Indicadores de saúde dos trabalhadores da área hospitalar
INTRODUÇÃO
Os trabalhadores de saúde, assim como todos os profissionais inseridos no
mercado de trabalho, sofrem as consequências das políticas sociais e econômicas
do país. A influência destes fatores nas condições de saúde, na qualidade de
vida do trabalhador e na qualidade dos serviços prestados é consenso entre
pesquisadores(1-2), embora suas consequências permaneçam quase invisíveis nas
estatísticas nacionais(2).
As condições de trabalho estão estritamente relacionadas ao processo de
adoecimento do trabalhador de saúde(3) e o absenteísmo-doença é responsável por
grande parte das ausências no trabalho. Tais ausências, decorrentes de doenças
ocupacionais e acidentes de trabalho que acometem os trabalhadores de saúde,
estão associadas a fatores adversos presentes no ambiente de trabalho e às
características das atividades desenvolvidas.
Portanto, o monitoramento da saúde do trabalhador é uma ferramenta
indispensável para reconhecer e mudar esta realidade, uma vez que possibilita a
construção de indicadores, que permitem a identificação das cargas de trabalho
envolvidas no processo de adoecimento e a caracterização do perfil de morbidade
do trabalhador.
Os indicadores fornecem informações relevantes sobre as características, as
condições e o desempenho dos serviços prestados. Na área da saúde, eles
constituem um importante instrumento para a construção de parâmetros que
permitam análise e acompanhamento das condições de saúde de determinada
população e servir de base para ações de vigilância. Na área da saúde do
trabalhador, eles são utilizados para mensurar a exposição aos fatores de risco
inerentes à atividade, bem como seus impactos nas instituições, na família(4) e
no sistema previdenciário.
A Organização Pan-Americana da Saúde disponibiliza alguns indicadores na área
da saúde do trabalhador(4). Porém, apesar de permitirem a identificação das
condições de adoecimento do trabalhador, não possibilitam o estabelecimento de
relação deste com o ambiente de trabalho, principalmente no ambiente
hospitalar, que é a proposta deste estudo.
Diante desta realidade, o grupo "Estudos Sobre a Saúde do Trabalhador de
Enfermagem", da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP),
desenvolveu o software Sistema de Monitoramento da Saúde dos Trabalhadores de
Enfermagem (Simoste) com o intuito de captar os agravos à saúde dos
trabalhadores inseridos no ambiente hospitalar por meio de indicadores(5).
O objetivo do Simoste é registrar e monitorar as condições de trabalho e os
problemas de saúde no ambiente de trabalho por meio de indicadores que
subsidiem a implementação de medidas preventivas para, assim, promover a
qualidade de vida e saúde dos trabalhadores(5). A utilização deste software
deve ocorrer em parceria com os hospitais aos quais foi disponibilizado, uma
vez que está calcado no interesse institucional de investir na vigilância em
saúde do trabalhador. O registro e o encaminhamento de dados para análise são
feitos por estes colaboradores.
Considerando que a compreensão dos processos de adoecimento é indispensável
para a elaboração de planos de ações que envolvam prevenção, monitoramento,
promoção e restabelecimento das condições de saúde do trabalhador, este estudo
tem por objetivo analisar os indicadores de saúde dos trabalhadores de saúde da
área hospitalar quanto à exposição às cargas de trabalho, processos de desgaste
e suas consequências.
MÉTODO
Este estudo utilizou informações extraídas da dissertação de mestrado
intitulada "Propostas de intervenção à saúde dos trabalhadores apoiadas em
indicadores", apresentada na Universidade Federal do Paraná - UFPR, Brasil. Foi
feito um recorte dos dados existentes, com o objetivo de abranger os
indicadores de saúde do trabalhador já disponibilizados pelo Simoste(5) e
outros construídos a partir da realidade estudada.
Trata-se de uma pesquisa retrospectiva, descritiva e exploratória, realizada em
um hospital de ensino no município de Curitiba, região Sul do Brasil. A
população foi composta por 1.050 notificações de trabalhadores da área
hospitalar cadastrados no Simoste, no período de janeiro a dezembro de 2011. Os
registros correspondem aos trabalhadores lotados ou prestadores de serviços no
referido hospital, independentemente da categoria profissional e do vínculo
empregatício, que tenham sofrido acidente de trabalho ou desenvolvido algum
problema de saúde decorrente da exposição às cargas de trabalho.
A coleta dos dados secundários ocorreu entre março e junho de 2012, no
respectivo cenário do estudo, que é parceiro do Projeto Simoste. Para
implantação e construção dos indicadores, foram utilizadas as informações
contidas no software(5), relacionadas à instituição, aos trabalhadores, às
cargas de trabalho e aos processos de desgaste sofridos e às consequências, ou
seja, aos afastamentos das atividades laborais.
Com referência aos trabalhadores, foram considerados os dados sobre sexo, faixa
etária e categoria profissional. Quanto aos afastamentos ou ausências das
atividades laborais, foram analisados os tipos de ausências (se via Comunicação
de Acidente de Trabalho - CAT, atestado médico ou faltas); as causas, de acordo
com a Classificação Internacional de Doenças (CID-10)(6) e o número de dias de
trabalho perdidos. Também foram analisadas as cargas de trabalho e respectivos
desgastes, subdivididos nas categorias de cargas biológica, fisiológica,
física, mecânica, psíquica e química.
A análise dos dados ocorreu por meio do Microsoft Excel(r) 2010 e os resultados
foram expressos em frequência absoluta (n) e relativa (%). Os resultados
obtidos na primeira análise foram analisados por meio de nove indicadores, três
fornecidos pelo Simoste (I1, I2, e I7), um adaptado (I5) e cinco construídos
(I3, I4, I6, I8 e I9) com apoio de um estatístico, conforme demonstrados a
seguir:
Quadro 1 Indicadores de saúde do trabalhador da área hospitalar, Curitiba,
Paraná, Brasil, 2011
Esta pesquisa é um subprojeto do estudo intitulado "Implantação e Avaliação do
Sistema de Monitoramento da Saúde do Trabalhador de Enfermagem - Simoste",
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da
Universidade de São Paulo.
RESULTADOS
Entre os 1.050 registros efetuados no Simoste no ano de 2011, 80,8% referiram-
se a trabalhadores do sexo feminino, 34,2% possuíam idade entre 31 a 40 anos e
a somatória dos dias de ausência no trabalho corresponderam a 2.478 dias de
trabalho perdidos.
Do total de registros, 60,6% (n = 636) foram realizados por profissionais de
enfermagem, sendo 49,7% por auxiliares de enfermagem, 36,5% por técnicos de
enfermagem e 13,8% por enfermeiros. Os trabalhadores do setor administrativo
foram responsáveis por 18,9% dos registros (n = 198), os auxiliares de serviços
gerais por 6,5% (n = 68), os auxiliares/técnicos de laboratório por 2,4% (n =
25) e os trabalhadores da manutenção por 1,8% (n = 19). Os demais registros (n
= 104) foram realizados por estagiários (n = 15), médicos (n = 14), bioquímicos
(n = 10), fisioterapeutas (n = 09), auxiliares de almoxarifado (n = 08),
auxiliares de farmácia (n = 08), assistente social (n=06), agente funerário
(n=06), nutricionista (n=06), motorista (n=05), telefonista (n=03), técnico de
informática (n = 03), psicólogo (n = 02), técnico em eletrônica (n = 02),
gerente (n=2), técnico em radiologia (n = 02) e assessor (n = 01).
O Indicador número de notificações por tipo de cargas x número total de
trabalhadores expostos (I1) avalia o coeficiente de risco de exposição do
trabalhador de saúde às diferentes cargas de trabalho, considerando as cargas
biológica, fisiológica, psíquica, mecânica, física e química, conforme
apresentado na Tabela_1. Devido à representatividade da equipe de enfermagem
(60%) e dos trabalhadores técnico-administrativos (18,86%) no total de
registros, estas categorias foram avaliadas individualmente. Os demais
trabalhadores, que juntos somaram 9,9% do total de registros, foram agrupados
na categoria "Outros". Devido a problemas técnicos, a instituição
disponibilizou o total de trabalhadores por categoria somente para os
profissionais de enfermagem.
Tabela 1 Número de notificações* por tipo de cargas x número total de
trabalhadores expostos (I1), Curitiba, Paraná, Brasil, 2011
Carga Enfermeiro Técnico de EnfermagemAuxiliar de Enfermagem Outros **
Biológica 0,63 1,21 0,51 0,17
Fisiológica 0,52 0,60 0,28 0,08
Psíquica 0,37 0,61 0,20 0,06
Mecânica 0,35 0,32 0,21 0,05
Física 0,26 0,24 0,10 0,04
Química 0,02 0,06 0,02 0,01
Fonte: Simoste (2011).
Notas: *uma notificação pode ser decorrente da exposição a mais de uma carga de
trabalho;
**Correspondem aos demais trabalhadores de saúde.
O Indicador número de desgastes por tipo de cargas x número total de
notificações (I 2) avalia os desgastes decorrentes da exposição do trabalhador
às cargas de trabalho em relação ao número total de notificações realizadas. Os
resultados demonstraram que os desgastes mais prevalentes decorreram da
exposição às cargas biológicas, que representaram 43,3%do total de desgastes
registrados. As cargas fisiológicas foram responsáveis por 22,4% e depois, em
ordem decrescente, os desgastes psíquicos, mecânicos, físicos e químicos.
Os desgastes mais apresentados pelos trabalhadores hospitalares estiveram
relacionados às cargas biológicas, fisiológicas e psíquicas. Entre os desgastes
gerados pelas cargas biológicas, a maior frequência de registros ocorreu para
as doenças do aparelho respiratório (18,6%), infeções gastrointestinais (9,7%)
e conjuntivite (6%). Os desgastes decorrentes da exposição das cargas
fisiológicas apresentaram o maior número de registros para cefaleia (4%) e
varizes (1,5%). Entre os desgastes gerados pelas cargas psíquicas, a maior
frequência de registros foi para depressão (2,9%) e hipertensão arterial
(2,8%).
O Indicador número de dias de trabalho perdidos x número total de notificações
por categoria profissional (I3) calcula a média de dias de trabalho perdidos
segundo as categorias profissionais. Este indicador demonstrou uma média de
2,63 dias de trabalho perdidos para os técnicos de enfermagem, seguidos pelos
outros trabalhadores de saúde, com média de 2,21dias e auxiliares de
enfermagem, com média de 2,19 dias. Os enfermeiros apresentaram a menor média
de dias perdidos pelo número total de notificações, o equivalente a 2,02 dias,
em relação à equipe de enfermagem.
As doenças classificadas por meio da CID nos registros analisados foram
avaliadas por meio do Indicador número de notificações por agrupamento de CID x
número total de notificações (I4). As doenças do aparelho respiratório (J00-
J99) foram as mais prevalentes, representando 19,62% do total de registros;
sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório não
classificados (R00-R99) representaram 15,71%; por fim, doenças do sistema
osteomuscular e do tecido conjuntivo (M00-M99) representaram 14,19%.
É interessante observar que, apesar das doenças do aparelho respiratório terem
sido as que mais geraram notificações (ou seja, registros no Simoste), foram os
desgastes relacionados à CID O (gravidez, parto e puerpério) e CID F
(transtornos mentais e comportamentais) os que geraram mais ausências do
trabalho, 7 e 5,76 dias de trabalho perdidos por notificação, respectivamente,
conforme calculado pelo Indicador número de dias de trabalho perdidos por
agrupamento de CID x número total de notificações (I5). Daí a importância de
considerar os dias de trabalho perdidos que demonstram a gravidade dos eventos.
O Indicador 5, bem como o Indicador 6, que avalia a média de dias de trabalho
perdidos pelo agrupamento de CID, estão apresentados na Tabela_2.
Tabela 2 Indicadores de saúde do Trabalhador no Hospital do Trabalhador,
segundo dados do Simoste (I5, I6) - Curitiba, Paraná, Brasil, 2011
Classificação Internacional de Doenças (CID - 10) Número de Percentual de Média de dias de trabalho
notificações notificações perdidos
Doenças do aparelho respiratório 206 19,62 1,70
Sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não 165 15,71 1,52
classificados em outra parte
Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo 149 14,19 2,42
Algumas doenças infecciosas e parasitárias 116 11,05 1,73
Lesões, envenenamento e algumas outras consequências de causas externas 78 7,43 3,59
Doenças do olho e anexos 72 6,86 3,17
Transtornos mentais e comportamentais 55 5,24 5,76
Doenças do aparelho geniturinário 49 4,67 1,31
Doenças do aparelho circulatório 48 4,57 2,63
Doenças do sistema nervoso 37 3,53 2,76
Doenças do aparelho digestivo 33 3,14 1,94
Causas externas de morbidade e de mortalidade 12 1,14 2,17
Doenças da pele e do tecido subcutâneo 11 1,05 3,0
Doenças do ouvido e da apófise mastoide 7 0,66 2,29
Neoplasias [tumores] 7 0,67 4,57
Fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com os serviços de saúde 4 0,38 5,0
Gravidez, parto e puerpério* 1 0,09 7,0
Total 1050 100 1,73
Fonte: Simoste (2011).
Nota: *Corresponde a um episódio de hipertensão complicado pela gestação.
O Indicador número de notificações por agrupamento de CID x número total de
notificações por categoria profissional (I7) calcula o número absoluto de
registro de afastamento do trabalho segundo o agrupamento de CID por categoria
profissional. O maior número de registros entre os profissionais de enfermagem
correspondeu às doenças do aparelho respiratório (J00-J99), com 115
ocorrências, às doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (M00-
M99), com 101 ocorrências, e aos sintomas, sinais e achados anormais de exames
clínicos e de laboratório, não classificados em outra parte (R00-R99), com 98
ocorrências.
Por meio deste indicador, observou-se que as doenças do aparelho respiratório
(J00-J99) obtiveram dezoito registros de afastamentos entre os enfermeiros. Já
as doenças do aparelho geniturinário (N00-N99) e as doenças do sistema
osteomuscular e do tecido conjuntivo (M00-M99) totalizaram onze registros cada.
Entre os técnicos de enfermagem, as doenças do aparelho respiratório (J00-J99)
foram responsáveis por 42 registros. Depois, em ordem decrescente, as doenças
do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (M00-M99) e as doenças
infecciosas e parasitárias (A00-B99), com 38 e 34 registros, respectivamente.
Entre os auxiliares de enfermagem, os sintomas, sinais e achados anormais de
exames clínicos e de laboratório, não achados em outra parte (R00-R99) foram
responsáveis por 56 registros. As doenças do aparelho respiratório (J00-J99)
somaram 55 registros e as doenças do sistema osteomuscular e do tecido
conjuntivo (M00-M99) totalizaram 52 ocorrências.
Entre os outros trabalhadores de saúde, as doenças que obtiveram o maior número
de registros foram as doenças do aparelho respiratório (J00-J99), com 91
registros, seguidas pelos sintomas, sinais e achados anormais de exames
clínicos e de laboratório, não achados em outra parte (R00-R99), com 67
registros e pelas doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (M00-
M99), com 48 registros.
Nesta categoria, os principais registros de afastamento por doenças do aparelho
respiratório (J00-J99) foram realizados por auxiliares/técnicos administrativos
(n = 48) e por auxiliares/ técnicos de laboratório (n=09). Os afastamentos por
sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não
achados em outra parte (R00-R99), totalizaram 40 registros entre os auxiliares/
técnicos administrativos. Os registros correspondentes às doenças do sistema
osteomuscular e do tecido conjuntivo (M00-M99) foram obtidos por auxiliares de
serviços gerais (n = 18) e por auxiliares/técnicos administrativos (n = 14).
O Indicador número de dias de trabalho perdidos por agrupamento de CID x número
de notificações por categoria profissional (I8) calcula o número absoluto de
dias de trabalho perdidos segundo o agrupamento de CID por categoria
profissional. Por meio deste indicador, observou-se que as doenças do aparelho
respiratório (J00-J99) e as lesões, envenenamento e algumas outras
consequências de causas externas (S00-T98) afastaram os enfermeiros de suas
atividades laborais por 33 dias cada. As doenças do sistema osteomuscular e do
tecido conjuntivo (M00-M99) os mantiveram ausentes por 24 dias.
Entre os técnicos de enfermagem, os transtornos mentais e comportamentais (F00-
F99) foram responsáveis por 162 dias de trabalho perdidos. Depois, em ordem
decrescente, aparecem as lesões, envenenamento e algumas outras consequências
de causas externas (S00-T98), com 78 dias. Por fim, as doenças do sistema
osteomuscular e do tecido conjuntivo (M00-M99), com 72 dias.
Entre os auxiliares de enfermagem, as doenças do sistema osteomuscular e do
tecido conjuntivo (M00-M99) foram responsáveis por 99 dias de trabalho
perdidos. Os sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de
laboratório não classificados em outra parte (R00-R99) somam 91 dias e as
doenças do aparelho respiratório (J00-J99) 87 dias.
Entre os outros trabalhadores de saúde, as doenças que mais comumente
resultaram em afastamento foram as do sistema osteomuscular e do tecido
conjuntivo (M00-M99), com 164 dias, dos quais 75 dias entre os auxiliares/
técnicos administrativos. As doenças do aparelho respiratório (J00-J99), 162
dias, sendo 88 por afastamento de auxiliares/técnicos administrativos, e os
sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório não
classificados em outra parte (R00-R99), com 85 dias de afastamentos, dos quais
57 registrados por auxiliares/técnicos administrativos.
As doenças responsáveis pelas ausências dos trabalhadores de saúde ao trabalho,
segundo CID-10, foram avaliadas pelo Indicador média de dias de trabalho
perdidos por agrupamento de CID x número de notificações por categoria
profissional (I9), conforme descrito na Tabela_3.
Tabela 3 Média de dias de trabalho perdidos por agrupamento da Classificação
Internacional de Doenças x número de notificações por categoria profissional
(I9), segundo dados do Simoste, Curitiba, Paraná, Brasil, 2011
Técnico de Auxiliar
Classificação Internacional de Doenças (CID - 10) Enfermeiro enfermagem de Outros
enfermagem
Algumas doenças infecciosas e parasitárias 1,67 1,53 1,83 1,83
Causas externas de morbidade e de mortalidade - 2,0 2,40 2,0
Doenças da pele e do tecido subcutâneo - 3,0 4,40 1,60
Doenças do aparelho circulatório 2,75 3,90 2,88 1,91
Doenças do aparelho digestivo 1,17 3,50 1,25 2,0
Doenças do aparelho geniturinário 1,36 1,20 1,13 1,44
Doenças do aparelho respiratório 1,83 1,64 1,58 1,78
Doenças do olho e anexos 4,0 2,94 3,86 2,74
Doenças do ouvido e da apófise mastoide - 1,75 3,0 -
Doenças do sistema nervoso 1,25 1,20 2,27 3,88
Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo 2,18 1,92 1,90 3,42
Fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com os serviços de - 7,0 - 4,33
saúde
Gravidez, parto e puerpério - - - 7,0
Lesões, envenenamento e algumas outras consequências de causas externas 4,71 4,59 3,15 3,11
Neoplasias [tumores] 1,0 - 5,50 5,0
Sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, 2,20 1,63 1,63 1,28
não classificados
Transtornos mentais e comportamentais 2,25 10,13 5,33 3,57
Fonte: Simoste (2011).
DISCUSSÃO
Os resultados evidenciaram que os trabalhadores de enfermagem de nível médio e
técnico obtiveram o maior número de dias de trabalho perdidos atribuídos às
cargas e desgastes de trabalho. Estes resultados se justificam pela proporção
de trabalhadores, pelo objeto de cuidado e pelas atividades inerentes a esta
categoria profissional no ambiente hospitalar, bem como pela maior proximidade
dos profissionais com as cargas de trabalho(3). O fato de permanecerem grande
parte do tempo em atividades assistenciais, realizando procedimentos invasivos
ou manipulando materiais perfurocortantes, os expõem aos fluídos corporais(3),
principal carga biológica. De forma semelhante, os fatores biomecânicos como a
repetitividade, o esforço físico e as pressões psicossociais, característicos
das cargas fisiológicas e psíquicas, são evidentes e constantes no cotidiano
destes trabalhadores.
Considera-se que estes resultados traduzem a divisão de papéis e as atribuições
distintas de cada categoria. Conforme estabelecido pelo Conselho Federal de
Enfermagem, pela Lei do Exercício Profissional (Lei 7. 498/86), ao enfermeiro
cabe a realização de procedimentos de maior complexidade e as atividades
relativas ao gerenciamento e supervisão da equipe(7). Por serem os responsáveis
pela continuidade da assistência, pode ser que, para não deixarem a equipe sem
uma pessoa de referência, os enfermeiros optem por trabalhar doentes a se
afastarem por períodos curtos(8).
Os técnicos de enfermagem são responsáveis por realizar atividades de nível
médio, orientar e acompanhar o trabalho dos auxiliares de enfermagem e auxiliar
no planejamento da assistência(7). Nas instituições de saúde pública
brasileiras, categoria em que se enquadra o cenário deste estudo, estes
profissionais estão sobrecarregados devido à necessidade de atender uma grande
demanda de usuários que procuram ou são encaminhados a estes serviços. Isto
ocorre principalmente em relação aos técnicos de enfermagem, que trabalham nas
unidades de terapia intensiva, nos centros cirúrgicos e nos serviços de pronto
atendimento. Nestes setores, a assistência ao usuário exige maior concentração,
habilidade técnica, raciocínio rápido e atenção contínua devido à gravidade dos
enfermos.
Além dos desgastes decorrentes das cargas biológicas, verificou-se uma grande
exposição do trabalhador de saúde às cargas fisiológicas e psíquicas,
resultados que corroboram com os constatados em estudo desenvolvido na região
Centro-Oeste do Brasil(9). Embora com diferenças mínimas, os resultados
demonstram que, independente da categoria profissional, há uma maior exposição
a estas cargas. Fatores relacionados à organização do trabalho, aos modelos de
gestão, à falta de defesas coletivas, à falta de autonomia e ao abuso de poder
podem estar associados a estes resultados(9). Evidencia, assim, a necessidade
de medidas interventivas no intuito de minimizar essa exposição(10).
Destaca-se o alto número de afastamentos devido aos transtornos mentais e
comportamentais, bem como a alta média de dias de ausências no trabalho deles
decorrentes. Estes valores são preocupantes, pois demonstram o adoecimento
psíquico destes trabalhadores, ainda que o nexo causal com as condições de
trabalho dificilmente seja estabelecido(11). Embora de difícil associação com o
trabalho, estas patologias estão entre as mais onerosas para os serviços de
saúde(12) e para as instituições empregadoras. O tempo médio de afastamento
para os transtornos mentais indicam que tais condições exigem mais tempo para a
recuperação, o que resulta em maiores gastos para a instituição, para o sistema
previdenciário e para o trabalhador.
A depressão representa um transtorno mental do trabalhador e também foi
identificada neste estudo. Ela indica tensão no ambiente de trabalho,
influencia na saúde física e psíquica dos profissionais e sua ocorrência
resulta em insatisfação, absenteísmo, rotatividade nos serviços, prejuízo na
qualidade da assistência(13) e redução das atividades cognitivas, conforme
constatado em estudo desenvolvido entre trabalhadores na Noruega(14). Tendo em
vista que o estresse é nocivo à saúde, este sintoma pode comprometer o processo
de trabalho e desencadear consequências na manutenção da saúde ou restauração
da capacidade para o trabalho(13).
Um importante estudo realizado no Sudeste do Brasil entre trabalhadores de
enfermagem constatou que, quando submetidos à alta exigência no ambiente
laboral, eles apresentam maiores chances de ter redução da capacidade para o
trabalho, o que pode propiciar o desenvolvimento de estresse. É importante
destacar que a idade e o sexo destes trabalhadores estavam associadas a estes
resultados(13).
Os processos de desgaste responsáveis pelos dias de trabalho perdidos
convergem, parcialmente, com os encontrados na literatura, que indicam que as
doenças respiratórias e as oste-omusculares estão entre as mais frequentes
entre profissionais da saúde, quando comparados à população em geral(2-9-
10,15). O índice da população em geral é de 1,4%, enquanto que o dos
trabalhadores de limpeza hospitalar é de 3%, dos enfermeiros 2,9% e dos
auxiliares de enfermagem 1,6%(16).
Os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (Dort), agravos também
evidenciados neste estudo, estão associados à exposição às cargas fisiológicas,
especialmente pela adoção de posturas inadequadas e manipulação excessiva de
peso, que causam alterações de ordem física, psicológica e psicossocial. A
cronicidade da doença causa ao portador sinais e sintomas como estresse,
depressão, ansiedade, insegurança, medo, adoção de posturas introvertidas e
alterações de humor, comprometendo, também a vida familiar e social(17). Os
sintomas físicos levam a afastamentos frequentes do trabalhador. Isto pode
comprometer o ambiente, acarretando um clima de desconfiança e de tensão entre
colegas de trabalho e interferindo na motivação da equipe e na qualidade do
cuidado, fatores constatados em pesquisas realizadas no continente sul america-
no(18), norte americano(19) e no continente europeu(20).
Alguns estudos em diferentes continentes confirmam a magnitude do processo de
adoecimento entre os trabalhadores com Dort. A globalização econômica
articulada à reestruturação dos processos produtivos tem contribuído para a
redefinição do perfil de morbimortalidade dos trabalhadores. Alguns estudos têm
indicado um intervalo entre 34,3% e 62,5% de adoecimento osteoarticular(18-19-
21).
A dor expressa pelo desgaste físico pode desencadear o estresse no local de
trabalho e influenciar o domínio psicológico dos trabalhadores em geral,
resultando em sentimentos de insatisfação de trabalho, ansiedade e até mesmo
doenças, como a depressão(14,22). Estudo realizado em Oslo, na Noruega(14),
analisou o impacto da exposição psicossocial e mecânica relacionada ao trabalho
no desenvolvimento da dor em ombro e pescoço no ambiente de trabalho. A
associação da presença da dor em face à exposição psicossocial foi ligeiramente
influenciada para os fatores de risco físicos. Os indicadores utilizados neste
estudo demonstraram uma associação entre as doenças osteomusculares e os
transtornos psíquicos, cujos registros de afastamentos somaram 677 dias de
trabalho perdidos no cenário do estudo.
Os registros do Simoste totalizaram 2.478 dias de afastamento do trabalhador de
saúde do seu ambiente de trabalho. Graves consequências são desencadeadas pelas
doenças relacionadas ao trabalho, especialmente nos Dort. Estes podem causar
uma perda substancial dos dias de trabalho, resultando em perdas
socioeconômicas, uma vez que a empresa precisa substituir este trabalhador
quando ele está ausente do processo de trabalho(20). Estudos epidemiológicos
desenvolvidos no Brasil(23-24), Dinamarca(25) e Itália(26) enfatizam as
elevadas taxas de absenteísmo decorrentes diferentes processos de adoecimento
entre trabalhadores de saúde. Estes resultados comprometem a produção,
influenciam no total de dias perdidos de trabalho e mantém ativos os processos
de morbidade.
O número de registros de afastamentos por sintomas, sinais e achados anormais
de exames clínicos e de laboratório não classificados em outra parte (CID R00-
R99) também foi elevado, o que reforça a hipótese de que pode haver relação
entre as diferentes cargas e desgastes de trabalho. Os processos de desgaste
relativos a estes agravos são considerados quando os sinais e sintomas não
possuem uma etiologia definida, quando podem conduzir a duas ou mais doenças e
em diferentes sistemas corporais. São classificados desta forma quando não é
possível definir um diagnóstico, quando as afecções ou sintomas apresentam
caráter transitório ou sintomas que, independentemente da etiologia,
representam importantes problemas de saúde(6).
As patologias classificadas nesta categoria como dores abdominais, cefaleia,
edema e dor de membros inferiores são comuns na população em geral,
constituindo uma das principais causas de procura aos serviços de saúde. Entre
os trabalhadores de saúde, estes diagnósticos podem estar relacionados com a
exposição às cargas de trabalho(2). No entanto, não se sabe quais problemas de
saúde serão desencadeados e esse é o processo de desgaste que ainda não se
evidenciou em doença.
Cabe esclarecimento quanto aos dias de trabalho perdidos por doenças
decorrentes da gravidez, parto e puerpério (CID O00-O99). Um único registro,
referente a um episódio de hipertensão complicando a gestação afastou a
trabalhadora de suas atividades por sete dias consecutivos. A hipertensão
possui causas fisiológicas, porém, os quadros hipertensivos podem ser
potencializados por situações desfavoráveis como pressões por estresse no
ambiente de trabalho(27)
Outro importante dado refere-se aos registros de afastamento por neoplasia, que
correspondem ao diagnóstico de câncer de pele em trabalhadores de enfermagem
atuantes na Unidade de Terapia Intensiva e na Central de Material e
esterilização. Nestes setores onde ocorre grande exposição dos trabalhadores à
carga química pela manipulação de medicamentos e produtos utilizados
diariamente para a desinfecção e processamento de materiais(28). Todavia, o
nexo causal desta doença com o trabalho não foi realizada neste estudo.
Os desgastes correspondentes às lesões, envenenamentos e algumas outras
consequências de causas externas obtiveram uma alta média de dias de trabalho
perdidos neste estudo. Foram associados à ocorrência de traumas, intoxicações
ou à complicações e sequelas decorrentes destes agravos(6). Um estudo
brasileiro, desenvolvido no Nordeste do Brasil evidenciou que, quando
relacionados ao trabalho, eles possuem uma representatividade de 82,8% entre os
acidentes típicos e 75% entre os acidentes de trajeto(29). Estes resultados não
podem ser confirmados com este estudo devido à ausência de Comunicado de
Acidente de Trabalho no período, o que pode indicar subnotificação de acidentes
de trabalho na instituição.
Os achados nacionais e internacionais permitem refletir sobre a necessidade de
intervenções(14) no local de trabalho. Estratégias de articulação devem ser
adotadas para a redução desta morbidade instalada(19), principalmente para as
cargas de trabalho fisiológicas e psíquicas, constatadas neste estudo pela
magnitude do processo de morbidade expresso e registrado. Investimentos em
melhores condições de trabalho em todas as fases de vida do trabalhador reduzem
os afastamentos temporários e permanentes(13) e contribuem para a melhoria de
qualidade de vida do trabalhador.
CONCLUSÃO
Os indicadores de saúde do trabalhador utilizados neste estudo evidenciaram
problemas decorrentes das características e da dinâmica do trabalho do ambiente
hospitalar, nos setores em que as rotinas são mais intensas e desgastantes,
como na Unidade de Terapia Intensiva, no Centro Cirúrgico e no Pronto-Socorro.
Os resultados apontaram para a exposição do trabalhador aos diversos tipos, com
predomínio para as cargas biológicas, fisiológicas e psíquicas. Elas refletem
os processos de trabalho em saúde, cujas atividades são caracterizadas pelo
contato próximo com o paciente, exposição a fluídos corporais, manipulação de
pesos e por rotinas intensas e desgastantes de trabalho.
Destacam-se a perda de 2.478 dias de trabalho entre os participantes da
pesquisa, sendo a equipe de enfermagem responsável por 1.526 dias desta soma.
Os indicadores evidenciaram que estes trabalhadores adoecem por doenças físicas
e psicológicas. No cenário do estudo, deve ser considerado o elevado número de
registro de doenças respiratórias, doenças osteomusculares e do tecido
conjuntivo e de transtornos mentais e comportamentais. Assim, evidencia-se a
necessidade de medidas de intervenção que visem reduzir estes números.
Estes resultados levam à reflexão e a um redirecionamento para a vigilância da
saúde dos trabalhadores, uma vez que o processo de adoecer é agravado pela soma
de fatores psicossociais, sintomas físicos como dor, bem como pelo local de
trabalho. Os indicadores de saúde utilizados neste estudo poderão contribuir
para que o delineamento do perfil de morbidade, colaborando para o
monitoramento ao longo do tempo. Também podem subsidiar ações direcionadas à
alteração do perfil de adoecimento. Contudo, compete aos administradores e
trabalhadores uma visão integralizada para a promoção da saúde em face a este
perfil epidemiológico existente. A ferramenta tecnológica intitulada Simoste
poderá contribuir com a construção deste processo.
Destacam-se as limitações desta pesquisa, que foi realizada em cenário
específico no Sul do Brasil e na questão metodológica, por não permitir o
estabelecimento de associação e correlação entre cargas de trabalho e doenças.
Apesar das limitações, os resultados responderam aos objetivos propostos e
fornecem subsídios para intervenções na realidade, bem como para o
desenvolvimento de outros estudos com a mesma perspectiva.
Como citar este artigo:
Santana LL, Sarquis LMM, Miranda FMA, Kalinke LP, Felli VEA, Miniel VA. Health
indicators of workers of the hospital area. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016;69
(1):23-32