Revisão sistemática dos aspectos psicossociais, neurobiológicos, preditores e
promotores de resiliência em militares
INTRODUÇÃO
Somos expostos a adversidades o tempo todo. Desastres naturais, tragédias e
morte de entes queridos são males que podem atingir qualquer ser humano em
qualquer momento da vida. Por mais que esses eventos possam ser perturbadores,
debilitantes e causar sofrimento, nem todas as pessoas reagem da mesma forma.
Estudos demonstram que enquanto alguns reagem a esses eventos de forma
negativa, como desenvolvimento ou agravamento de transtornos mentais/
psiquiátricos, outros, pelo contrário, reagem de forma adaptativa, mantendo uma
trajetória de funcionamento saudável ao longo do tempo mesmo diante dessas
adversidades1. Apesar da inexistência de um consenso na literatura quanto à
definição de resiliência, a American Psychological Association2 a define como
“processo de adaptação bem-sucedido frente às adversidades, traumas, tragédias,
ameaças ou significantes fontes de estresse”.
O estudo da resiliência na população militar é um campo emergente de pesquisa.
Em 2008, os militares americanos começaram a adotar o conceito de resiliência,
motivados pelo grande número de suicídios entre os membros do serviço militar3.
As taxas de suicídio cresceram exponencialmente entre os soldados americanos
desde o início das Guerras do Iraque e do Afeganistão3. O número de suicídios
cometidos após missão no Afeganistão já supera o número total de militares dos
Estados Unidos que morreram em combate nesse mesmo país4.
No entanto, não só o aumento na ocorrência de suicídio se torna preocupante às
Forças Armadas, como também o desenvolvimento de outras desordens psicológicas
como o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), depressão e outros
problemas associados ao ajustamento psicossocial5.
Na literatura de forma geral, existem alguns construtos correlatos ao conceito
de resiliência, e o hardinessvem sendo estudado como mais uma variável
individual capaz de atenuar os efeitos do estresse. De acordo com os primeiros
teóricos, hardiness é uma característica de alguns indivíduos resilientes6,
caracterizada pela tendência em acreditar e agir como se as experiências de
vida fossem sempre previsíveis e controláveis, em considerar situações
potencialmente estressantes como desafios e em comprometer-se com suas
atividades7.
O crescente reconhecimento da ocorrência do TEPT e outros transtornos
psiquiátricos e do aumento das taxas de suicídio entre os militares expostos a
situações de combate e/ou situações adversas justifica a importância do estudo
da resiliência/hardiness e sua função como fator de proteção às adversidades
psicológicas vivenciadas ao longo da carreira militar e, principalmente,
durante a exposição a combate.
O presente trabalho consiste numa revisão sistemática sobre resiliência
emocional e hardiness em amostra militar (componentes das Forças Armadas da
ativa e da reserva), com ênfase nos correlatos psicossociais e neurobiológicos
e nos fatores preditores e promotores de resiliência e em intervenções para
fortalecer a resiliência.
MÉTODOS
Uma busca foi realizada em maio de 2012 em três diferentes bases de dados:
PubMed/MedLine, ISI/Web of Science e PsycINFO.
Os seguintes termos foram utilizados em todas as bases de dados: “militar*” (o
que inclui militar e military), “Army”, “war”, “veteran*” (o que inclui veteran
e veterans), “resilien*” (o que inclui resilience, resiliency e expressões
similares) e “hardiness”. A seguinte expressão final foi usada: (militar* OR
army OR war OR veteran*) AND (resilien* OR hardiness OR “stress inoculation”).
Foram realizadas pesquisas nas referências dos artigos encontrados e busca
manual, e foi feito contato com autores da área.
Foram utilizados os seguintes critérios de inclusão: artigos empíricos
publicados nas línguas inglesa, portuguesa e espanhola que incluíssem:
* Medidas de resiliência ou de construtos correlatos, tais como
o hardiness, aferidas por meio de instrumentos psicométricos validados em
militares das Forças Armadas; ou
* Exposição a treinamento militar com o objetivo de estudar aspectos
relacionados a uma boa adaptação a situações de extrema adversidade em
militares das Forças Armadas.
* Critérios de exclusão:
* Estudos de desenvolvimento ou validação de instrumentos psicométricos;
* Teses, dissertações, capítulos de livros e estudos não empíricos.
MC selecionou os artigos condizentes com os critérios mencionados com base na
leitura de seus títulos e resumos. Quando ocorria dúvida quanto à inclusão de
um artigo ou extração de dados, os demais autores eram consultados. A partir
daí, os resultados foram sintetizados em: correlatos psicossociais e
neurobiológicos de resiliência, fatores preditores de resiliência, resiliência
como fator preditor de saúde mental e outros desfechos e estudos da eficácia de
intervenções para fortalecer a resiliência.
RESULTADOS
A busca gerou um total de 1.773 referências. Excluindo as duplicatas, restaram
1.205 referências. Após a aplicação dos critérios de exclusão/inclusão, 32
artigos foram selecionados para esta revisão (Figura_1).
Figura 1. Fluxograma do PRISMA. (Adaptado de Moher D et al. The PRISMA Group.
Preferred reporting items for systematic reviews and meta-analyses: The PRISMA
Statement. PLoS Med. 2009;6(6):e1000097.)
Todos os artigos selecionados são estudos quantitativos, sendo a maioria
constituída de estudos transversais (n = 21/32; 65,6%). O tamanho das amostras
variou de 19 a 9.957 sujeitos.
O maior número de estudos selecionados para esta revisão foi realizado nos
Estados Unidos (n = 26/32; 81,2%), o que não surpreende, visto se tratar de um
país com grande contingente militar envolvido em diversas situações de combate.
Encontrou-se pequena contribuição de outros países, como Israel e Nova
Zelândia, na pesquisa sobre esse tema.
DISCUSSÃO
Correlatos psicossociais de resiliência
Um considerável número de pesquisas sobre resiliência tem se voltado ao estudo
e à compreensão dos determinantes psicossociais da resiliência em adultos
expostos a trauma8. O estudo dessas variáveis na população militar não poderia
ser diferente e, como já era de se esperar, grande parte dos estudos
selecionados para esta revisão (n = 18/32 – 56,2%) manteve o foco nesse aspecto
(Tabela_1).
Tabela 1. Características dos estudos sobre resiliência em militares com foco
nos aspectos psicossociais de resiliência
Estudo Objetivo N do estudo Tipo de amostra Desenho Estressor estudado Variável Instrumento Resultados
King et al. (1998)/EUA Examinar as associações entre uma seleção de fatores de resiliência d1.632 Veteranos da Guerra do Vietnã (NVVRS) Estudo transversal retrospectivo – não Combate (guerra) Hardiness 11 itens da entrevista da NVVRS – embasado nos itens desenvolvidos por Hardiness demonstrou associação inversa com TEPT para homens e mulheres
recuperação e TEPT controlado Kobasa
Bartone (1999)/EUA Investigar o papel da personalidade hardiness como mediador do estresse 787 Veteranos de guerra Estudo transversal – não controlado Combate (missões variadas) Hardiness Short Hardiness Scale (Bartone, 1995) A personalidade hardiness exerce efeitos salubres modestos sob condições
de menor estresse e tem forte influência sob condições de alto estresse
Waysman et al. (2001)/Israel Investigar o papel do hardiness na proteção de prisioneiros de guerra 348 (164 – Prisioneiros de guerra e veteranos da Guerra Yom Kippur (controle) Estudo transversal retrospectivo – Prisão de guerra e combate Hardiness 50-item version of the Personal Views Survey (Hardiness Institute, 1985) Associação entre hardiness e menor vulnerabilidade a mudanças negativas
(POW) amostra; 184 controlado entre POWs
–controle)
Zakin et al. (2003)/Israel Avaliar o papel da personalidade hardiness e estilo de apego e seu efeito 353 (164 – Prisioneiros de guerra (soldados combatentes) e não prisioneiros Estudo transversal retrospectivo – Prisão de guerra e combate Hardiness Third-generation Hardiness scale (Maddi, 1987) Hardiness mitiga os efeitos negativos do estresse e pode agir como forma
combinado em reduzir as repercussões traumáticas de estressores de amostra; 189 (controle) controlado de compensação
combate e do cativeiro de guerra –controle)
Maguen et al. (2008)/EUA Examinar fatores de risco e resiliência que podem afetar a saúde mental 328 Militares da área da saúde da Força Aérea Americana Estudo transversal – não controlado Preparação para missão e estressores variados pré-missão Resiliência The Connor – Davidson Resilience Scale (Connor e Davidson, 2003) A resiliência (traço) e experiências militares positivas foram associadas
o bem-estar do quadro médico militar antes da missão mais fortemente com afeto positivo antes da missão e a resiliência foi
inversamente relacionada ao afeto negativo
Gardner et al. (2009)/Nova Investigar avaliação, coping, hardiness e estresse relacionado ao 439 Militares da Nova Zelândia Estudo transversal – não controlado Foi solicitado aos participantes que pensassem na situação mais Cognitive Cognitive Hardiness Scale (CHS) (Nowack’s, 1990) Indivíduos resilientes são mais propensos a avaliar situações de estresse
Zelândia trabalho em militares estressante que eles tinham passado no trabalho ou como resultado Hardiness como desafios, e não como ameaças. Hardiness foi diretamente associado com
do trabalho nas últimas semanas afeto positivo e inversamente com afeto negativo
Pietrzak et al. (2009)/EUA Examinar se o apoio social e a resiliência podem proteger contra o 272 OEF/OIF veteranos Estudo transversal – não controlado Combate (missões) Resiliência The Connor – Davidson Resilience Scale (Connor e Davidson, 2003) Escores mais altos em resiliência e suporte social pós-missão foram
estresse traumático e sintomas depressivos associados com diminuição do estresse traumático e sintomas depressivos
Green et al. (2010)/EUA Avaliar a associação entre resiliência e funcionamento psicológico em 497 OEF/OIF veteranos Estudo transversal – não controlado Combate Resiliência The Connor- Davidson Resilience Scale (Connor e Davidson, 2003) Resiliência foi inversamente relacionada ao diagnóstico de TEPT e a outros
militares veteranos enviados a uma região de conflito militar em suporte correlatos funcionais (suicídio, prováveis problemas com álcool, gravidade
a Operações de Paz da depressão e saúde física)
Pietrzak et al. (2010a)/EUA Examinar a associação entre resiliência, suporte da unidade, suporte 272 OEF/OIF veteranos Estudo transversal – não controlado Combate Resiliência The Connor-Davidson Resilience Scale (Connor e Davidson, 2003) Resiliência exerce mediação total entre apoio funcional e sintomas
social pós-missão, estresse traumático e sintomas depressivos e depressivos e está associada com aumento do apoio social pós-missão
funcionamento psicossocial dois anos após o retorno de missão
Riolli et al. (2010)/EUA Examinar o impacto psicológico da exposição dos militares ao estresse 632 Soldados americanos Estudo transversal – não controlado Combate Ego The Ego-Resiliency Scale (Block e Kremen, 1996) Ego-resiliência foi diretamente relacionada com a avaliação de desafio e
traumático, focando na resiliência psicológica e sua relação com a Resiliência afeto positivo, e inversamente relacionada com as avaliações de ameaça e
avaliação cognitiva e humor perda e afeto negativo
Erbes et al. (2011)/EUA Examinar a relação entre hardiness e os construtos de personalidade 981 Soldados da Guarda Nacional do Exército Estudo transversal – não controlado Preparação para missão no Iraque Hardiness Short Hardiness Scale (Bartone, 1995) Itens de medidas de hardiness formam uma dimensão distinta de positive
neuroticismo e extroversão, medidos pelo MMPI-2 PSY-5 emotionality e negative emotionality, sugerindo que essa dimensão é
relacionada, mas não englobada por PEM e NEM
Lee et al. (2011)/Canadá Determinar a validade da resiliência como um construto de ordem superior 5650 Recrutas canadenses Estudo transversal – não controlado Estresse da profissão militar Hardiness 11-Item Hardiness Scale (Thompson e Smith, 2002) Os fatores hardiness, maestria, otimismo e autoestima estão altamente
que integra fatores intra e interpessoais correlacionados entre si. Hardiness e maestria englobam otimismo e
autoestima, e um modelo que incluísse somente uma dessas variáveis poderia
representar uma alternativa parcimoniosa àquela que inclui todos os
fatores
Pietrzak et al. (2011a)/EUA Examinar correlatos psicossociais da ideação suicida em uma amostra de 167 OEF/OIF veteranos Estudo transversal – não controlado Combate Resiliência The Connor- Davidson Resilience Scale (Connor e Davidson, 2003) Os sujeitos com ideação suicida pontuaram mais baixo em medidas de
veteranos OEF/OIF que buscaram tratamento. resiliência
Pietrzak et al. (2011b)/EUA Examinar as características psicossociais do grupo resiliente versus os 272 OEF/OIF veteranos Estudo transversal retrospectivo – Combate Resiliência The Connor- Davidson Resilience Scale (Connor e Davidson, 2003) O grupo resiliente (alta pontuação em exposição ao combate e sintomas
sujeitos com TEPT. controlado mínimos de TEPT) reportou menos problemas psicossociais logo após o
retorno da missão
Taylor et al. (2011)/EUA Examinar as relações de hardiness em ambos MH (mental health) e HP 120 (duas Militares da Marinha e dos fuzileiros navais Estudo transversal – controlado Treinamento de combate Hardiness Dispositional Resilience Scale -15 (DRS-15; Bartone, 1999) Hardiness relaciona-se diretamente à saúde mental e à saúde física, e
(physical health) em militares. Explorar o efeito mediador da MH entre a amostras saúde mental exerce mediação na relação entre hardiness e saúde física
relação hardiness e PH. demografi-
camente
similares (n
= 65 e n =
55))
Pietrzak et al. (2010 b)/EUA Usar uma análise multivariada para determinar quais variáveis de risco e272 OEF/OIF veteranos Estudo transversal – não controlado Combate Resiliência The Connor-Davidson Resilience Scale (Connor e Davidson, 2003) Baixo apoio funcional e baixo apoio social pós- -missão estão associados a
proteção são mais fortemente associadas à ideação suicida aumento de TEPT e diminuição de resiliência e funcionamento psicossocial.
Carter-Visscher et al. (2010)/ Analisar as diferenças de gênero em uma matriz de risco psicossocial e 522 Soldados do Exército Americano Estudo transversal – não controlado Combate Resiliência Deployment Risk and Resilience Inventory (King et al., 2006) As tropas do sexo feminino e masculino são relativamente semelhantes no
EUA fatores de resiliência avaliados antes da missão e examinar se o gênero que diz respeito aos fatores de risco relatados um mês antes da missão, e
modera as associações entre fatores de risco/resiliência e funcionamento gênero não moderou a relação entre fatores de risco e resiliência e saúde
de base de saúde mental mental baseline
Hammermeister et al. (2012)/EUAAnalisar a viabilidade de um modelo conceitual que implica que a 351 Soldados da Brigada Stryker Americana Estudo transversal – não controlado Combate Resiliência The Connor-Davidson Resilience Scale (Connor e Davidson, 2003) Habilidades psicológicas podem servir como um fator protetor e podem
resiliência percebida detém um papel de mediador na relação entre as ajudar os soldados a exibir resultados mais resilientes de saúde mental
competências psicológicas e TEPT
Saúde
De maneira mais abrangente, um correlato psicossocial de resiliência já
bastante documentado diz respeito à saúde, seja ela física, mental e/ou
psicológica9-11. O hardiness pode ser considerado um importante preditor de
saúde entre os militares expostos a toda sorte de missões e estressores, como
guerras, missões de paz etc. No estudo de Taylor et al.10, os resultados ligam
hardiness à saúde mental e física e ainda sugerem que a saúde mental conota um
caminho pelo qual hardiness influencia a saúde física. Essa influência
provavelmente ocorre via múltiplos aspectos da saúde mental, como sofrimento
subjetivo, enfrentamento/avaliação, burnout, práticas saudáveis e diferenças
hormonais (estresse)10.
Levando em consideração que a saúde mental também pode influenciar a saúde
física por meio de uma desregulação do sistema de estresse e influenciar o
sistema orgânico, podemos concluir que as relações entre estresse, hardiness e
saúde mental são complexas e, provavelmente, bidirecionais. Para a população
militar, a promoção de hardiness/resiliência possibilitaria maior eficiência na
recuperação de lesões físicas e emocionais sofridas durante as missões
militares, visto a confirmação de que o hardiness tem poder de amortecer os
danos do estresse e minimizar os riscos de desenvolvimento de estresse pós-
traumático10.
Transtorno de estresse pós-traumático
A resiliência e o traço de personalidade hardiness são considerados fatores de
proteção contra o estresse traumático12-14.
O estudo de Green et al.9, além de ter confirmado a correlação negativa entre
hardiness/resiliência e risco de desenvolvimento de TEPT, também mostrou que um
alto nível de resiliência pareceu exercer papel particularmente protetor entre
veteranos de guerra com alta exposição ao combate.
Problemas psicossociais
A relação inversa entre resiliência e problemas psicossociais15, assim como
resiliência e prováveis problemas com álcool15, sintomas depressivos14, ideação
suicida15,16 e estresse9,17, foi bastante relatada em amostras militares.
Gardner e Michael18 e Riolli et al.19 identificaram em seus estudos que
indivíduos resilientes são mais propensos a avaliar situações de estresse como
desafios e não como ameaças e a possuir um estilo de enfrentamento mais eficaz,
enquanto o estudo de Waysman et al.20 mostrou que indivíduos menos resilientes
são mais vulneráveis a mudanças negativas. Esses achados corroboram a
afirmativa de que indivíduos resilientes avaliam as situações estressantes como
menos ameaçadoras em algum grau pelo fato de eles serem mais efetivos em
regular suas emoções21.
Apoio social e funcional
Um estudo com 272 veteranos mostrou que baixo apoio funcional e baixo apoio
social após a missão estão associados a aumento em TEPT e sintomas depressivos,
assim como à diminuição da resiliência e do funcionamento psicossocial22. Os
achados de que o aumento da resiliência está associado ao aumento do apoio
social pós-missão também corroboram pesquisas anteriores que sugerem que
indivíduos resilientes são mais hábeis em construir redes sociais e buscar
apoio quando necessário22.
Afeto positivo/negativo e otimismo/pessimismo
A associação direta entre resiliência e afeto positivo e a associação inversa
entre resiliência e afeto negativo também foram documentadas18,19,23, o que
confirma a ideia de que a experiência afetiva do humor é um importante elemento
da resiliência psicológica – indivíduos resilientes mantêm alto grau de afeto
positivo e bem-estar frente a significantes adversidades19,24. E, como já
sugerido em outros estudos, indivíduos resilientes encaram a vida com mais
otimismo, mais energia e emocionalidade positiva, e são mais abertos a novas
experiências25,26.
Habilidades psicológicas
Num estudo com 351 soldados da Brigada Striker, Hammermeisteret al.27 mostraram
que os soldados mais capazes de gerir a energia pessoal usando relaxamento e
habilidades de ativação (habilidades mentais/pessoais) se perceberam como mais
resilientes, relatando menos sintomas de TEPT.
Diferenças de gênero
Os resultados do estudo de Carter-Visscher et al.28 demonstraram que as tropas
do sexo feminino e masculino foram relativamente semelhantes no que diz
respeito aos fatores de risco relatados um mês antes da missão e que não houve
moderação do gênero com relação aos fatores de risco e resiliência e saúde
mental no baseline.
Traço de personalidade
O estudo de Erbes et al.29 teve como objetivo examinar melhor a relação entre
hardiness e os traços de personalidade emocionalidade positiva (positive
emotionality– PEM) e emocionalidade negativa (negative emotionality– NEM),
medidos pelo Inventário Multifásico de Personalidade (Minnesota Multiphasic
Personality Inventory– 2 - MMPI-2), em uma amostra de soldados da Guarda
Nacional Americana. A fim de avaliar hardiness em relação a esses constructos
de personalidade, realizou-se uma análise fatorial exploratória e confirmatória
para testar três modelos concorrentes: um em que hardiness estaria relacionado,
mas seria distinto de PEM e NEM; um em que hardiness seria uma faceta da PEM; e
outro em que seria uma faceta do NEM. Também se avaliou a capacidade de
hardiness predizer sintomas de depressão e TEPT.
Os resultados deste estudo confirmam a distinção entre hardiness e os traços de
personalidade em questão, sugerindo que essa dimensão pode estar relacionada,
mas não englobada por PEM e NEM. As análises exploratórias e confirmatórias
sugerem que a sobreposição entre hardiness, PEM e NEM é muito importante quando
se avalia o impacto de hardiness. Os autores afirmam que, em contraste com
estudos anteriores que encontraram que a relação entre hardiness e angústia ou
sintomas de saúde mental perduraria após o controle de afeto negativo, neste
estudo encontrou-se que a relação entre hardinesse sintomas de TEPT é
totalmente explicada por sua sobreposição com PEM e NEM na amostra em
questão28.
O estudo de Lee et al.30 propôs avaliar a validade da resiliência psicológica
como um construto de ordem superior (higher-order construct) que integra tanto
fatores de ordem intrapessoal quanto interpessoal, considerando como variáveis
intrapessoais os cinco grandes traços de personalidade (afabilidade,
consciência, extroversão, neuroticismo e abertura), hardiness, maestria,
otimismo, afeto positivo e negativo e autoestima, e como variável interpessoal
o apoio social. Utilizando uma amostra de recrutas canadenses, testou-se um
modelo de ordem superior de resiliência (higher-order resilience model) e
chegou-se à conclusão de que os fatores hardiness, maestria, otimismo e
autoestima estão altamente correlacionados entre si, o que pode sugerir
potencial redundância. Um modelo alternativo poderia manter apenas alguns
desses fatores. Como hardiness e maestria englobam otimismo e autoestima, um
modelo que inclua somente uma dessas variáveis poderia representar uma
alternativa parcimoniosa àquela que inclui todos os fatores.
Correlatos neurobiológicos de resiliência
Fatores neurobiológicos desempenham importante papel nas respostas individuais
ao estresse e ao trauma. Pesquisas têm demonstrado o papel desses fatores em
estudos com populações civis e militares (Tabela_2).
Tabela 2. Características dos estudos sobre resiliência em militares com foco
nos correlatos neurobiológicos de resiliência
Estudo Objetivo N do estudo Tipo de amostra Desenho Estressor estudado Variável Instrumento Resultados
Morgan et al. (2000)/ Avaliar a imunorreatividade de NPY no plasma de soldados saudáveis 75 Soldados americanos (32 não SF e 38 Estudo longitudinal com duas Treinamento de NPY Estudo Elevados níveis de NPY no sangue preveem melhor desempenho sob estresse
EUA participantes de um intenso treinamento militar de sobrevivência SF) amostras independentes combate neuroendócrino durante o treinamento em soldados SF em comparação com soldados non-SF
Morgan et al.(2001)/ Explorar a ideia de que as diferenças neurobiológicas nas respostas de 44 Soldados americanos (21 não SF e 23 Estudo longitudinal com duas Treinamento de Cortisol, Estudo Soldados SF demonstraram maior capacidade de liberação de NPY sob
EUA indivíduos expostos a ameaças estão significativamente relacionadas aos SF) amostras independentes combate catecolaminas neuroendócrino estresse, um rápido retorno aos níveis basais de NPY em recuperação e
índices psicológicos e comportamentais e NPY maior liberação de NE sobre o estresse. Eles exibiram, em geral, menor
ativação do eixo HPA em resposta ao estresse (medidos pelo baseline/
recuperação diferenças de cortisol)
Morgan et al. (2003)/ Investigar a relação entre os níveis de NPY no plasma no baseline, Estudo A – 34 Estudo B – Veteranos, civis e militares da Estudo transversal – Treinamento de Plasma NPY Plasma NPY NPY foi negativamente associado com a exposição ao trauma, mas não aos
EUA exposição ao trauma e a presença de sintomatologia de TEPT em dois ativa controlado combate sintomas de TEPT nos militares da ativa. Neuropeptídeo Y no baseline foi
estudos separados reduzido em veteranos de combate com e sem o transtorno de estresse pós-
traumático
Yehuda et al. (2006)/ Avaliar se o nível de NPY no plasma no TEPT está relacionado a fatores d34 Veteranos de guerra Estudo transversal – não Combate Plasma NPY Plasma NPY Foram encontrados níveis mais altos de NPY no plasma de veteranos
EUA proteção ao estresse controlado expostos ao combate sem TEPT do que naqueles com TEPT. Os níveis de NPY
foram significativamente preditos pela medida de melhora dos sintomas,
por menor exposição ao combate e pela tendência de enfrentamento positivo
Taylor et al. (2007)/ Aumentar a compreensão sobre as respostas do cortisol e DHEAS ao estresse19 Militares ativos e saudáveis Estudo longitudinal – não Treinamento de DHEAS e Estudo O cortisol pode desempenhar papel importante no agravamento de
EUA de um treinamento militar duro, e para avaliar relações com desempenho controlado combate cortisol neuroendócrino pensamentos intrusivos e de evitação a situações que lembrem o evento
humano, bem como fatores de risco para o TEPT (sintomas dissociativos estressante. A taxa de DHEAS e cortisol pode amortecer contra excitação
peritraumáticos e o impacto subsequente de eventos) fisiológica elevada (por exemplo, hipervigilância, aumento de reflexos de
sobressalto) que ocorrem após eventos estressantes ou traumáticos
Vythilingam et al. Identificar um marcador biológico para resiliência ao trauma 33 (22 – amostra e 11 – Soldados das Forças Especiais e Estudo transversal – Soldados da Força Resiliência fMRI O núcleo accumbens e o córtex pré-frontal subgenual não foram responsivos
(2009)/EUA controle) civis controlado Especial para as condições de recompensa em soldados resilientes em contraste com
controles civis, que apresentaram aumento da valência dependente da
atividade funcional para o aumento da recompensa
Taylor et al. (2012)/ Avaliar o efeito da suplementação com DHEA sobre os índices de estresse48 Militares da Marinha Americana Ensaio clínico randomizado Treinamento de DHEA e DHEAS Estudo Embora o treinamento de sobrevivência leve a sofrimento subjetivo, a
EUA em militares sob o efeito de um treinamento de sobrevivência intenso (homens saudáveis) combate neuroendócrino suplementação com deidroepiandrosterona (DHEA) não influenciou esse
efeito
Neuropeptídeo Y (NPY)
O NPY é um peptídeo neurotransmissor que modula a resposta ao estresse em
animais e algumas evidências científicas sugerem que, em adição ao seu
envolvimento na manutenção do tônus vascular e do apetite, o NPY funciona como
um agente ansiolítico endógeno que pode amortecer (buffer) os efeitos do
estresse sobre o cérebro de mamíferos.
Morgan et al.31 foram pioneiros em pesquisas neurobiológicas no contexto de
sobrevivência militar. Considerando que os soldados das Forças Especiais (SF)
fazem parte de um grupo de elite militar pré-selecionado e treinado para ser
resiliente quando exposto ao trauma, os autores compararam a imunorreatividade
do NPY no plasma de soldados participantes de um intenso treinamento militar de
sobrevivência (38 SF e 32 não SF) e demonstraram que elevados níveis de NPY no
sangue preveem melhor desempenho sob estresse durante o treinamento em soldados
SF em comparação com soldados não SF.
Consistentes com esse estudo sobre as respostas do NPY ao estresse agudo estão
os achados de que os níveis de norepinefrina (NE) durante esse estresse também
foram significativamente maiores nos soldados SF do que nos soldados não SF em
outro estudo de Morgan et al.32.
Ou seja, os soldados SF demonstraram possuir maior capacidade de liberação de
NE e NPY sob estresse, além de rápido retorno aos níveis basais durante a
recuperação. Em geral, eles exibiram menor ativação do eixo hipotalâmico-
pituitário-adrenocortical (HPA) em resposta ao estresse. Esse padrão de
resposta levou os autores a evocarem uma hipótese de “stress hardiness/
endurecido pelo estresse” sobre os sujeitos, porque o uso desse termo estaria
de acordo com a forma como ele tem sido usado para descrever a resposta
hormonal dos animais considerados “endurecidos” pela exposição ao estresse.
Esse modelo subjaz à hipótese de que alguns sujeitos nesse estudo estariam
menos propensos a desenvolver o estresse relacionado a doenças como o TEPT do
que indivíduos que não foram “endurecidos” pelo estresse, que é uma resposta
neuroendócrina à ameaça32.
Evidências fornecidas por estudos pré-clínicos confirmam que a expressão do NPY
é regulada pelo estresse, o que torna possível que a diferença entre os
soldados esteja na habilidade em regular o NPY31.
Em outros dois estudos desenvolvidos por Morgan et al.33, os resultados
mostraram que os níveis de NPY no plasma de militares da ativa estavam
negativamente associados à exposição ao trauma, mas não a TEPT e que os níveis
basais de NPY estavam mais baixos em veteranos expostos ao combate com e sem
TEPT, comparados a sujeitos saudáveis. Esses dados sugerem que a exposição
repetida ao estresse traumático, em vez da presença de TEPT ou de sintomas do
tipo, está associada com uma redução nos níveis basais de NPY no plasma em
humanos.
No estudo de Yehuda et al.34, foram encontrados níveis mais altos de NPY no
plasma de veteranos expostos ao combate sem TEPT do que naqueles com TEPT.
Nesse mesmo estudo, depois de controlar todas as outras variáveis, os níveis de
NPY foram significativamente preditos pela medida de melhora dos sintomas, por
menor exposição ao combate e pela tendência de enfrentamento positivo.
Diversos estudos têm confirmado o papel benéfico do NPY na mediação de
resiliência e vulnerabilidade ao estresse e ansiedade, demonstrando que os
níveis de NPY no plasma podem representar um correlato biológico de resiliência
ou recuperação dos efeitos adversos do estresse.
Deidroepiandrosterona (DHEA) e sulfato de deidroepiandrosterona (DHEAS)
DHEA e DHEAS são anabolizantes pré-hormônios envolvidos na síntese de
testosterona. Ambos têm demonstrado exercer efeitos neuroprotetores durante o
estresse.
Seguindo os passos e o exemplo dos pesquisadores citados anteriormente31-33,
Taylor et al.35 lançaram-se na pesquisa neurobiológica no contexto de
sobrevivência militar. Num desses estudos, Taylor et al.35 investigaram as
respostas do cortisol e do DHEAS ao estresse causado por um treinamento
militar. Os achados confirmaram a hipótese de que as respostas do cortisol e do
DHEAS durante a experiência de cativeiro podem influenciar o impacto
psicológico posterior, mesmo que de maneiras contrastantes. Ou seja, o
cortisol, especificamente, pode desempenhar papel importante no agravamento de
pensamentos intrusivos e de evitação a situações que lembrem o evento
estressante. Em contrapartida, taxas de DHEAS e cortisol podem amortecer a
excitação fisiológica elevada (por exemplo, hipervigilância, aumento de
reflexos de sobressalto) que ocorre após eventos estressantes ou traumáticos.
Já em um ensaio clínico randomizado sobre a suplementação de DHEA em 48
militares saudáveis e ativos, submetidos a um treinamento de sobrevivência
militar, Taylor et al.36 verificaram que, embora o treinamento de sobrevivência
leve a sofrimento subjetivo, a suplementação com deidroepiandrosterona (DHEA)
não influenciou esse efeito. Segundo os autores, é possível que as baixas doses
e/ou o breve esquema utilizado nessa pesquisa tenham sido insuficientes para
afetar significativamente o sofrimento subjetivo.
Neuroimagem – Circuito de recompensa (fMRI investigation)
Vythilingam et al.37 tentaram identificar um marcador biológico para
resiliência ao trauma e testar a hipótese de que soldados resilientes (SF) (n =
11), quando comparados com controles civis saudáveis (n = 11), demonstrariam
maior recrutamento do núcleo estriado ventral, especificamente do núcleo
accumbens e do córtex pré-frontal subgenual. Os resultados mostraram que,
embora alguns estudos tenham sugerido que um forte sistema de recompensa possa
contribuir para a resiliência38,39, o núcleo accumbens e o córtex pré-frontal
subgenual não foram responsivos para as condições de recompensa em soldados
resilientes em contraste com controles civis35.
Apesar de a resiliência ser um constructo multidimensional complexo e o estudo
de suas bases neurobiológicas ser uma área de investigação científica
relativamente nova, é importante notar que existe um número muito maior de
variáveis neurobiológicas sendo investigadas em amostras civis em comparação
aos estudos com amostras militares. No estudo de Wu et al.40, além dos fatores
neurobiológicos já citados, outros fatores foram listados como sendo essenciais
ao desenvolvimento de resiliência como: eixo hipotalâmico-pituitário-adrenal,
sistemas noradrenérgicos e dopaminérgicos, sistema serotoninérgico, fator
neurotrófico derivado do cérebro, além de fatores epigenéticos, neuroquímicos e
o chamado circuito neural da resiliência (circuitos neurais da recompensa e do
medo).
Quanto maior for a compreensão da neurobiologia da resiliência, maiores serão
as implicações para a prevenção e o tratamento dos transtornos psiquiátricos
relacionados ao estresse e à exposição a eventos traumáticos.
Fatores preditores de resiliência
Foram encontrados somente dois estudos abordando a predição de resiliência.
De acordo com os estudos selecionados para esta revisão, exposição a situações
adversas, o apoio social e o gênero são fatores considerados preditores de
resiliência (Tabela_3).
Tabela 3. Características dos estudos sobre resiliência em militares com foco
nos fatores preditores de resiliência
Estudo Objetivo N do Tipo de Desenho Estressor Variável Instrumento Resultados
estudo amostra estudado
Elder e Investigar dano e resiliência na idade adulta em veteranos de guerra 149 Veteranos Estudo longitudinal – não Combate Ego- - The 1) Indivíduos de combate mais pesado tornaram-se mais resilientes quando
Clipp da controlado resiliência California adultos. 2) Os indivíduos menos resilientes (classificados antes do
(1989)/ Segunda Q-Sort combate) tinham maior probabilidade de experimentar problemas
EUA Guerra (Jack comportamentais e emocionais depois da guerra quando comparados com os
Mundial e Block, homens com pontuação alta na resiliência pré-combate
do 1971)
Conflito
Coreano
Vogt et Analisar as relações recíprocas entre reações de estresse e resiliência 1571 Recrutas Estudo longitudinal – não Treinamento Hardiness Short 1) Para homens: altos níveis iniciais de hardiness predizem baixas reações
al. uma amostra de indivíduos expostos a uma experiência de vida muito da controlado de combate Hardiness de estresse, e altas reações de estresse iniciais predizem redução de
(2008)/ estressante. Examinar a medida em que as associações entre reações de Marinha Scale hardiness ao longo do treinamento. Apoio social modera o efeito das reações
EUA estresse e resiliência diferem para indivíduos com alto e baixo apoio social Americana (Bartone, de estresse sobre o hardiness, mas não o efeito de hardiness sobre as
1995) reações de estresse. 2) Para mulheres: hardiness não protege contra reações
de estresse subsequentes e reações de estresse não levam à diminuição de
hardiness ao longo do tempo. Nas mulheres com baixo apoio social, as
reações de estresse não estão relacionadas aos subsequentes níveis de
hardiness. Naquelas com alto apoio social as reações de estresse estão
associadas a um significativo, mas modesto, aumento em hardiness
Exposição a situações adversas
No estudo longitudinal com 149 veteranos da Segunda Guerra Mundial e da Guerra
da Coreia, Elder e Clipp.41 verificaram que a ocorrência de problemas
emocionais foi mais prevalente entre os homens que registraram níveis menores
de ego-resiliência na adolescência e que os indivíduos expostos a combate mais
pesado tornaram-se mais resilientes quando mais velhos. Esses padrões sugerem
que ego-resiliência seja um importante recurso psicológico que pode ser
desenvolvido com sucesso quando a exposição a situações adversas é bem-
sucedida, tais como o combate.
Apoio social e diferenças de gênero
Num estudo com mais de 1.500 recrutas da Marinha Americana, Vogt et al.7
verificaram que, nos homens, maiores níveis iniciais de hardiness previam
menores reações de estresse, e vice-versa, enquanto nas mulheres o hardiness
não teve efeito protetor contra estresse posterior e as reações de estresse não
levaram à diminuição em hardiness. Esses dados, condizentes com a literatura,
sugerem que os homens são mais eficazes no uso de estratégias de coping que as
mulheres.
No que diz respeito à moderação exercida pelo apoio social, os autores
encontraram que, embora o impacto negativo das reações de estresse sobre o
hardiness tenha sido forte quanto mais baixo fosse o apoio social para ambos os
sexos, as reações de estresse foram preditoras de aumento de hardiness em
mulheres com alto apoio social. Esse achado intrigante afirma que a exposição a
situações estressantes pode promover aumento em hardiness sob certas
circunstâncias.
Resiliência como fator preditor de saúde mental e outros desfechos
Quatro artigos, entre os selecionados para esta revisão, investigaram, por meio
de estudos longitudinais, como a resiliência influencia a saúde mental e outros
desfechos (Tabela_4).
Tabela 4. Características dos estudos sobre resiliência em militares com foco
na resiliência como fator preditor de saúde mental e outros desfechos
Estudo Objetivo N do estudo Tipo de Amostra Desenho Estressor Variável Instrumento Resultados
estudado
Florian et al. (1995)/ Avaliar hardiness e saúde mental em participantes de um intenso 276 Recrutas israelenses Estudo longitudinal – não Treinamento Hardiness Third- Os componentes de hardiness (compromisso e controle) influenciaram a
Israel treinamento de combate controlado de combate generation saúde mental dos sujeitos submetidos ao treinamento de combate, mediado
Hardiness por avaliação adaptativa e coping
Scale (Maddi,
1987)
Dolan (2006)/EUA Verificar se o military hardiness protege contra o impacto dos eventos 629 Soldados do Exército Estudo longitudinal – não Missão de Military The Military Hardiness militar está correlacionado à saúde psicológica tanto durante
estressores da missão sobre a saúde física e psicológica Americano controlado paz hardiness Hardiness quanto depois da missão, mas não prediz saúde física nesta amostra
Scale
Delahaij et al. (2010)/ Investigar o processo que explica como hardiness influencia o modo como 207 (amostra 1 – 109 e amostra 2 – Cadetes da Academia Estudo longitudinal com duas Treinamento Hardiness Dispositional 1) Pessoas mais resistentes (hardy people) têm estilo de enfrentamento
Holanda as pessoas respondem a situações estressantes de Defesa da Holanda amostras independentes de combate Resilience mais eficaz – mais focados na tarefa do que na emoção. 2) Hardiness
e Recrutas de Scale II afeta o comportamento de enfrentamento. 3) Pessoas mais resistentes
Infantaria (Sinclair et parecem mais confiantes e tendem a avaliar as situações como mais
selecionados para um al., 2003) desafiadoras e menos ameaçadoras
treinamento militar
da Air Mobile Brigade
da Holanda
Hourani et al. (2012)/ Determinar prevalência de sintomas psicológicos relacionados à missão475 Militares da Marinha Estudo longitudinal – não Carreira ResiliênciaThe Connor- 1) Resiliência se correlaciona com saúde mental somente quando existe
EUA baseline (ativa) em militares que retornaram à vida civil e examinar as controlado militar Davidson prejuízo funcional. 2) A resiliência foi negativamente correlacionada
relações com os resultados de saúde mental no follow-up (reserva) Resilience com o estresse e positivamente correlacionada com a idade e apoio social
Scale (Connor
e Davidson,
2003)
Saúde mental
Enquanto alguns estudos encontraram relação direta entre resiliência e saúde
mental42,43, a pesquisa de Hourani et al.44 mostrou que a correlação entre
essas duas variáveis somente ocorre quando existe um prejuízo funcional, que
nesse estudo foi considerado como a incapacidade de realizar atividades
habituais por no mínimo um dia durante os 30 dias prévios à avaliação. Isso
sugere que o efeito da resiliência pode estar na sua capacidade em manter a
funcionalidade de um indivíduo apesar dos problemas de saúde mental e pode não
ter impacto direto, por si só, no risco de sintomas mentais. De acordo com os
autores, em vez de ser conceituada como um preditor de saúde mental
(relacionada aos sintomas), a resiliência pode ser mais bem conceituada como um
preditor de funcionamento e capacidade de realizar atividades habituais.
Estilo de enfrentamento
O estudo de Delahaij et al.45 demonstrou que pessoas mais resistentes (hardy
people) possuem um estilo de enfrentamento mais eficaz (são mais focadas na
tarefa e menos focadas na emoção) e são mais confiantes quanto à sua capacidade
em lidar com situações estressantes (tendem a avaliar as situações como mais
desafiadoras e menos ameaçadoras).
Intervenções para fortalecer a resiliência
Apenas um estudo, entre os selecionados para esta revisão, relatou os
resultados de uma intervenção para fortalecer a resiliência.
A escassez de pesquisas de avaliação da efetividade dos programas de promoção
de resiliência em amostras militares contrasta com os estudos em amostras
civis. Na revisão sistemática de Macedo et al.46, entre os 13 estudos que
avaliaram a eficácia da promoção de resiliência em adultos, apenas um foi
realizado com amostras militares.
O único estudo selecionado para a presente revisão foi um estudo sem revisão
por pares que teve como objetivo apresentar evidências empíricas da eficácia do
Comprehensive Soldier Fitness(CSF) em promover resiliência e saúde psicológica
nos soldados (R/PH). O foco foi testar a eficácia do componente de formação de
formadores de CSF – que completaram um treinamento em resiliência de 10 dias na
Universidade da Pensilvânia, conhecido como Master Resilience Trainer(MRT)47.
Realizou-se análise longitudinal do impacto do MRT nos dados de autorrelato de
resiliência e saúde psicológica dos soldados. A avaliação do programa envolveu
a comparação de oito equipes (brigadas de combate), metade das quais havia
incorporado formadores de CSF, os MRT. Os dados consistem nos escores do Global
Assessment Tool (GAT, caracterizado como ferramenta de autoavaliação a ser
preenchida anualmente) de mais de 22 mil soldados, coletados num período de 15
meses47.
As principais conclusões do relatório de avaliação afirmaram que: a) os
soldados na condição de tratamento apresentaram melhores escores em oito das
dimensões/subescalas utilizadas pelo GAT para medir resiliência e saúde
psicológica no T2; b) a condição de tratamento experimentou altas taxas de
crescimento em resiliência e saúde psicológica; c) o tratamento mostrou um
forte efeito sobre a resiliência e saúde psicológica para soldados entre 18 e
24 anos em comparação aos soldados acima dos 24 anos; d) evidências indicam que
a presença de formadores MRT promovem níveis de resiliência nos soldados mais
jovens de modo que eles venham a se parecer com soldados mais velhos47.
No entanto, Steenkamp et al.48, em seu artigo de revisão sobre o programa CSF,
criticam os resultados apresentados por Lester et al.47. Consideram que esses
resultados não fundamentam as conclusões obtidas, pois os autores concentraram-
se principalmente na significância do teste em vez de focarem na magnitude do
tamanho do efeito, deixando os resultados altamente vulneráveis ao erro do tipo
I (comum em amostras muito grandes). Ou seja, apesar de estatisticamente
significativo, o aumento da resiliência foi muito pequeno do ponto de vista da
relevância clínica.
Embora todos os soldados tenham sido obrigados a preencher o GAT, tendo 900 mil
sido preenchidos até o momento, nenhum dado psicométrico fora relatado até
então. Além disso, também não fica claro até que ponto os tamanhos dos efeitos
obtidos foram devidos ao acaso.
Em virtude da escassez de estudos sobre esse tema encontrados para esta
revisão, podemos perceber que, embora um número crescente de estratégias e
programas voltados à promoção da resiliência psicológica esteja sendo fornecido
aos membros das Forças Armadas Americanas pelos setores civis e militares,
pouco se sabe sobre a eficácia desses programas na promoção da resiliência.
Dessa forma, os enormes custos econômicos, pessoais, sociais e institucionais
associados ao TEPT militar apontam a imperiosa necessidade de criação de
programas de prevenção rigorosamente testados, baseados em evidências e que se
empenhem em expandir o conhecimento científico sobre a prevenção de TEPT48.
Nosso estudo apresentou algumas limitações. A primeira diz respeito à nossa
busca, que foi realizada em apenas três bases de dados, entretanto elas são as
mais importantes (ISI, PubMed e PsycINFO).
Outras limitações foram a falta da avaliação simultânea e independente
realizada por mais de um revisor quanto à escolha dos artigos selecionados para
a revisão e quanto à extração dos dados considerados relevantes incluídos nos
estudos.
E, por último, a falha desta revisão em focar somente em estudos publicados em
inglês, português e espanhol.
CONCLUSÃO
O estudo da resiliência e constructos correlatos em populações militares é um
campo emergente e promissor de pesquisa. O estudo da resiliência militar tem o
papel de aumentar a compreensão dos fatores a ela relacionados e fornecer
subsídios para a criação de intervenções para a promoção de resiliência,
contribuindo, assim, com todas as profissões de risco, bem como com a população
civil, que constantemente é exposta a situações adversas.
As instituições militares devem ser as maiores interessadas em minorar os
efeitos deletérios das situações adversas, assim como em criar estratégias de
prevenção ao TEPT. Para isso, torna-se primordial o desenvolvimento de uma base
teórica e empírica que contribua para os esforços de prevenção e possa ser
utilizada pelas gerações futuras.
Verificou-se, com a realização da presente revisão, que a grande maioria dos
estudos tende a manter o foco na pesquisa sobre a correlação resiliência/
hardinesse aspectos psicossociais.
Esta revisão reuniu dados que confirmam o potencial papel protetivo da
resiliência/hardiness quanto ao TEPT, assim como a associação direta entre
resiliência e saúde, seja ela mental, física e/ou psicológica.
A exposição a situações adversas, o apoio social e o gênero são fatores
considerados preditores de resiliência. Contudo, encontramos somente dois
estudos abordando preditores de resiliência nas amostras militares, sugerindo
que indivíduos expostos a combate mais pesado tornaram-se mais resilientes
quando mais velhos e que a exposição a situações adversas pôde promover aumento
em hardiness em mulheres que possuíam níveis altos de apoio social.
Entre os biomarcadores estudados, o DHEA e o DHEAS têm demonstrado exercer
efeitos neuroprotetores durante o estresse. Além disso, a maior capacidade de
liberação desses biomarcadores por soldados resilientes expostos ao estresse
levantou a hipótese de que eles poderiam ter se tornado indivíduos
“endurecidos” pelo estresse, demonstrando que os níveis de NPY no plasma podem
representar um correlato biológico de resiliência ou recuperação dos efeitos
adversos do estresse.
No entanto, apesar dos importantes achados e conclusões relatados nesta revisão
e da extrema relevância do tema resiliência psicológica, há relativamente
poucos estudos envolvendo amostras militares. Uma área particularmente escassa
de pesquisas é a de avaliação da efetividade dos programas de promoção de
resiliência. Apesar de cerca de 1 milhão de homens e seus familiares estarem
expostos a intervenções para fortalecer a resiliência – e a despeito da
existência de inúmeros programas diferentes sendo executados com esse objetivo
–, não há ensaios randomizados controlados documentando a eficácia dessas
intervenções. Os desenhos de pesquisas com foco nas variáveis psicossociais e
neurobiológicas associadas à resiliência têm que ser fortalecidos em virtude da
preponderância absoluta dos cortes transversais, havendo poucos estudos
prospectivos. A falta de padronização dos instrumentos para aferir resiliência
é outro grande empecilho para o avanço dessa crucial área de investigação.
Uma das mais importantes questões a serem respondidas ou estudadas pelas
pesquisas futuras diz respeito a como melhor aplicar os conhecimentos
adquiridos para aperfeiçoar as estratégias de prevenção das psicopatologias
relacionadas à exposição ao estresse/trauma, por meio do fortalecimento da
resiliência.