Modelagem hierárquica de determinantes associados a internações por condições
sensíveis à atenção primária no Espírito Santo, Brasil
Introdução
As internações por condições sensíveis à atenção primária (ICSAP) constituem um
indicador de resultado utilizado para avaliar a acessibilidade e a eficácia dos
cuidados primários de saúde, que pretende, a partir da atividade hospitalar,
servir de medida da efetividade da atenção primária à saúde. Trata-se,
portanto, de uma medida indireta para se avaliar a atenção primária à saúde
1,2.
A justificativa para o indicador é que o atendimento ambulatorial oportuno e de
qualidade a determinados problemas de saúde pode diminuir o risco de
hospitalização 1,3. Os problemas de saúde que constituem as condições sensíveis
à atenção primária, expressão derivada do inglês ambulatory care sensitive
conditions (ACSC), são aqueles para os quais as ações próprias da atenção
primária à saúde podem modificar a sua ocorrência ou evolução por meio da
prevenção, do diagnóstico e do tratamento precoce. Isto é, o controle da
enfermidade numa fase prévia a um estádio clínico que requeira a internação ou,
no caso dos agravos crônicos, pelo controle, acompanhamento e redução das
exacerbações 3.
A lista brasileira de ICSAP, publicada em 2008, é composta por 19 grupos de
diagnósticos: doenças preveníveis por imunização e por condições sensíveis;
gastroenterites infecciosas e complicações; anemia; deficiências nutricionais;
infecções de ouvido, nariz e garganta; pneumonias bacterianas; asma; doenças
pulmonares; hipertensão; angina; insuficiência cardíaca; doenças
cerebrovasculares; diabetes mellitus; epilepsia; infecção no rim e trato
urinário; infecção da pele e tecido subcutâneo; doença inflamatória de órgãos
pélvicos femininos; úlcera gastrointestinal e doenças relacionadas ao pré-natal
e ao parto 4,5.
Estudos têm documentado a relação inversa entre as medidas de acesso aos
cuidados primários de saúde e as ICSAP 2,6. Por outro lado, o uso desse
indicador vem sendo criticado por alguns pesquisadores que argumentam existirem
outros elementos determinantes da hospitalização que estão fora do escopo de
atuação da atenção primária à saúde, tais como as características inerentes ao
paciente, fatores socioeconômicos e demográficos, a variabilidade da prática
clínica hospitalar e as políticas de admissão nesses serviços 7,8,9.
Portanto, faz-se necessário o ajuste para essas variáveis confundidoras para se
estudar a associação entre variáveis dos serviços de saúde e o indicador ICSAP.
No Brasil, poucos estudos têm sido realizados com esse objetivo em um nível
ecológico 10,11,12.
Nessa premissa, o presente estudo objetiva investigar a associação entre os
determinantes socioeconômicos e as ICSAP. Além disso, será investigada a
associação entre a disponibilidade de infraestrutura e cobertura de serviços de
saúde com as ICSAP após o ajuste para variáveis socioeconômicas e demográficas
no contexto dos municípios do Espírito Santo, Brasil.
Métodos
Foi realizado um estudo ecológico, com dados secundários das internações do
Sistema Único de Saúde (SUS), para analisar as internações ocorridas nos 78
municípios do Estado do Espírito Santo de 1o de janeiro de 2010 a 31 de
dezembro de 2010.
As internações sensíveis foram agrupadas segundo idade e município de
residência do paciente, para se evitar o viés criado ao ser utilizado o
município de internação (maior número de internações nos municípios onde estão
concentrados os hospitais).
Para o estudo descritivo, foram calculadas taxas de ICSAP expressas por 10 mil
habitantes para cada município, na população total e por faixa etária, adotadas
de acordo com os ciclos de vida (0-19 anos, 20-64 anos e 65 e mais). Enquanto,
para o estudo analítico, o número de ICSAP constituíram a variável resposta, e
a contagem da população por faixa etária foi incluída como offset do modelo.
A classificação como hospitalizações sensíveis à atenção primária seguiu a
lista brasileira de ICSAP 5. Foi considerado como causa de internação o
diagnóstico principal classificado conforme a 10a revisão da Classificação
Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10).
No total de internações, excluíram-se os partos por representarem um desfecho
natural da gestação e por determinarem internações que ocorrem apenas na
população feminina.
Os dados sobre as ICSAP foram obtidos dos arquivos de Autorização de Internação
Hospitalar (AIH) pagas, registrados no Sistema de Informações Hospitalares
(SIH) do SUS, disponibilizados na internet pelo Departamento de Informação e
Informática do SUS (DATASUS).
A seleção de variáveis explicativas seguiu o modelo teórico proposto por Nedel
et al. 13, no qual as taxas de hospitalização estão relacionadas a uma
determinação hierárquica que, em seu nível distal, considera situação
socioeconômica, estrutura social e características geográficas e demográficas
de uma sociedade; no nível intermediário, encontram-se a influência da
organização dos serviços de saúde (rede privada e pública), sua
disponibilidade, barreiras de acesso e modelos de assistência à saúde
oferecidos à população; e no nível proximal, estão os indicadores de desempenho
do sistema de saúde. As variáveis explicativas elencadas neste estudo como
proxydesses determinantes estão dispostas na Tabela_1.
Tabela 1 Modelo hierarquizado utilizado no estudo, variáveis explicativas e
respectiva fonte.
Variável * Definições Fonte
Nível distal: socioeconômicas, geográficas e demográficas
Porte municipal (habitantes) Pequeno: ≤ até 20.000; Médio: 20.001-100.000; Grande I:, 100.001-300.000; Gra IBGE
II: > 300.000
Densidade demográfica Razão entre o número de habitantes por área ocupada municipal IBGE
Taxa de urbanização Percentual da população residente em áreas urbanas em relação à população IBGEl,
em cada município
Taxa de analfabetismo Percentual das pessoas com 15 anos ou mais analfabetas em relação ao total de IBGE
pessoas do mesmo grupo etário
Proporção de pardos e negros Percentual de pessoas que se declararam pardas e pretas em relação à populaç IBGE
total
Percentual de pessoas que vivem em domicílios com densidade > 2, razão entre o
Densidade nos domicílios total de moradores do domicílio e o número total de cômodos do domicílio, PNUD
excluídos o(s) banheiro(s) e cozinha
Renda mensal familiar per capita Divisão do rendimento mensal dos componentes da família pelo número de morador IBGE
da unidade domiciliar
Taxa de pobreza Percentual da população residente com renda familiar mensal per capita de até IBGE
meio salário mínimo
Proporção de crianças em domicílio com responsável/cônjuge não Percentual de crianças, 0 a 5 anos de idade, residentes em domicílios com IBGE
alfabetizado responsável ou cônjuge analfabeto
Domicílios com abastecimento de água Percentual de domicílios servidos por água canalizada proveniente da rede geral IBGE
de abastecimento
Domicílios com esgotamento sanitário Percentual de domicílios com esgoto ligado à rede coletora ou à fossa séptic IBGE
PIB per capita Valor médio agregado por indivíduo dos bens e serviços finais produzidos pelo IJSN
municípios, em moeda corrente e a preços de mercado constantes de 2008
Índice de Gini Mede a desigualdade pela renda domiciliar per capita. Se próximo de 1, maior é IPEA
desigualdade
IDH-M Considera a dimensão econômica, a longevidade e a educação. Se próximo de PNUD
maior é o desenvolvimento
IFDM Composto pela média dos IFDMs de emprego & renda, educação e saúde. SeFIRJAN
próximo de 1, maior é o desenvolvimento
Nível intermediário: organização dos serviços de saúde
Cobertura da ESF e do PACS Percentual da população cadastrada pela ESF e pelo PACS SIAB
Cobertura de planos de saúde Percentual da população coberta por planos e seguros de assistência suplementar ANS
à saúde
Número de médicos Número de médicos em atividade, por 1.000 habitantes CNES
Leitos hospitalares SUS Número de leitos hospitalares conveniados ou contratados pelo SUS, por 1.000 AMS
habitantes residentes
Nível proximal: indicadores de desempenho dos serviços de saúde
Coeficiente de mortalidade infantil Óbitos de menores de um ano de idade, por 1.000 nascidos vivos SIM/
SINASC
Cobertura de consultas de pré-natal Proporção de nascidos vivos de mães com 7 e ou mais consultas de pré-natalSINASC
AMS: Assistência Médico-Sanitária; ANS: Agência Nacional de Saúde Suplementar;
CNES: Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde;ESF: Estratégia Saúde da
Família; FIRJAN: Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro; IBGE:
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; IDH-M: Índice de
Desenvolvimento Humano – Municipal; IFDM: Índice FIRJAN de Desenvolvimento
Municipal; IJSN: Instituto Jones dos Santos Neves; IPEA: Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada; PACS: Programa de Agentes Comunitários de Saúde; PIB:
Produto Interno Bruto;PNUD: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento;
SIAB: Sistema de Informação da Atenção Básica; SIM: Sistema de Informações
sobre Mortalidade; SINASC: Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos; SUS:
Sistema Único de Saúde.
* Dados obtidos correspondem ao ano de 2010, com exceção do PIB per capita
(2008), Índice de Gini (2003), IDH-M (2000), IFDM (2009) e Leitos hospitalares
SUS por habitante (2009).
Os municípios foram classificados segundo porte populacional, a escolha desse
parâmetro para realizar a estratificação está em concordância com estudos que
demonstraram haver diferenças na proporção das ICSAP, bem como no perfil de
implantação da Estratégia Saúde da Família (ESF) e nos indicadores
socioeconômicos conforme a população do município 10,14,15,16. Para o estudo
descritivo, calcularam-se as medianas das variáveis para cada município com
agrupamento por porte.
Inicialmente, calculou-se a correlação (Pearson) entre as variáveis para a
eliminação das redundâncias geradas pela alta correlação que algumas variáveis
poderiam apresentar entre si. Em seguida, foram realizadas a análise bivariada
dos dados e, posteriormente, a multivariável para controlar pelas variáveis
explicativas. Utilizou-se regressão de Poisson por se tratar de um modelo
adequado para dados de contagem, tais como o número de internações aqui
estudadas. Ademais, devido à confirmação de superdispersão, utilizaram-se
estimadores robustos de variância.
As variáveis foram tratadas como contínuas nos modelos, e foram ajustados
modelos para a população total e por faixas etárias.
A análise multivariável seguiu o modelo hierarquizado, efetivada em cinco
etapas. Na primeira, realizou-se a regressão das variáveis explicativas do
nível distal. Na segunda etapa, foram utilizadas as variáveis do nível distal
que apresentaram valor de p < 0,20 após exclusão progressiva das que
apresentavam os maiores valores de p (utilizou-se o método backward) e
incorporaram-se as do nível intermediário.
Chegaram à terceira etapa as variáveis do nível distal e intermediário que
apresentaram valor de p < 0,20 após exclusão progressiva das que apresentavam
os maiores valores de p (utilizou-se o método backward) e acrescentaram-se as
do nível proximal. Na quarta etapa, encontram-se as variáveis do nível distal,
intermediário e proximal que apresentaram valor de p < 0,20 após exclusão
progressiva das que apresentavam os maiores valores de p (utilizou-se o método
backward).
Na quinta e última etapa, chegou-se ao modelo final com todas as variáveis
significativas (valor de p < 0,05). Também foram feitas análises de resíduos da
regressão (q-q plot e análise de autocorrelação espacial por meio do índice de
Moran) e de multicolinearidade (expresso pelo fator de expansão da variância)
para o modelo final.
Para o processamento do banco de dados, foi usado o programa estatístico SPSS
(SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos), e, para as análises estatísticas, o
software R versão 2.12.1 (The R Foundation for Statistical Computing, Viena,
Áustria; http://www.r-project.org).
O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital
Infantil Nossa Senhora da Glória, da Secretaria de Saúde do Estado do Espírito
Santo, que o liberou da necessidade de aprovação em CEP devido à utilização de
informações de domínio público.
Resultados
Em 2010, ocorreram 198.148 internações no Espírito Santo, sendo 38.137 (22,41%)
ICSAP e 28 mil partos. Detectou-se um percentual pequeno, menor que 1%, de
perdas de informações das internações.
As maiores taxas de ICSAP ocorreram nos municípios de médio porte, com 159,4
por 10 mil habitantes, seguidos pelos de pequeno porte, 118,8 por 10 mil
habitantes, grande porte I, 102,1 por 10 mil habitantes, e grande porte II,
55,5 por 10 mil habitantes (Tabela_2).
Tabela 2 Distribuição das medianas, 1o e 3o quartil das taxas de internação por
condições sensíveis à atenção primária e variáveis explicativas segundo porte
municipal. Espírito Santo, Brasil, 2010.
Porte municipal
Pequeno Médio Grande I Grande II
Variáveis do estudo
Taxas de ICSAP (por 10 mil habitantes)
118,8 159,4 102,1 55,5
População total (75,0- (116,1- (88,9- (49,7-
233,5) 246,5) 113,5) 59,6)
Faixa etária (anos)
72,2 144,0 90,5 68,9
0-19 (46,3- (76,4- (67,6- (59,2-
134,8) 195) 126,9) 80,2)
73,4 114,1 73,0 34,2
20-64 (49,7- (88,2- (50,5- (31,0-
148,3) 159,9) 81,2) 35,6)
584,6 698,0 523,9 194,9
Acima de 65 (332,2- (530,2- (324,7- (171,4-
908,5) 897,9) 532,7) 210,3)
Sexo
110,5 155,1 100,7 54,7
Masculino (72,7- (103,5- (90,1- (50,3-
231,8) 217,4) 124,5) 58,9)
132,0 177,2 103,0 53,6
Feminino (74,6- (123,2- (87,8- (49,2-
217,4) 250,0) 103,5) 57,5)
Variáveis explicativas
33,0 43,5 78,5 1.598,8
Densidade demográfica (habitantes/km2) (25,9- (31,6- (46,5- (1.119,0-
45,6) 59,0) 176,8) 2.295,9)
52,3 67,0 88,0 99,4
Taxa de urbanização (%) (38,0- (60,4- (86,0- (98,7-
68,2) 77,9) 91,4) 99,6)
13,2 12,9 7,7 (6,6- 4,6 (3,4-
Taxa de analfabetismo (%) (10,2- (10,2- 9,6) 5,7)
16,9) 15,2)
48,4 53,5 57,7 61,0
Proporção de pardos e negros (%) (40,5- (44,6- (52,9- (54,5-
56,5) 65,9) 63,2) 66,8)
10,4 13,0 17,5 16,7
Densidade nos domicílios (%) (7,9- (10,0- (15,2- (13,7-
12,5) 15,0) 18,8) 19,6)
461,0 469,0 636,0 823,5
Renda mensal familiar per capita (R$) (390,0- (420,5- (623,0- (593,0-
500,8) 548,5) 651,0) 1.150,8)
33,7 35,3 23,3 17,4
Taxa de pobreza (%) (29,4- (28,5- (21,0- (13,1-
40,9) 38,5) 25,0) 21,7)
Proporção de crianças em domicílio com responsável/cônjuge não 13,3 13,4 8,4 (6,8- 5,7 (4,7-
alfabetizado (%) (10,3- (9,4- 12,6) 6,6)
17,6) 16,1)
58,3 69,9 88,7 97,9
Domicílios com abastecimento de água (%) (43,2- (57,6- (85,8- (97,1-
72,4) 80,3) 89,8) 98,8)
50,0 57,8 68,3 86,1
Domicílios com esgotamento sanitário (%) (39,4- (49,9- (66,1- (84,3-
66,2) 68,9) 85,9) 89,4)
8.628,8 9.504,0 11.920,0 21.552,2
Produto Interno Bruto per capita (R$) (7.447,3- (8.557,0- (9.410,8- (13.590,2-
10.512,8) 14.372,0) 15.485,1) 36.819,3)
0,43 0,44 0,46 0,46
Índice de Gini (0 a 1) (0,42- (0,43- (0,46- (0,44-
0,45) 0,46) 0,48) 0,47)
0,72 0,72 0,77 0,79
IDH-M (0 a 1) (0,69- (0,70- (0,76- (0,76-
0,75) 0,74) 0,77) 0,83)
0,67 0,69 0,74 0,8 (0,79-
IFDM (0 a 1) (0,65- (0,65- (0,73- 0,82)
0,69) 0,73) 0,77)
99,9 95,2 68,4 36,8
Cobertura da ESF e do PACS (%) (98,3- (88,3- (59,9- (24,1-
102,2) 100,1) 79,4) 51,4)
8,3 (4,7- 9,9 (7,3- 23,7 (22- 46,0
Cobertura de planos de saúde (%) 12,6) 15,9) 26,1) (39,1-
57,1)
Número de médicos (1.000 habitantes) 0,6 (0,4- 0,7 (0,5- 1,6 (0,9- 2,0 (1,8-
0,9) 1,1) 2,3) 2,8)
8,3 (4,7- 9,9 (7,3- 23,7 (22- 46,0
Cobertura de planos de saúde (%) 12,6) 15,9) 26,1) (39,1-
57,1)
Leitos hospitalares SUS (1.000 habitantes) 0,2 (0,0- 1,7 (1,4- 1,5 (1,3- 1,0 (0,9-
2,2) 2,6) 2,5) 2,1)
13,5 13,1 12,3 11,6
CMI (óbitos por 1.000 nascidos vivos) (11,4- (10,5- (12,0- (11,1-
17,5) 15,5) 14,9) 12,4)
62,5 70,2 55,4 64,8
Cobertura de consultas de pré-natal (%) (54,7- (56,0- (53,5- (62,1-
74,4) 75,3) 80,0) 69,0)
CMI: coeficiente de mortalidade infantil; ESF: Estratégia Saúde da Família;
IDH-M: Índice de Desenvolvimento Humano – Municipal; IFDM: Índice FIRJAN de
Desenvolvimento Municipal; PACS: Programa de Agentes Comunitários de Saúde;
SUS: Sistema Único de Saúde.
Quanto à idade, as taxas de ICSAP foram maiores entre os idosos dos municípios
de médio porte, 698,0 por 10 mil habitantes, seguidos pela faixa etária
pediátrica, 144,0 por 10 mil habitantes, e adultos, 114,1 por 10 mil
habitantes. As menores taxas foram observadas nos municípios de grande porte II
que chegaram a 194,9 por 10 mil habitantes entre idosos, seguidos pela faixa
etária pediátrica, 68,9 por 10 mil habitantes, e adultos, 34,2 por 10 mil
habitantes (Tabela_2).
Os municípios de grande porte II apresentaram os melhores resultados entre as
variáveis socioeconômicas, seguidos pelos municípios de grande porte I.
Observou-se a maior cobertura de ESF e do Programa de Agentes Comunitários de
Saúde (PACS) entre os municípios de pequeno porte, enquanto a cobertura de
plano de saúde foi maior entre os municípios de grande porte II, os quais
também apresentaram o maior número de médicos por mil habitantes e o menor
coeficiente de mortalidade infantil. A cobertura de pré-natal e o número de
leitos hospitalares SUS foram maiores nos municípios de médio porte (Tabela_2).
Após a realização da correlação de Pearson entre todas as variáveis, foram
excluídos o percentual de domicílios com abastecimento de água e o Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M), pois apresentaram alta correlação com
taxa de urbanização e taxa de pobreza, respectivamente.
A análise bivariada entre as variáveis explicativas e o risco de ICSAP segundo
população total e para cada extrato de faixa etária estão apresentados na
Tabela_3. No que se refere ao porte municipal, nota-se tanto na população geral
quanto no estudo por faixas etárias que o maior risco de ICSAP está nos
municípios de médio porte, e há queda progressiva do risco nos municípios de
pequeno porte, grande porte I e grande porte II.
Tabela 3 Análise bivariada entre variáveis explicativas e risco de internação
por condições sensíveis à atenção primária na população total e por faixa
etária. Espírito Santo, Brasil, 2010.
População Faixa etária (anos)
total 0-19 20-64 Acima
Variáveis de 65
RR (IC95%) RR RR RR
(IC95%) (IC95%) (IC95%)
Nível 1
Município porte grande II * 1,00 1,00 1,00 1,00
2,17 (2,11- 1,29 2,79 2,54
Município porte grande I * 2,24) (1,22- (2,66- (2,38-
1,36) 2,93) 2,71)
3,22 (3,14- 2,07 3,20 4,00
Município porte médio * 3,31) (1,97- (3,47- (3,79-
2,17) 3,78) 4,23)
3,01 (2,92- 1,74 3,46 3,48
Município porte pequeno * 3,11) (1,64- (3,30- (3,28-
1,85) 3,64) 3,7)
1,00 1,00 1,00
Densidade demográfica 1,00 (0,99- (0,99- (0,99- (0,99-
1,00) 1,00) 1,00) 1,00)
** **
0,99 (0,99- 0,99 0,99 0,98
Taxa de urbanização 0,99) (0,99- (0,98- (0,98-
0,99) 0,99) 0,99)
1,10 (1,10- 1,07 1,10 1,09
Taxa de analfabetismo 1,10) (1,07- (1,10- (1,09-
1,08) 1,10) 1,10)
0,98 (0,98- 0,99 0,99 0,98
Proporção de pardos e negros 0,98) (0,99- (0,98- (0,98-
0,99) 0,99) 0,98)
0,93 (0,93- 0,95 0,94 0,94
Densidade nos domicílios 0,94) (0,94- (0,94- (0,94-
0,95) 0,94) 0,95)
1,00 (0,99- 1,00 1,00 1,00
Renda mensal familiar per capita 1,00) (0,99- (0,99- (0,99-
1,00) 1,00) 1,00)
1,04 (1,04- 1,03 1,05 1,05
Taxa de pobreza 1,04) (1,03- (1,05- (1,04-
1,03) 1,05) 1,05)
Proporção de crianças em domicílio com responsável/cônjuge não 1,09 (1,09- 1,06 1,10 1,09
alfabetizado 1,09) (1,06- (1,09- (1,09-
1,06) 1,10) 1,10)
0,99 (0,98- 0,99 0,98 0,98
Domicílios com esgotamento sanitário 0,99) (0,99- (0,98- (0,98-
0,99) 0,98) 0,99)
Produto interno bruto per capita 1,00 (1,10) 1,00 1,00 1,00
(1,10) (1,10) (1,10)
0,10 (0,06- 0,86 0,22 0,0
Índice de Gini 0,15) (0,38- (0,12- (0,0)
1,92) 0,43)
0,01 0,0 0,0
IFDM 0,0 (0,0) (0,01- (0,0) (0,0)
0,01) **
Nível 2
1,01 (1,01- 1,01 1,01 1,01
Cobertura da ESF e do PACS 1,01) (1,00- (1,01- (1,01-
1,01) 1,01) 1,02)
0,97 (0,97- 0,99 0,97 0,97
Cobertura de planos de saúde 0,98) (0,99- (0,97- (0,97-
0,99) 0,97) 0,97)
0,74 (0,74- 0,90 0,69 0,70
Número de médicos 0,75) (0,89- (0,68- (0,68-
0,92) 0,70) 0,71)
1,06 (1,05- 1,10 1,03 1,01
Leitos hospitalares SUS 1,06) (1,09- (1,02- (1,00-
1,11) 1,04) 1,02)
Nível 3
1,06 (1,05- 1,03 1,07 1,05
CMI 1,06) (1,03- (1,07- (1,04-
1,04) * 1,08) 1,05) *
1,00 (0,99- 0,99 1,00 1,00
Cobertura de pré-natal 1,00) (0,99- (1,00- (0,99-
0,99) 1,00) 1,00) *
CMI: coeficiente de mortalidade infantil; ESF: Estratégia Saúde da Família;
IC95%: intervalo de 95% de confiança; IDH-M: Índice de Desenvolvimento Humano –
Municipal; IFDM: Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal; PACS: Programa de
Agentes Comunitários de Saúde; RR: risco relativo; SUS: Sistema Único de Saúde.
* Correspondem às taxas de internação por condições sensíveis à atenção
primária para cada grupo de porte municipal;
** p < 0,01.
Nota: em negrito p < 0,001, as demais variáveis não alcançaram p < 0,05.
A Tabela_3 também demonstra que a cobertura da ESF e do PACS apresentou
discreta associação positiva com as ICSAP entre adultos, idosos e na população
geral (RR = 1.01; IC95%: 1.01-1.01).
As etapas intermediárias da análise hierarquizada (etapas de 1 a 4) e
respectivo valores de significância (valor de p) na população total e por faixa
etária são apresentadas na Tabela_4.
Tabela 4 Etapas intermediárias da análise hierarquizada das variáveis
explicativas e risco de internação por condições sensíveis à atenção primária,
valores de significância (valor de p), população total e faixa etária. Espírito
Santo, Brasil, 2010.
População total Faixa etária (anos)
Variáveis 0-19 20-64 Acima de 65
1 2 3 4 1 2 3 4 1 2 3 4 1 2 3 4
Nível distal
Município porte grande I * 0,16 0,30 0,14 0,15 0,32 ** ** ** 0,20 0,41 0,16 0,07 0,29 0,08 0,09 0,09
Município porte médio * 0,14 0,24 0,19 0,20 0,15 ** ** ** 0,30 0,45 0,17 0,20 0,11 0,15 0,10 0,10
Município porte pequeno * 0,17 0,28 0,23 0,22 0,39 ** ** ** 0,33 0,36 0,17 0,17 0,17 0,26 0,23 0,23
Densidade demográfica 0,98 ** ** ** 0,35 ** ** ** 0,73 ** ** ** 0,41 ** ** **
Taxa de urbanização 0,03 0,00 0,00 0,00 0,09 0,01 0,00 0,00 0,05 0,00 0,00 0,00 0,04 0,01 0,00 0,00
Proporção de pardos e negros 0,01 0,00 0,00 0,00 0,02 0,00 0,00 0,00 0,13 0,01 0,00 0,00 0,00 0,01 0,00 0,00
Densidade nos domicílios 0,65 ** ** ** 0,90 ** ** ** 0,73 ** ** ** 0,99 ** ** **
Renda mensal familiar per capita 0,97 ** ** ** 0,44 ** ** ** 0,70 ** ** ** 0,87 ** ** **
Taxa de pobreza 0,87 ** ** ** 0,76 ** ** ** 0,62 ** ** ** 0,97 ** ** **
Taxa de analfabetismo 0,06 0,00 0,00 0,00 0,01 0,00 0,00 0,00 0,27 0,10 0,00 0,00 0,15 0,02 0,00 0,00
Proporção de crianças em domicílio com @responsável/cônjuge0,91o ** ** ** 0,40 ** ** ** 0,84 ** ** ** 0,25 ** ** **
alfabetizado
Domicílios com esgotamento sanitário 0,28 0,56 ** ** 0,05 0,15 0,12 0,09 0,92 ** ** ** 0,16 0,23 ** **
PIB per capita 0,37 ** ** ** 0,22 0,80 0,53 ** ** ** 0,15 0,43 ** **
Índice de Gini 0,48 ** ** ** 0,45 ** 0,57 ** ** ** 0,91 ** ** **
IFDM 0,13 0,18 ** ** 0,11 0,13 0,00 0,00 0,13 0,14 0,25 ** 0,51 ** ** **
Nível intermediário
Cobertura de planos de saúde 0,31 0,00 0,00 0,47 ** ** 0,48 0,00 0,01 0,12 0,00 0,00
Cobertura da ESF e do PACS 0,72 ** ** 0,78 ** ** 0,36 ** ** 0,60 ** **
Número de médicos 0,90 ** ** 0,70 ** ** 0,60 ** ** 0,90 ** **
Leitos hospitalares SUS 0,01 0,00 0,00 0,01 0,00 0,00 0,02 0,02 0,02 0,05 0,01 0,01
Nível proximal
CMI 0,64 ** 0,48 ** 0,22 ** 0,74 **
Cobertura de pré-natal 0,12 0,12 0,19 0,17 0,07 0,07 0,20 0,18
CMI: coeficiente de mortalidade infantil; ESF: Estratégia Saúde da Família;
IFDM: Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal; PACS: Programa de Agentes
Comunitários de Saúde; SUS: Sistema Único de Saúde.
* Correspondem às taxas de internação por condições sensíveis à atenção
primária para cada grupo de porte municipal;
** Excluídas da análise porque não alcançaram p < 0,20 após exclusão
progressiva das que apresentavam os maiores valores de p (utilizou-se o método
backward).
No modelo final da análise hierarquizada, encontram-se as variáveis sem
colinearidade e com significância estatística (p < 0,05) (Tabela_5).
Tabela 5 Modelo final da análise hierarquizada das variáveis explicativas e
risco de internação por condições sensíveis à atenção primária na população
total e por faixa etária. Espírito Santo, Brasil, 2010.
População Faixa etária (anos)
Variáveis total 0-19 20-64 Acima de 65
RR (IC95%) RR (IC95%) RR (IC95%) RR (IC95%)
Nível distal
Município porte grande II * 1,00 1,00 1,00 1,00
Taxa de urbanização 1,03 (1,02- 1,03 (1,02- 1,03 (1,01- 1,02 (1,01-
1,03) 1,04) 1,04) 1,03)
Proporção de pardos e 0,97 (0,96- 0,97 (0,96- 0,98 (0,96- 0,98 (0,97-
negros 0,98) 0,98) 0,99) 0,99)
Taxa de analfabetismo 1,11 (1,07- 1,17 (1,13- 1,10 (1,04- 1,08 (1,04-
1,16) 1,21) 1,17) 1,12)
Nível intermediário
Cobertura de planos de 0,98 (0,97- ** 0,97 (0,96- 0,97 (0,96-
saúde 0,99) 0,99) 0,98)
Leitos hospitalares SUS 1,12 (1,05- 1,11 (1,05- 1,11 (1,03- 1,09 (1,04-
1,19) 1,18) 1,20) *** 1,15)
Nível proximal ** ** ** **
IC95%: intervalo de 95% de confiança; RR: risco relativo; SUS: Sistema Único de
Saúde.
Nota: o modelo final contempla as variáveis que, após a análise hierarquizada,
alcançaram valor de p < 0,05.
* Número de internação por condições sensíveis à atenção primária nos
municípios porte grande II;
** Excluídas da análise porque não alcançaram p < 0,05;
*** Essa variável alcançou p < 0,01. As demais alcançaram p < 0,001.
A análise de resíduos da regressão por meio do gráfico de probabilidade normal
(ou q-q plot) demonstra resíduos próximos da reta de 45o, indicando que os
resíduos representam uma amostra aleatória (sem padrão). Quanto à verificação
de dependência espacial dos resíduos, realizou-se análise de autocorrelação
espacial pelo Índice de Moran. Como não há um teste de hipóteses apropriado
para modelos log-lineares, como Poisson, transformou-se a variável resposta
(CSAP) em logaritmo da taxa de CSAP, e foi calculado o Índice de Moran do
modelo linear. Os resultados corroboram a hipótese nula de independência
espacial dos resíduos.
Observou-se que, após ajuste para todas as variáveis, o percentual de
urbanização, de analfabetismo e de leitos SUS ofertados mostrou-se
positivamente associado ao risco de ICSAP na população geral, bem como nas
faixas etárias (Tabela_5).
Associaram-se negativamente às internações sensíveis, a maior proporção de
pardos e negros e cobertura de planos de saúde na população geral e nas faixas
etárias. Na infância, somente a primeira foi significativa (Tabela_5).
Conforme observado na Tabela_5, na variável percentual de analfabetismo, foram
detectados os maiores valores de associação com a ocorrência de ICSAP e
alcançou o maior valor na faixa pediátrica (RR = 1,17; IC95%: 1,13-1,21),
seguida pela população geral (RR = 1,11; IC95%: 1,07-1,16), adultos (RR = 1,10;
IC95%: 1,04-1,17) e idosos (RR = 1,08; IC95%: 1,04-1,12).
A maior proporção de leitos SUS ofertados também esteve associada a maior risco
de ICSAP e apresentou o maior valor na população geral (RR = 1,12; IC95%: 1,05-
1,19), seguida pela faixa etária pediátrica e adulta (RR = 1,11; IC95%: 1,03-
1,20) e idosos (RR = 1,09; IC95%: 1,04-1,15) (Tabela_5).
Discussão
Este estudo permitiu uma reflexão geral sobre o uso do indicador ICSAP e não
encontrou relação das ICSAP com a cobertura da ESF e do PACS. Por outro lado,
na análise multivariável, observou-se que o percentual de urbanização, de
analfabetismo e de leitos SUS ofertados esteve positivamente associado ao risco
de internações sensíveis. Enquanto a cobertura de planos de saúde e a proporção
de pardos e negros associaram-se negativamente às internações sensíveis.
No âmbito nacional, há relatos da diminuição das taxas de ICSAP associadas ao
crescimento de cobertura da ESF 11,17. Ao contrário disso, no presente estudo,
a cobertura da atenção primária à saúde, representada pela cobertura da ESF e
do PACS, apresentou, na análise bivariada, uma discreta associação positiva com
as internações sensíveis, ou seja, quanto maior a cobertura maior o número
dessas hospitalizações.
Para explicar essa relação, pode-se pensar que, em regiões onde existia um
estrangulamento no acesso aos serviços de saúde, há um aumento temporário nas
hospitalizações ao ocorrer melhora no acesso, pois, nesse caso, estaria sendo
atendida uma população sem assistência alguma anterior 4.
De fato, no Espírito Santo, a atenção primária à saúde cresceu progressivamente
na última década, a ESF, por exemplo, saltou de 13,2% de cobertura, no ano
2000, para 58,8% em 2010 18. Porém, há que se considerar ainda a hipótese de
falha nos processos de trabalho da atenção primária à saúde e, por isso,
aumento das internações sensíveis.
Ao proceder ao ajuste das variáveis, observou-se que a cobertura da atenção
primária à saúde não demonstrou relação com as ICSAP e foi excluída das etapas
subsequentes por não ter alcançado valor estatisticamente significativo. Esse
achado é importante, uma vez que o indicador se propõe a avaliar esse ponto da
rede de atenção à saúde.
Diante disso, cabe questionar se os problemas na atuação da atenção primária à
saúde podem ter culminado nesse resultado ou se a variável cobertura não é
capaz de representar, por si só, o acesso à atenção primária à saúde e se faria
necessário utilizar outra representação como, por exemplo, a utilização do
serviço, a percepção dos usuários quanto à oportunidade de acesso e a adequação
da implantação das equipes da ESF e do PACS, dentre outras 2,10.
Pode-se tratar também de uma limitação do indicador ICSAP. Quanto a isso,
Macinko 19 menciona que um dos entraves da sua utilização é o fato de que pode
levar anos para que sejam estabelecidas tendências, assim como detecção de
problemas em áreas pequenas e em mudanças pontuais. Outros estudos que
demonstraram uma associação negativa da oferta de serviços de atenção básica e
das internações sensíveis o fizeram por meio de análise de série temporal,
enquanto, nesta pesquisa, considerou-se apenas o ano de 2010 2,11.
Outro obstáculo do uso do indicador é a existência de características exógenas
à atenção primária, isto é, atributos do paciente e do problema de saúde, entre
os determinantes relevantes da internação 9,19. Nesse sentido, um diferencial
do presente estudo foi considerar fatores influentes nas ICSAP para além da
oferta da atenção básica como as características socioeconômicas, o perfil
demográfico da população e os demais recursos de organização dos serviços de
saúde.
A análise aqui apresentada mostra que a possível influência dos determinantes
socioeconômicos e demográficos nas ICSAP foi maior do que a cobertura da ESF e
do PACS, pois eles permaneceram no modelo final tanto na população geral quanto
nos estratos de faixa etária.
Sabe-se que piores condições socioeconômicas afetam o acesso aos serviços de
saúde, modificam o padrão de utilização desses, dando preferência ao uso de
serviços de emergência, prejudicam a adesão ao tratamento (falta de dinheiro
para comprar medicamentos), dificultam a adoção de hábitos saudáveis e o amparo
da rede de suporte social. Estudos prévios enfatizaram a importância desses
fatores e apontam para maiores taxas de ICSAP entre a população de piores
condições socioeconômicas 7,8,20.
Neste estudo, encontrou-se o analfabetismo associado ao aumento das ICSAP,
sendo seu maior efeito percebido na infância. Maiores taxas de analfabetismo
denotam baixo padrão socioeconômico, e pode-se depreender daí que foi mais
afetada, pelas ICSAP, a parcela da população com piores condições de vida 21.
A baixa escolaridade leva a menor conhecimento em cuidados de saúde e interfere
nas atitudes frente ao tratamento, pois dificulta o entendimento e pode
prejudicar a adesão a ele. Além disso, a menor formação escolar diminui as
chances de emprego, e os desempregados tendem a retardar a busca por cuidados
de saúde. Essa associação entre baixa escolaridade e aumento das ICSAP também
foi encontrada por outros autores 21,22.
O achado, neste estudo, de maior número de ICSAP associadas à maior urbanização
pode sugerir que a residência em aglomerados urbanos, nos quais, em geral,
estão localizados os hospitais, facilita o acesso a eles, e, conforme aponta o
estudo de Márquez-Calderón et al. 8, o maior acesso aos serviços de urgência e
de emergência hospitalares em detrimento da atenção básica colabora para o
aumento das hospitalizações sensíveis, pois a atenção secundária e terciária
passam a ser a porta de entrada do sistema de saúde.
A proporção de pardos e negros apareceu com uma relação negativa com as ICSAP,
fato também observado em estudo realizado por Oliveira 12. Conforme sugere
ensaio publicado por Starfield et al. 23, isso pode indicar que um sistema de
saúde orientado para serviços de cuidados primários colabora na redução das
disparidades de saúde entre grupos raciais, favorecendo a inserção no sistema
de saúde dos menos favorecidos socialmente, como os negros.
De outra parte, estudos americanos revelam que, para categorias étnicas
socialmente excluídas, é mais difícil o acesso aos serviços básicos de saúde,
e, com isso, há carência de ações de prevenção, falta de diagnóstico e
tratamento precoce, o que acarreta complicações das doenças e aumento das
internações sensíveis 24,25.
Caberia, em estudos posteriores, averiguar se, de fato, a maior proporção de
pardos e negros reduziu as internações sensíveis, porque essas populações
estariam sendo mais assistidas por programas da atenção primária ou se o que
está ocorrendo é um menor número de internações por restrição no acesso aos
serviços de saúde por essa população.
Entre as variáveis que buscaram aferir a organização dos serviços de saúde, a
cobertura de plano de saúde permaneceu no modelo final da análise hierarquizada
realizada nesta pesquisa, na população geral, adultos e idosos. Notou-se que a
sua maior ocorrência implicou menor número de ICSAP, acredita-se que a sua
presença melhora o acesso a consultas preventivas de saúde e, por isso, reduza
as internações sensíveis 1,12.
No entanto, deve-se considerar também que a população contratante dos serviços
privados pode utilizar ou não os serviços públicos como também pode estar
internada em hospitais privados, hospitalizações que ficaram fora do escopo
deste estudo. A assistência privada atende a 25% da população brasileira, sendo
que a proporção de contratantes é distribuída de forma bem distinta entre as
cidades e chega a representar até 75% de cobertura em capitais como Vitória,
Espírito Santo 26.
Desse modo, a implicação da cobertura de plano de saúde nas ICSAP reforça a
sugestão feita por Alfradique et al. 4 de que, na análise das internações
sensíveis, é necessário avaliar as taxas ajustadas também por cobertura de
planos de saúde e regiões, pois, em áreas onde predominam o acesso à rede
privada, poderá haver ampliação da obtenção de consultas preventivas de saúde,
bem como menor utilização da rede hospitalar pública e, dessa forma, detecção
de menores taxas de ICSAP, já que essas são mensuradas nos bancos do DATASUS.
Outro destaque do presente estudo foi a associação positiva entre a oferta de
leitos hospitalares e as ICSAP, na população geral e nas faixas etárias
pediátrica e idosa. Para alguns autores, isso se deve ao efeito de uma demanda
induzida pela oferta, ou seja, quanto maior o número de leitos disponíveis,
maior a chance de o indivíduo se internar independentemente das suas
necessidades de saúde 15,27.
Isso pode confirmar a afirmativa de que há fatores determinantes das
internações sensíveis que fogem ao escopo de atuação da atenção primária à
saúde, pois dizem respeito ao funcionamento da rede hospitalar, ao acesso à sua
porta de entrada que são os serviços de urgência e de emergência, às práticas
hospitalares de internação e aos critérios para se indicar uma internação 3.
No que diz respeito ao porte dos municípios, em estudos prévios, foram
encontradas menores taxas de ICSAP entre os municípios de maior porte, e, na
medida em que se diminuía o tamanho dos municípios, ocorria aumento das ICSAP
10,15. No presente estudo, o porte municipal não esteve significativamente
associado às internações sensíveis.
Por se tratar de um estudo ecológico, esta pesquisa não permite inferências
individuais, mas houve o cuidado de se analisar o contexto municipal. Ademais,
por estar baseada em dados secundários, encontra-se sujeita a limitações
decorrentes de sub-registro nos bancos de dados, possíveis problemas de
classificação como nos códigos de internação utilizados e eventual contagem
dupla ou tripla de um mesmo paciente, pois o sistema não permite identificar
reinternações.
Neste estudo, destacaram-se determinantes das internações que estão fora do
campo de atuação da atenção primária à saúde e que também podem estar
implicados no padrão de utilização dos serviços, tais como as características
socioeconômicas, o perfil demográfico da população e a maior facilidade de
acesso a serviços de saúde da atenção secundária e terciária, bem como da rede
privada. Portanto, o estudo destaca a relevância desses fatores na ocorrência
das internações sensíveis e sugere a necessidade de que eles sejam considerados
quando se deseja avaliar as ICSAP como indicador de resultados da atenção
primária.