sem que se correlacionasse a presença desses
sintomas com o estado menopausal(19).
Isso poderia explicar o porquê dos tranquilizantes terem sido prescritos no
lugar da TRH. Uma outra explicação poderia ser a falta de familiaridade,
conhecimento ou insegurança por parte dos médicos a respeito da terapia de
reposição hormonal e mesmo a falta de informação sobre os outros efeitos
benéficos da TRH em longo prazo.
Na presente pesquisa, as participantes eram usuárias da atenção básica e,
portanto, pertencentes a estratos sociais menos favorecidos e de baixa
escolaridade, em sua maioria. Apesar disso, podemos considerar de uma maneira
geral que a qualidade de vida dessas mulheres foi boa, independentemente do uso
ou não da terapia hormonal, uma vez que dos oito componentes avaliados no SF-
36, apenas aspectos sociais apresentou escore abaixo de 50, o que pode ser
justificado, em partes, pelo estrato social a que pertencem. O fato dessas
mulheres terem acesso a serviços de saúde especializados no atendimento e,
sobretudo, no entendimento da mulher climatérica pode minimizar os efeitos da
terapia hormonal sobre a qualidade de vida. A consulta com profissionais
especializados pode exercer um efeito positivo na percepção da qualidade de
vida. Cabe evidenciar que profissional especializado é aquele capacitado para o
manejo da saúde da mulher neste período, podendo ou não estar alocado em
ambulatórios de especialidade, justificando que a atenção básica pode fornecer
tratamento especializado à medida que está capacitada para tal dentro da rede
de atenção à saúde.
Outro ponto que merece atenção foi a prevalência de comorbidades, sobretudo em
não usuárias de TRH, que provavelmente associou-se à prescrição de alguma
medicação, que pode ter exercido algum efeito placebo nesse grupo que não
conseguimos mensurar, assim como a automedicação, principalmente a analgésica.
Os escores máximos foram observados nos componentes capacidade funcional,
aspectos físicos e aspectos emocionais. O componente aspectos físicos avalia a
interferência dos problemas de saúde na realização do trabalho e das atividades
diárias, e cerca de metade dessas mulheres, em ambos os grupos, exercia
atividades profissionais. Talvez não lhes seja possível apresentar limitações
nesse componente. No componente emocional, que avalia a interferência de
problemas emocionais nas atividades sociais, também se observou escore máximo.
Esse fato pode significar que a menopausa não interferiu negativamente na
integração social dessas mulheres. O menor escore foi observado nos aspectos
sociais (por volta de 46) para ambos os grupos. Esse resultado pode ser
explicado em razão do excesso de atividade dentro do lar associado com o
trabalho, o que impossibilita maiores atividades sociais, além da baixa renda.
Ainda, é possível que a sobrecarga causada pela dupla jornada de trabalho seja
responsável pelo comprometimento da vitalidade. Outros autores, aplicando o SF-
36 em mulheres no climatério, também verificaram baixos escores no componente
vitalidade(20).
Zahar(21) sugere que estudos longitudinais poderão mostrar a mudança do escore
de qualidade de vida a partir da prescrição da TRH, enriquecendo as informações
existentes até o momento e ampliando a compreensão dos fatores associados à
qualidade de vida dessas mulheres. A utilização de uma amostra populacional
permitiria inferências relativas às mulheres climatéricas de forma mais ampla e
não apenas relativas àquelas de ambulatórios especializados. Neste estudo
longitudinal, apesar das limitações de amostra e de ser realizado em um único
município, pudemos observar que a TRH exerce pouca influência na modificação
dos sintomas associados à percepção de qualidade de vida. De fato, qualidade de
vida, corroborando com diversos autores, é muito mais do que sintomas clínicos,
mas uma forma de viver e de encarar as adversidades colocadas nesta vivência em
que a medicação de reposição hormonal pouco tem significância.
É importante se considerar a proposta de utilizar também métodos qualitativos
nas pesquisas voltadas a avaliar a qualidade de vida no climatério, a despeito
de a metodologia quantitativa ainda se mostrar hegemônica e predominante na
literatura especializada, principalmente entre a classe médica. A metodologia
qualitativa, quando adequadamente conduzida, permite que se mostrem com mais
liberdade a subjetividade e a multidimensionalidade – tão importantes na
aferição da qualidade de vida. Além disso, os defensores de enfoques
qualitativos enfatizam que a utilização de medidas padronizadas pode levar a
respostas estereotipadas, que muitas vezes têm pouco ou nenhum significado para
a pessoa(21).
CONCLUSÕES
Para esta pesquisa, conclui-se que a TRH tem efeitos significativos na
amenização dos fenômenos vasomotores, o que pode ser observado na comparação
intragrupo intervenção.
Estando a qualidade de vida mais ligada a fatores emocionais, psicológicos e
sociais, as mulheres de ambos os grupos apresentaram qualidade de vida boa, sem
diferença estatisticamente significativa para os escores, excetuando-se a
capacidade funcional, os aspectos físicos e o estado geral de saúde do
instrumento SF-36 e insônia, depressão e menor capacidade do instrumento SF-36
na comparação entre os grupos. Para o SF-36 após a TRH, não houve diferença
estatisticamente significativa. Em ambos os grupos a qualidade de vida foi
considerada boa, pois não existem escores abaixo de 50 para o SF-36,
excetuando-se os aspectos sociais.
Sugere-se que os resultados obtidos neste estudo sejam utilizados como
subsídios para estratégias na política de atenção à mulher, evidenciando as
inserções de atividades de âmbito relacional e social, o que infere na
significativa melhoria dos sintomas advindos da vivência e aceitação do
período. Ainda, os dados servem para nortear as melhores práticas clínicas
adotadas e devem incitar mais pesquisas em outras populações.