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BrBRCVHe0047-20852006000200003

BrBRCVHe0047-20852006000200003

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0047-2085
ano2006
Issue0002
Article number00003

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Autopercepção da imagem corporal entre estudantes de nutrição: um estudo no município do Rio de Janeiro

Introdução Ao longo do tempo o conceito de corpo saudável ou bonito tem sofrido transformações. Até o início do século XX, a mulher era desejada quando tinha o corpo roliço, devido à deposição de gorduras em quadris, coxas, barriga e mamas. Na época pré-industrial, os períodos de carência alimentar eram freqüentes e a mulher de peso excessivo simbolizava uma mulher forte, com energia suficiente para enfrentar esses períodos conturbados e proteger sua família (INAD, 2004; Andrade, Bosi, 2003; Almeida et al., 2005). Ao longo do século XX e, sobretudo, a partir da década de 1960, esse ideário vem se modificando: inicia-se a busca pelo corpo magro, atlético e por formas definidas que passam a constituir mesmo objeto de consumo, tendo em vista a oferta de produtos e serviços em um mercado que cresce a cada dia (Ferriani et al., 2005; Oliveira et al., 2003; Andrade, Bosi, 2003; Almeida et al., 2005).

O culto ao corpo está diretamente associado à imagem de poder, beleza e mobilidade social, sendo crescente a insatisfação das pessoas com a própria aparência. Enquanto nosso estilo de vida alicerçado nos avanços tecnológicos está contribuindo para a diminuição dos níveis de atividade física laborais e de lazer, fenômeno associado ao aumento do consumo de alimentos hipercalóricos, os padrões de beleza exigem perfis antropométricos cada vez mais magros (INAD, 2004; Schwartz, Brownell, 2004). Entretanto, nos últimos 20 anos, a proporção de casos de sobrepeso e obesidade no Brasil, que variava entre 16% e 26%, aumentou para aproximadamente 40% na população adulta, exceção feita às mulheres de melhor renda da região Sudeste. Nesse grupo, na última década, observou-se queda da proporção de pessoas obesas. Supõe-se que essa queda esteja relacionada com o acesso a informações sobre cuidados com a saúde, bem como aos meios para efetivá-los.

As mulheres jovens, por serem mais vulneráveis às pressões dos padrões socioculturais, econômicos e estéticos, constituem o grupo de maior risco para desenvolver distúrbios alimentares. Esses transtornos apresentam múltiplas causas, incluindo fatores genéticos, ambientais e comportamentais, caracterizando-se, portanto, como problema sócio-sanitário. Pessoas com anorexia e bulimia nervosa têm em comum uma preocupação excessiva com peso e dieta, apresentando insatisfação e distorção de sua imagem corporal. Tal preocupação é sintoma importante para a detecção dessas doenças (Oliveira et al., 2003; Cordás, Castilho, 1994).

A imagem corporal é a figura de nosso próprio corpo que formamos em nossa mente, ou seja, o modo pelo qual o corpo se apresenta para nós mesmos ou como o vivenciamos (Cordás, Castilho, 1994). Conforme Slade (1988), o termo imagem corporalrefere-se a uma ilustração, que se tem na mente, de tamanho, imagem e forma do corpo, expressando também sentimentos relacionados a essas características, bem como as partes que o constituem.

A insatisfação com o corpo tem sido freqüentemente associada à discrepância entre a percepção e o desejo relativo a um tamanho e a uma forma corporal (Almeida et al., 2005). Embora constitua objeto complexo para investigações, existem evidências de que a mídia tem influência sobre os distúrbios na esfera da alimentação e da imagem corporal, pois ao mesmo tempo em que exige corpos perfeitos, estimula práticas alimentares não-saudáveis. O desfile de figuras jovens, com corpos esqueléticos ou musculosos apresentados em revistas, cinema e comerciais torna muito difícil, principalmente para os jovens, considerar a beleza em sua diversidade e singularidade, ou seja, como componente individual, sem se prender a padrões estéticos cada vez mais inatingíveis (INAD, 2004; Saikali et al., 2004). 20 anos as modelos pesavam 8% menos que a média das mulheres da época; hoje a diferença é de aproximadamente 23%. Isso pode ser associado à diminuição do peso das modelos e/ou ao aumento do peso das mulheres em geral ou, mais provavelmente, pela associação dos dois fenômenos, potencializando o sentimento de inadequação (INAD, 2004).

No âmbito de um estudo sobre imagem corporal, dois aspectos específicos podem ser distinguidos: a exatidão da estimativa do tamanho e os sentimentos em relação ao corpo e às porções do mesmo.

Na maioria das vezes os autores enfatizam a mensuração exata das medidas corporais, deixando de lado aspectos e comportamentos sociais que podem influenciar as distorções da imagem corporal. Na tentativa de mudar esse quadro, têm sido desenvolvidos instrumentos que visam detectar os sentimentos subjacentes a essa distorção. Nesse sentido, buscando incorporar outros aspectos, como a influência do meio social, Cooper et al. (1987) desenvolveram o Body Shape Questionnaire (BSQ), instrumento que, embora não isento de limitações, apresenta-se como recurso técnico de utilidade em estudos com populações clínicas e não-clínicas quando se busca avaliar a imagem corporal, tendo sido utilizado neste estudo com o objetivo de identificar a autopercepção da imagem corporal entre estudantes de nutrição em uma universidade pública do município do Rio de Janeiro.

O estudo desse objeto junto a esse segmento específico é de grande interesse, dada sua inserção na equipe interdisciplinar que atua no manejo dos transtornos do comportamento alimentar, bem como o papel central dessa categoria no âmbito do cuidado em saúde e alimentação, em especial nas práticas de promoção à saúde. Nesse espaço ganham destaque as práticas educativas, o que ressalta seu papel como elemento multiplicador de conceitos e de práticas, no sentido da sua manutenção ou da sua transformação.

Métodos O presente estudo integra o projeto de pesquisa Comportamentos Alimentares Anormais e Práticas Inadequadas de Controle de Peso entre Estudantes Universitários, de delineamento transversal. O projeto foi desenvolvido no âmbito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no período 2003-2004, abrangendo diferentes cursos de graduação: nutrição, medicina, psicologia, educação física, letras e engenharia, de modo a possibilitar um contraste de gênero e de inserção na área da saúde.

Em virtude da inexistência de estudos de prevalência que apontem a magnitude do problema junto a esse segmento específico, para o cálculo do tamanho amostral adotou-se o valor sugerido pelo estudo de prevalência de comportamentos alimentares anormais realizado por Nunes et al. (2001) devido à interface entre os fenômenos insatisfação com a imagem corporale práticas alimentares anormais e de risco.

A amostra pesquisada foi de 220 universitários, porém optou-se por excluir os informantes do sexo masculino, uma vez que representavam um número pequeno no curso (n= 27), além de envolver uma dimensão importante do fenômeno em observação ' gênero ', aparentemente não-resgatável pelo instrumento, finalizando-se com uma amostra de 193 alunas.

O instrumento utilizado para a coleta de dados, conforme apontado, foi o BSQ (Cooper et al., 1987) em sua versão para o português (Cordás, Castilho, 1994), inventário utilizado para avaliar o grau de insatisfação com a imagem corporal.

As categorias do BSQ foram determinadas a partir da distribuição dos escores obtidos com a aplicação do Questionário de Imagem Corporal em uma amostra da população geral inglesa. Elas refletem níveis crescentes de preocupação com a imagem corporal que correspondem às seguintes faixas, de acordo com o somatório de pontos do questionário: • nenhuma: menor ou igual a 80; • leve: entre 81 e 110; • moderada: entre 111 e 140; • grave: maior ou igual a 140.

Adicionalmente à aplicação do BSQ foi solicitado às estudantes que referissem seu peso e sua altura no momento do estudo, bem como o peso e a altura por elas almejados. Segundo a literatura, a correspondência entre os pesos referido e aferido é satisfatória, podendo ser utilizado o peso referido em pesquisas populacionais quando a aferição for inviável ou quando houver necessidade de tornar o estudo mais rápido ou diminuir seu custo (Silveira et al., 2005; Schmidt et al., 1993; Chor et al., 1999). A partir dessas variáveis antropométricas foi calculado o índice de massa corporal (IMC), adotando-se a classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS), e estimou-se a insatisfação com o peso como informação complementar aos escores obtidos com a aplicação do BSQ (OMS, 1995).

A descrição geral dos dados obtidos neste estudo será apresentada por meio de freqüências simples e relativas, adotando-se para a análise a associação entre as variáveis selecionadas na realização do teste qui-quadrado, tendo sido utilizado para armazenamento e análise dos dados o programa SPSS 11.0.

Resultados Dos 193 questionários, a distribuição da faixa etária variou dos 17 aos 32 anos, sendo a média de idade 20,9 anos (± 2). A maioria das estudantes (92,2%) é natural do estado do Rio de Janeiro, sendo que 51,3% dos seus pais possuem nível superior completo. Foram consideradas sedentárias as estudantes que deram resposta negativa quanto à prática de atividade física, encontrando-se nesse grupo uma prevalência de inatividade de 45,6%.

As medidas antropométricas referidas pelas alunas apontaram como média de altura 163,6cm (± 6,6), média de peso informado 55,8kg (± 8,6) e média do IMC 20,8kg/m2(± 2,5), o que foi considerado adequado e tendendo para o limite inferior. Para estimar a satisfação com o peso, solicitou-se que fosse respondido qual o peso desejado, tendo sido constatada uma diferença de 2kg (± 4,5) entre o peso informado e o desejado. Quando calculado o IMC, com base no peso desejado, o valor encontrado foi 20,1kg/m², inferior, portanto, ao peso informado (atual). Também foi solicitado que as universitárias informassem qual seria sua altura ideal, sendo a média encontrada 166,3cm (± 5,5), maior que a informada (Tabela_1).

A análise do instrumento utilizado mostrou que a média de pontos do BSQ entre as estudantes de nutrição foi 81,2 (± 33,6), sendo o escore mínimo 34, e o máximo, 191. A classificação final por níveis de preocupaçãocom a imagem corporal apontou que 59,6% das estudantes não apresentavam alteração da auto- imagem corporal, enquanto 6,2% possuíam distorção grave (Tabela_2).

Foram relacionados os resultados do BSQ e as variáveis IMC, insatisfação com o pesoe idade, visando buscar associações entre uma delas e os distúrbios da imagem corporal. Observou-se que 91,7% das universitárias que apresentaram resultado do BSQ normal/leve eram eutróficas, assim como aquelas com resultado do BSQ moderado/grave (82,9%). Das estudantes com resultado de BSQ moderado/ grave, 11,4% estavam acima do peso (sobrepeso/obesidade) (p= 0,026). Quanto à insatisfação com o peso, foi encontrado que 58,7% das alunas com BSQ normal/ leve gostariam de perder dois ou mais quilos. entre as estudantes que apresentaram BSQ moderado/grave, 94,3% queriam perder dois ou mais quilos (p< 0,001) (Tabela_3).

Discussão Os achados referentes à prática de atividade física mostraram que praticamente metade da amostra era inativa (45,6%), o que corrobora outros resultados da literatura, como os de Silva e Malina (2000), que desenvolveram um estudo no sistema público de ensino de Niterói-RJ com adolescentes de 14 e 15 anos e encontraram 41,6% de meninas sedentárias. A inatividade física é resultante do estilo de vida moderno de trabalho e de lazer, caracterizado por atividades inertes que favorecem o aumento da prevalência de obesidade em todas as faixas etárias. É interessante observar que o desejo de ter ou permanecer com o corpo magro não encontra correspondência com o perfil de prática de atividades físicas do grupo e contraria, ainda, o discurso científico da nutrição, que preconiza a atividade física como elemento relevante na promoção da saúde e do corpo saudável.

Os valores do IMC informado e o desejado tendem, ambos, para o limite inferior da normalidade, o que sugere um desejo de adequação ao padrão ideal de corpo na atualidade. O peso idealizado menor que o informado (atual) e a altura ideal maior que a informada também nos levam a supor uma forte influência do imaginário referente aos ideais de beleza na sociedade brasileira sobre as futuras nutricionistas no que se refere ao desejo de atingir o padrão das modelos expostas pela mídia.

Confrontando esses resultados com a literatura, em um estudo realizado junto a universitários croatas aplicando-se o BSQ, os resultados mostram que a insatisfação corporal tem papel significativo na auto-estima das meninas.

Quando as croatas foram comparadas com estudantes do sexo feminino do Reino Unido e, principalmente, dos Estados Unidos, os seus escores ou foram significativamente mais baixos (Pokrajac-Bulian et al., 2005). Comparando os resultados com alguns achados disponíveis na literatura nacional, a pontuação média no BSQ das estudantes de nutrição no presente estudo foi 81,2 (± 33,6), ligeiramente mais alta que a encontrada em estudo entre atletas realizado por Oliveira et al. (2003) no Rio de Janeiro, que foi 77,8 (± 28,7).

Os resultados desta investigação vão ainda ao encontro dos achados de outro estudo, desenvolvido por Almeida et al. (2005) sobre a percepção da forma corporal entre mulheres atendidas em diferentes serviços ambulatoriais de saúde de Ribeirão Preto (SP), que verificou uma concentração de escolhas próprias de não-obesidade nas silhuetas representativas de mulheres, caracterizando, para o segmento feminino, a exigência de corpos magros como sinônimo de normalidade.

No presente estudo, entre as universitárias com autopercepção da imagem corporal moderada ou gravemente alterada (18,6%) foi encontrado que 82,9% apresentavam IMC adequado e 11,4% apresentavam IMC de sobrepeso/obesidade. Esse elevado percentual de universitárias eutróficas com alteração moderada/grave da auto-imagem corporal é um dado preocupante, tendo em vista que elas são futuras nutricionistas que também deverão atentar para a detecção e o manejo de comportamentos alimentares de risco.

Em relação ao resultado do BSQ e à insatisfação com o peso, foi observado que, mesmo no grupo de alunas que apresentavam níveis de preocupação com a imagem corporal normal/leve, um percentual expressivo gostaria de perder dois ou mais quilos (58,7%). Entre aquelas com alteração moderada/grave da autoimagem corporal esse mesmo desejo atinge quase a totalidade das universitárias (94,3%), o que corresponde ao alto grau de distorção detectado, fator de risco para transtornos na esfera da alimentação. Um estudo longitudinal entre meninas norueguesas apontou que a imagem corporal é fator preditor para a prática de dietas, tendo relação direta com o aumento da idade (Friestad, Rise, 2004). E a prática de dietas freqüentes é fator de risco para o desenvolvimento de transtornos do comportamento alimentar, sobretudo de quadros de anorexia nervosa (Morgan et al., 2002).

Esses dados confirmam que a percepção do peso corporal se sobrepõe ao IMC, ou seja, a forma como a pessoa se percebe é mais decisiva do que a massa corporal em si, podendo influenciar alterações importantes do comportamento alimentar.

Esse fato evidencia a necessidade de explorar o tema em diferentes segmentos populacionais, de modo a conhecer a magnitude do fenômeno e delinear estratégias voltadas ao problema (Nunes et al., 2001).

A autopercepção da imagem corporal e, principalmente, a imagem corporal idealizada pelas universitárias informantes deste estudo ajustam-se ao padrão preconizado pelo contexto sociocultural em que vivemos, no qual sobressaem o que certos autores denominam lipofobiae império da magreza. Em se tratando de graduandas de nutrição, o impacto desse achado é ainda mais relevante, pois se profissionais no campo da saúde e da nutrição, apesar de sua expertisenesses domínios, desejam atender a essas normas, evidencia-se a importância do tema como questão sócio-sanitária. Além disso, a condição de cuidadores adoecidos dificulta a construção de um olhar diferenciado para com o outro no momento em que tiverem que lidar com algum caso de transtorno alimentar, obscurecendo a distorção da auto-imagem como preditora para o desenvolvimento de transtornos alimentares.

O desconhecimento do tema por parte dos profissionais de nutrição e de saúde gerado pelo despreparo acadêmico associado ao caráter secreto das práticas torna mais difícil a sua detecção. Portanto, a multidimensionalidade dos transtornos do comportamento alimentar, que inclui a percepção do próprio corpo, deve ser discutida com esses profissionais para que entendam a influência da sociedade de consumo e o processo de construção dos ideais de beleza nos processos de subjetivação em curso e possam conduzir um manejo clínico no qual se considerem os limites nos quais a perda de peso trará impacto positivo à saúde das pessoas.

Assim, este estudo visa contribuir para a identificação da avaliação da auto- imagem corporal no segmento focalizado. É necessário o desenvolvimento de outros estudos com esse grupo, além da associação desses achados a dados relativos a comportamentos alimentares inadequados, uma vez que tais fenômenos se conjugam como fatores de risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares.

Vale ressaltar, ainda, que este estudo alerta para a importância que deve ser dada à educação de adolescentes e jovens discutindo a pressão cultural exercida sobre o corpo, sobretudo os universitários, foco específico do estudo, em especial aqueles inseridos na área da saúde, por serem futuros multiplicadores de conceitos e práticas relacionados ao corpo e à alimentação, bem como agentes fundamentais em detecção e manejo de distúrbios nesse domínio que se caracteriza como necessidade básica humana.

Conclusão Os resultados encontrados neste estudo evidenciam que o ideal de corpo magro imposto pela sociedade prevalece, pois um grupo de estudantes de nutrição com peso adequado apresentou insatisfação com sua imagem corporal, desejando alterá-la para adequar-se aos padrões sociais. Em se tratando de futuras nutricionistas, o impacto desse achado é ainda mais relevante, tendo em vista seu papel no manejo desses quadros.


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