Produção brasileira em periódicos psiquiátricos de alto fator de impacto em
2005
Introdução
A abrangência da circulação de uma publicação (local, nacional ou
internacional) transformou-se num parâmetro indicativo de qualidade a partir do
final do século XIX. Diante da crescente quantidade de artigos publicados em
todo o mundo sobre um determinado assunto e da impossibilidade de acompanhar
esse crescimento, pesquisadores começaram a desenvolver sistemas que
racionalizassem e facilitassem o acesso a essas informações. Criaram então os
primeiros abstracts, sistemas de indexação da literatura que, hoje, aliados aos
recursos informacionais, apresentam-se como poderosas ferramentas de
disseminação da informação científica. Ao longo do tempo, numa escala global, a
inclusão de um título de periódico em alguns desses sistemas passou a ser vista
como indicativo de prestígio à publicação (Miranda et al., 1996).
Em 1958 foi criado na Filadélfia, Estados Unidos, o Institute for Scientific
Information (ISI), que passou a avaliar a produção científica mundial nas mais
diversas áreas. Para que um periódico ingresse nessa base de dados ele deve
reunir requisitos como pontualidade de publicação e cumprimento das normas
internacionais de editoração (título informativo, correção das referências
citadas, informações completas dos autores, pelo menos título, resumo e
descritores em inglês, e processo de revisão dos artigos a serem publicados por
pares ' peer review). O critério de seleção é rigoroso, uma vez que o Institute
for Scientific Information (ISI) tem o compromisso de oferecer a cobertura
completa dos periódicos mais importantes e influentes do mundo para atualização
de informações e entende que tal cobertura deva ser feita não pela quantidade,
mas pela qualidade (Garfield, 1995).
O ISI avalia o desempenho de cerca de 3.500 periódicos indexados através do
Journal of Citation Reports(JCR). O principal parâmetro utilizado é o chamado
fator de impacto (FI), o qual é calculado pela divisão do número de citações
que um periódico recebe ao longo de dois anos pelo número de todos os artigos
nele publicados nesse mesmo período. Assim, quanto maior tiver sido o FI de um
periódico, mais vezes, na média, seus artigos foram citados em outros
periódicos, o que nos dá uma medida, pelo menos indireta, da qualidade e da
relevância dessas publicações (Garfield, 1995; Moed, 2002).
Em 2005, Bressan, Gerolin e Mari avaliaram a produção científica nacional das
áreas de psiquiatria, psicobiologia e saúde mental, no período compreendido
entre 1998 e 2002, em nove programas nacionais de pós-graduação stricto
sensudas áreas citadas. Esses autores concluem que, segundo dados do JCRde
2004, o Brasil é o 28ººpaís no rankingde citações e número de artigos indexados
no ISI na área de psiquiatria/psicologia. Além disso, o Brasil passa por fase
de crescimento de publicações de psiquiatria e áreas afins em jornais indexados
no ISI, demonstrada, entre outras coisas, pelo fato de entre 1998 e 2002 o
número de publicações no ISI ter dobrado (Bressan et al., 2005).
No JCRde 2004 constam 90 periódicos de psiquiatria e seus respectivos FIs.
Observamos, entretanto, uma enorme variação entre eles. Entre o Archives of
General Psychiatry(FI = 11,2), que se encontra em primeiro lugar no ranking, e
o Zh Nevropatol Psik(FI = 0,13), em 90º, há uma diferença de 86 vezes no FI. Ou
seja, em média, um artigo publicado na primeira revista é 86 vezes mais citado
do que um outro publicado na segunda revista (JCR, 2004).
Tendo em vista essa discrepância, objetivamos no presente estudo avaliar a
produção brasileira, no ano de 2005, nas 20 revistas de psiquiatria com maior
FI segundo o JCRde 2004, possibilitando perceber a verdadeira contribuição da
pesquisa brasileira para os periódicos de maior influência.
Métodos
Através do sitehttp://esi3.isiknowledge.com/rankdatapage.cgi, acessado em 1 de
abril de 2006, obtivemos o JCRde 2004, onde constam 90 periódicos de
psiquiatria com FI variando de 11,2 até 0,13 (2,2 ± 1,8). Para nosso estudo
selecionamos todos os periódicos que se enquadram no percentil 75 (FI > 3.042),
totalizando 20 periódicos.
Cada periódico tem formato diferente e publica artigos com diversas
características, como editoriais, revisões, cartas, artigos completos, artigos
breves, comentários, entre outros. Consideramos em nossa análise todos os tipos
de artigo, excetuando-se apenas comentários sobre livros e erratas.
Entre esses artigos avaliamos inicialmente aqueles em que pelo menos um autor
tem afiliação a instituição brasileira. A seguir analisamos os artigos em que
pelo menos o primeiro autor e/ou o autor sênior têm afiliação a instituição
brasileira e artigos em que todos os autores apresentam afiliação a instituição
brasileira, ou seja, artigos produzidos por uma equipe trabalhando
exclusivamente no Brasil.
A seguir avaliamos, entre os artigos selecionados, a respectiva distribuição
das publicações por estados de acordo com a instituição de pesquisa à qual o
pesquisador está afiliado.
A análise estatística foi realizada com o programa SPSS v. 14 para Windows.
Resultados
Os 20 periódicos de psiquiatria indexados no ISI e citados no JCRde 2004 com
maior FI (4,25 ± 1,97) estão listados na Tabela_1.
Para cada periódico obtivemos o número de artigos publicados em 2005 e, a
seguir, avaliamos quantos desses artigos, para cada revista, tinham pelo menos
um autor com afiliação numa instituição brasileira. No total obtivemos 4.859
artigos, sendo que em 54 deles (1,11%) havia pelo menos um autor com afiliação
a instituição brasileira. Ao se analisarem os artigos que apresentam autor
sênior brasileiro, excluindose aqueles compostos exclusivamente por
pesquisadores brasileiros, obtiveram-se seis publicações num total de 22
artigos. Artigos produzidos por equipe exclusivamente brasileira representaram
32 publicações, mais da metade dos artigos publicados com pelo menos um autor
brasileiro (59,25%) (Tabela_1).
Ao se analisarem os 54 artigos e determinar a distribuição por estados da
instituição de pesquisa à qual está(ão) vinculado(s) o(s) autor(res) brasileiro
(s), obteve-se um total de 61 citações, já que instituições de estados
diferentes, em alguns casos, estiveram presentes na mesma publicação devido ao
trabalho conjunto entre várias delas. O estado de São Paulo, com 34 publicações
(55,73%), ficou na primeira posição, seguido pelo Rio Grande do Sul com dez
publicações (16,39%). Há predominância absoluta do eixo Sudeste-Sul, com 96,72%
dos artigos (Tabela_2)
Discussão
A produção científica brasileira medida por número de artigos em periódicos
científicos internacionais indexados pelo ISI mais que quintuplicou de 1981 a
2002, ocupando, em outubro de 2002, o 22º lugar no número de publicações, o 25º
em relação à quantidade de citações e o 92ºlugar no quesito citações/publicação
(In-Cities, 2004). Conseqüentemente houve crescimento das publicações
brasileiras de 0,44% da produção científica mundial, em 1981, para 1,53%, entre
2000 e 2004. Nesse mesmo período, o Brasil foi responsável por 0,41% dos
artigos publicados em periódicos ligados à pesquisa da área psiquiatria/
psicologia, com 3,01 citações/artigo, o melhor índice ao se compararem as
inúmeras áreas científicas, apenas 12% abaixo do índice mundial de 3,43
citações/artigo (In-Cities, 2005). Em nosso estudo, 1,11% dos artigos
publicados nas 20 revistas de maior FI apresentam pelo menos um autor
brasileiro, enquanto quase 60% dos artigos são exclusivamente compostos por
membros de instituições nacionais. Como nenhum dos 90 periódicos de psiquiatria
do JCRde 2004 foi avaliado, não podemos afirmar que houve crescimento do número
de artigos com autores brasileiros, mas observa-se, entre os periódicos
psiquiátricos de maior relevância, uma importante participação do Brasil.
Devemos ainda lembrar que matérias das áreas de psiquiatria, psicobiologia e
saúde mental podem ser publicadas em revistas de outras áreas que não a
psiquiatria, como genética, neurociência e farmacologia, que não foram
avaliadas aqui.
Merece destaque o fato de que, dos 22 artigos em que houve contribuição de
brasileiros, 72,72% tinham o pesquisador nacional como co-autor. O Comitê
Internacional de Editores de Revistas Médicas (ICMJE) define que a co-autoria
também é autoria (autorship) e que todos os autores devem assumir
responsabilidade pública pelo conteúdo publicado. Embora até hoje trabalhos
mostrem que é difícil definir com clareza a natureza e o papel da contribuição
de co-autores e publicações com diversos autores, o comitê afirma que a ordem
de autoria deve ser uma decisão tomada coletivamente. Do ponto de vista da
importância, geralmente são considerados principais contribuintes os três
primeiros e o último, geralmente o mentor do grupo. Os autores que se situam
entre esses extremos são menos importantes. No entanto, quando um autor é
citado, os co-autores acabam sendo também automaticamente citados, pois a
citação refere-se à obra produzida pelo conjunto dos autores (Almeida, 1998;
Shapiro et al., 1994).
Em nosso estudo observamos predominância absoluta dos estados das regiões
Sudeste e Sul como origem das instituições a que são afiliados os autores. Já é
sabido que a produção científica na área médica está restrita fundamentalmente
às grandes escolas, localizadas nessas regiões, e compreende trabalhos não só
médicos, mas também de áreas básicas tradicionalmente ligadas à medicina.
Independentemente do índice estudado, o eixo Sudeste-Sul é, na maioria dos
casos, o mais privilegiado, onde estão os centros de excelência, o maior número
de pesquisadores e de cursos de pós-graduação, as grandes editoras e empresas e
os meios de comunicação mais poderosos, além, é claro, de ser o pólo da
economia nacional (Miranda et al., 1996). Palavras textuais de Castro ditas em
1986 se encontram em plena ressonância com o panorama atual: "a polarização da
ciência nos locais mais prósperos...", porque "as regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste (excluindo Brasília) produzem apenas 9,5% da ciência brasileira, o
que equivale a dizer que quase toda a atividade científica está concentrada no
Centro-Sul" (Castro, 1986).
Dentro dessa concentraçãoda produção científica nas regiões Sudeste e Sul,
observam-se mais desigualdades. Segundo o último censo do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) realizado em 2004, o Sudeste e
o Sul apresentam, respectivamente, 52% e 21% das instituições de pesquisa do
país (Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
[CAPES], 2004). Entre os nove programas de pós-graduação (PG) das áreas de
psiquiatria, psicobiologia e saúde mental existentes no Brasil (ciências
médicas: psiquiatria ' Universidade Federal do Rio Grande do Sul [UFRGS];
medicina: saúde mental ' Universidade de São Paulo/Ribeirão Preto [USP/RP];
neuropsiquiatria e ciências do comportamento ' Universidade Federal de
Pernambuco [UFPE]; psicobiologia ' Universidade Federal do Rio Grande do Norte
[UFRN]; psicobiologia ' USP/RP; psicobiologia ' Universidade Federal de São
Paulo [UNIFESP]; psiquiatria ' USP; psiquiatria e psicologia médica ' UNIFESP;
psiquiatria, psicanálise e saúde mental ' Universidade Federal do Rio de
Janeiro [UFRJ]), seis (62,5%) se encontram na região Sudeste, estando cinco no
estado de São Paulo e um no Rio de Janeiro.
Os dados obtidos em nosso trabalho apontam para a predominância do número de
artigos nos estados que mantêm PG nas áreas citadas (Bressan et al., 2005).
Embora não seja o foco desse estudo, não deixa de ser sugestiva essa correlação
entre a existência dos programas e a produção, o que pode indicar a importância
e o vigor do sistema como catalisador da produção científica, qualificando um
número cada vez maior de mestres e doutores, pessoas capacitadas a desenvolver
e coordenar projetos de pesquisa. Deve-se ressaltar que não há correlação
direta entre essas áreas de pesquisa da PG estudadas e os periódicos de
psiquiatria avaliados, já que outras áreas, como, por exemplo, a neurociência e
a neurologia, podem desenvolver trabalhos correlatos com o perfil de publicação
dos periódicos.
É sabido que há uma intrínseca relação entre o ISI e o Index Medicus.
Geralmente, periódicos indexados no ISI também o são no sistema norte-americano
Index Medicus(National Library of Medicine, Washington), cuja versão
informatizada se chama Medline. Contudo muitos jornais indexados no Medline não
possuem cálculo de FI. Por exemplo, no Brasil, a Revista Brasileira de
Psiquiatria, de qualidade científica indiscutível, é indexada no Medline, mas
ainda não possui FI, embora, recentemente, em 2005, tenha sido indexada no ISI
e, em breve, deva ter o seu FI divulgado (Bressan et al., 2005). Portanto, ao
se tentar estudar a atual participação da pesquisa nacional tanto na área
psiquiátrica como em outras, deve-se entender que o ISI não é o único
destinodos resultados alcançados. Nossa ciência pode ser representada por um
icebergque tem uma parte visível acima da água, que estaria representando a
produção científica brasileira nas bases de dados internacionais, no caso do
ISI, e que corresponde a aproximadamente 20% a 25% do total (Miranda et al.,
1996). A produção nacional que não está indexada no ISI corresponde a cerca de
80% e se mantém submersa, pouco visível. Isso de imediato traz uma preocupação
óbvia para todos nós, pesquisadores brasileiros: a de não podermos saber qual é
a qualidade dessa produção, qual o impacto de sua circulação e a não-
acessibilidade dessa produção por leitores internacionais (Bressan et al.,
2005; Shapiro et al., 1994).
Conclusão
Para resumir, verificamos que, apesar de as publicações brasileiras em
psiquiatria terem apresentado aparente crescimento quantitativo e qualitativo,
a produção científica da área é ainda insuficiente, principalmente se levarmos
em conta a alta prevalência dos transtornos mentais no Brasil, o ônus de
sofrimento e o custo a que estão sujeitos os pacientes e a sociedade (Almeida-
Filho et al., 1997). Em estudo recente, a Organização Mundial da Saúde (OMS)
mostrou que condições neuropsiquiátricas como a depressão unipolar, a
dependência do álcool, o transtorno bipolar e a esquizofrenia estão entre as
doenças que mais causam "anos vividos com incapacitação" (Murray e Lopez,
1996). O investimento na área de psiquiatria no Brasil é, portanto, crucial
ante a prevalência, a morbidade e o impacto socioeconômico causados pelas
doenças mentais.