Autoavaliação da saúde bucal e fatores associados entre adultos em áreas de
assentamento rural, Estado de Pernambuco, Brasil
Introdução
A autoavaliação da saúde bucal é uma medida multidimensional que reflete a
experiência subjetiva dos indivíduos e sintetiza a condição objetiva da saúde
bucal em termos de funcionalidade, valores sociais e culturais relacionados à
essa 1. Desta forma, entender o conceito subjetivo da saúde bucal possibilita
investigar quais são os fatores associados à autoavaliação positiva ou negativa
da condição de saúde bucal na população em estudo.
A autoavaliação negativa da saúde em geral, e nesta está inclusa a saúde bucal,
pode ser vista como resultado de sentimentos provocados pela dor ou
desconforto, pelo mal-estar, em interação com fatores sociais, culturais,
psicológicos e ambientais que modificam a maneira como a vida da pessoa é
afetada pelo problema experimentado 2. Sendo assim, essa autoavaliação deve ser
analisada sob uma ótica de múltiplos fatores, levando em consideração os
diferentes entendimentos individuais de saúde, diante do contexto cultural,
psicossocial e ambiental existente 3.
Neste sentido, Gift et al. 4 elaboraram um modelo explicativo para a
autoavaliação da saúde bucal, adaptado por Martins et al. 5, que considera a
interação de cinco subgrupos de variáveis: características demográficas;
elementos de predisposição/disponibilidade de recursos; comportamentos
relacionados à saúde bucal; e condições objetivas e subjetivas relacionadas à
saúde bucal, na elucidação desta autoavaliação. Neste modelo, existe uma
relação de retroalimentação entre os cinco grupos de variáveis supracitados.
Desta forma, as características demográficas, de predisposição e de
disponibilidade de recursos, influenciam os comportamentos relacionados à
saúde, que por sua vez podem predizer ou mesmo ser consequências das condições
objetivas e subjetivas relacionadas à saúde geral e bucal. As condições
objetivas influenciam as condições subjetivas e vice-versa, essas que, por sua
vez, influenciam na autoavaliação da saúde bucal e geral.
No Brasil, diversos estudos se propuseram a investigar as desigualdades sociais
em saúde bucal por meio da autoavaliação desta, entre adultos 6,7 e idosos
5,8,9, estritamente em áreas urbanas. Alguns desses estudos 4,7 têm demonstrado
que a autoavaliação da saúde bucal varia de acordo com características
sociodemográficas. Da mesma forma, pesquisas têm evidenciado associações da
autoavaliação da saúde bucal com a utilização de serviços odontológicos 10; com
as condições normativas de saúde bucal, dentre elas, o número de dentes
perdidos, o número de dentes cariados e obturados, bem como o uso e necessidade
de prótese 3,4; com a autopercepção da necessidade de tratamento odontológico
4. No entanto, é válido ressaltar que em se tratando de áreas rurais, poucos
estudos nacionais 11,12,13 buscaram retratar a percepção subjetiva em relação à
saúde bucal.
Desta forma, muito pouco se conhece quanto às áreas de assentamento rural,
definidas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA.
http://www.incra.gov.br) como unidades empresariais associativas, de base
familiar, autônomas e geridas pelos trabalhadores, que visam ao desenvolvimento
econômico e social do conjunto de assentados. De fato, nos locais onde os
assentamentos se consolidaram, rendas superiores são geradas em relação àquelas
em atividades equivalentes, sob outras formas de exploração da mesma área 14.
No entanto, esta situação não é uniforme para todos os assentamentos do país,
nos quais se observa uma grande variabilidade nas condições socioeconômicas
entre essas áreas e entre as famílias em um mesmo assentamento, a depender da
região onde se localiza. É válido ressaltar a importância da organização do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no processo de reforma
agrária no Brasil, que surge como uma resposta às profundas transformações
econômicas e formas de expropriação no campo, decorrentes da modernização
agrícola dos anos do milagre econômico, situação que se agravou com a crise da
industrialização brasileira e com a crise energética mundial dos anos 70 15.
Em números gerais, existem, no Brasil, 8.763 assentamentos rurais, abrigando
924 mil famílias assentadas, numa área total de 85,8 milhões de hectares,
segundo dados do INCRA em 2010 (Reforma Agrágria e Assentamentos. http://
www.portal.mda.gov.br/.../Reforma%20Agraria%20e%20Assentamentos%20R.pdf,
acessado em 20/Nov/2012).
Dada a escassez de dados sobre as condições de saúde bucal dos assentados, o
objetivo do presente estudo foi estimar a prevalência da autoavaliação negativa
da saúde bucal e identificar possíveis fatores associados, em uma amostra de
adultos em áreas do Assentamento Rural Governador Miguel Arraes, no Estado de
Pernambuco, Brasil.
Métodos
O presente estudo foi desenvolvido nas áreas do Assentamento Rural Governador
Miguel Arraes, que abrange os municípios de Água Preta, Catende, Jaqueira,
Palmares e Xexéu, pertencentes a III GERES (Gerência Regional de Saúde) –
Palmares, localizados na mesorregião da zona da mata do Estado de Pernambuco,
com uma população geral de 24 mil habitantes.
Trata-se de um estudo transversal, constituído por uma população de referência
de 4.235 indivíduos de 20 a 59 anos, residentes em 48 áreas de assentamento
rural, realizado entre outubro de 2010 e janeiro de 2011. A amostra, do tipo
probabilística, foi calculada com base nos seguintes parâmetros: nível de 95%
de confiança, erro-padrão de 5%, poder de 80% de detectar uma diferença mínima
de 20% entre grupos e prevalência de percepção negativa da saúde bucal de 50%.
A amostra final, acrescida de um fator de correção (efeito de agregação) de 1,2
e de 20% de perdas, correspondeu a 651 indivíduos.
O processo de amostragem foi por conglomerado, em duplo estágio. No primeiro
estágio, as famílias foram sorteadas, previamente à coleta de dados, a partir
de listas fornecidas de todos os beneficiários do assentamento disponibilizadas
no sistema de informações de projetos de reforma agrária do INCRA – Regional
Pernambuco. A princípio, foram sorteadas 12 famílias para cada uma das 48 áreas
do Assentamento Rural Governador Miguel Arraes. No segundo estágio, foram
sorteados os indivíduos que participaram do estudo, ou seja, em cada domicílio,
foi selecionado um indivíduo com equiprobabilidade entre os moradores adultos
(idade igual ou superior a 20 anos) para participar do estudo. Desta forma, as
unidades amostrais primárias e secundárias foram, respectivamente, as famílias
e os indivíduos.
Os critérios de inclusão foram: ter idade igual ou superior a 20 anos e ser
morador das áreas do Assentamento Rural Governador Miguel Arraes. Foram
excluídos da amostra os indivíduos que apresentavam algum impedimento físico e/
ou mental para responderem a entrevista e/ou participar do exame físico. Foi
considerada perda amostral a pessoa que se recusou a participar da pesquisa,
bem como os residentes ausentes em domicílios visitados, sem a obtenção de
êxito por parte da pesquisadora, por, no mínimo, duas vezes, incluída ao menos
uma visita em horário distinto ao anteriormente utilizado na primeira visita.
Os instrumentos utilizados na coleta de dados do presente estudo foram uma
adaptação do questionário e formulário aplicados ao inquérito nacional de saúde
bucal SBBrasil 2003 16. No questionário em específico, foram abordadas questões
relacionadas à caracterização demográfica e socioeconômica, utilização dos
serviços de saúde bucal, autopercepção da dor e da necessidade de tratamento
odontológico, autoavaliação do atendimento odontológico e impacto da saúde
bucal na qualidade de vida. Para o exame físico, foi utilizado um formulário
específico para avaliação dos indivíduos em relação à doença cárie dentária,
por meio do índice CPO-D; e para avaliação do edentulismo, pelo uso e
necessidade de prótese; ambos os índices preconizados pela Organização Mundial
da Saúde (OMS) 17 e utilizados no SBBrasil 2003 16.
O procedimento de calibração interexaminador foi realizado na Clínica da
Atenção Básica da Faculdade de Odontologia da Universidade de Pernambuco pelo
exame de duas sequências de 12 pacientes cada, apresentando as mais variadas
condições clínicas, a fim de contemplar todos os critérios de diagnóstico. A
concordância verificada pelo teste kappa (k) indicou k = 0,82
(interexaminador). Para assegurar o controle de qualidade dos dados, cerca de
10% da amostra foi reexaminada – um a cada dez examinados era sorteado –
conferindo uma concordância intraexaminador k = 0,91. Previamente à coleta de
dados, realizou-se um estudo piloto envolvendo trinta indivíduos randomicamente
selecionados, que não fizeram parte da pesquisa principal. Neste estudo, foram
testados o questionário padronizado e o formulário específico para a realização
do exame físico.
As entrevistas e os exames físicos foram realizados nos domicílios, por uma
equipe de campo (uma cirurgiã-dentista e uma anotadora), sob luz natural por
intermédio de inspeção tátil visual, com o auxílio de espelhos bucais planos e
sondas periodontais tipo ball-point esterilizados. A equipe estava devidamente
paramentada de acordo com as normas de controle de infecção (utilização de
gorros, luvas e máscaras descartáveis).
A variável desfecho estudada, percepção da saúde bucal, foi obtida por meio da
pergunta: “De modo geral, em comparação com as pessoas de sua idade, como o(a)
Sr. (Sra.) considera seu estado de saúde bucal?”. A percepção da saúde bucal
foi caracterizada em cinco níveis: ótimo, bom, regular, ruim e péssimo. As
categorias de resposta ótimo e bom foram agrupadas na categoria percepção
positiva da saúde bucal e as categorias péssimo, ruim e regular foram
consideradas como percepção negativa da condição de saúde bucal. Essa forma de
operacionalização foi baseada nos estudos de Peek et al. 18 e Borrel et al. 19.
É importante ressaltar que a categorização das variáveis independentes que se
seguem foi elaborada ou por razões teóricas (literatura), ou por razões
estatísticas (medidas de tendência central e de dispersão).
As variáveis independentes exploradas no presente estudo foram agrupadas de
acordo com o modelo proposto por Gift et al. 4 adaptado por Martins et al. 5,
em: características demográficas; de predisposição/disponibilidade de recursos;
comportamento relacionado à saúde bucal (uso de serviços odontológicos);
condições objetivas de saúde bucal e condições subjetivas relacionadas à
condição de saúde bucal. As primeiras compreenderam: faixa etária (20-29, 30-
39, 40-49 e 50-59 anos); sexo (masculino/feminino) e cor da pele autorreferida
(branca, negra, parda, amarela e indígena), a qual foi dicotomizada, em
decorrência da homogeneidade da amostra, em branca e não-branca. A
predisposição/disponibilidade de recursos foi avaliada pelas seguintes
variáveis: escolaridade (analfabeto, fundamental incompleto, fundamental
completo ou médio incompleto e médio completo ou superior); renda familiar (< 1
salário mínimo e ≥ 1 salário mínimo); número de pessoas por domicílio (1-3, 4-
6 e 7 ou mais pessoas) e orientações sobre como evitar problemas bucais (sim/
não). O comportamento relacionado à saúde bucal foi mediado pelas variáveis:
visita ao dentista (“Alguma vez na vida o Sr(a.) já foi ao consultório do
dentista?”) (sim/não); tempo decorrido após a última visita ao dentista
(“Quando o Sr(a.) consultou o dentista pela última vez?”) (< 1, 1-2, ≥ 3 anos)
e motivo da visita ao dentista (“Qual o motivo da última consulta ao
dentista?”) (consulta de rotina/revisão, dor, e tratamento odontológico).
As condições objetivas de saúde bucal foram mensuradas pelas variáveis: número
de dentes permanentes cariados (0, 1-3, 4 ou mais dentes); número de dentes
permanentes perdidos (0, 1-19, ≥ 20 dentes); número de dentes permanentes
obturados (0, 1-3, 3 ou mais dentes); uso de prótese (sim/não); necessidade de
prótese (não necessita, superior, inferior, superior e inferior).
As condições subjetivas relacionadas à saúde bucal incluíram a percepção de dor
(“Nos últimos seis meses o Sr(a.) sentiu dor de dente?”), para os casos
positivos de dor, foi utilizada uma Escala Visual Analógica (EVA), consistindo
em uma linha de 10cm, cujos limites estão marcados com os extremos da dor
(nenhuma; pouca (0-3cm); média/alta (4-10cm); necessidade autorreferida de
tratamento odontológico (sim/não); avaliação do atendimento na última visita ao
dentista (ótimo/bom, regular, péssimo/ruim) e o impacto da condição de saúde
bucal na qualidade de vida dos indivíduos por meio da forma simplificada do
questionário Oral Health Impact Profile (OHIP-14) 20, variável esta
dicotomizada em OHIP-14 = 0 (sem impacto) e OHIP-14 ≥ 1 (com impacto).
Os dados da presente pesquisa foram duplamente digitados e foi realizada
posterior checagem de inconsistências, utilizando-se o programa Epi Info 6.04
(Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos). As
magnitudes das associações entre a variável desfecho e as variáveis
independentes foram obtidas pelas razões de prevalências, com nível de
significância de 5% e respectivos intervalos de 95% de confiança (IC95%). As
razões de prevalência bruta e ajustadas foram estimadas com o uso de regressão
de Poisson, com ajuste robusto de variância, utilizando o teste de
heterogeneidade de Wald. Para a análise estatística, utilizou-se o software
Stata 10.0 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos). As análises
bivariadas da percepção de saúde bucal foram testadas usando o teste qui-
quadrado de heterogeneidade e teste qui- quadrado de tendência linear. Nesta
análise, as variáveis com p < 0,20 foram selecionadas para o modelo
multivariado. A análise ajustada foi realizada de acordo com um modelo
hierárquico de determinantes em cinco níveis, nesta sequência: características
demográficas; de predisposição; comportamento relacionado à saúde bucal (uso de
serviços odontológicos); condições objetivas de saúde bucal e condições
subjetivas relacionadas à condição de saúde bucal. A análise foi realizada de
forma que o efeito das variáveis está controlado para aquelas do mesmo nível e
as dos níveis superiores. Utilizou-se um nível de significância de 5% para o
modelo multivariado.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de
Pernambuco, sob Parecer no 074/2010, com registro no Sistema Nacional de
Informação sobre Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (SISNEP – CAAE
0073.0.097.000-10).
Resultados
A proporção de resposta do presente estudo foi de 85,5%. Os motivos para a não
resposta foram: ausência nos domicílios nos dias pré-agendados (n = 35); recusa
total em participar do estudo (n = 25) e recusa parcial em participar do estudo
(n = 34), ou seja, realizaram a entrevista, mas se recusaram a participar do
exame físico.
A amostra total (n = 557) foi composta por 72,4% de mulheres (n = 403) e 27,6%
de homens (n = 154). A média de idade dos adultos foi de 32,8 anos. A maioria
dos indivíduos (90,5%) autodeclarou-se parda ou negra, sintetizada na categoria
não branco. Não houve referência à raça/cor amarela ou indígena. Quanto ao
nível de escolaridade da amostra, 64,3% dos indivíduos tinham menos de quatro
anos de estudo, ou seja, haviam cursado o Ensino Fundamental de maneira
incompleta, conforme Tabela_1.
Tabela 1 - Caracterização da amostra, prevalência de autoavaliação negativa da
saúde bucal segundo características demográficas, de predisposição/
disponibilidade de recursos, comportamento relacionado à saúde, condições
objetivas e subjetivas, entre adultos, em áreas de assentamento rural.
Pernambuco, Brasil, 2010/2011 (N = 557).
Variável n (%) % IC95%
Autoavaliação da saúde bucal
Positiva 164
(29,5)
Negativa 393
(70,5)
Características demográficas
Faixa etária (anos)
20-29 255 33,4 29,5-
(45,8) 37,3
30-39 156 20,3 16,9-
(28,0) 23,6
40-49 93 10,9 8,3-13,5
(16,7)
50-59 53 5,9 3,9-7,9
(9,5)
Sexo
Masculino 154 20,1 16,7-
(27,6) 23,4
Feminino 403 50,4 46,3-
(72,4) 54,6
Cor/Raça
Branco 53 5,5 3,7-7,4
(9,5)
Não branco 504 65,0 61,0-
(90,5) 68,9
Predisposição/Disponibilidade de recursos
Escolaridade
Médio completo/Superior 47 5,4 3,5-7,2
(8,4)
Fundamental completo/Médio incompleto 52 6,6 4,5-8,7
(9,3)
Fundamental incompleto 358 47,0 42,8-
(64,3) 51,2
Analfabeto 100 11,5 8,8-14,1
(18,0)
Renda familiar (salários mínimos)
≥ 1 540 68,6 64,7-
(97,0) 72,4
< 1 17 1,9 0,8-3,1
(3,0)
Número de pessoas por domicílio
1-3 174 21,7 18,3-
(31,3) 25,1
4-6 289 36,6 32,6-
(51,8) 40,6
7 ou mais 94 12,2 9,5-14,9
(16,9)
Orientações sobre como evitar problemas bucais *
Sim 242 35,0 30,7-
(50,1) 39,2
Não 241 36,2 31,9-
(49,9) 40,5
Comportamento relacionado à saúde bucal
Visita ao dentista
Não 15 1,2 0,3-2,1
(2,7)
Sim 542 69,3 65,4-
(97,3) 73,1
Tempo decorrido após a última visita ao dentista (anos) *
< 1 248 31,7 27,8-
(45,8) 35,6
1-2 113 15,9 12,7-
(20,8) 18,9
≥ 3 181 23,6 20,0-
(33,4) 27,1
Motivo da visita ao dentista *
Consulta de rotina 32 3,7 2,1-5,2
(6,0)
Dor 320 43,3 39,2-
(59,0) 47,5
Tratamento odontológico 190 24,2 20,5-
(35,0) 27,7
Condições objetivas relacionadas à saúde bucal
Número de dentes permanentes cariados
0 143 14,2 11,3-
(25,7) 17,0
1-3 198 25,6 22,0-
(35,5) 29,3
4 ou mais 216 30,7 26,8-
(38,8) 34,5
Número de dentes permanentes perdidos
0 48 5,4 3,5-7,2
(8,6)
1-3 385 51,5 47,3-
(69,1) 55,6
4 ou mais 124 13,6 10,7-
(22,3) 16,5
Número de dentes permanentes obturados
0 426 53,7 49,5-
(76,5) 57,8
1-3 90 11,6 9,0-14,3
(16,1)
4 ou mais 41 5,2 3,3-7,0
(7,4)
Uso de prótese
Sim 246 29,6 25,8-
(44,1) 33,4
Não 311 40,9 36,8-
(55,9) 45,0
Necessidade de prótese
Não necessita 85 8,9 6,6-11,3
(15,2)
Superior 34 4,7 2,9-6,4
(6,1)
Inferior 143 19,4 16,1-
(25,7) 22,6
Superior/Inferior 295 37,5 33,5-
(53,0) 41,5
Condições subjetivas relacionadas à saúde bucal
Percepção de dor *
Nenhuma 332 38,3 34,3-
(59,8) 42,4
Pouca 78 10,6 8,0-13,2
(14,1)
Média/Alta 145 21,6 18,2-
(26,1) 25,0
Necessidade autorreferida de tratamento *
Não 72 4,6 2,8-6,4
(13,4)
Sim 467 66,9 63,0-
(86,6) 70,9
Avaliação do atendimento na última consulta odontológica *
Ótimo/Bom 402 58,7 54,3-
(83,4) 63,1
Regular 43 7,1 4,7-9,3
(8,9)
Ruim/Péssimo 37 5,4 3,3-7,4
(7,7)
Impacto (OHIP-14)
Sem impacto 94 5,9 3,9-7,8
(16,8)
Com impacto 463 64,6 60,6-
(83,2) 68,6
Na Tabela_1, pode-se verificar que a prevalência geral estimada da percepção
negativa da saúde bucal foi de 70,5% (n = 393). Ser do sexo feminino, estar na
faixa etária mais jovem, ter se autodeclarado não branco, ser menos
escolarizado foram características individuais que preponderaram nesta
autopercepção negativa da condição de saúde bucal.
É possível observar, ainda na Tabela_2, que as variáveis que apresentaram
associação estatisticamente significativa, por meio da análise bruta, foram: a
cor/raça, visita ao dentista, número de dentes permanentes cariados, número de
dentes permanentes perdidos, necessidade de prótese, percepção de dor,
necessidade autorreferida de tratamento e impacto das condições de saúde bucal
na qualidade de vida.
Tabela 2 - Prevalências e razões de prevalência (RP) bruta da autoavaliação
negativa da saúde bucal segundo as características demográficas, predisposição/
disponibilidade de recursos, comportamento relacionado à saúde bucal, condições
objetivas e subjetivas relacionadas à saúde bucal, entre adultos, em áreas de
assentamento rural. Pernambuco, Brasil, 2010/2011 (N = 557).
Variável Prevalência de autoavaliação negativa da saúde bucal RP Valor
(IC95%) de p
Características demográficas
Faixa etária (anos) 0,28
1,17
20-29 186 (33,4) (0,94-
1,46)
1,16
30-39 113 (20,3) (0,92-
1,47)
1,05
40-49 61 (10,9) (0,82-
1,36)
50-59 33 (5,9) 1,00
Sexo 0,48
1,04
Masculino 112 (20,1) (0,93-
1,17)
Feminino 281 (50,4) 1,00
Cor/Raça
Branco 31 (5,5) 1,00 0,04
1,23
Não branco 362 (65,0) (0,97-
1,55)
Predisposição/Disponibilidade de recursos
Escolaridade 0,23
Médio completo/Superior 30 (5,4) 1,00
1,11
Fundamental completo/Médio incompleto 37 (6,6) (0,85-
1,47)
1,15
Fundamental incompleto 262 (47,0) (0,92-
1,43)
1,00
Analfabeto 64 (11,5) (0,77-
1,30)
Renda familiar (salários mínimos) 0,59
1,09
≥ 1 382 (68,6) (0,77-
1,56)
< 1 11 (1,9) 1,00
Número de pessoas por domicílio 0,89
1-3 121 (21,7) 1,00
1,02
4-6 204 (36,6) (0,90-
1,15)
1,04
7 ou mais 68 (12,2) (0,89-
1,22)
Orientações sobre como evitar problemas bucais 0,50
Sim 169 (35,0) 1,00
1,04
Não 175 (36,2) (0,93-
1,16)
Comportamento relacionado à saúde bucal
Visita ao dentista 0,04
Não 7 (1,2) 1,00
1,53
Sim 386 (69,3) (0,89-
2,63)
Tempo decorrido após a última visita ao dentista (anos) * 0,41
< 1 172 (31,7) 1,00
1,10
1-2 86 (15,9) (0,96-
1,25)
1,02
≥ 3 128 (23,6) (0,90-
1,16)
Motivo da visita ao dentista * 0,29
Consulta de rotina 20 (3,7) 1,00
1,18
Dor 235 (43,3) (0,89-
1,55)
1,10
Tratamento odontológico 131 (24,2) (0,83-
1,47)
Condições objetivas relacionadas à saúde bucal
Número de dentes permanentes cariados <
0,001
0 79 (14,2) 1,00
1,31
1-3 143 (25,6) (1,10-
1,55)
1,43
4 ou mais 171 (30,7) (1,22-
1,69)
Número de dentes permanentes perdidos <
0,01
0 30 (5,4) 1,00
1,02
1-3 287 (51,5) (0,79-
1,32)
1,22
4 ou mais 76 (13,6) (1,05-
1,42)
Número de dentes permanentes obturados 0,92
0 299 (53,7) 1,00
1,03
1-3 65 (11,6) (0,89-
1,19)
1,01
4 ou mais 29 (5,2) (0,82-
1,24)
Uso de prótese 0,10
Sim 165 (29,6) 1,00
1,09
Não 228 (40,9) (0,98-
1,22)
Necessidade de prótese 0,04
Não necessita 50 (8,9) 1,00
1,30
Superior 26 (4,7) (1,00-
1,68)
1,28
Inferior 108 (19,4) (1,05-
1,57)
1,20
Superior/Inferior 209 (37,5) (0,99-
1,46)
Condições subjetivas relacionadas à saúde bucal
Percepção de dor * <
0,001
Nenhuma 213 (38,3) 1,00
1,18
Pouca 59 (10,6) (1,02-
1,37)
1,29
Média/Alta 120 (21,6) (1,16-
1,44)
Necessidade autorreferida de tratamento * <
0,001
Não 25 (4,6) 1,00
2,23
Sim 361 (66,9) (1,62-
3,07)
Avaliação do atendimento na última consulta odontológica * 0,48
Ótimo/Bom 283 (58,7) 1,00
1,12
Regular 34 (7,1) (0,95-
1,33)
1,00
Ruim/Péssimo 26 (5,4) (0,80-
1,24)
Impacto (OHIP-14) <
0,001
Sem impacto 33 (5,9) 1,00
2,21
Com impacto 360 (64,6) (1,68-
2,93)
Por meio da análise multivariada, verificou- se que as variáveis que
permaneceram no modelo ajustado foram: a cor/raça, necessidade autorreferida de
tratamento odontológico e impacto das condições de saúde bucal na qualidade de
vida mediado pelo indicador OHIP-14. Desta forma, as pessoas que se
autodeclararam não brancas autoavaliaram sua saúde bucal de maneira negativa
24% mais quando comparadas aos indivíduos que se declararam brancos; em relação
à necessidade autorreferida de tratamento odontológico, esse percentual foi de
94% quando comparado àqueles que não perceberam a necessidade de tratamento; e,
por fim, as pessoas que relataram alguma interferência da saúde bucal na
qualidade de vida autoavaliaram sua saúde bucal de maneira negativa 82% mais em
relação àquelas sem impacto, de acordo com a Tabela_3.
Tabela 3 - Análise multivariada dos fatores associados à autoavaliação
negativa da saúde bucal, entre adultos, em áreas de assentamento rural.
Pernambuco, Brasil, 2010/2011 (N = 557).
Autoavaliação negativa da saúde bucal
Variável Modelo bruto Modelo ajustado *
RP IC95% Valor de RP IC95% Valor de
p p **
Cor/Raça (1) 0,04 0,04
Branco 1,00 1,00
Não branco 1,23 0,97- 1,24 1,00-
1,55 1,53
Visita ao dentista (2) 0,04 0,15
Não 1,00 1,00
Sim 1,53 0,89- 1,50 0,86-
2,63 2,53
Número de dentes permanentes cariados < 0,001 0,31
(3)
0 1,00 1,00
1-3 1,31 1,10- 1,07 0,92-
1,55 1,24
4 ou mais 1,43 1,22- 1,12 0,97-
1,69 1,30
Número de dentes permanentes perdidos <0,01 0,76
(3)
0 1,00 1,00
1-3 1,02 0,79- 1,14 0,79-
1,32 1,65
4 ou mais 1,22 1,05- 1,02 0,90-
1,42 1,20
Uso de prótese (3) 0,10 0,56
Sim 1,00 1,00
Não 1,09 0,98- 1,03 0,92-
1,22 1,16
Necessidade de prótese (3) 0,04 0,28
Não necessita 1,00 1,00
Superior 1,30 1,00- 1,25 0,89-
1,68 1,76
Inferior 1,28 1,05- 1,20 0,90-
1,57 1,61
Superior/Inferior 1,20 0,99- 1,11 0,83-
1,46 1,48
Percepção de dor (4) < 0,001 0,58
Nenhuma 1,00 1,00
Pouca 1,18 1,02- 0,99 0,86-
1,37 1,15
Média/Alta 1,29 1,16- 1,05 0,95-
1,44 1,16
Necessidade autorreferida de tratamento < 0,001 < 0,001
(4)
Não 1,00 1,00
Sim 2,23 1,62- 1,94 1,41-
3,07 2,67
Impacto (OHIP-14) (4) < 0,001 < 0,001
Sem impacto 1,00 1,00
Com impacto 2,21 1,68- 1,82 1,39-
2,93 2,37
Discussão
A relevância deste estudo deve-se ao fato de se tratar de pesquisa realizada em
domicílios com uma amostra aleatória de adultos residentes em áreas de
assentamento rural. Desta forma, ressalta-se a importância de se conhecer as
condições de saúde bucal da população rural brasileira em razão da escassez de
publicações acerca deste contingente populacional, que representa 15,65%
(aproximadamente, 30 milhões de pessoas) da população brasileira, segundo o
censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 2010 (IBGE. Censo
Demográfico de 2010. http://www.censo2010.ibge.gov.br, acessado em 08/Ago/
2012).
A amostra do estudo foi caracterizada por predominância das mulheres, com idade
média de 35,2 anos, de raça/cor autodeclarada não branca, com escolaridade
baixa, vivendo em domicílios com um número médio de pessoas que variava entre
quatro e seis pessoas, e renda familiar superior a um salário mínimo. Segundo o
IBGE (http://www.censo2010.ibge.gov.br), a distribuição por gênero da população
brasileira na zona rural em 2010 correspondeu a 47,3% de mulheres e 52,6% de
homens, enquanto que, neste estudo, a proporção correspondeu a 72,4% de
mulheres e 27,6% de homens. O controle desta variável não foi possível no
momento da coleta de dados tendo em vista que consistiu de uma amostra
domiciliar rural, e as entrevistas e exames físicos eram realizados durante o
período matutino e vespertino, quando a maioria dos homens encontrava-se no
trabalho.
No âmbito coletivo, os fatores demográficos e socioeconômicos podem contribuir
para as variações de autoavaliação de saúde bucal entre os diferentes
indivíduos da amostra estudada. No presente estudo, os indivíduos nas faixas
etárias mais jovens julgaram mais negativamente seu estado de saúde bucal. No
entanto, os resultados de estudos em relação à idade são inconsistentes neste
tipo associação: alguns estudos 4,7 evidenciaram que a autoavaliação negativa
da saúde bucal aumenta com a idade; em outro estudo 3, entretanto, verificou-se
que os mais velhos relatavam uma autoavaliação mais positiva da saúde bucal; e,
em outro estudo 21, a idade não esteve associada à autoavaliação, convergindo
com os achados da presente investigação. Corroborando outros estudos 4,7, não
houve associação entre a autoavaliação negativa e o sexo, embora outras
pesquisas 3,22 tenham evidenciado uma pior autoavaliação da saúde bucal entre
as mulheres. Em relação à raça/cor, os resultados da presente investigação
evidenciaram que os indivíduos que se autodeclararam brancos autoavaliaram sua
saúde bucal de maneira mais positiva em relação aos não brancos, revelando uma
associação estatisticamente significativa com autoavaliação negativa da saúde
bucal, conforme evidenciam outros estudos 6,21. De fato, as iniquidades raciais
relacionadas à saúde decorrem de violações continuadas, de longa data, dos seus
direitos fundamentais, com reflexos diretos na percepção de saúde geral e bucal
desses indivíduos.
As variáveis de predisposição e de disponibilidade de recursos pouco
contribuíram para a identificação dos fatores associados à autoavaliação
negativa da saúde bucal. Diversos estudos demonstram que, quanto maior a
escolaridade do indivíduo 4,7,21 e o acesso a informações sobre como evitar
problemas bucais 4,7, mais positiva tende a ser a sua autoavaliação em saúde
bucal. Na presente pesquisa, constatou-se uma melhor autoavaliação da saúde
bucal entre os indivíduos de maior escolaridade, no entanto, esta variável não
se mostrou associada com o desfecho. A literatura é controversa em relação à
renda. A renda familiar reflete o poder de consumo do domicílio de forma mais
acurada que a renda individual, por representar os possíveis ganhos de todos os
membros do domicílio 23, e diversos estudos 4,7,23 evidenciam a relação entre
maior renda familiar e autoavaliação positiva da saúde bucal. No presente
estudo, essa associação não foi verificada devido à maior homogeneidade da
população em relação à renda.
A utilização de serviços odontológicos traduz a autoavaliação da saúde, das
necessidades, dos desejos e das demandas dos indivíduos, sendo mediada pela
oferta, pelo acesso e pela qualidade dos serviços em uma dada sociedade 5. No
presente estudo, não houve associação entre a autoavaliação negativa da saúde
bucal com as variáveis relacionadas à utilização de serviços odontológicos. No
entanto, Afonso- Souza et al. 24 encontraram associação entre uma autoavaliação
mais positiva da saúde bucal e o uso regular de serviços odontológicos. Na
tentativa de explicar tal associação, os autores sugeriram duas hipóteses: que
a autoavaliação positiva seria consequência de um bom tratamento, da maior
oportunidade de receber tratamentos preventivos com reflexos positivos nas
condições clínicas de saúde bucal; por outro lado, essa associação estaria
relacionada à ocorrência de um bem-estar psicológico associado ao cuidado com a
saúde.
Em relação às condições objetivas relacionadas à saúde bucal, a presente
investigação observou que os indivíduos que tinham quatro ou mais dentes
cariados, quatro ou mais dentes perdidos e que necessitavam de prótese superior
estiveram mais fortemente associados, em termos de razões de prevalências, na
análise bruta, com a autoavaliação negativa da saúde bucal, embora tal
associação não tenha se mantido após o controle dessas pelas demais variáveis
no modelo multivariado. De fato, Afonso-Souza et al. 24 afirmaram, com base nos
achados de seu estudo, que a manutenção da dentição natural em condição
satisfatória está associada com uma melhor autoavaliação da saúde bucal, e que
a ausência de dentes naturais aumentava em quatro vezes a chance de classificar
sua saúde bucal como ruim.
Dentre as variáveis relacionadas às condições subjetivas de saúde, a
necessidade autorreferida de tratamento odontológico e o impacto das condições
de saúde bucal na qualidade de vida estiveram fortemente associados à
autopercepção negativa da saúde bucal, evidenciando, assim, que as medidas
objetivas por si só são insuficientes para avaliar a saúde bucal. É importante
salientar que a autopercepção da saúde bucal 8,20 e da saúde geral 2,6 muda ao
longo da vida, do dia, da semana em função do seu estado físico e/ou
psicológico e de condições contextuais. Sendo assim, mensurar a subjetividade
do bem-estar e do adoecer, tentar quantificar o que é tão subjetivo é sempre
limitado, pois envolve valores e sentimentos nem sempre expressos 8,11,13.
Neste artigo, verificou-se que foi alta a prevalência de autoavaliação negativa
da saúde bucal entre os indivíduos das áreas do Assentamento Rural Miguel
Arraes, e que os fatores que estiveram associados à autoavaliação negativa da
saúde bucal foram a cor/raça; a necessidade autorreferida de tratamento
odontológico e o impacto da saúde bucal na qualidade de vida. No entanto, é
válido ressaltar que, para entender e discutir as interações entre
autoavaliação da saúde bucal, a partir de modelos multidimensionais, como o
proposto neste estudo, com características demográficas, com variáveis de
predisposição/disponibilidade de recursos, com o comportamento relacionado à
saúde bucal, bem como, as condições objetivas e subjetivas de saúde bucal entre
a população rural brasileira, só será possível mediante o fortalecimento de
bases conceituais e o incremento de investigações acerca do conhecimento das
condições de saúde bucal deste contingente populacional, tendo em vista a
lacuna existente na literatura em termos de publicações nesta área.
Tabela 1 (continuação)
Variáveln (%) % IC95%
Tabela 2 (continuação)
VariávelPrevalência de autoavaliação negativa da saúde bucal RP Valor
(IC95%) de p