Idosos residentes em uma instituição de longa permanência: adaptação à luz de
Callista Roy
INTRODUÇÃO
O Brasil tem passado por um rápido e, relativamente, recente processo de
transição demográfica e epidemiológica, no qual observamos uma expansão
considerável do grupo etário acima dos 60 anos.
A população de idosos no país, entre 1999 e 2009, aumentou de 6,4 para 9,7
milhões. Em termos percentuais, a proporção subiu de 3,9% para 5,1%. Em
compensação, no mesmo período, caiu o número de crianças e adolescentes de
40,1% para 32,8%, alargando o topo da pirâmide etária brasileira. Em
decorrência desse aumento, a expectativa de vida do brasileiro atualmente é de
73,1 anos. As mulheres representam 55,8% das pessoas com mais de 60 anos e a
expectativa de vida feminina passou de 73,9 anos para 77 anos. Entre os homens,
a expectativa de vida passou de 66,3 anos para 69,4 anos(1-2).
No Estado do Ceará, o crescimento da população idosa segue os mesmos níveis
nacionais, com os maiores de 60 anos tendo aumentado 61% em dez anos. Isso
porque os dados do Censo 2010 confirmam que esse contingente etário está em
1,063 milhão de pessoas, enquanto em 2000 esse valor correspondia a exatos
658,9 mil(1).
Estudos sobre as consequências dessa transição mostram-se insuficientes,
entretanto, já se pode vislumbrar modificações no perfil de morbimortalidade,
com aumento da incidência de doenças crônicas não transmissíveis, bem como dos
adoecimentos que levam as pessoas idosas à perda da capacidade funcional e,
consecutivamente, a dependência total(3).
Com o envelhecimento populacional, muitas questões sociais surgiram em diversos
âmbitos, sendo um dos principais, a família, independente de como seja
constituída. É nela que pode-se observar, dentre outras coisas, o surgimento de
dificuldades no relacionamento com os idosos, em especial aqueles considerados
dependentes por algumas condições de saúde, ocasionando desequilíbrio
individual e coletivo(4).
É neste contexto que as Instituições de Longa Permanência (ILPIs) assumem, cada
vez mais, maior importância social, especialmente para os indivíduos de idade
avançada e algum nível de dependência. As ILPIs constituem locais responsáveis
pelo atendimento a idosos dependentes ou independentes. O atendimento é
prestado a partir da verificação da inexistência de família, do abandono ou
mediante carência de recursos financeiros do próprio idoso ou de sua família
(5).
A probabilidade da admissão nessas instituições aumenta significativamente com
a idade e grau de dependência. Com o boom da geração que envelhece, a demanda e
os custos com estes serviços irão crescer decisivamente. Estima-se que 0,6% a
1,3% da população brasileira idosa se encontre em ILPIs(5-6). Apesar das
políticas priorizarem a família como responsável pelo cuidado ao idoso, a
expectativa é de que aumente a demanda por ILPIs no Brasil, especialmente,
porque alguns idosos, mesmo mantendo a independência e a autonomia, buscam
espontaneamente esses locais para residir, geralmente por considerar sua
participação familiar diminuída.
No entanto, o desenlace do vínculo familiar, ou mesmo a retirada de idosos que
moram sozinhos no lar de origem, por certo necessitará de processo adaptativo
na nova moradia, bem como na interação com os demais residentes, e ainda, com
as pessoas que compõem a equipe de cuidado. O novo ambiente, certamente
proporcionará estímulos diversos aos quais os idosos articularão estratégias de
enfretamento e adequação, mantendo a integridade física e psíquica. Mediante o
exposto, indaga-se: como ocorre a adaptação dos idosos que buscam,
voluntariamente, a ILPIs para residir? Para fundamentar o estudo optou-se pelo
modelo teórico de adaptação de Roy.
No modelo de adaptação, a pessoa surge como um ser adaptativo e holístico,
receptor do cuidado prestado. É vista como um sistema, no qual as entradas são
os estímulos, as saídas são respostas, utilizadas como retroalimentação, e os
processos de controle conhecidos como mecanismos de enfrentamento(7-8).
Estes mecanismos são considerados formas de controle do sistema, com a
finalidade de oferecer respostas aos estímulos existentes. Roy identificou
quatro modos adaptativos ou categorias para a investigação de comportamentos
que resultam dos mecanismos regulador e cognato. Os modos adaptativos são o
fisiológico, o auto conceito, a função de papéis e a interdependência(7-8).
Neste sentido, observando o comportamento dos idosos que residem por vontade
própria nas ILPI, em relação aos modos adaptativos, a enfermeira poderá
identificar as respostas adaptativas e as ineficientes nas diferentes condições
apresentadas e planejar ações individualizadas, de forma a proporcionar
acolhida, prevenindo alterações na saúde dos recém admitidos.
Para o estudo, optou-se pelo modo de autoconceito que se relaciona com a
necessidade básica e de integridade psíquica. Seu enfoque está no aspecto
psicológico e espiritual da pessoa, observando as subcategorias do ser físico e
do ser pessoal. O ser físico tem componente de sensação e imagem corporais. O
ser pessoal tem componentes próprios de auto coerência, de auto ideal e de ser
moral-ético-espiritual. A sensação do corpo é como a pessoa apresenta o ser
físico e a imagem do corpo é como a pessoa vê o seu físico. A auto coerência
representa os esforços da pessoa para manter auto-organização e evitar o
desequilíbrio. O autoconceito ideal representa o que a pessoa espera ser e
fazer, e o ser moral-ético-espiritual representa o sistema de crenças e auto
avaliação(7-8).
O objetivo do estudo foi avaliar o processo de adaptação de idosos que
buscaram, voluntariamente, residir em Instituição de Longa Permanência (ILPI)
na cidade de Fortaleza-CE, alicerçado no Modelo de Adaptação de Roy, no modo
autoconceito.
MATERIAL E MÉTODO
Pesquisa descritiva de natureza qualitativa, desenvolvida em uma instituição de
longa permanência para idosos da cidade de Fortaleza-CE.
A população foi constituida por 213 idosos residentes no local, com idade igual
ou superior a 60 anos. A amostra foi definida a partir da consulta de
prontuários dos residentes admitidos voluntariamente. Foram identificados 25
idosos que atendiam aos critérios de autonomia e independência e exerciam as
atividades básicas de vida diária (AVDs), como vestir-se, alimentar-se, tomar
banho e as atividades instrumentais de vida diária (AIVDs), como fazer compras,
tomar ônibus sozinho, organizar o local de moradia (dormitório).
A escolha de idosos independentes e autônomos deu-se devido à necessidade de
perceber o nível de adaptação após a institucionalização em relação à
manutenção da capacidade funcional com preservação da autonomia e da
independência.
A coleta de dados foi realizada entre outubro e dezembro de 2011. As técnicas
de produção de dados foram a entrevista semiestruturada e a observação com
aplicação de um roteiro-guia, realizada em dias alternados com as entrevistas,
de modo que se pudesse observar a convivência e a interação dos idosos no
local. Para complementar as falas dos idosos, era registrados no diário de
campo as expressões faciais, as posturas manuais, bem como os momentos de
silêncio.
Durante todo o desenvolvimento do estudo foram observados os preceitos éticos e
legais das pesquisas envolvendo seres humanos. O projeto foi apreciado pelo
Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará, processo nº.
100297668; FR- 331757 de 05 de janeiro de 2011. A Coordenadora da Instituição
de Longa Permanência para Idosos (ILPI) também aprovou e autorizou a sua
realização e indicou o local apropriado para as entrevistas.
Os idosos foram convidados e receberam informações sobre a pesquisa e aqueles
que, após os esclarecimentos, concordaram em participar, foram orientados
quanto à assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Comunicamos,
também, que mesmo tendo concordado em participar poderiam retirar o
consentimento em qualquer etapa da investigação, sem qualquer prejuízo.
Os dados foram tratados por meio de análise de conteúdo temática(9), que
identifica temas que são unidade de significação inspirado no modelo teórico de
Roy, representando elementos significativos do processo de adaptação dos idosos
institucionalizados.
As temáticas foram definidas a partir dos indicadores de adaptação das
subcategorias do modo do autoconceito do Modelo de Adaptação de Roy, a saber:
Eu Físico, subdividido nas temáticas Sensação Corporal e Imagem Corporal; e Eu
Pessoal, subdividido nas temáticas auto coerência, auto ideal e ser moral-
ético-espiritual.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os sujeitos do estudo eram na maioria, do sexo masculino19 (76%), a idade
variou de 60 aos 80 anos, com média de 71,2 anos. O tempo de residência no
local variou de dois a três anos, sendo as mulheres com maior tempo de moradia,
três anos. Todos os entrevistados possuíam alguma ocupação que exerciam
voluntariamente e que passaram a não exercê-la após a institucionalização. A
fonte de renda era a aposentadoria, que variava de dois a três salários
mínimos, calculado sobre o salário vigente à época da pesquisa, de R$ 622,00
(seiscentos e vinte e dois reais). Dentre os idosos residentes e participantes
do estudo, exceto as mulheres, 6 (24%) todos saíam para visitar amigos ou
familiares, retornando à instituição somente à tarde.
Dessa forma, para compreender como os idosos se adaptavam à instituição, foram
observados os aspectos que poderiam apresentar relações com o fato,
compreendendo o Modelo de Roy que descreve a pessoa como um ser adaptativo,
capaz de se adequar não só de forma emocional à situação, mas também às novas
necessidades que a sua nova condição exige(7-8). Entende-se que a adaptação é
um processo e resultado por meio dos quais as pessoas utilizam a consciência e
a escolha para criar a integração e a adaptação humana e ambiental.
No caso dos idosos que procuraram as ILPIs para residir, os estímulos
interiores e os exteriores evidenciavam o elemento do ambiente que representa
todas as condições, circunstâncias e influências que circundam e afetam o
desenvolvimento e o comportamento dessa pessoa. Os idosos que optaram por um
novo local de moradia rompem anos de convivência com os familiares, a partir de
estímulos ambientais externos que agiram sobre eles. Para realizar os
enfrentamentos e ter adaptação positiva às mudanças, os idosos justificam as
decisões pelas perdas físicas decorrente do processo de envelhecimento, pelo Eu
Físico.
O Eu Físico – sensação e imagem corporal
No relato da maioria dos idosos, a velhice revela-se marcada pela
desvalorização da vida, especialmente, pelas perdas. A lembrança da juventude
livre, plena de força, mostra-se como algo bom de ser recordado, um possível
retorno desejado. As expressões observadas denotavam tristeza, marcadas por
olhares vagos, expressões desordenadas das mãos, principalmente, nos momentos
em que se permitiam recordar aspectos do passado.
Eles afirmam que a velhice traz muitas mudanças, perdas, culminando com
dificuldades. Eem decorrência disso, decidem afastar-se da família por não se
considerar mais produtivo e ser um peso em casa. Muitas vezes, incorporam
certos estereótipos relacionados ao envelhecimento. Por isso, muitos retratam
certos comportamentos não adaptativos que podem ser evidenciados,
especificamente, em relação à temática da Sensação Corporal:
[...] eu me sinto fraco [...] não tenho aquela força toda não [...]
quando jovem sim, eu tinha vigor, andava e passeava muito, tempos que
não podemos fazer voltar [...] meu corpo não aguenta muito esforço,
deve ser a idade que aumenta a cada ano e deixa a gente muito
cansada. Eu vim morar aqui, eu gosto, estou me acostumando. O motivo
de minha decisão [...] não queria atrapalhar meus filhos. Eles não
têm tempo de olhar para mim, eu estava sendo um peso, um peso morto,
aquele que todos têm que carregar, mesmo que não queira. (E1)
Pelas falas dos participantes fica evidente que a sua percepção em relação ao
eu físico, lhe atribui um significado de fraqueza, dependência e desinteresse
da família. Este significado pode estar relacionado às experiências no decorrer
da vida, às atividades e ao domínio que tinham na família, quando suas vontades
eram atendidas e obedecidas pelos filhos. Justificam as condições físicas
alteradas como motivo do distanciamento e escolha por residir na ILPI.
Sabe-se que com o envelhecimento pode haver prejuízo na funcionalidade das
pessoas que é compreendida como a capacidade de realizar atividades de vida
diária, relacionadas ao autocuidado, e as atividades instrumentais de vida
diária, como gerenciar a moradia, com autonomia e independência. As pessoas
buscam outro local como artifício de mudança e retomada de suas decisões. No
entanto, a mudança e os contínuos estímulos do cotidiano, na nova moradia,
podem provocar desinteresse e a ineficácia na adaptação dos idosos(10).
As experiências da vida ocorrem por meio do corpo. É com este e por meio deste,
que se vivencia a experiência. Assim, o corpo tem relação direta com o mundo, é
o ponto de vista, referência das pessoas e para elas e para os outros. É o meio
onde o sujeito se reconhece, campo de todos os pensamentos e percepções, por
isso, antes de qualquer análise que se possa fazer dele, deve-se observar como
a pessoa o considera e como viabiliza os seus potenciais(11). Sabe-se que a
velhice pode desencadear alguma dependência física, que os impede de realizar
atividades da vida cotidiana, especialmente, de trabalho e comando familiar,
sendo esta temida pelos idosos(6).
Além disso, a Sensação Corporal também engloba outros componentes como o bem
estar sexual, que se traduz pelo sentimento e pela experiência do bem estar
físico chamado por Roy de Função sexual efetiva(7-8). Este aspecto também foi
referido nas falas dos participantes:
Quando eu saio, eu vou pra casa da minha namorada, que gosta de mim
[...] Ela me trata bem e, de vez em quando, eu durmo por lá mesmo
[risos], não precisa retornar prá cá. Nos damos muito bem, ela pensa
em vir morar aqui para ficar comigo, mas a filha não quer. (E2)
[...] eu não preciso permanecer todo tempo aqui, eu saio, vou à casa
dos filhos e filhas [...] outro dia arrumei uma namorada, na mesma
rua que eu morava. Eu não percebia ela, precisei sair para observar
aquela mulher tão boa [...] então, nós, ainda estamos namorando, mais
um motivo pra eu me sentir inteiro. (E25)
Percebe-se que é necessário estimular o direito à privacidade e intimidade,
favorecer o convívio, o namoro e as trocas afetivas entre idosos. A garantia
disto possibilita a eles exercerem, pelo menos neste aspecto, atividades que
melhor facilitariam sua adaptação na instituição, sendo ela estimulante neste
processo e mesmo um caminho para eles se completarem(12-13).
Outros idosos, a partir de seus relatos, demonstram baixo nível de satisfação
com a própria aparência, fato que caracteriza uma resposta inefetiva em relação
à temática da Imagem Corporal:
Gostar? Eu não. Tenho muito tempo aqui, mas não me acostumo. Não dá
para gostar de muita coisa não [...] De mim? o que é que eu vou
gostar em mim se eu já sou velho? Diga-me, o que posso gostar em mim?
ninguém nem olha para mim, minha filha [...] então o que posso dizer?
Antes quando jovem, sim, aí sim, eu me achava linda, tinha muitos
admiradores. Hoje, nem me olho no espelho para não enxergar a
velhice. (E17)
As funcionárias e enfermeiras sempre falam que sou linda, mas não
acredito, nisso, imagina, sou muito velha. Assim, decidi morar aqui,
longe dos muitos jovens que moram em minha casa, não dava para
conviver. Eu gosto de silêncio, eles gostam de muito barulho, não
tinha condições. (E3)
[...] se gosto de mim? Claro que gosto, mas do meu corpo, agora não
[...] estou tão velho, não sou mais bonito, pas-sou ... fui um dia
muito forte, mas agora, estou velho ... dou apenas para o gasto ...
As garotas falam que ainda sou bonito, mas não acredito, o que acha?
(E21)
O corpo envelhecido é medido, para essas pessoas, por determinadas
características físicas e modificações no seu estilo de vida, além da idade
cronológica. As representações sobre o corpo falam de perda gradativa da força,
da potência, da beleza e da independência, acompanhadas pela imagem de
incapacidade(11). Durante a entrevista, quando solicitados para pensar e
refletir sobre os bons acontecimentos na família, para identificar o que mais
contribuiu para a decisão de morar na ILPIs, eles respondem:
Morar aqui, longe da minha família, não é bom, mas eu não tenho minha
velhinha, posso ficar aqui, ninguém sente a menor falta, mesmo que eu
não desse trabalho a eles [...] perdi meu posto de chefe de família
[...]. (E14)
Meus filhos diziam que ficavam preocupados quando eu saía de casa,
tinham medo que eu passasse mal. Quando decidi morar aqui, eles nem
lamentaram [...] menos uma responsabilidade para eles. É, minha
filha, a velhice leva a isso, você já imaginou? (E18)
A construção da imagem sobre a velhice não tem uma relação de unicidade com o
processo físico de envelhecimento mas, principalmente, com o contexto econômico
e social. Por isso, afirma-se que a velhice seja uma construção social, não
sendo apenas uma manifestação da subjetividade, isto é, de sentir-se velho, mas
uma realidade biológica que se relaciona de forma profunda com o contexto
social e histórico(12). Nessa perspectiva, a associação de velhice com doença
resulta de um processo de produção social que, em última análise, guarda
estreita relação com a perda da juventude e de sua força característica, bem
como com as perdas no ambiente familiar. Os idosos sempre afirmam dificuldades
no convívio com os mais novos e, assim, buscam distanciar-se com o intuído de
não causar desarmonia entre os filhos(13).
A admissão do idoso na ILPI faz com que ele perca, muitas vezes, os objetos
particulares e simbólicos: elo de ligação entre sua história e seu eu. O
ambiente onde está inserido inibe e distorce as reservas de informações
particulares, ocorrendo ou não, a perda da intimidade, processo esse
desencadeado pela institucionalização. O cuidado com a pessoa idosa depende de
uma rede ampla de assistência, porém, em muitas situações, a escassez dessa
assistência leva a pessoa a ser encaminhada para as ILPI(14).
Percebe-se, portanto, que a utilização do modelo de adaptação de Roy permite
reconhecer que os idosos, mediante estímulos, podem desencadear respostas, ora
positivas ora negativas, em situações estressantes, cabendo ao enfermeiro atuar
como mediador entre a objetividade técnica e a subjetividade humana, elaborando
estratégias para as ações de cuidado cotidiano, a partir do entendimento da
história de cada um. Poder capacitar os idosos para criar mecanismos de
enfrentamento que possam diminuir as respostas negativas, favorecendo sua
vivência e facilitando a interação com os demais residentes.(12)
Considera-se que os dados obtidos poderão fornecer elementos de reflexão para a
equipe de enfermagem das ILPIs, quanto ao valor das relações interpessoais,
tido como principal recurso para o atendimento das necessidades em todas as
situações, reconhecendo que todos buscaram o local, porém preservam intimamente
a vontade de retornar para o convívio dos filhos e amigos.
Revelou-se, ainda, nas falas que o eu físico é um dos fatores que impulsiona o
idoso a buscar a instituição. Eles consideram que a velhice traz como
consequência, múltiplas preocupações e trabalho para seus familiares e, por não
desejar ser estorvo, decidem que o melhor local são as ILPIs. Mesmo que no
local eles tenham toda a liberdade de deslocamento, sentem falta do lar e do
convívio com as pessoas.
O Eu Pessoal – auto coerência, auto ideal e ser moral-ético-espiritual
A temática Eu Pessoal refere-se à pessoa, sendo subdividida em auto coerência,
auto ideal e ser moral-ético-espiritual. A auto coerência diz respeito aos
esforços da pessoa para manter a auto-organização e evitar o desequilíbrio(6).
Assim como pessoas de diferentes idades têm necessidades de variados tipos, o
idoso também precisa continuar crescendo. Isso deve ser traduzido em como
continuar aprendendo. É certo que a capacidade de aprender na idade mais
avançada não é a mesma que na juventude, mas é preciso aceitar a ideia de que
os idosos continuam aprendendo de outra forma, com outro ritmo, com outros
interesses(13).
Para muitos idosos, a internação em uma ILPI caracteriza-se como um processo de
isolamento social, em que boa parte do que foi construído na vida adulta
permanece apenas no passado, na memória. A instituição, que deveria ser a
mantenedora dos costumes dos seus residentes, muitas vezes, não garante esta
continuidade, provocando uma ruptura dos seus referenciais individuais. A
percepção desta quebra pode transformar-se em uma situação difícil para lidar,
que muitos inicialmente não suportam:
[...] quando eu cheguei aqui, até que eu tentei ser forte. Na
verdade, eu sou uma pessoa forte ... Mas quando eu me lembrava das
minhas coisinhas, da minha casa, eu chorava. Me dá um nó na garganta,
não tem como não sentir, foi uma vida inteira, para num minuto
abandonar tud, eu ainda sofro, mesmo saindo todos os dias. (E5)
Muitas vezes, apesar dos esforços dispensados a fim de garantir o equilíbrio em
certas situações, os idosos afirmam que não se adaptaram ao novo ou apresentam
dificuldades para a adaptação ao novo, Ou seja, mesmo que tenham articulado
estratégias de enfrentamento, estas não foram satisfatórias, o que demonstra a
inefetividade de uma resposta. O entendimento dessa condição ajuda o enfermeiro
a promover a adaptação a essa mudança ou a adotar intervenções que minimizem as
alterações e os comportamentos não efetivos, promovendo respostas adaptativas.
Questionados a respeito da existência de planos para o futuro, os relatos
constituíram dois grupos distintos. Somente cinco dos participantes relataram
não possuir plano de retornar ao convívio da família. Os 20 outros almejavam
sair da instituição e voltar a morar com novos parceiros encontrados na
instituição ou fora dela.
Para as mulheres, a instituição torna-se um local definitivo, ao qual devem se
adaptar. Mas, para os homens, esta é vista como temporária, fruto da
necessidade de melhoria na condição financeira, do estado de saúde ou mesmo da
solidão, o que pode ser resolvido no período de institucionalização(15).
Cinco idosas, dentre as seis entrevistadas, expressaram resignadamente nas suas
falas não desejar retornar para a família:
Tenho não, minha filha! Não tenho mais vontade de sair. Eu já nem
ligo pra isso. Eu só sei que quando eu não puder fazer mais nada,
quando eu já estiver bem velha, vão me levar pra o salão e eu vou
esperar minha morte ... Eu sei que vai ser assim, fazer o que? Meus
filhos estão casados e não podem cuidar de mim, têm mulher e filhos,
estão ocupados, quando decidi morar aqui, decidi mesmo, não olhei e
nem olho para trás. (E22)
Tenho fé em Deus que não me arrependo, aceito minha sina. Vi isso
quando perdi meu marido. Então quem cuida de mim, são somente as
pessoas daqui. Estou conformada, não vou mais voltar para minha casa,
é triste, mas não quero mais voltar, não tem mais sentido. (E8 e13)
Apesar dos relatos das idosas de pretender não deixar a instituição, os demais
entrevistados demonstraram interesse em sair, a fim de construir outra família
a partir de novos relacionamentos ou restabelecer vínculos afetivos com os
parentes ainda próximos ou com amigos ainda existentes. Percebeu-se coerência
representada pelo esforço em retomar a organização e o equilíbrio da vida e o
ideal refletido pelo querer ser e fazer na construção de uma nova vida:
Eu quero sair daqui, em janeiro, março no mais tardar [...] eu quero
mesmo é viajar pro meu interior pra visitar meu pai. Não posso cuidar
dele, mas quero ficar perto dele, no interior. Ali é o meu lugar,
tenho fé que logo sairei, foi um momento que dei à minha filha para
descansar das minhas coisas. Não quero mais morar com ela, quero
refazer minha vida, ainda, estou inteiro, de pé, posso fazer muitas
coisas [...]. (E9 e 12)
[...] estou planejando minha saída para ficar com minha nova
companheira. Ela não quer morar aqui. Ela me entende muito bem, temos
a mesma idade, mas não posso trazer ela para cá, não temos muita
privacidade. Não reclamo das coisas daqui, mas quero morar sozinho
com ela. Não quero voltar para casa de meus filhos [...] era o mesmo
que morar sozinho, eu tinha um pouco de medo e solidão, era eu e Deus
[...]. (E16)
De acordo com os relatos, pode-se verificar que alguns idosos, apesar de
garantirem a internação por vontade própria, demonstram desejo de morar em
outro local, ausentando-se da instituição, não desejando que esta seja sua
última morada.
A dinâmica familiar foi interpretada como razão para os idosos não terem
companhia familiar para morar com eles. Com relação à família, o falecimento do
cônjuge e de outros familiares, os desentendimentos e as decisões que excluíram
o idoso do convívio com a família, contribuíram para ir morar na ILPI, motivo
também identificado em estudo realizado em Curitiba, Paraná(16).
Ainda, considerando o ser pessoa, concernente ao ser moral-ético-espiritual,
definido como o sistema de crenças e auto avaliação, foram analisados aspectos
das crenças espirituais dos idosos, como eles se vêem, de acordo com seu
sistema de valores.
Nas falas ficou claro que todos os idosos tinham crenças e hábitos religiosos
efetivos, observado pela frequência às atividades da capela existente na
instituição. A religiosidade e a fé foram temas abordados e relevantes nas
falas:
Vou à missa sempre. Falto apenas quando tenho algum problema de
saúde, quando estou impossibilitado de me levantar. Principalmente
aos domingos. Eu gosto de ir para orar pros meus filhos. Mas eu rezo
pra mim também, peço a Deus para nunca me arrepender de morar aqui,
as pessoas são boas [...]. (E6)
A vida tá muito difícil, todos os dias rezo sozinha pedindo ajuda
para suportar a ausência dos meus filhos, sei que eles sofrem com a
minha decisão de vir morar aqui, quando eles melhorarem de dinheiro,
então eu posso voltar, quem sabe é Deus [...]. (E11)
[...] antes de vir para cá, eu não ia muito à missa, hoje vou sempre
que posso [...] gosto, me deixa mais tranquilo, para ficar aqui e
pensar em quando retornar, fazer meus planos. Quero que meus filhos
fiquem bem, [...] eles trabalham muito, tenho seis; dois homens e
quatro mulheres. Quando a minha velha morreu, decidi morar aqui. Pago
todas as minhas despesas [...] não quero dar trabalho a eles. Eles
não param em casa, têm filhos e não podem ficar comigo. Quando
desejo, vou em casa [...], mas penso que não quero mais morar com
eles, quero voltar para o interior.
Conheci uma pessoa que me apoia, não estarei sozinho, é muito ruim a
solidão. Aqui tem muita gente boa, mas não é a casa da gente. (E7e
10)
Os idosos relataram que não queriam ficar sozinhos em casa e diferentes razões
foram apontadas para isso, como medo de assaltante, falta de companhia e porque
não teria alguém para os socorrer na ocorr6encia de algum problema. A última
justificativa está relacionada à consciência dos problemas de saúde e à
insegurança que sentem devido a isso.
Diante das diferentes situações dos idosos e suas perdas, as alterações do
processo de envelhecimento, o medo de ser obstáculo na vida dos filhos, eles
decidiram viver em uma ILPI. Eles interpretaram a escolha como necessária para
a manutenção da sua saúde e bem-estar, que estava ameaçada pelo isolamento
social. Quanto aos familiares, afastaram a culpa pela ausência e não atenção
contínua. Morar na ILPI significou buscar proteção, amparo, segurança,
convivência e fortalecer laços sociais com as outras pessoas, além da família
(13). Essa escolha, entretanto, está permeada por aspectos sociais, culturais e
familiares, bem como suas histórias de vida, revelado pelo autoconceito de cada
um, outra justificativa para a escolha do resgate da valorização do idoso como
ser de autonomia e independência, na tomada de decisões, nas escolhas.
O autoconceito de um indivíduo é definido por Roy como composto por crenças ou
sentimentos que ele possui sobre si próprio num dado momento(7-8). A crença dos
idosos em melhores dias, em encontrar acolhida, os fortalece, especialmente,
quando decidem deixar o convívio familiar para residirem em outro local. Isto
os fortalece, uma vez que necessitam buscar estratégias de enfrentamento para
se adaptar ao novo ambiente e a todos que compõem o local.
Nos idosos, a religiosidade assume papel importante como estratégia efetiva de
fortalecimento. A religião ajuda-os a enfrentar situações difíceis, perdas,
amenizando os acontecimentos negativos, ressignificando-os em suas vidas.
O atributo de pessoas religiosas esteve presente e foi entendido como uma forma
particular de olhar a vida e construir o mundo a partir de concepções
simbólicas transmitidas de geração a geração. A religião serve tanto para a
formulação das concepções gerais do mundo, de si e das relações entre elas,
como também influencia os comportamentos e as experiências humanas(17).
O significado atribuído à vivência na ILPI apareceu como um fator que
influencia os sentimentos dos idosos e está relacionado à autonomia na decisão
de ir viver em uma ILPI. Embora, todos atribuíssem a escolha motivada pelas
impossibilidades causadas pela velhice, o medo da dependência dos filhos e as
ausências das pessoas de casa, contribuíram para a decisão dos idosos. Esse
evento denota o poder da autonomia e independência nas decisões(17).
Para os idosos, a família possui papel relevante no seu suporte social.
Entretanto, as falas evidenciaram que nem todas as famílias tomam para si tal
responsabilidade, ausentando-se, muitas vezes, do cuidado. Foi através desta
ausência que os idosos passaram a se sentir solitários dificultando a adaptação
às mudanças, mesmo com os esforços de cada um.
As respostas de adaptação são as que promovem a integridade e ajudam os idosos
a atingir os objetivos de adaptação, isto é, sobrevivência, crescimento,
reprodução e transformação da pessoa e do ambiente, representadas por meio das
expectativas da maioria dos idosos. Vinte deles (80%) projetarem um futuro fora
da ILPI com outras parceiras. No entanto, nas falas, percebem-se respostas
ineficazes que ameaçam os objetivos de adaptação.
A partir do conhecimento das respostas dos idosos, a Enfermagem deve ajudar
neste processo de adaptação, gerindo os estímulos externos ambientais. O
resultado poderá ser a obtenção de um nível ótimo de bem-estar por parte da
pessoa. As estratégias de desenvolvimento das relações sociais são
facilitadoras para o desenvolvimento de comportamentos adaptativos às situações
estressoras, durante a vida dos idosos da sociedade e institucionalizados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo revelou que os idosos justificam sua escolha de morar em ILPI tanto
pelo eu físico, expressando as dificuldades impostas pelas alterações da
velhice e, ainda, o eu pessoa quando mencionam a religião como fortalecedora
das respostas eficazes, o auto ideal quando apresentam novos projetos de vida e
auto coerência na exposição de auto-organização, evitando o desequilíbrio e
apontando novos caminhos.
Em alguns casos, revelaram a adaptação ineficaz, mesmo sendo uma decisão
espontânea. Porém, a quebra dos laços familiares, ocasionado pelo
distanciamento da convivência, é sentida e revelada quando buscam o
fortalecimento pela religião. Outros conseguem adaptar-se ao local, pois estão
num contínuo ir e vir de aproximação com os amigos e familiares. Assim, a opção
de morar em ILPI não mudou efetivamente suas vidas, conseguindo adaptar-se ao
local e conviver bem com estímulos internos e externos, igualmente
significativos.
Mesmo considerando que os idosos apresentaram comportamentos adaptativos ao
local escolhido, observou-se, também, tendência para buscar novos caminhos que
possibilitem melhor satisfação, possivelmente como tentativa de substituir a
ausência deixada pela família. Revelam o não desejo de retornar ao ciclo
familiar para garantir a independência e a autonomia perdidas, fatos estes
observados nas falas de desejo de construção de um novo convívio com parceiras
conhecidas no local ou fora dele.
Para os enfermeiros, conhecer os estímulos ambientais externos significativos
que são impostos aos idosos quando deixam seus familiares e escolhem viver em
ILPI, os ajuda a promover a adaptação a essa mudança, planejando intervenções
que minimizem o risco da não adaptação, controlando os estímulos focais,
contextuais ou residuais impingidos sobre os idosos. Fazendo ajustes, os
estímulos poderão facilitar o processo de adaptação dos idosos.
As limitações do estudo se deram porque foi trabalhado apenas o modo
autoconceito e não os quatro modos, visto que permitiam discutir e viabilizar
melhores estratégias de enfretamento de adaptação dos idosos pela análise do
modo fisiológico, função de papéis e interdependência.