Uso de diferentes critérios para avaliação da inadequação do pré-natal: um
estudo de base populacional no extremo Sul do Brasil
Introdução
O pré-natal compreende um dos mais completos conjuntos de cuidados em saúde
oferecido a um grupo populacional específico. Seu potencial de impacto sobre a
morbimortalidade materno-infantil é amplamente conhecido, tanto pela redução na
ocorrência de trabalho de parto prematuro, doença hipertensiva específica da
gestação e diabetes gestacional quanto pela diminuição da severidade dos casos
1,2. Estima-se que um quarto dos óbitos infantis e todos os óbitos maternos
decorram da ausência da oferta de pré-natal adequado 3. Por essa razão,
oferecer esse tipo de serviço deveria ser prioridade absoluta em todas as
esferas de governo (municipal, estadual ou federal) 2,3.
Vários índices buscando avaliar a qualidade do pré-natal são conhecidos. Um dos
primeiros índices foi proposto por Kessner em 1973, posteriormente modificado
por Kotelchuck em 1994 4. No Brasil, uma das primeiras propostas de avaliação
da adequação do pré-natal, também com base no índice proposto por Kessner, foi
feita por Takeda em 1993 5. Todos esses índices baseavam-se no número de
consultas realizadas e na idade gestacional de início do pré-natal. Em 2000, ao
instituir o Programa de Humanização do Pré-Natal (PHPN) 6, o Ministério da
Saúde definiu um conjunto de procedimentos mínimos que todas as gestantes
deveriam receber durante o exame que, além do número de consultas e da idade
gestacional, levava em conta a realização de alguns exames clínicos e
laboratoriais. Em 2001, Silveira et al. 7 acrescentaram ao pré-natal adequado a
realização de hemograma, exame de urina e sorológico para sífilis. Em 2003,
Coimbra et al. 8 criaram, baseando-se em recomendações do Ministério da Saúde,
um índice que, além do número de consultas e mês de início do pré-natal,
incluía o número de consultas ajustadas à idade gestacional do parto.
No Brasil, tanto o acesso a serviços de saúde quanto à qualidade do que é
oferecido varia marcadamente entre regiões, entre municípios e, às vezes, entre
usuários 1,2,9. Além disso, é sabido que, via de regra, quanto maior a
necessidade em saúde, menor a oferta e, não raramente, pior a qualidade dos
serviços oferecidos. Isso contribui, no caso do pré-natal, para o aumento da
sua inadequação 1.
O presente estudo mediu a prevalência de inadequação do pré-natal entre
puérperas residentes no Município de Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil, que
tiveram filhos em 2010, baseada nos critérios utilizados por Takeda 5, Coimbra
et al. 8 e Silveira et al. 7. Além disso, identificou fatores associados à
realização de pré-natal inadequado para cada um desses critérios.
Material e métodos
Este trabalho foi realizado em Rio Grande, município localizado na região
litorânea na chamada Metade Sul do Rio Grande do Sul, que possui cerca de 200
mil habitantes. Em 2010 ocupava, dentre os 496 municípios do estado, a quarta
posição em termos de Produto Interno Bruto (PIB) e apresentava Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,744 10.
Quando este estudo foi conduzido, Rio Grande possuía 32 unidades básicas de
saúde (UBS), cinco ambulatórios e dois hospitais gerais: Santa Casa de
Misericórdia e o Hospital Universitário da Universidade Federal do Rio Grande.
Praticamente todos os nascimentos do município (99,5%) ocorriam nas
maternidades desses hospitais.
Para ser incluída no estudo, a puérpera deveria residir no Município de Rio
Grande, ter tido filho de 1o de janeiro a 31 de dezembro de 2010 e o recém-
nascido ter alcançado peso igual ou superior a 500g ou pelo menos 20 semanas de
idade gestacional.
O delineamento utilizado neste trabalho foi do tipo transversal (ou de
prevalência). O cálculo do tamanho amostral foi realizado com o software Epi
Info 6.04 (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados
Unidos). Considerou-se a prevalência de inadequação segundo Takeda, Coimbra et
al. e Silveira et al. de 30%, 25% e 60%, respectivamente, margem de erro de
dois pontos percentuais e nível de 95% de confiança. Utilizando-se esses
parâmetros, o estudo deveria incluir pelo menos 2.309 puérperas. Para
exposições variando de 17% a 76%, frequência de realização de pré-natal
inadequado no grupo não exposto de pelo menos 12% para Takeda e Coimbra et al.
e de 28% para Silveira et al., razão de prevalências de 1,4, acrescidas de 10%
para eventuais perdas e 15% para controle de potenciais fatores de confusão, o
presente estudo deveria incluir pelo menos 2.304 recém-nascidos.
Uma equipe de entrevistadoras graduadas em serviço social foi capacitada para
coleta de dados. O estudo piloto foi realizado nessas duas maternidades na
primeira quinzena de dezembro de 2009 e teve por objetivo testar o questionário
a ser utilizado e avaliar a logística do trabalho.
A coleta de dados foi realizada somente após a apresentação e assinatura do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os dados foram obtidos por
meio de questionário único pré-codificado com quase a totalidade das questões
fechadas, aplicado às mães em até 24 horas após o parto. Nesse inquérito foram
investigadas as características demográficas (idade, cor da pele autorreferida
e se vivia com companheiro), socioeconômicas (renda familiar mensal em salários
mínimos, escolaridade em anos completos com aprovação e se realizou trabalho
remunerado no período gestacional), habitacionais (número de moradores por
domicílio e índice de bens), reprodutivas maternas (paridade, ocorrência prévia
de aborto e planejamento da gravidez atual), utilização de serviços de saúde
(número de consultas realizadas e período de início do pré-natal, local de
realização da maioria destas consultas e frequência de realização de exame de
sangue, de urina e sorologia para sífilis a que foi submetida durante a
gestação) e presença de morbidade materna autorreferida (hipertensão arterial
sistêmica, diabetes mellitus, depressão, anemia, ameaça de aborto, trabalho de
parto prematuro, corrimento vaginal, infecção do trato urinário e sangramento
vaginal).
Os desfechos deste estudo foram constituídos pela inadequação do pré-natal
segundo critérios utilizados por Takeda, Coimbra et al. e Silveira et al. No
caso de Takeda, considerou-se como tendo realizado pré-natal inadequado a
gestante que compareceu a cinco consultas ou menos e/ou que as tenha iniciado a
partir do quinto mês de gestação. Para Coimbra et al., considerou-se como
inadequado quando o pré-natal iniciou a partir do quinto mês de gestação e/ou
tenha realizado cinco consultas ou menos para uma gestação a termo, ou menor
número que o esperado para a idade gestacional no parto. A realização de quatro
consultas ou menos se o parto ocorreu com idade gestacional entre 33 e 36
semanas, se entre 29 e 32 semanas, três ou menos consultas, e se a duração da
gravidez foi menor que 24 semanas a realização de uma consulta foi considerada
como inadequado. No caso de Silveira et al., foi considerado como inadequado a
gestante que iniciou o pré-natal a partir do quinto mês e/ou realizou cinco
consultas ou menos e/ou realizou somente um ou nenhum dos seguintes exames
laboratoriais: hemograma, exame qualitativo de urina e exame sorológico para
sífilis (VDRL – Venereal Disease Research Laboratory).
Os questionários foram duplamente digitados utilizando-se o software EpiData
3.1 (Epidata Assoc., Odense, Dinamarca). Posteriormente, as digitações foram
comparadas e corrigidas por meio do software Epi Info 6.04. Após, os dados
foram analisados no pacote estatístico Stata 11.2 (Stata Corp., College
Station, Estados Unidos), em que foi realizada a análise bivariada buscando
medir o nível de associação entre as variáveis independentes e cada um dos três
desfechos. Para a comparação entre as proporções foi utilizado o teste do qui-
quadrado. Em seguida, foram realizadas as análises brutas e ajustadas mediante
regressão de Poisson com variância robusta 11, obedecendo ao modelo hierárquico
previamente definido. Nesse modelo, as variáveis de um determinado nível são
ajustadas para aquelas do mesmo nível e de níveis anteriores. Por exemplo, a
variável índice de bens presente no segundo nível, foi ajustada para
aglomeração familiar situada neste mesmo nível e para todas aquelas do nível
anterior (nível I: idade da mãe, cor da pele, viver com companheiro,
escolaridade da mãe, renda familiar e realização de trabalho remunerado durante
a gravidez). Assim, cada bloco de variáveis de um determinado nível foi
incluído na análise e mantiveram-se no modelo todas aquelas variáveis cujo
valor de p foi ≤ 0,20 em relação a cada um dos desfechos. No primeiro nível
ficaram as variáveis demográficas e socioeconômicas; no segundo, as variáveis
habitacionais; no terceiro, foram colocadas as variáveis reprodutivas maternas,
e no quarto nível foram incluídas as variáveis relativas à utilização de
serviços de saúde e padrão de morbidade da mãe.
Esse modelo de análise obedeceu ao proposto por Victora et al. 12. A
significância estatística de cada variável no modelo foi avaliada usando-se o
teste de heterogeneidade e de tendência de Wald de acordo com o seu tipo 13.
O projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
na Área da Saúde (CEPAS) da Universidade Federal do Rio Grande (processo 117/
2009) e da Santa Casa de Misericórdia de Rio Grande (processo 009/2009).
Resultados
Foram entrevistadas 2.395 puérperas (97,2% do total de nascimentos). Todas
residiam no Município de Rio Grande e tiveram filho em 2010. Dentre as 69
restantes, 51 não foram encontradas e 18 recusaram-se a participar do estudo.
Entre as participantes, um quinto delas era adolescente (< 20 anos), 70% eram
de cor da pele branca, 92% possuíam cinco anos ou mais de escolaridade, 50%
tinham renda familiar ≤ 2 (salários mínimos) e 43% eram primíparas.
Cerca de 5% das entrevistadas não realizaram uma única consulta de pré-natal. A
prevalência de realização de pré-natal inadequado segundo critério utilizado
por Takeda foi de 28,4% (IC95%: 26,6-30,2); segundo Coimbra et al., de 26,8%
(IC95%: 25,0-28,5); e de acordo com Silveira et al., de 58,2% (IC95%: 56,1-
60,1).
Na Tabela_1, observa-se que a prevalência de inadequação do pré-natal segundo
Takeda variou de 6,8% entre aquelas com 12 anos ou mais de escolaridade a 47,7%
entre gestantes pertencentes ao primeiro quartil de bens. Ainda segundo esse
critério, quase todas as variáveis, exceto história prévia de aborto e
intercorrências na gestação, mostraram-se significativamente associadas à
inadequação após análise ajustada.
Tabela 1 Análises bruta e ajustada para fatores associados à inadequação do
pré-natal segundo critério proposto por Takeda 5 *. Rio Grande, Rio Grande do
Sul, Brasil, 2010 (n = 2.395).
Nível/Variável Prevalência de inadequação (RP (IC95%)
Bruta Ajustada
I
Idade da mãe (anos completos) p < 0,001 ** p =
0,009 **
11-19 37,5 1,00 1,00
0,88 (0,75- 1,21
20-24 33 1,03) (1,02-
1,42)
0,59 (0,49- 0,92
25-29 22,3 0,72) (0,76-
1,11)
0,63 (0,53- 1,00
30 ou mais 23,8 0,76) (0,83-
1,20)
p <
Cor da pele p < 0,001 *** 0,001
***
Branca 24,7 1,00 1,00
1,34 1,13
Parda 33,2 (1,15–1,56) (0,98-
1,30)
1,80 1,45
Preta 44,5 (1,53–2,12) (1,23-
1,70)
p <
Vive com o companheiro p < 0,001 *** 0,001
***
1,94 (1,71- 1,63
Não 47,6 2,21) (1,43-
1,87)
Sim 27,5 1,00 1,00
Escolaridade (anos completos) p < 0,001 ** p <
0,001 **
6,72 (4,14- 3,80
0-4 46,1 10,90) (2,29-
6,31)
5,88 (3,69- 3,32
5-8 40,3 9,37) (2,04-
5,42)
2,97 (1,85- 2,05
9-11 20,4 4,77) (1,27-
3,32)
12 ou mais 6,8 1,00 1,00
Renda familiar (salários mínimos) p < 0,001 ** p <
0,001 **
3,49 (2,62- 1,89
0,0-0,9 40,5 4,65) (1,41-
2,54)
3,17 (2,40- 1,86
1,0-1,9 36,8 4,18) (1,39-
2,48)
1,91 (1,42- 1,41
2,0-3,9 22,2 2,56) (1,05-
1,88)
4,0 ou mais 11,6 1,00 1,00
Se a mãe exerceu atividade remunerada durante a p =
gravidez p < 0,001 *** 0,036
***
1,94 (1,71- 1,17
Não 34,2 2,21) (1,01-
1,35)
Sim 20,7 1,00 1,00
II
Número de moradores por domicílio p < 0,001 ** p <
0,001 **
1-2 17,1 1,00 1,00
1,69 (1,42- 1,69
3-4 29 2,02) (1,43-
2,00)
2,68 (2,24- 2,24
5 ou mais 45,9 3,20) (1,86-
2,69)
Índice de bens em quartis p < 0,001 ** p <
0,001 **
3,43 (2,77- 2,03
Primeiro (pior) 47,7 4,26) (1,59-
2,58)
2,21 (1,75- 1,48
Segundo 30,7 2,79) (1,16-
1,88)
1,54 (1,20- 1,32
Terceiro 21,4 1,99) (1,03-
1,69)
Quarto (melhor) 13,9 1,00 1,00
III
Número de filhos tidos p < 0,001 ** p =
0,006 **
Nenhum 19 1,00 1,00
1,55 (1,32- 1,66
1-2 29,4 1,82) (0,64-
4,32)
2,49 (2,13- 2,11
3 ou mais 47,2 2,91) (0,81-
5,50)
p =
Se teve algum aborto p < 0,001 *** 0,091
***
Não 37,9 1,00 1,00
0,69 (0,57- 0,85
Sim 26,3 0,84) (0,70-
1,03)
p <
Se planejou a gravidez p < 0,001 *** 0,001
***
Sim 15,1 1,00 1,00
1,62 (1,22- 1,57
Mais ou menos 24,5 2,17) (1,14-
2,16)
2,50 (2,11- 1,77
Não 37,7 2,98) (1,43-
2,19)
IV
p <
Tipo de médico que fez pré-natal p < 0,001 *** 0,001
***
Convênio/Particular 12,4 1,00 1,00
1,92 (1,52- 1,01
ESF 23,9 2,43) (0,74-
1,37)
3,31 (2,68- 1,51
Tradicional 41,3 4,10) (1,14-
2,01)
3,11 (2,56- 1,69
Ambulatório 38,8 3,79) (1,29-
2,21)
Intercorrências durante a gestação p < 0,001 ** p =
0,129 **
1,52 (1,24- 1,26
Nenhuma 35,9 1,85) (0,99-
1,59)
1,14 (0,94- 1,10
1-2 26,9 1,37) (0,89-
1,37)
3 ou mais 23,6 1,00 1,00
Total 28,4
ESF: Estratégia Saúde da Família; IC95%: intervalo de 95% de confiança; RP:
razão de prevalência.
* Realização de menos de seis consultas de pré-natal com início a partir do
quinto mês de gestação;
** Teste de tendência linear;
*** Teste de heterogeneidade;
Inclui o relato das seguintes doenças: hipertensão arterial sistêmica,
diabetes mellitus, depressão, anemia, ameaça de aborto, trabalho de parto
prematuro, corrimento vaginal, infecção do trato urinário e sangramento vaginal
nos últimos três meses de gestação.
A Tabela_2 mostra também ampla variação na prevalência de inadequação do pré-
natal segundo critério utilizado por Coimbra et al., variando de 6,8% para
aquelas com 12 anos ou mais de escolaridade a 45,1% para mães com três ou mais
filhos. As únicas variáveis não associadas à inadequação após análise ajustada
foram: realização de atividade remunerada no período gestacional e história
prévia de aborto.
Tabela 2 Análises bruta e ajustada para fatores associados à inadequação do
pré-natal segundo critério proposto por Coimbra et al. 8 *. Rio Grande, Rio
Grande do Sul, Brasil, 2010 (n = 2.395).
Nível/Variável Prevalência de inadequação (RP (IC95%)
Bruta Ajustada
I
p < p =
Idade da mãe (anos completos) 0,001 0,004 **
**
11-19 33,7 1,00 1,00
0,94 1,29
20-24 31,8 (0,79- (1,08-
1,12) 1,53)
0,65 0,99
25-29 21,8 (0,53- (0,81-
0,79) 1,21)
0,65 1,02
30 ou mais 22,1 (0,54- (0,83-
0,79) 1,24)
p < p <
Cor da pele 0,001 0,001
*** ***
Branca 23,1 1,00 1,00
1,37 1,15
Parda 31,8 (1,17- (0,99-
1,60) 1,34)
1,80 1,44
Preta 41,6 (1,51- (1,21-
2,14) 1,72)
p < p =
Vive com o companheiro 0,001 0,001
*** ***
1,94 1,65
Não 44,9 (1,70- (1,43-
2,22) 1,89)
Sim 23,1 1,00 1,00
p < p <
Escolaridade (anos completos) 0,001 0,001 **
**
6,49 3,74
0-4 44,5 (3,99- (2,24-
10,55) 6,23)
5,47 3,15
5-8 37,5 (3,43- (1,92-
8,73) 5,15)
2,80 1,94
9-11 19,2 (1,74- (1,20-
4,51) 3,15)
12 ou mais 6,8 1,00 1,00
p < p <
Renda familiar (salários mínimos) 0,001 0,001 **
**
3,45 1,89
0,0-0,9 38,4 (2,56- (1,39-
4,63) 2,57)
3,10 1,85
1,0-1,9 34,5 (2,33- (1,37-
4,13) 2,50)
1,86 1,38
2,0-3,9 20,7 (1,37- (1,02-
2,52) 1,87)
4,0 ou mais 11,1 1,00 1,00
Se a mãe exerceu atividade remunerada durante a p < p =
gravidez 0,001 0,098
*** ***
1,60 1,13
Não 31,9 (1,38- (0,98-
1,85) 1,32)
Sim 19,9 1,00 1,00
II
p < p <
Número de moradores por domicílio 0,001 0,001 **
**
1-2 16,2 1,00 1,00
1,71 1,70
3-4 27,7 (1,42- (1,42-
2,05) 2,03)
2,62 2,18
5 ou mais 42,5 (2,18- (1,80-
3,16) 2,65)
p < p <
Índice de bens (quartis) 0,001 0,001 **
**
3,33 1,92
Primeiro (pior) 44,5 (2,66- (1,49-
4,16) 2,48)
2,13 1,41
Segundo 28,5 (1,68- (1,09-
2,71) 1,81)
1,54 1,31
Terceiro 20,1 (1,19- (1,01-
1,99) 1,69)
Quarto (melhor) 13,4 1,00 1,00
III
p < p =
Número de filhos tidos 0,001 0,005 **
**
Nenhum 17,3 1,00 1,00
1,61 1,58
1-2 27,9 (1,36- (0,61-
1,91) 4,11)
2,60 2,04
3 ou mais 45,1 (2,21- (0,78-
3,07) 5,31)
III
p < p =
Se teve algum aborto 0,001 0,083
*** ***
Não 36,2 1,00 1,00
0,68 0,84
Sim 24,8 (0,56- (0,69-
0,84) 1,02)
p < p <
Se planejou a gravidez 0,001 0,001
*** ***
Sim 13,1 1,00 1,00
1,76 1,71
Mais ou menos 23,0 (1,30- (1,21-
2,38) 2,42)
2,77 2,00
Não 36,2 (2,30- (1,58-
3,33) 2,53)
IV
p < p <
Tipo de médico que fez pré-natal 0,001 0,001
*** ***
Convênio/Particular 11,8 1,00 1,00
1,78 0,95
ESF 21,0 (1,39- (0,69-
2,28) 1,31)
3,22 1,47
Tradicional 38,1 (2,58- (1,10-
4,02) 1,98)
3,11 1,74
Ambulatório 36,8 (2,54- (1,32-
3,82) 2,30)
p < p <
Intercorrências durante a gestação 0,001 0,028 **
**
1,73 1,37
Nenhuma 35,5 (1,40- (1,06-
2,14) 1,76)
1,22 1,14
1-2 25,1 (1,00- (0,90-
1,50) 1,44)
3 ou mais 20,5 1,00 1,00
Total 26,8
ESF: Estratégia Saúde da Família; IC95%: intervalo de 95% de confiança; RP:
razão de prevalência.
* Pré-natal inadequado por Coimbra et al.: se iniciou a partir do quinto mês de
gestação e/ou quando realizadas cinco ou menos consultas para uma gestação a
termo; realização de quatro consultas ou menos se o parto ocorreu com idade
gestacional entre 33 e 36 semanas; se entre 29 e 32 semanas, três ou menos
consultas; realização de duas consultas ao menos se o parto ocorreu entre 24 e
28 semanas; e se realizada somente uma consulta quando o parto ocorreu com 23
semanas ou menos de gestação;
** Teste de tendência linear;
*** Teste de heterogeneidade;
Doença hipertensiva específica da gestação, hipertensão arterial sistêmica,
diabetes mellitus, depressão, anemia, ameaça de aborto, trabalho de parto
prematuro, corrimento vaginal, infecção do trato urinário, sangramento vaginal
nos últimos três meses de gestação.
A Tabela_3 apresenta resultados da inadequação do pré-natal conforme critério
utilizado por Silveira et al. Segundo esse critério, a prevalência de
inadequação variou de 46% entre gestantes com renda familiar ≥ 4 salários
mínimos a 72,8% para as pertencentes ao pior quartil do índice de bens. A
análise ajustada mostrou que viver sem companheiro, possuir baixa escolaridade
e/ou renda familiar, conviver com maior número de pessoas no domicílio, ter
baixa disponibilidade de bens no domicílio, maior paridade, realizar pré-natal
com médico em UBS tradicional ou ambulatório e não apresentar intercorrências
na gestação conferiram maior probabilidade de realização de pré-natal
inadequado.
Tabela 3 Análises bruta e ajustada para fatores associados à inadequação do
pré-natal segundo critério proposto por Silveira et al. 7 *. Rio Grande, Rio
Grande do Sul, Brasil, 2010 (n = 2.395).
Nível/Variável Prevalência de inadequação (RP (IC95%)
Bruta Ajustada
I
p < p =
Idade da mãe (anos completos) 0,001 0,338 **
**
11-19 67,4 1,00 1,00
0,87 0,99
20-24 58,7 (0,79- (0,90-
0,95) 1,08)
0,85 1,02
25-29 57,3 (0,77- (0,92-
0,93) 1,12)
0,78 0,93
30 ou mais 52,4 (0,70- (0,84-
0,85) 1,03)
p < p =
Cor da pele 0,001 0,071
*** ***
Branca 55,7 1,00 1,00
1,11 1,04
Parda 61,7 (1,02- (0,96-
1,20) 1,12)
1,21 1,12
Preta 67,6 (1,10- (1,01-
1,34) 1,23)
p < p <
Vive com o companheiro 0,001 0,001
*** ***
1,30 1,20
Não 72,2 (1,21- (1,12-
140) 1,30)
Sim 55,3 1,00 1,00
p < p <
Escolaridade (anos completos) 0,001 0,001 **
**
1,91 1,63
0-4 71,7 (1,59- (1,34-
2,30) 1,99)
1,82 1,55
5-8 68,2 (1,54- (1,29-
2,15) 1,86)
1,39 1,27
9-11 52,2 (1,17- (1,06-
1,65) 1,52)
12 ou mais 37,5 1,00 1,00
p < p =
Renda familiar (salários mínimos) 0,001 0,004 **
**
1,48 1,16
0,0-0,9 68,2 (1,31- (1,02-
1,68) 1,32)
1,41 1,13
1,0-1,9 64,8 (1,26- (1,00-
1,58) 1,27)
1,13 0,99
2,0-3,9 52,2 (1,00- (0,87-
1,28) 1,12)
4,0 ou mais 46,0 1,00 1,00
Se a mãe exerceu atividade remunerada durante a p < p =
gravidez 0,001 0,141
*** ***
1,22 1,06
Não 63,1 (1,14- (0,98-
1,31) 1,14)
Sim 51,6 1,00 1,00
II
p < p <
Número de moradores por domicílio 0,001 0,001 **
**
1-2 49,8 1,00 1,00
1,16 1,16
3-4 58,0 (1,07- (1,07-
1,27) 1,26)
1,46 1,35
5 ou mais 72,6 (1,33- (1,23-
1,59) 1,48)
p < p <
Índice de bens (quartis) 0,001 0,001 **
**
1,54 1,25
Primeiro (pior) 72,8 (1,39- (1,11-
1,69) 1,41)
1,26 1,09
Segundo 59,9 (1,14- (0,97-
1,41) 1,22)
1,11 1,05
Terceiro 52,8 (0,99- (0,94-
1,25) 1,18)
Quarto (melhor) 47,3 1,00 1,00
III
p < p =
Número de filhos tidos 0,001 0,016 **
**
Nenhum 50,7 1,00 1,00
1,16 1,51
1-2 59,1 (1,07- (0,95-
1,26) 2,38)
1,43 1,67
3 ou mais 72,6 (1,32- (1,05-
1,55) 2,66)
III
p = p =
Se teve algum aborto 0,054 0,548
*** ***
Não 64,7 1,00 1,00
0,90 0,97
Sim 58,6 (0,82- (0,88-
1,00) 1,07)
p < p =
Se planejou a gravidez 0,001 0,225
*** ***
Sim 49,6 1,00 1,00
1,09 0,97
Mais ou menos 53,9 (0,94- (0,81-
1,25) 1,16)
1,30 1,07
Não 64,4 (1,20- (0,97-
1,40) 1,18)
IV
p < p =
Tipo de médico que fez pré-natal 0,001 0,002
*** ***
Convênio/Particular 47,7 1,00 1,00
1,09 0,86
ESF 52,2 (0,98- (0,74-
1,22) 0,99)
1,51 1,07
Tradicional 72,1 (1,37- (0,94-
1,66) 1,23)
1,36 1,08
Ambulatório 65,1 (1,25- (0,95-
1,49) 1,22)
p < p <
Intercorrências durante a gestação 0,001 0,001 **
**
1,35 1,38
Nenhuma 67,2 (1,21- (1,20-
1,50) 1,59)
1,14 1,23
1-2 57,0 (1,03- (1,08-
1,27) 1,40)
3 ou mais 49,9 1,00 1,00
Total 58,2
ESF: Estratégia Saúde da Família; IC95%: intervalo de 95% de confiança; RP:
razão de prevalência.
* Pré-natal inadequado segundo Silveira et al.: início do pré-natal a partir do
quinto mês e/ou realização de cinco consultas ou menos e/ou realização de
somente um ou nenhum dos seguintes exames laboratoriais: hemograma, exame de
urina e sífilis (VDRL);
** Teste de tendência linear;
*** Teste de heterogeneidade;
Doença hipertensiva específica da gestação, hipertensão arterial sistêmica,
diabetes mellitus, depressão, anemia, ameaça de aborto, trabalho de parto
prematuro, corrimento vaginal, infecção do trato urinário, sangramento vaginal
nos últimos três meses de gestação.
Discussão
Este trabalho mostrou que, no Município de Rio Grande, pelo menos um quarto das
gestantes realizou pré-natal inadequado. Mostrou ainda que há enorme iniquidade
no acesso a esse tipo de serviço e, como era de se esperar, quanto mais
exigente o critério utilizado maior a prevalência de inadequação.
Ao interpretar esses resultados é preciso considerar que os dados aqui
apresentados foram obtidos, como na maioria dos estudos que tratam deste
assunto, com base nas informações prestadas pela mãe, mas não checadas na
carteira da gestante. Além disso, apesar do controle para fatores
confundidores, o delineamento utilizado foi do tipo transversal, o que
dificulta o estabelecimento de relação de causalidade. Por fim, em virtude de o
desfecho obrigatoriamente ser dicotômico em função do tipo de análise realizada
(regressão logística), a categoria inadequada incluiu também as mães cujo pré-
natal foi classificado como intermediário nos três critérios referidos.
A revisão da literatura mostrou que, no Brasil, é baixa a utilização de
critérios visando a avaliar a qualidade da assistência pré-natal. Em geral, as
avaliações que tratam desse assunto são limitadas à contagem do número de
consultas realizadas, com especial interesse na proporção daquelas que
completam pelo menos seis consultas, número mínimo recomendado pelo Ministério
da Saúde 6.
Os critérios aqui mencionados foram amplamente utilizados em estudos conduzidos
em Pelotas 7 e Rio Grande 9 (Estado do Rio Grande do Sul); Ribeirão Preto (São
Paulo); São Luís (Maranhão) 14, e em municípios menores nas regiões Norte e
Nordeste do Brasil 2. Nem mesmo o PHPN, versão oficial do governo federal, tem
sido utilizado para avaliar a adequação do pré-natal, exceto pelo próprio
Ministério da Saúde.
Segundo o critério utilizado por Takeda, o índice de inadequação do pré-natal
para Rio Grande em 2010 foi de 28%. Em Pelotas, em 1998, esse índice foi de 63%
7, e em Caracol e Anísio de Abreu (Piauí), em 2008, foi de 19% 2. Utilizando-se
Coimbra et al., o índice de inadequação para Rio Grande foi, em 2010, de 27%, e
em São Luís, em 1997/1998, foi de 53%, e em Ribeirão Preto, 43% em 2004 14.
Finalmente, para Silveira et al., o índice de inadequação para Rio Grande foi
de 58%, contra 69% em Pelotas em 1998 7 e 82% em Rio Grande em 2007 9.
A comparação desses valores deve ser feita com muito cuidado porque, além da
diferença entre as medidas serem de até 13 anos, houve estudo que trabalhou com
dado secundário 2 ou que não incluiu gestantes de áreas rurais 14, onde a
prevalência de pré-natal inadequado tende a ser maior em virtude da maior
dificuldade de acesso a este tipo de serviço. Apesar dessas limitações, é
possível constatar, no caso do Município de Rio Grande, que a proporção de
gestantes com pré-natal inadequado, segundo critério utilizado por Silveira et
al., diminuiu cerca de 40% em três anos, caindo de 82% em 2007 9 para 58% em
2010. Aqui é importante salientar que na análise específica buscando avaliar a
qualidade do pré-natal dentro dos serviços públicos de saúde no município,
observou-se maior índice de inadequação entre mães que realizaram a maioria das
consultas nas UBS tradicionais e em ambulatórios, em comparação àquelas
atendidas em UBS com Estratégia Saúde da Família 15. Embora a qualidade do pré-
natal nesse município venha melhorando, deve-se destacar que, por esse tipo de
serviço não requerer recursos tecnológicos de alta complexidade e de poder ser
ofertado não somente pelo médico, mas, quando de baixo risco, também pela
enfermeira, esses índices ainda são muito elevados.
Das 13 variáveis incluídas no modelo hierárquico de análise, que foram as
mesmas para os três desfechos avaliados, todas se mostraram associadas ao seu
respectivo desfecho para um valor de p de até 0,20. Após ajuste, 11 delas
mantiveram-se significativamente associadas ao critério utilizado por Takeda e
Coimbra et al. (Tabela_4), mas apenas oito em relação a Silveira et al. As
mesmas sete variáveis estiveram associadas (p ≤ 0,05) aos três desfechos, mas,
ao se considerar apenas Takeda e Coimbra et al., este número subiu para 10.
Isso sugere que esses dois índices têm praticamente os mesmos determinantes. No
caso de Silveira et al., isso modifica um pouco. Por incluir alguns exames
laboratoriais, esse índice é claramente mais exigente e, portanto, mais robusto
porque sofre influência de um número menor de variáveis, o que o torna mais
dificilmente modificável e, em consequência, mais propício à avaliação da
assistência pré-natal.
Tabela 4 Variáveis incluídas no modelo hierárquico de análise que se mostraram
significativamente associadas ao seu respectivo desfecho após ajuste.
As razões de prevalência (RP) mostram uma vez mais a disparidade no acesso a
serviços de pré-natal entre as riograndinas. Considerando os três critérios
avaliados, verifica-se que a RP de inadequação para mães que não vivem com
companheiro, que possuem baixa escolaridade e renda familiar, com maior número
de moradores e menor disponibilidade de bens no domicílio é substancialmente
maior em relação às gestantes melhor classificadas em cada uma destas
variáveis. Estudos conduzidos em Pelotas, e em diversas outras localidades
brasileiras mostram que a oferta de serviço melhora a cobertura, mas ao não
considerar eventuais iniquidades de acesso, torna-se perverso porque aumenta a
disparidade entre ricos e pobres, compromete o custo-efetividade das
intervenções e, por conseguinte, tem baixo impacto sobre os índices de
morbimortalidade materno-infantil 16.
O uso de critérios para avaliação da adequação da assistência pré-natal é por
demais necessário. Não parece plausível que a simples medida do número de
consultas de pré-natal, bem como da idade gestacional em que esta consulta é
realizada possa, de fato, significar que os cuidados mínimos a um pré-natal
adequado estejam garantidos. Há, portanto, necessidade da utilização de
critérios mais robustos como o de Silveira et al., por exemplo. Mas há também
que ressaltar que desde que esse critério foi proposto, há mais de uma década,
novos cuidados passaram a ser obrigatórios no pré-natal como, por exemplo, a
realização do anti-HIV, sorologia para hepatite B e toxoplasmose 17. Além
disso, é preciso rever se os aspectos considerados no critério utilizado por
Silveira et al. continuam tendo a mesma importância clínica e relevância
epidemiológica.
É notório o progresso na assistência à gestação e ao parto Brasil afora. Assim
como é evidente o avanço científico na busca de critérios que meçam de forma
mais completa a qualidade dos serviços oferecidos a essas populações. Persiste,
no entanto, a necessidade de criar algum critério que avalie também a qualidade
do exame clínico oferecido durante as consultas de pré-natal. As propostas de
avaliação existentes resumem-se à contagem de eventos recebidos ao longo do
período gestacional, o que é claramente insuficiente no que diz respeito à
determinação da qualidade do serviço oferecido.
Agradecimentos
Aos comentários do Prof. Dr. Juvenal S. Dias-da-Costa e do Prof. Dr. Raúl
Mendoza-Sassi que muito contribuíram para elaboração deste artigo.