Os editoriais contam histórias: experiências do ofício de editor na Revista
Movimento
Num momento em que se vive uma atmosfera acadêmica pautada por uma lógica
produtivista, não é por acaso que a Revista Brasileira de Ciências do Esporte
(RBCE) coloca na sua pauta o interesse pelas discussões e reflexões acerca do
"funcionamento" dos periódicos científicos que têm interface com a Educação
Física brasileira. Orientados por um importante papel que historicamente a RBCE
vêm cumprindo nesse universo, seus editores provocam seus colegas a
compartilharem "as experiências editoriais (desafios, dificuldades e
possibilidades) da revista em que exercem o ofício de editor".1
Quando dizemos que "não é por acaso" que esse tema está na pauta da RBCE, é
pelo fato de que acreditamos que faz todo o sentido tentar entender como vêm se
efetivando essas experiências editoriais em trajetórias particulares, num
contexto em que os periódicos científicos ocupam um papel central no
desenvolvimento da pesquisa científica e, consequentemente, na formação em
Educação Física. Isso porque, além da difusão do conhecimento produzido nesse
campo acadêmico, as revistas têm sido fundamentais no que se refere à avaliação
de pesquisadores e de programas de pós-graduação, aspecto que repercute nos
cursos de graduação. É nessa perspectiva que acreditamos ser relevante dialogar
sobre esse tema à luz de experiências singulares.
Também acreditamos que apesar dos periódicos terem em comum o fato de estarem
sendo conduzidos por uma lógica - nacional e internacional - que os coloca num
determinado "lugar" no cenário acadêmico, os seus editores, dentro de uma
"autonomia relativa", dirigem cada um deles numa direção possível. Isso pode
ser afirmado em relação à revista Movimento, que no ano passado completou 18
anos de existência. Nesse período - de 1994 até agora - ela passou por vários
momentos, os quais expressam uma trajetória que inicia numa época em que na
Educação Física brasileira não havia uma "cultura" de produção e difusão
científica em revistas, até chegarmos à conjuntura atual, na qual a produção
científica e a sua difusão em periódicos atinge um grande especialização, mas,
também, uma situação de "saturação".2
Os editoriais da Revista Movimento oferecem elementos para a compreensão de
aspectos dessa trajetória. É por meio deles que ofereceremos a nossa
contribuição, já que eles trazem importantes subsídios para a compreensão de
questões acerca de como ela se construiu e vem se construindo. É por essa razão
que optamos por responder ao convite dos editores da RBCE apresentando a nossa
experiência a partir do que está expresso nos editoriais, identificando-os como
um corpus empírico capaz de conduzir a nossa narrativa. E como não poderia ser
diferente, a análise começa com um trecho do editorial do primeiro número,
publicado em 1994: "Este primeiro número é fruto de um esforço que teve início
em agosto de 1992 e que se concretiza neste momento. Para aqueles que nunca
tentaram editar uma revista, pode parecer muito tempo, dois anos, entre o
começo e a conclusão deste trabalho" (Stigger,_1994).
O que esse editorial não refere é que, no período de dois anos que antecedeu à
publicação do primeiro número da Movimento, a maior dificuldade que tivemos foi
obter os textos que constituíram a sua edição inaugural. Aquele era um momento
em que evidenciávamos "o nosso amadorismo" (Stigger,_1994), no que se refere
especificamente ao "ofício" de editor, mas também era um período em que a
produção acadêmica na forma de artigos era pouco frequente na Educação Física
brasileira. Era um tempo muito diferente daquele em que a Movimento comemorou
os seus 18 anos e, no Editorial 2012-3, aproveitávamos a ocasião para nos
regozijar com o fato dela estar classificada no extrato A2 do QUALIS/CAPES, uma
categorização que a coloca entre os melhores periódicos da área acadêmica da
Educação Física no Brasil. Essa concepção de hierarquização, que no surgimento
da Movimento sequer existia, nos dias de hoje - e já há bastante tempo - está
baseada em critérios carregados de "objetividade", através dos quais a CAPES
avalia sistematicamente os periódicos da área, levando em conta diversos
aspectos, dentre os quais as bases de dados onde eles estão indexados, o seu
"fator de impacto" e a análise da "identidade epistemológica" das revistas da
Área 21.3
De lá para cá a Movimento sofreu muitas mudanças, as quais, mesmo que tenham
ocorrido de forma não planejada, sempre foram orientadas por necessidades do
seu tempo e do campo acadêmico da Educação Física, em especial da "cultura" da
Pós-Graduação stricto sensu. Sempre estivemos pautados por uma lógica que
buscava coerência com o papel social da universidade pública, mas também pela
ideia de que, mesmo com discordâncias acerca dos critérios do sistema que
avaliava os periódicos, deveríamos "jogar o jogo dentro das regras do jogo".
Desenvolvemos esse processo de forma muito dinâmica, com idas e vindas e mesmo
tentativas e erros. Hoje nos parece não ser despropositado reafirmar o que já
foi dito em artigo publicado na Movimento:
"[...] a Revista Movimento, dentro do espaço acadêmico da educação
física, não foi apenas uma intermediária, por onde 'passam artigos'.
Mais do que isso [...] ela tornou-se mediadora de um processo que,
simultaneamente, a constituiu. E foi nesse sentido que ela se
consolidou como um importante capital acadêmico no campo da Educação
Física Brasileira." (Stigger_et_al.,_2010, p. 149)
Assumindo esse tom, que evidentemente denuncia o nosso envolvimento na
narrativa desse processo, iniciamos o nosso relato. Ele será dividido em três
tópicos, relativos ao que denominaremos de diferentes "consolidações": primeira
consolidação: surgimento, especialização e profissionalização; segunda
consolidação: visibilidade e diálogos com a área de conhecimento; terceira
consolidação: constituição de um "capital" acadêmico.
Primeira consolidação: surgimento, especialização e profissionalização
Como já foi dito na introdução desse texto, a Revista Movimento surge em 1994,
mais precisamente, em setembro de 1994. Na realidade, como também já referimos,
este aparecimento começa a se vislumbrar em 1992, período no qual a Escola de
Educação Física da UFRGS vivia um importante "clima" acadêmico, tanto pela
quantidade de seus docentes e técnicos que retornavam de formação em Pós-
Graduação no Brasil e no exterior (mestrado e doutorado), como pelo início
recente, 1989, do curso de mestrado na instituição.
Apesar de que esse era um "momento" de crescimento acadêmico da instituição - o
que também poderia ser dito sobre a Educação Física brasileira de forma geral4
- não existia, ainda, o que poderia ser chamado de uma "cultura científica",
nos termos do que acontece nos dias de hoje.5 Nós nos referimos aqui a um
momento histórico em que as exigências por publicações não se faziam presentes
como ocorre atualmente e uma época em que, mesmo dentre os professores
universitários, não muitos tinham formação universitária em nível de
doutorado.6 Muito provavelmente por essa razão que o número inaugural da
Movimento demorou perto de dois anos para a sua materialização, se
considerarmos a ocasião em que divulgamos a nossa intenção de "criar" um
periódico científico, e também quando fizemos vários convites para potenciais
autores. A dificuldade em obter os primeiros artigos fez com que a edição de
número 1 fosse composta, na sua maioria, por autores oriundos da própria
instituição: professores, alunos e egressos do Programa de Pós-Graduação em
Ciências do Movimento Humano. Poderíamos dizer que, ironicamente, o nascimento
da Movimento se deveu à endogenia que caracterizou aquela edição, algo
inaceitável para o que se espera de um periódico na atualidade.
Naquele momento, até por informações de outros editores, tínhamos a noção de
que estávamos apenas iniciando aquele empreendimento e que a sua continuidade/
regularidade seria de fato o nosso maior desafio. No editorial do segundo
número de 1995, felizes pela concretização da terceira edição da Movimento,
sublinhávamos:
"No encontro de editores de revistas especializadas em Educação
Física, realizado no VIII Combrace em Belém/PA, discutindo acerca das
dificuldades para efetivar nossos empreendimentos, a experiência de
editores mais antigos nos levou a concluir que, nesta área, o difícil
não era publicar o primeiro número, e sim dar continuidade a esta
tarefa."
Apesar dessa dificuldade inicial, e da perspectiva de que teríamos muito a
fazer, a Movimento já surgiu ocupando um espaço importante no que se refere à
relação que pretendíamos estabelecer com a comunidade na qual ela se inseria.
Essa vontade já se expressava no primeiro editorial, onde era anunciada a seção
"Temas Polêmicos".
"[...] é nossa intenção que MOVIMENTO possa abranger a pluralidade
dos interesses das pessoas que atuam na área, contemplando diversas
abordagens acerca do movimento humano, e consiga, sem perder a
qualidade e profundidade no tratamento dos assuntos, estabelecer uma
comunicação efetiva com um público diversificado." (Stigger,_1994)
Para além da seção Temas Polêmicos - sobre a qual adiante trataremos com mais
detalhes -, outras estratégias foram estabelecidas, na perspectiva de
constituir uma linha editorial. As letras grandes, as ilustrações e as notas
laterais,7 fizerem parte do layout gráfico que visava seduzir um público
diversificado para a leitura da revista. Abaixo pode ser visualizado um exemplo
do design dos primeiros números da Movimento: trata-se da primeira página de um
artigo nela publicado na sua sétima edição, em 1997 (fig._1).
Figura 1 Qualidade das publicações.
Se no seu início a ideia era a de fazer com que a Movimento fosse lida por
professores de educação física que atuavam "na ponta" (escolas, clubes,
academias, e, inclusive, professores universitários), na medida em que ela foi
se consolidando, acabou por se voltar para um público bem mais específico:
docentes que atuavam na formação em nível universitário, em especial na Pós-
Graduação stricto sensu. Foi isso que fez com que, cinco anos depois, na
primeira edição de 1999, essa formatação fosse modificada, adotando-se um
modelo mais próximo do "padrão" das publicações científicas. Foi quando
"aumentou-se o espaço virtual, eliminando-se as ilustrações apresentadas no
início de alguns artigos e retirando-se o espaço destinado às notas laterais,
denominadas 'chamadas de páginas'" (Souza,_1999).
Esses aspectos relativos "à forma" do periódico faziam parte de um conjunto de
iniciativas com as quais pretendíamos estabelecer uma maior comunicação com os
leitores e também tornar a Movimento uma revista de referência na Educação
Física brasileira. A sua boa aceitação junto e essa comunidade acadêmica, já
destacada no segundo editorial de 1995, nos estimulou de tal forma que chegamos
a pensar em aumentar número de edições anuais: "consideramos que nossa revista
está consolidada: no IX Combrace, em Vitória/ES, tivemos a aprovação de em
torno de 90 colegas que fizeram suas assinaturas" (Stigger,_1995).
Essa alteração ocorreu apenas a partir de 2002, quando o periódico passa a ser
quadrimestral, e teve continuidade em 2009, quando a Movimento começa a
publicar suas edições a cada 3 meses, passando, então, para 4 edições anuais. O
principal objetivo dessas transformações era "dar vazão à crescente produção
científica da área de conhecimento" (Editorial,_2002a). Na primeira edição de
2002, a revista também passou a "priorizar e ampliar o número de artigos
originais, sobretudo aqueles resultantes de investigações recentemente acabadas
e das pesquisas com trabalho empírico bastante adiantado" (Editorial,_2002a).
Esse era um novo momento da Educação Física brasileira, época em que a produção
acadêmica em programas de pós-graduação em educação física era induzida8 de
forma mais sistemática do que em períodos anteriores, e também avaliada segundo
determinados critérios que exigiam o incremento de publicação por parte de
todos os professores envolvidos. Por consequência, a quantidade dessa produção
começou a aumentar e a revista Movimento necessitava dar respostas a essa
demanda por espaço para publicação.
Essas situações são exemplos do que afirmamos na introdução desse texto, quando
dissemos que o desenvolvimento da revista ocorreu de forma não planejada, mas
orientada por necessidades do campo acadêmico da Educação Física.
Alguns anos após ocorreu o que poderia ser denominado de "profissionalização"
da revista Movimento. Talvez fosse mais correto dizer que isso "foi ocorrendo"
entre 2003 e 2006, já que, em termos cronológicos "exatos" não podemos precisar
essa etapa. Esse processo está relacionado com pelo menos dois aspectos: o
primeiro deles foi a participação mais efetiva de um maior número de pessoas
nas atividades afetas às tarefas editoriais9; o segundo foi o envolvimento da
biblioteca da Escola de Educação Física, o que significou a utilização desse
espaço físico e também o apoio da equipe do setor. Isso fez com que, pouco a
pouco, pessoas com qualificação profissional específica fossem agregadas à
equipe editorial do periódico, ao ponto de, atualmente, a revista contar,
inclusive com um profissional especializado na "editoração" dos artigos.
Assim, se em determinado momento a revista saiu "da gaveta" do seu editor, foi
instalada num "armário" e passou a ser produzida com um maior número de
colaboradores, agora ela "adquiriu" uma sala na biblioteca e passou a
"funcionar" dentro de uma lógica de trabalho coletivo, com a participação
"institucionalizada"10 de professores, bibliotecárias, servidores técnico-
administrativos, estudantes de pós-graduação voluntários, e bolsistas
remunerados.
Foi quando foram iniciadas as reuniões sistemáticas (semanais, quinzenais),
produziram-se atas dessas reuniões e passou-se a distribuir tarefas de forma
ordenada. O fluxograma11 abaixo, recuperado de uma ata de reunião realizada em
julho de 2009, diz um pouco acerca de onde chegaram os esforços no sentido da
sistematização do trabalho da equipe editorial. Cada uma das etapas nele
estabelecidas eram cumpridas dentro da "especificidade" de cada membro da
equipe editorial (fig._2).
[/img/revistas/rbce/v36n4//0101-3289-rbce-36-04-0790-gf02.jpg]
Figura 2 Fluxograma de trabalho.
Essa "estrutura operacional", que teve início por volta de 2006, mesmo que
apresentasse os limites de qualquer realização de trabalhos coletivos,
efetivamente se materializava. Essas reuniões, apesar dos esforços de todos,
nem sempre eram sistemáticas, tendo em vista que os membros da equipe tinham
outros envolvimentos na instituição. Vale então compartilhar com os leitores12
que, em que pese à ocorrência do que nomeamos "profissionalização" e/ou
"institucionalização" da revista, isso não implicou em algum tipo de
"compensação", no que se refere às horas de trabalho na Escola de Educação
Física, por servidores que atuavam na Movimento. Com isso queremos dizer que a
participação na editoria da revista sempre esteve (e ainda hoje está) carregada
de "abnegação" e disponibilização "pessoal" para as tarefas demandadas por esse
empreendimento. A partir disso, consideramos que o "ofício de editor" e também
dos demais colaboradores dos periódicos científicos "em geral"13 acaba por ser
"invisível", tanto se levarmos em conta o desconhecimento que grande parte da
comunidade acadêmica tem sobre "os bastidores" de um periódico, como se
pensarmos no pouco reconhecimento dado a esse "ofício", na medida em que não
são muitos os "retornos" oferecidos àqueles que assumem esse tipo de atividade.
Entre as tantas questões relativas aos "bastidores", cabe destacar uma que nos
parece relevante, recentemente pontuada no Editorial_(2012a), mas que sempre
fez parte das nossas funções: "não raramente, temos recebido críticas e
reclamações por parte de autores que vêem seus artigos rejeitados" (Editorial,
2012a), aspecto compreensível num momento em que a produtividade científica é
tão valorizada e exigida. Esse é um dos temas bastante delicados desse
"ofício", já que, de um lado temos os pareceristas, de quem esperamos pareceres
rigorosos, e de outro se encontram os autores, que perspectivam a aprovação dos
seus textos. Na realidade, pareceristas e autores acabam sendo as mesmas
pessoas, que se revezam nessas "funções". Eles constituem a comunidade
acadêmica dessa área de conhecimento e são eles que estão dentre aquelas
pessoas que "fazem" o periódico, constituindo-se parte do seu "capital
acadêmico" (Stigger et al., 2012). Ao analisarmos nessa perspectiva, somos
levados a considerar que a rejeição de um texto significa - também pelo
reconhecimento que a revista tem alcançado e pela forma rigorosa com que são
avaliados os artigos submetidos - que, na perspectiva dos "pares" do autor,
aquele trabalho está aquém do que se espera de um documento a ser publicado num
periódico "do nível" da Movimento. Assim, em articulação com o campo acadêmico,
a Movimento passou a ser constantemente demandada a se tornar ainda mais
qualificada e, por conta disso, efetivamente se qualificou. O mesmo ocorreu no
sentido oposto: nessa interação, pautados pelas novas demandas da Movimento, os
demais participantes desse processo (autores e pareceristas) foram provocados a
qualificar a sua atuação. Essa relação de mútua cobrança do campo acadêmico,
bem como seus reflexos na qualificação da Movimento, foi expressa num editorial
da revista:
"Uma revista científica nem sequer surge se não tiver credibilidade
acadêmico-científica, e isto só se alcança com a submissão de artigos
por parte dos autores da área, com a avaliação criteriosa dos
pareceristas e com a abnegação de todos aqueles que de algum modo
colaboram para que a Movimento aconteça." (Editorial,_2009b)
Quanto ao reconhecimento específico aos editores de periódicos, na maior parte
das vezes professores atuantes na pós-graduação stricto sensu, essa tarefa -
que demanda grande investimento pessoal e profissional - nada adiciona à
pontuação estabelecida para a manutenção desses docentes nesse âmbito de ensino
e pesquisa. O mesmo pode ser dito a respeito dos "pareceristas" que
disponibilizam muito do seu tempo avaliando artigos, não raramente em vários
periódicos. Em recente editorial tratamos desse assunto:
"Pelo que afirmou o coordenador da área 21, André Rodacki, no evento
comemorativo aos 18 anos da revista Movimento, a Capes estuda
introduzir no sistema de avaliação da pós-graduação pontuação
proporcional ao árduo trabalho de editores, conselheiros editoriais e
revisores ad hoc, que são os responsáveis por manter de forma
abnegada o legado científico-cultural construído a duras penas pelos
pesquisadores brasileiros. Tal iniciativa é alvissareira, pois
promete trazer maior celeridade a todo o processo, como também maior
comprometimento da comunidade acadêmica com a qualificação da
produção e da avaliação." (Editorial,_2012b)
Não é demais ressaltar que o comprometimento dos pareceristas sempre se mostrou
fundamental para os editores da Movimento, o que muitas vezes foi manifestado
nos editoriais, tanto pelo reconhecimento público do trabalho realizado, como
por agradecimentos pelo esforço despendido: "a Revista Movimento quer dar a sua
contribuição através da seleção e publicação de bons artigos que, avaliados por
pareceristas altamente qualificados, gerem efeitos relevantes na área de
conhecimento" (Editorial,_2007a); "Desde já agradecemos pelo esforço e
dedicação desses pareceristas e à sua contribuição para a qualificação do
conhecimento produzido na área e difundido pela revista Movimento" (Editorial,
2007b); "Talvez se possa ainda dizer que esse campo de estudos vem
amadurecendo, o que se reflete em maiores exigências por parte dos
pareceristas" (Editorial,_2010b); "Muitas vezes tal processo pode se tornar
moroso - o que requer certa compreensão por parte de autores - dadas as
disponibilidades e impossibilidades de nosso corpo de pareceristas,
trabalhadores como todos nós e que contribuem graciosamente conosco"
(Editorial,_2011a).
Porém, em que pese o fato de em vários editoriais termos agradecido pelo
trabalho "generoso", árduo e "invisível" desses pesquisadores, a título de
"relato da experiência acumulada no exercício dessa função", também deve ser
dito que essa relação nem sempre ocorreu de acordo com o esperado pelos
editores. Sobre isso, devemos esclarecer que um editor que encaminha um
trabalho para ser avaliado por um parecerista ad hoc tem a expectativa de
receber um parecer que sustente, de forma segura, uma decisão editorial para a
recomendação favorável ou contrária à publicação do manuscrito sob sua análise.
Como nem sempre as recomendações favoráveis ou contrárias se dão de uma forma
tão consubstanciada quanto deveria, os editores às vezes são obrigados a
desconsiderá-las e a solicitar outra opinião. Quando isso ocorre, o processo
editorial sofre atrasos e, além de acarretar insatisfação por parte dos
autores, pode passar uma falsa impressão de dificuldade no planejamento de
metas para diminuição do ciclo avaliativo completo dos artigos submetidos.
No mesmo editorial, em diálogo com um dos editoriais da RBCE, continuávamos a
tratar desse tema, agora nos referindo às possibilidades de avanços, também, em
políticas públicas de apoio aos periódicos científicos:
"[…] é também preciso tratar do problema da profissionalização do
processo de gestão dos periódicos, pois o patamar alcançado pelas
revistas nacionais não mais se sustenta apenas com denodo e
abnegação. CNPq e Capes têm procurado incentivar o processo de
editoração com a abertura de editais anuais, recursos que sem dúvida
ajudam a manter as revistas no ano da contemplação, mas para que as
revistas nacionais possam manter o padrão de qualidade alcançado é
preciso uma política de estado que de fato as eleve à condição de
patrimônio científico-cultural." (Editorial,_2012b)
Segunda consolidação: visibilidade e diálogos com a área de conhecimento
Não apenas por decorrência da "profissionalização" da equipe, mas também por
essa razão, obtivemos as condições para outros progressos, dentre os quais a
adoção do formato eletrônico via plataforma SEER (Sistema Eletrônico de
Editoração de Revistas) e a disponibilização de artigos também em língua
estrangeira. Essas foram importantes estratégias adotadas pelos seus editores,
as quais contribuíram para dar visibilidade ao periódico e também para
favorecer o diálogo com a comunidade científica da Educação Física.
Porém, antes delas, houve uma decisão editorial que, já nas origens da
Movimento, se pautava por esses objetivos. Referimos-nos aqui à seção "Temas
Polêmicos", a qual, já no primeiro número da revista, "movimentou" o campo
acadêmico, provocando-o a pensar sobre especificidades da sua área de
conhecimento.14 Era isso que perspectivávamos já no primeiro editorial:
"Foi a preocupação em estabelecer realmente a comunicação que nos
levou a criar a seção Temas Polêmicos, onde o espaço para o
pensamento divergente será garantido, proporcionando um ambiente
aberto à reflexão que contribua para o movimento do conhecimento da
área." (Stigger,_1994)
Os frutos desse primeiro debate vieram de imediato. Talvez não tanto pelo seu
"conteúdo", mas muito pelo "clima" que se estabeleceu, o que nos deixou a
certeza de que o objetivo tinha sido atingido e que a proposta vingou. Para que
se tenha uma ideia dessa repercussão, a partir do debate original, outros seis
artigos foram publicados na revista em resposta ao primeiro. Além disso, uma
dissertação de mestrado foi defendida tendo aquele debate como objeto (Malina,
2001) e, em 2011, no XVII CONBRACE/IV CONICE, foi realizada uma mesa redonda
com quatro dos primeiros debatedores da primeira versão dos Temas Polêmicos,
momento em que foi possível "reviver" o debate original. Em números posteriores
da Movimento, buscamos dar continuidade a essa política editorial, sempre
colocando "na pauta" temas afetos à Educação Física, que tivessem atualidade e
relevância acadêmica e social.
Existiram, também, outras estratégias que buscavam a comunicação da Movimento
com a comunidade acadêmica e com espaços sociais diferenciados, como as seções
"Mercosul" e "Em Foco" que, entre as "idas e vindas" já referidas, tiveram suas
alterações e diferentes períodos de "sobrevivência". Essas mudanças eram
anunciadas nos editorais: "A inovação nessa edição vai por conta da Seção
Mercosul, cujo objetivo é aprofundar o diálogo com estudantes, professores e
pesquisadores da Comunidade IberoAmericana" (Editorial,_2000b):
"Na seção EM FOCO, estarão reunidos trabalhos dentro de uma temática
que será eleita pela Comissão Editorial, como o assunto daquela
edição; a intenção, aqui, é - a partir de diferentes abordagens e
autores - possibilitar um espaço para que seja focalizado, a cada
número, um tema, em particular." (Editorial,_2003a)
Sobre o formato eletrônico, inicialmente o disponibilizamos sem o abandono da
edição em papel. Essa decisão foi tomada por conta do significativo acesso à
edição "física" da revista, verificado especialmente na biblioteca da ESEF/
UFRGS, majoritariamente por estudantes. Outro argumento a favor da manutenção
da edição física da revista eram as possibilidades de permuta com outras
bibliotecas. Um pouco mais adiante, fundamentalmente pelas dificuldades que o
trabalho de impressão dos fascículos trazia, e também pelos custos daí
advindos, "nos rendemos" à produção editorial somente "virtual".
A publicação de artigos em língua estrangeira foi outro investimento que
demandou grandes esforços da equipe da revista Movimento. Isso se deu pela
perspectiva de oferecer visibilidade ao periódico e, decorrente disso, pelo
interesse em elevar a qualidade da revista a um padrão "internacional". Com
apoio do Ministério do Esporte, inicialmente conseguimos recursos para tradução
de artigos para a língua inglesa - posteriormente, o mesmo ministério apoiou a
Movimento para a tradução para o espanhol. A disponibilização de artigos na
língua inglesa foi anunciada e iniciada no editorial do primeiro número de
2008:
"O ano de 2008 nos reserva alguns desafios, como, por exemplo, editar
a revista em outros idiomas para dar maior visibilidade e circulação
à produção nacional. Esperamos ainda nesse ano editar a Movimento em
inglês.
Cremos que a área de conhecimento Educação Física, pela qualidade de
seus pesquisadores e pelo volume de sua produção, necessita de uma
revista nacional que alcance
o 'B Internacional'."15 (Editorial,_2008a)
Mesmo que não tenhamos os melhores elementos para avaliar até que ponto essa
estratégia foi importante para o aumento do reconhecimento do periódico junto à
comunidade acadêmica, não temos dúvidas de que as publicações da Movimento têm
sido acessadas significativamente, também em língua estrangeira. Dentre outros
que poderíamos citar, trazemos aqui alguns exemplos buscados aleatoriamente na
página da revista no SEER: o artigo "Percepções de Competência: Um Estudo com
Crianças e Adolescentes do Ensino Fundamental" (Almeida et al., 2009) foi
acessado 2388 vezes na versão em português e 872 ocasiões na versão em inglês;
o trabalho "A Constituição de um Subcampo do Esporte: o Caso do Taekwondo"
(Pimenta, Marchi Júnior, 2009) foi procurado por leitores 1998 vezes na opção
em português e 994 na sua variante em inglês.
Em que pese não termos um levantamento abrangente sobre esses dados, esses
exemplos permitem perceber que, quando disponibilizadas,16as edições em língua
estrangeira acabam aumentando a visibilidade da revista Movimento17 e, dessa
forma, contribuem minimizar uma preocupação de Meneghini_e_Packer_(2007), que
consideram que grande parte da ciência desenvolvida por países periféricos se
transforma em "ciência perdida", já que não será conhecida pelos países
centrais.
Esse assunto se insere em uma discussão que não é recente, acerca da hegemonia
da língua inglesa no universo acadêmico, situação em que os editores procuram
se adaptar, buscando estratégias para "sobreviver" e "se manter" no mercado
científico internacional, alguns adotando unicamente a língua inglesa, outros
publicando artigos tanto em inglês como no idioma nacional. No caso da revista
Movimento, apesar de termos nos esforçado para publicar artigos em língua
estrangeira (inglês e espanhol), e até reconhecendo que o inglês é a "língua
internacional da ciência", nunca fez parte das discussões de "bastidores" a
possibilidade de "abandonar" a língua portuguesa no processo editorial, pois
nossa língua é um patrimônio cultural imaterial da nação, e como tal, deve ser
preservada.
Também acompanhando demandas em grande medida originárias da pós-graduação da
área, passamos por uma etapa onde a revista se "especializou", mantendo um
escopo voltado para publicações sobre temas relativos à educação física, mas
agora orientado para a interface específica com a produção de conhecimento
vinculada à área "sociocultural-pedagógica".18 Tal especialização foi
implementada no primeiro número de 2003, quando a Movimento completava nove
anos de existência.
Tivemos duas razões para essa tomada de decisão. A primeira delas prendeu-se à
necessidade de nos adaptarmos a um momento histórico em que surgiam, de forma
mais contundente, várias exigências relativas à padronização dos periódicos
científicos, tanto em âmbito nacional como internacional.19Nesse contexto, um
critério que atribuía qualidade aos periódicos se ligava à valorização da sua
especialização numa área de conhecimento em particular, aspecto que - de acordo
com as orientações que recebemos - fazia com que as revistas do tipo "guarda-
chuva"20 não fossem "bem vistas" no universo acadêmico científico.
A decisão pelo escopo sociocultural-pedagógico não se deu sem disputas
internas. Por diferentes razões, havia quem defendesse que a especialização da
revista deveria ter sido em direção à interface com a área "biodinâmica". Mas
após algum tempo de debates - e mesmo conflitos - nos demos conta que a própria
comunidade acadêmica já havia tomado essa decisão. A partir de um levantamento
dos artigos publicados à época, verificamos que mais de 75% dos artigos
publicados na Movimento eram, até então, originários da área sociocultural-
pedagógica. Os mesmos dados também nos levaram a perceber que havia, dentre os
pesquisadores advindos dessa área, proporcionalmente um maior número de
doutores e professores de cursos de pós graduação da área sociocultural-
pedagógica do que de outras áreas de conhecimento. Dessa forma, tanto
quantitativamente (número de artigos) como qualitativamente (atributos dos
autores) encontramos argumentos para justificar a especialização da Movimento
como um periódico "da Educação Física" com escopo vinculado à interface com a
área sociocultural-pedagógica. O editorial do primeiro número de 2003 anunciou
essa alteração aos nossos leitores:
"Todos aqueles que vêm acompanhando a dinâmica da Revista Movimento,
tomaram conhecimento de que, após profícuas reflexões de que ela foi
objeto nos últimos meses, os responsáveis pela sua publicação
concluíram que a sua linha editorial deveria ser demarcada pela
especialização e não mais pelo seu caráter 'guarda-chuva'. Como foi
sublinhado no editorial do número que antecedeu a este, a decisão de
consolidá-la numa nova perspectiva, agora voltada para as ciências
humanas e sociais, se sustentou na forma como a revista veio se
constituindo durante a sua história, na necessidade de adequá-la aos
padrões técnicos para a indexação em bases de dados nacionais e
internacionais, e ainda na intenção de vinculá-la às linhas de
pesquisa desenvolvidas por pesquisadores da instituição." (Editorial,
2003b)
Esse foi um momento importante e uma decisão que em muito repercutiu na "vida"
da revista Movimento dali em diante, pois aí foram lançados os alicerces sobre
os quais o periódico se construiu e consolidou um lugar específico no campo
acadêmico da Educação Física, assunto que trataremos na próxima seção. No
editorial do terceiro número de 2009, quando a revista "debutava"
(comemorávamos os seus 15 anos de existência), assim relatamos esse momento:
"O impacto desta decisão foi expressivo. Em dezembro de 2005, quando
fizemos um levantamento desde dezembro de 2002 para questionar os
critérios que levaram à CAPES a não reconhecer a Movimento como um
dos importantes periódicos brasileiros da área, a revista publicou
oito números e um total de 68 artigos. Destes, em números
arredondados, 78% foram artigos originais de pesquisa, 12% foram
ensaios e 10% foram resenhas. Quanto à titulação dos autores desse
período, 57% eram doutores e/ou pós-doutores, 16% eram mestres e 27%
estavam no grupo dos graduados, especialistas e estudantes de
iniciação científica, que habitualmente publicam em co-autoria com
seus orientadores e membros de grupos de pesquisa. Dali em diante
publicaram na revista Movimento pesquisadores estrangeiros do Canadá,
de Portugal, da Espanha, da França, da Alemanha, da Argentina e do
México. Além disso, nosso Conselho Editorial conta hoje com
pesquisadores das universidades de Braunschweig (Alemanha), de
Copenhague (Dinamarca) de Pádua (Itália), de Paderborn (Alemanha), do
Porto (Portugal) e de Valência (Espanha), o que indica uma forte
investida rumo à internacionalização do nosso periódico." (Editorial,
2009b)
Terceira consolidação: a constituição de um "capital acadêmico"
Não temos dúvidas de que tudo o que foi narrado nos tópicos anteriores está
diretamente relacionado à condição alcançada pela Movimento sob o ponto de
vista de quem vive o seu dia-a-dia. A maior parte do que foi relatado acima se
refere às estratégias adotadas e aos aspectos estruturais que vieram dando
sustentação para a revista chegar aonde chegou. Porém, deve-se destacar que
esta posição não foi alcançada mediante uma trajetória linear, sem disputas, ou
mesmo conflitos. Na realidade, através dos seus editores, a revista Movimento
sempre necessitou "lutar" para atingir tal reconhecimento, na medida em que,
quando se especializou como um periódico com escopo sociocultural-pedagógico,
ela se colocou na "contramão" de uma hegemonia que parece existir na Educação
Física brasileira (Stigger et al., 2012). É isso que deixamos para tratar nesse
tópico, mesmo que brevemente.
Esse assunto ficou evidente nas análises que fizemos dos editoriais, esses que
expressam a presença e os posicionamentos da Movimento em relação com diversos
acontecimentos vinculados ao universo editorial e ao campo científico da
Educação Física, em especial da pós-graduação. Sempre entendendo que o "campo
científico" é um "campo de lutas" como outro qualquer (Bourdieu,_1983), não
foram poucas as vezes que os editoriais da Movimento expressaram o pensamento
dos seus editores, na perspectiva de, assim como outros "agentes" sociais,
interferir nos processos de avaliação da pesquisa e pós-graduação.
No primeiro editorial de 2001, época em que os periódicos haviam sido
recentemente hierarquizados dentro do sistema QUALIS, nos posicionávamos
expressando a nossa insatisfação com a posição atribuída a Movimento:
"Findou há poucos dias o processo de avaliação dos Programas de Pós-
Graduação das áreas Educação Física, Fisioterapia, Fonoaudiologia e
Terapia Ocupacional realizado pela CAPES. O seu pilar principal foi o
QUALIS, um instrumento elaborado em conjunto pelos pesquisadores da
grande área da saúde, que classifica os periódicos e as revistas
científicas valendo-se de critérios e indicadores de qualidade tanto
no que se refere ao conteúdo dos textos publicados, quanto nos seus
aspectos editoriais. No intento de avaliar qualitativamente a
repercussão da produção científica no âmbito da Educação Física e das
Ciências do Esporte, os critérios do QUALIS são revisados
periodicamente. Para os autores e também para os editores, esse fato
é decisivo no crescimento do nível de exigência que nos fazemos todos
os dias, quando tratamos de dar publicidade às nossas pesquisas e
dialogar com nossos pares. Todavia, a falibilidade é uma categoria
presente nos instrumentos e processos de avaliação. Assim, a Revista
Movimento, um periódico com tradição, periodicidade,
representatividade na área, cujo teor de suas sessões já inspirou
várias dissertações de mestrado e, sobretudo, uma revista lida pela
comunidade acadêmica, na última versão desse instrumento de avaliação
foi classificada aquém das nossas expectativas." (Editorial,_2001)
Apesar dessa "reclamação", e de outras que mais adiante se sucederam, os
editores da revista sempre estiveram cientes de que "o jogo é jogado dentro da
regra do jogo", o que fez com que sempre se mostrassem dispostos a participar
das disputas do campo. Isso se relaciona com a noção de "interesse", no que se
refere ao viver no jogo do campo científico, ou ainda, a "estar preso ao jogo e
acreditar que vale a pena jogar" (Bourdieu,_2004). É por essa razão que, como
também mostram os editoriais, a Movimento fez muitos esforços para se
qualificar, tanto cumprindo as normas vigentes como provocando a reflexão sobre
os critérios pelos quais eram avaliadas as revistas acadêmicas afetas à
Educação Física. Evidências disso são os exemplos abaixo, escolhidos entre os
inúmeros21excertos de editoriais que expressam esforços de adequação da
Movimento às lógicas avaliativas vigentes e o seu posicionamento "político" no
campo científico:
"A grande novidade a ser anunciada neste número é que a Revista
Movimento acaba de ser indexada na base Latin American Periodicals
Tables of Contents - LAPTOC http://www.lanic.utexas.edu/project/arl,
uma base de dados sob a responsabilidade da Association of Research
Libraries (ARL)." (Editorial,_2002b)
"[...] a Revista Movimento acaba de ser indexada no Sport Discus.
Isso significa que, segundo o Qualis da área de conhecimento
oficializado pela CAPES, esse periódico passa a ser classificado na
categoria 'C Internacional'." (Editorial,_2004)
"Informamos, também, que a revista Movimento a partir de junho, está
indexada no Latindex - Sistema Regional de Información en Línea para
Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y
Portugal." (Editorial,_2007b)
"[...] a revista Movimento acaba de ser incluída no Portal de
Periódicos da CAPES. [...] nossa firme crença de que a socialização
rápida e gratuita do conhecimento produzido pela comunidade
científica contribui para o desenvolvimento humano e social do país,
e contrapõem-se às estratégias que transformam a indexação de
periódicos científicos em 'business'." (Editorial,_2007c)
"[...] obtivemos nos primeiros dias de 2008, a aprovação para
indexação da Movimento na Literatura Latino-Americana de Ciências da
Saúde (LILACS)." (Editorial,_2008a)
"[...] recebemos a notícia de que a Movimento havia obtido a
indexação na Isi-Thomson-Reuters. Esse fato movimentou bastante o
campo acadêmico da Educação Física Brasileira, o que foi perceptível
pelas inúmeras mensagens que recebemos." (Editorial,_2009c)
"Em junho de 2010 a Revista Movimento passou a fazer parte do acervo
do Sistema de Información Científica Redalyc, uma das mais
importantes redes de revistas científicas da América Latina e Caribe,
Espanha e Portugal, com sede em Toluca no México." (Editorial,_2010a)
Esses editoriais representam uma pequena parte de um longo processo de lutas em
busca do reconhecimento institucional da revista Movimento, no âmbito da CAPES,
especificamente no que se refere a sua inserção em "indexadores" reconhecidos
pela comunidade científica e "exigidos" como critérios para classificação dos
periódicos no sistema QUALIS.22 Uma análise detalhada do conjunto das
manifestações dos vários editores mostraria que nem sempre esses esforços
redundaram nos efeitos esperados, fatos esses que os levaram a seguir
sistematicamente "lutando" por essa "distinção", considerada "legitima", quer
seja por meio da contestação direta a pessoas "com influência" nesse universo
em foros específicos ou por meio da provocação de debates via editoriais. Essas
manifestações tratavam, na sua maioria, de especificidades editoriais, mas
também de outras "preocupações" advindas do campo acadêmico:
"A presente edição coincide com o debate que a comunidade científica
da área de conhecimento Educação Física leva a termo sobre a relação
entre a qualidade de seus periódicos científicos e o processo de
avaliação da Pós-Graduação brasileira, empreendido pela CAPES,
através da Comissão de Avaliação de Área. Debate que ganha
visibilidade no instrumento denominado 'Qualis' (disponível em http:/
/www.qualis.capes.gov.br/). Nesse instrumento, está atribuído para a
Revista Movimento o conceito 'B nacional'. Consideramos essa
avaliação inaceitável, uma vez que esse periódico científico está
indexado no Sport Discus - um dos indexadores indicados pelos
critérios de classificação do Qualis por área, e atende 'aos padrões
de regularidade e periodicidade na circulação, padrão internacional,
quanto ao formato, qualidade de conteúdo, composição do corpo
editorial e de consultores, bem como distribuição de autorias e rigor
na seleção de artigos'. Cremos que, tomando-se os critérios da
avaliação dos periódicos científicos no triênio 2001-2003, e/ou no
triênio de 2004-2006, o lugar adequado da Revista Movimento no
'Qualis' é 'C Internacional'." (Editorial,_2005)
"O que não se discute de modo amplo é: Quem decide quem é o sujeito
que avalia? Como ele avalia e o que de fato é o objeto de avaliação?
O que é um periódico científico de qualidade para a área de
conhecimento educação física? [...]. Se um processo de avaliação como
a construção do Qualis não contempla a representação da extensão da
área e acaba hipertrofiado em um determinado segmento, não são muitas
as possibilidades: ou esse processo está enviesado e precisa ser
corrigido, ou está na hora dos segmentos sistematicamente
discriminados refletirem sobre um processo de divisão e separação
dessa área." (Editorial,_2006)
O trecho final desse último excerto aponta para uma insatisfação recorrente por
parte de uma parcela significativa de atores da Educação Física brasileira, que
se refere à hegemonia da área "biodinâmica" nesse universo. Segundo os editores
da revista Movimento, se materializava aí uma forma de desigualdade na
avaliação dos periódicos da área. Esse aspecto reflete o que interessava (e
ainda interessa) a uma grande parte dessa comunidade acadêmica, pois, além de
se refletir "na vida" de pesquisadores e editores, os critérios de avaliação
dos periódicos podem vir a ter repercussões na formação profissional da área:
"No caso particular da comunidade da qual estamos tratando, como já
referimos em outro editorial, uma revista científica tem importante
influência sobre o que é (vem sendo) a Educação Física. Não é difícil
pensar dessa forma, se identificarmos que é através da produção em
periódicos que os programas de Pós-graduação e seus professores são
avaliados... que é por essa avaliação que os programas e os
professores se mantém em atividade... que isso é determinante na
formação dos pós-graduados egressos desses programas... que esses
egressos virão a participar dos concursos futuros nas
universidades... que são eles que virão a renovar os novos programas
de pós-graduação... que eles virão a ser os novos formadores... e
assim por diante..." (Editorial,_2009a)
Na busca de chamar atenção para o que considerávamos desigual, nos esforçávamos
para "convencer" nossos pares de que o escopo editorial da Movimento se
relacionava com uma importante dimensão da Educação Física:
"A cada número editado e a cada artigo publicado dentro de uma
determinada perspectiva de ver as coisas da Educação Física, ela
provoca a reflexão, o aprimoramento e a renovação de propostas e
discursos sobre o que é esta área interdisciplinar. Ou seja, se a
pergunta for 'o que é pesquisa em Educação Física?', a Revista
Movimento responde: 'é aquilo que os pesquisadores em Educação Física
fazem'. E eles pesquisam a partir de várias perspectivas, entre elas
aquela que está contemplada na nossa linha editorial." (Editorial,
2008b)
Foi nessa perspectiva que vimos, de forma otimista, o III Encontro do Fórum
Permanente de Pós-Graduação em Educação Física, organizado pelo CBCE e
realizado em Florianópolis, em abril de 2009. Juntamente com coordena dores de
programas de Pós-graduação em Educação Física, de editores de outras revistas
científicas brasileiras e, ainda, de representantes de diversas instituições
influentes no meio acadêmico-científico, a Movimento esteve lá representada e
participou de discussões sobre a avaliação dos periódicos brasileiros. Tratamos
do assunto num dos nossos editoriais:
"Pautados pela idéia de que nenhum periódico específico da Educação
Física brasileira se encontra nos estratos A1 e A2 do Qualis CAPES,
considerou-se a necessidade de qualificar e incrementar a produção em
Educação Física no plano nacional, o que poderia ocorrer pelo
investimento/indução de alguns periódicos, a exemplo do que fizeram
outras subáreas no âmbito da própria Área 21. As perguntas que, em
certa medida, nortearam o debate foram: quais as revistas científicas
da Educação Física brasileira que merecem a nossa atenção? Quais
delas respondem aos anseios do campo? Em quais delas devemos
investir?" (Editorial,_2009a)
Um dos resultados dos debates realizados naquele evento foi assim relatado no
mesmo editorial:
"Ficamos, então, muito satisfeitos quando, ao final do Encontro, a
Revista Movimento foi a única que, por unanimidade, foi reconhecida
como um dos periódicos a receberem a tal indução. Porém, o nosso
contentamento não se deu apenas por acreditarmos no trabalho que
temos realizado, nem tampouco por entendermos que essa é uma vitória
merecida. Mais do que isso, a nossa alegria se vincula à esperança de
que a comunidade da Educação Física Brasileira, em especial aquela
ligada ao contexto dos programas de Pós-graduação, reconhece a
importância do investimento numa revista especializada num olhar
sociocultural e pedagógico da área, algo profundamente ligado à nossa
intervenção em diferentes espaços sociais." (Editorial,_2009a)
Apesar do otimismo desse editorial, a Movimento só alcançou a posição almejada
em 2011, quando, além de fazer parte dos periódicos indexados no JCR, teve o
seu "fator de impacto" avaliado, o que a levou à classificação "A2" no QUALIS/
CAPES:
"Para aqueles que têm seguido os movimentos da Revista Movimento,
obviamente que entre os acontecimentos de 2011, dois merecem bastante
destaque. Inicialmente, a nossa Revista obteve o Fator de Impacto na
avaliação do Journal of Citation Reports (JCR), se colocando entre
uma das 20 revistas brasileiras da área da Social Sciences Edition
que obtiveram esse índice em 2011. Consequência disso, alguns meses
depois, comemoramos a classificação do nosso periódico no extrato
QUALIS A2, por indicação da Comissão Qualis Periódico da área 21. São
grandes avanços que colocam a Revista Movimento num lugar relevante,
capaz de impactar, inclusive na avaliação da produção acadêmica da
Pós Graduação em Educação Física no Brasil." (Editorial,_2011b)
Considerações finais
O nosso intento nesse texto foi mostrar - a partir dos editoriais - alguns dos
diferentes aspectos que conduziram a revista Movimento por um percurso iniciado
com base num conjunto de intenções embrionárias, até os dias de hoje, quando
ela se consolida como uma revista indexada em importantes bases de dados e está
classificada como A2 no Qualis da EF.
Nas páginas anteriores, desenvolvemos o nosso relato a partir das "realizações"
que produziram a Movimento, desde o seu surgimento, quando chamávamos atenção
para o nosso "amadorismo", até o momento atual, quando ela ocupa um "lugar"
destacado no campo acadêmico da Educação Física brasileira. Para aqui chegar,
não foram poucos os investimentos - pessoais, profissionais, coletivos,
individuais - realizados por um grupo de pessoas na consecução de um projeto
desta envergadura. Hoje nos permitimos afirmar que implementamos e
desenvolvemos um processo editorial bastante próximo do que se esperaria de um
trabalho "profissional" no âmbito da difusão da produção científica.
Mas isso não teria sido suficiente, se não tivesse ocorrido um diálogo entre a
Movimento e a comunidade científica da educação física, expressa, também, na
relação que se construiu com autores e pareceristas ao longo desse processo de
consolidação. Dizemos isso por entendermos que, se o reconhecimento de um
periódico se constrói a partir de estratégias editoriais adequadas, ele também
depende das relações externas que consegue mobilizar. Nessa perspectiva,
produzir e consolidar a Movimento se vinculou a "movimentar" colaboradores e,
com a ajuda deles, ir compondo cada um dos seus fascículos com artigos
interessantes e qualificados, capazes de chamar a atenção de leitores
específicos.
Como já dissemos, todo esse processo aconteceu dentro de uma "autonomia
relativa" dos editores, esses que - algumas vezes de forma tensa - nunca se
furtaram a dialogar com a comunidade e a orientar a linha editorial do
periódico em relação ao campo acadêmico da educação física e, em especial, às
lógicas da pós-graduação stricto sensu vigentes no Brasil. A nosso ver, a
revista Movimento vem galgando espaço por ter se constituído em um espaço de
publicação de artigos científicos de pesquisadores do campo sociocultural-
pedagógico, o que tem favorecido a manutenção dessa especificidade de
pensamento e investigação nos programas de pós-graduação em educação física no
nosso país. Tendo a convicção de que vivemos num campo acadêmico onde a área de
conhecimento da biodinâmica é hegemônica, consideramos que a "existência" da
Movimento tem (ou pode vir a ter) repercussões importantes na formação inicial
na área de conhecimento e intervenção, que é a educação física. É nesse sentido
que nos arriscamos a afirmar que a revista vem se estabelecendo como um
"capital acadêmico", materializado pelo seu reconhecimento e pela sua
influência efetiva nesse campo específico, com possíveis reflexos para o "campo
profissional".
Dentro de alguns limites que são impostos a textos como esse, foi essa história
que fomos capazes de reconstruir ao analisar os editoriais da Movimento e
tentar trazer um pouco da nossa experiência no "ofício do editor". Diga-se de
passagem, olhando pelo retrovisor, percebemos a riqueza desse material e já
indicamos um dos resultados dessa experiência: os editoriais contam
histórias... ou, pelo menos, por meio deles, nós nos permitimos contá-las.
1Trecho do convite encaminhado pelos editores em 18 de novembro de 2012.
2Atualmente, por conta das exigências de produção acadêmica na Pós-Graduação, a
maior parte das revistas científi cas brasileiras tem recebido uma quantidade de
artigos muito acima da sua capacidade de publicação. A Movimento, objeto desse
artigo, recebe em torno de 400 artigos por ano e publica 60. Essa demanda
determina um "processamento" do material recebido que envolve mais de 300
avaliadores que compõem o quadro de pareceristas da revista.
3Os critérios da Área de Educação Física no WEBQUALIS estão disponíveis em
<http://qualis.capes.gov.br/webqualis/publico/documentosDeArea.seam>. Acesso
em: 5 maio 2013.
4Sobre esse processo institucional da ESEF e sua correlação com os movimentos
políticos no campo da formação em Educação Física no Brasil, consultar o artigo
"Alterações curriculares de uma escola septuagenária: um estudo sobre as grades
dos cursos de formação superior em educação física da ESEF/UFRGS" (Fraga_et
al.,_2010).
5Shore_(2009) se refere ao método que classifi ca professores, pesquisadores e
instituições de ensino superior, na busca de melhorar a sua produtividade. Isso
se constituiria numa "cultura de auditoria" (Shore,_2009, p. 27), que induziria
as pessoas a medirem-se a si próprias através de indicadores de desempenho.
6Dentre os autores do primeiro número da Movimento, poucos eram doutores.
Destes, com apenas uma exceção, todos tinham obtido essa formação havia pouco
tempo.
7Essas notas, denominadas de "chamadas de páginas", tinham o objetivo de
realçar pontos que os autores considerassem mais importantes em cada texto. As
normas da revista previam que os autores, ao submeterem os artigos, definissem
esses destaques.
8Nos referimos a uma política indutiva do Estado Brasileiro que vem se
estabelecendo por consecutivos planos nacionais de Pós-Graduação, desde 1975 (I
PNPG). Da sua 3ª edição em diante (1986), a prioridade, antes dada à docência
no ensino superior, se voltou para a formação de pesquisadores (Kuenzer;
Moraes,_2005), aspecto que repercute nas exigências relativas à produção
científica. Na Educação Física brasileira, é possível afirmar que isso se torna
mais evidente a partir dos anos 2000.
9Em 1994, revista iniciou com apenas e envolvimento direto de um editor; em
2003 já havia três professores compartilhando esse "ofício" e uma bibliotecária
que assumia as tarefas de caráter mais "técnico".
10No sentido de que passam, dentre as suas tarefas profissionais "da
instituição", estavam incluídos os afazeres relativos à revista Movimento.
11Esse fluxograma foi desenvolvido pelo Prof. Dr. Mauro Myskiw, à época
doutorando no Programa de Pós Graduação em Ciências do Movimento Humano/UFRGS e
colaborador voluntário na Movimento.
12E esse é um dos sentidos desse texto: compartilhar experiências.
13Mesmo com um risco de generalização, acreditamos que essa afirmação não é
despropositada.
14Esse primeiro debate está disponibilizado nas edições 1 (1994), 2 (1995) e 4
(1996).
15Classificação do QUALIS CAPES à época.
16Já há muito tempo, temos traduzidos textos para o inglês e o espanhol, porém,
as demais tarefas editoriais têm dificultado a "postagem" desse material no
site da Movimento, no tempo que gostaríamos. Os exemplos citados foram
escolhidos aleatoriamente, mas também levando em conta o período (nesses casos,
já relativamente longo) de exposição.
17Sobre a visibilidade das revistas de Educação Física em bases de dados,
consultar o artigo Invisibilidade das revistas brasileiras de educação física
nas bases de dados (Job; Fraga; Molina Neto, 2008).
18No contexto da Educação Física Brasileira coexistem diferentes olhares sobre
os objetos que lhe são afetos. Manoel_e_Carvalho_(2011) apontam para duas
perspectivas científicas de três diferentes subáreas que coexistem na Educação
Física: a "biodinâmica", a "sociocultural" e a "pedagógica". Tendo em vista as
suas aproximações teóricas e epistemológicas, nesse texto trataremos as
subáreas "sociocultural" e "pedagógica" como uma só perspectiva científi ca:
"socio cultural-pedagógica".
19À época, consultamos um "manual" sobre editoria científica disponibilizado
pela Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC) e também recebemos
orientações de profissional atuante na Editora da UFRGS.
20Revistas que acolhem artigos de diferentes temas e áreas de conhecimento.
21É importante esclarecer que os editoriais da Movimento oferecem muito mais
elementos do que aqui foi utilizado. Tendo em vista os limites de um artigo
como esse, "escolhemos" alguns excertos que consideramos suficientes para
sustentar esse relato.
22Já há muito tempo que os "indexadores" (bases de dados) são referência para
avaliação dos periódicos científicos, razão pela qual, a Movimento fez
investimentos nessa direção. Sobre isso, ver Comunicado 001/2013 da Área de
Educação Física/CAPES, de 19 de fevereiro de 2013, onde afirma-se que são
"basicamente dois" (p. 1) os critérios de avaliação dos periódicos: o seu
"enquadramento epistemológico" e as "bases de indexação dos periódicos" (p. 1).