Comparações entre preferência e posse de carro: predições dos valores humanos,
atributos do produto e variáveis sociodemográficas
1. INTRODUÇÃO
Na literatura de marketing, mais especificamente aquela que trata da escolha de
marcas, um problema que tem sido apontado refere-se aos determinantes da compra
de uma marca em detrimento de outras quando todas (ou a maior parte delas)
oferecem benefícios utilitários similares para seus usuários (O'CONNOR e
SULLIVAN, 1995). O caminho parece ter solução quando são analisados benefícios
simbólicos relacionados às experiências sociais e cognitivas dos consumidores
com as marcas (WU, DAY e MACKAY, 1988). Assim, determinadas marcas podem ser
compradas por permitirem que os indivíduos alcancem metas abstratas, tais como
status, prazer, reconhecimento social, entre outros. Por isso alguns
pesquisadores têm investigado benefícios simbólicos (motivos) existentes nas
diferenças entre escolhas de marcas, produtos e categorias de produto (KAHLE e
KENNEDY, 1989; ALLEN, 2001).
No entanto, outro problema parece impor limites a essa investigação. Muitas
vezes o consumidor compra algumas marcas, mas prefere outras, alegando que as
circunstâncias de compra (por exemplo, não disponibilidade da marca no local de
compra e baixa renda) impuseram limites à possibilidade de escolha da marca
preferida, o que efetivou a compra de outra marca. Então, novas perguntas
surgem: por que alguns consumidores compram algumas marcas, mas preferem
outras? Algumas estratégias de propaganda respondem parcialmente essa pergunta,
pois visam gerar uma demanda maior para determinadas marcas ao emitir mensagens
que agradem ao consumidor (COBRA, 1991). Dessa forma, mensagens publicitárias
associam conceitos às marcas dos produtos visando diferenciá-las e levando à
preferência de algumas em relação a outras (RIES e TROUT, 1989). Infelizmente,
essas mensagens centradas em marcas são diversas e, muitas vezes, confusas,
dificultando sua eficácia em termos de diferenciação, preferência ou mesmo
persuasão à compra de uma marca em detrimento de outra. Esse problema acentua-
se quando muitas campanhas publicitárias de marcas competidoras emitem
conteúdos semelhantes, o que pode confundir o consumidor se a mensagem é
especificamente sobre a marca que está sendo anunciada ou sobre o tipo de
produto ao qual pertence (EHRENBERG, BARNARD e SCRIVEN, 1998). Outra pergunta
que surge é: será que, ao gostar das marcas, o consumidor prefere a marca
especificamente ou o tipo de produto ao qual ela pertence?
Um caminho de análise para responder essa indagação está relacionado com
semelhanças e diferenças entre as marcas existentes dentro dos tipos de um
mesmo produto (GROVER e SRINIVASAN, 1987). Responder essa pergunta pode
auxiliar técnicas de segmentação do mercado com base em informações sobre os
motivos da preferência e comparar com motivos da compra dos tipos de produtos.
Infelizmente, as pesquisas que utilizam variáveis psicológicas como preditoras
de preferências por produtos negligenciam a caracterização de produtos quanto a
sua categorização, investigando categorias de produtos de forma geral (por
exemplo, carros) ou marcas específicas (por exemplo, Volkswagen Gol). Quando há
compreensão de quais preferências por tipos de um mesmo produto são preditas
por quais variáveis psicológicas e sociodemográficas e compará-las com dados de
compra, é que se podem compreender as variáveis a serem utilizadas para
segmentar os consumidores.
Quando é encontrada a variância explicada dos motivos que levam as pessoas a
preferirem ou possuírem os diversos tipos de um mesmo produto, podem-se
utilizar essas variáveis explicativas para segmentar os consumidores (MYERS,
1996). Muitas segmentações utilizam variáveis a que os consumidores atribuem
importância sem analisar se elas auxiliam na explicação do comportamento ou
mesmo na preferência valorizada pelo público-alvo da segmentação. Assim, a
técnica necessita de testes estatísticos mais robustos, bem como melhor
compreensão explicativa dos processos psicológicos envolvidos no comportamento
de compra, de posse e de uso de produtos e também suas diferenciações em
relação aos processos envolvidos na preferência desses mesmos produtos.
O objetivo geral nesta pesquisa foi comparar a influência preditiva dos tipos
motivacionais dos valores humanos, dos atributos de carro e variáveis
sociodemográficas sobre a preferência e posse por tipos de carro. Para tanto,
ele foi dividido em dois objetivos específicos, a saber: comparar se diferentes
tipos motivacionais dos valores humanos predizem preferência e posse para cada
tipo de carro e comparar o poder preditivo dos valores humanos, importância dos
atributos do produto e variáveis sociodemográficas sobre a preferência e a
posse para cada tipo de carro.
Cada mercado consumidor é composto por diversos produtos. Cada produto tem, por
sua vez, seus tipos e cada tipo possui várias marcas. Na pesquisa relatada
neste estudo analisaram-se tipos de carro do mercado automotivo brasileiro
(carros compactos populares, compactos luxuosos, picapes, sedans, utilitários
esportivos / jipes e minivans). Foram escolhidos os tipos de carro pelo fato de
os consumidores optarem entre diferentes atributos padronizados previamente
pelas montadoras e que possibilitam a eles adquirir benefícios simbólicos
semelhantes entre alguns deles e diferentes entre outros tipos. Por exemplo, o
modelo de carro Chevrolet Celta (marca do carro) possui semelhanças de
atributos e benefícios com outros modelos de carro (compactos populares -
Volkswagen Gol, Fiat Uno, Ford Ka, entre outros), porém, ele é distinto em
alguns atributos e benefícios simbólicos de outros modelos de carro (sedans -
Toyota Corolla, Honda Civic, Chevrolet Vectra etc.). Ambos os tipos fazem parte
da categoria de produto mais geral chamada de carro e pertencem ao mercado
automotivo brasileiro.
Este artigo está dividido da seguinte maneira, além desta introdução: revisão
teórica sobre segmentação do mercado (incluindo uma descrição do mercado
automotivo brasileiro), escolha de produtos (incluindo diferença entre
preferência e posse) e valores humanos (com ênfase em seus tipos
motivacionais); hipóteses; metodologia utilizada na pesquisa; resultados;
discussão dos resultados com implicações para a área de comportamento do
consumidor; e conclusão do estudo.
2. REVISÃO TEÓRICA
2.1. Segmentação de mercado
O conceito de segmentação de mercado para decisões em marketing foi trazido da
economia por Smith (1956). O autor aponta que a premissa básica para a
necessidade de segmentar mercados está no fato de as demandas por produtos não
serem homogêneas, por isso seria necessário separar diversos segmentos
semelhantes para haver encontro da curva da oferta com a curva da demanda
(consumidores). Assim, as ofertas de produtos precisariam ser diferenciadas
conforme os diferentes públicos que poderiam comprá-los.
Os profissionais de consumo têm caracterizado a quantidade e a natureza dos
grupos de consumidores aos quais pretendem ofertar produtos ou serviços (TWEDT,
1967). Portanto, a técnica de segmentação de mercado responde ao anseio de como
transformar conhecimento científico de consumo em tecnologias de gestão de
marketing. Todavia, esse anseio fez com que uma identificação rápida de
segmentos de um mercado pudesse logo ser utilizada nas práticas gerenciais sem
as devidas considerações metodológicas a suas limitações.
Os procedimentos metodológicos de segmentar mercados a fim de fornecer uma
tecnologia que vá ser útil aos profissionais de marketing podem assim ser
resumidos: decidir as variáveis bases (dependentes) e as que as descrevem
(independentes) para realizar a segmentação; decidir a metodologia de análise
de dados; aplicar a metodologia para identificar vários segmentos; descrever
todos os segmentos usando as variáveis dependentes e as variáveis
independentes, selecionar os melhores segmentos para direcionar atividades de
marketing; desenvolver o marketing mix para cada segmento-alvo (MYERS, 1996).
Posto isso, as primeiras variáveis para segmentação utilizadas foram as do mix
de marketing (MYERS, 1996). Mesmo antes da revolução industrial, os mercantes
dividiam os mercados baseados nos diferentes tipos e qualidades de produtos
fabricados, níveis de preço, comunicações para cada público ou formas de
entrega dos produtos. Contudo, ao longo do tempo, desenvolveram-se técnicas
estatísticas e aprimoramentos para investigar variáveis que poderiam
diferenciar as pessoas e não apenas o mix de marketing. As variáveis
sociodemográficas (região geográfica da compra, idade, sexo, estado civil,
ocupação e níveis educacionais) e variáveis econômicas (renda familiar e
individual) logo foram utilizadas para caracterizar e descrever as diferenças
de consumidores. Essas variáveis continuam sendo úteis para diferenciar alguns
comportamentos relacionados aos produtos, mas servem pouco para descrever
consumidores no nível que possa predizer preferência de marca. Assim, variáveis
psicológicas foram inseridas para explicá-las.
Com o desenvolvimento de tecnologias aplicadas ao varejo para gerenciar as
cadeias de suprimentos, pesquisas que utilizam variáveis psicológicas
comportamentais contaram com algumas ferramentas para investigar os
comportamentos de compra dos consumidores (ALLEN, 1970). Dados de scanner e
painéis e, mais recentemente, software de gestão com clientes, fornecem grandes
volumes de dados de compra dos consumidores. Já as variáveis psicológicas
latentes (atitudes, valores humanos etc.) contaram com o desenvolvimento de
medidas via relato do respondente. Logo as medidas sobre construção de
instrumento psicológico e medidas escalares foram utilizadas em pesquisas de
marketing (MALHOTRA, 2001). As pesquisas sobre escolha de marcas são realizadas
utilizando verbalizações ou indicações das marcas que os consumidores iriam
escolher sob determinadas circunstâncias e rapidamente foram incorporadas às
pesquisas de segmentação de mercado (MYERS, 1996).
Cada mercado consumidor é composto por diversos produtos, cada produto tem seus
tipos e cada tipo possui várias marcas. A seguir, serão apresentados alguns
dados sobre compra de carro no Brasil que auxiliam a compreender a dinâmica do
consumo desse produto e de cada um de seus tipos.
2.2. Consumo no mercado automotivo brasileiro
Atualmente, existe no Brasil uma frota de mais de 29 milhões de veículos
automotores que são comprados em mais de 3.381 concessionárias de 25 montadoras
de veículos instaladas no Brasil (ANFAVEA, 2010). O mercado de carros no Brasil
é caracterizado por gerar uma receita (faturamento líquido) de mais de US$ 62
bilhões, representando ao redor de 20% do Produto Interno Bruto (PIB)
industrial brasileiro, com um total de vendas anuais de 2.474.764 unidades de
veículos novos em 2009. Desses, 39,1% eram compactos populares (carro de
entrada), 20,82% eram compactos luxuosos, 29,91% sedans, 3,71% picapes, 6,36%
van e minivans, 0,09% utilitário esportivo, 0,8% peruas e 0,2% esportivos
(FENABRAVE, 2010).
A falta de conhecimento do motivo de os consumidores preferirem um tipo de
carro a outros instiga a analisar as variáveis perceptivas dos consumidores.
Por exemplo, o mercado de carros populares (motor 1.0) tem aumentado de preço,
mas hoje possui acessórios extras, não caracterizando carros básicos (DA SILVA,
2001). Esse fato faz com que as montadoras criem nichos de consumidores
diferentes daqueles que um dia compravam carros ditos populares. Entretanto, as
classificações dos tipos de carro utilizados pelas instituições de veículos
automotores, não oferecem conceitos operacionais capazes de medir as percepções
dos consumidores. Porto (2005) define os tipos de carro, caracteriza-os e
analisa sua relação com os processos envolvidos nas preferências.
2.3. Escolhas de produtos
Baseado na literatura de escolhas de marca, Hansen (1976) aponta que o processo
de decisão dos consumidores pode ser estudado por meio de suas escolhas. Quando
se fala em escolhas, esse autor aponta três aspectos necessários: tem de haver
duas ou mais alternativas de escolha; as alternativas de escolha devem incitar
um montante de conflito psicológico; os processos cognitivos que visam reduzir
o conflito devem ocorrer. Os conflitos surgem devido à interação entre
estímulos em um determinado ambiente, cognições e afetos desenvolvidos
previamente pelo indivíduo sobre esses estímulos.
Bettman e Zins (1977) propõem um modelo teórico para investigar as escolhas do
consumidor. Nele, as cognições e os afetos dos consumidores interagem e, quando
conscientes, influenciam as escolhas de consumo no instante em que há o
conflito. Quando percebe as consequências antes de ter a marca, o consumidor
antecipa as estratégias de enfrentamento que a situação do comportamento impõe
e consegue vislumbrar como irá escolher as alternativas. Decisões que permitam
a um indivíduo alcançar uma meta desejada geram afetos positivos, tais como
orgulho e realização. Decisões que ameacem ou façam com que o indivíduo não
alcance determinada meta desejada, mas ao mesmo tempo outros indivíduos
alcançam, geram afetos negativos no indivíduo, tais como raiva ou inveja. Por
exemplo: uma restrição orçamentária por limite salarial para aquisição de um
carro pode gerar raiva. Inveja por alguém ter uma marca reconhecidamente cara
pode ser resultado de comparações entre resultados bem-sucedidos de outras
pessoas e resultados malsucedidos da pessoa em relação a uma meta. Essas
situações fazem com que consumidores atribuam maior prioridade para alguns
produtos e marcas que levem a determinadas metas mais desejáveis e alcançáveis
que outras. Elas levam a uma preferência entre as alternativas de marcas que se
associam a determinadas metas.
As discussões sobre preferências por marcas referem-se ao fato de elas serem ou
não conhecidas pelo indivíduo, reveladas e estáveis ao longo do tempo (PAYNE,
BETTMAN e SCHKADE, 1999). Quando são conhecidas e estáveis, é preciso revelá-
las via declarações ou via ações para que haja compreensão pelo pesquisador
(RABINS, 1996). Quando não são conhecidas e estáveis, precisa-se entender seu
processo de formação e manifestação (PAYNE, BETTMAN e SCHKADE, 1999). Neste
trabalho, será analisado o conceito de preferência de marcas conhecidas e
relativamente estáveis. Portanto, para entendimento da pesquisa e adotando uma
definição mais psicológica, as preferências de marcas são avaliações afetivas e
positivas sobre objetos e relativamente estáveis verbalizadas pelo consumidor,
que podem direcionar as escolhas por uma marca em detrimento de outra(s).
Normalmente, esse tipo de preferência é tratado como um construto dependente
nos estudos sobre escolhas de marca em pesquisas do consumidor (MALHOTRA,
2001). Referem-se aos julgamentos resultantes de atividades cognitivas, tais
como informações armazenadas na memória (FISKE e TAYLOR, 1991) sobre as
diversas marcas existentes. Quando verbalizam suas preferências por marcas, os
consumidores indicam o que comprariam se houvesse livre condição de escolha.
Quando a situação lhes permite fazer escolhas livres, é mais provável que eles
comprem a marca preferida. Contudo, apesar de preferirem determinadas marcas,
muitos consumidores compram marcas não preferidas por uma série de restrições,
como falta de dinheiro, falta de disponibilidade da marca, falta de tempo etc.
Os consumidores, porém, podem utilizar uma grande variedade de estratégias para
resolver os problemas de escolha. Nas avaliações de alternativa, as pessoas
podem comparar e preferir atributos dos produtos (LINDBERG, GÄRLING e
MONTGOMERY, 1989) e podem vislumbrar suas funcionalidades (RICHINS, 1994). As
pesquisas que analisam preferência por atributos de produto utilizam as medidas
de preferências e investigam:
* especificações dos atributos, que são idiossincráticos para as percepções
de tipos de produtos;
* usam pesos de importância para cada atributo em cada respondente,
permitindo forças diferentes para cada benefício procurado;
* consideram simultaneamente marcas competidoras como alternativas para o
objeto de atitudes;
* utilizam medida de crenças da marca em cada atributo em termos de graus
de benefícios esperados ao invés de probabilidades de obtenção;
* também usam análise intraindividual sobre seu consumo (BASS e WILKIE,
1973).
As medidas de preferência e de posse, por sua vez, podem indicar escolhas por
conjunto de conceitos associados a cada produto segundo a percepção do
consumidor. Esse processo é realizado se as avaliações gerais do produto forem
decompostas em avaliações específicas, seja de atributos do produto, seja de um
conjunto de repertório de marcas existentes, ou mesmo de suas consequências
(ZAJONC e MARKUS, 1982). Assim, o cuidado necessário para investigar essas
relações diz respeito ao processo de isolamento dos atributos, quais são suas
consequências (ambiental e para o indivíduo) e como eles se combinam.
O consumidor pode julgar atributo por atributo de um produto exigindo
conhecimento sobre as consequências de produtos, categorizando-os (SUJAN,
1985). O consumidor saberá que um combustível de veículo terá mais rendimento
na estrada se souber dos atributos que influenciam o desempenho do carro,
comparando-os em termos de eficácia. Ao julgar atributos dos produtos para
atingir determinadas consequências, podem-se igualmente conhecer,
indiretamente, as metas do indivíduo por meio de atributos tangíveis
específicos que levam à sua funcionalidade. Por exemplo, air-bagé um atributo
que tem uma função de segurança para o motorista. Então, um interessado,
constatando que um veículo possui air-bag, conclui que o carro possui alguma
consequência de segurança para os passageiros. O comprador de um carro poderá
preferir um carro que proporcione segurança via avaliação dos atributos.
Em marketing, uma relação que pode ser comparada é: de todos os potenciais
consumidores que preferem determinada marca, quantos realizam a compra daquela
determinada marca ou de seu tipo de produto. Assim, pode-se averiguar eficácia
das estratégias de marca para aumentar suas vendas dentro de seu tipo de
produto. Pesquisas de marketing costumam oferecer resposta medindo participação
e penetração de mercado de uma marca vinda de dados de scannerde produtos. A
primeira refere-se ao total de compra das marcas dividido pela compra da
categoria de produto de que ela faz parte (EHRENBERG, UNCLES e GOODHARDT,
2004). Um problema nessa medição refere-se à identificação de qual categoria o
produto faz parte, uma categoria mais geral (carros) ou mais específica
(compactos). A segunda refere-se ao número de compradores que compram a marca
pelo menos uma vez dividido pelo total de consumidores em potencial.
Uncles, Ehrenberg e Hammond (1995) revelam que alguns padrões de compra de
marcas variam entre as categorias de produto, mas variam muito pouco entre as
marcas existentes dentro de cada uma das categorias, propondo que muitos
mercados são não segmentados para marcas substitutas. Ehrenberg, Uncles e
Goodhardt (2004) também apontam que não há muita lealdade em relação às marcas
dependendo do intervalo de tempo analisado, sugerindo que consumidores variam
na compra dentro de um mesmo repertório de marcas aleatoriamente e, dentro de
cada categoria, eles não diferem na compra entre as marcas específicas
ofertadas, mas diferem na compra entre as categorias de produto. Rileyet al.
(1997) encontraram que, quanto menos as pessoas atribuem respostas atitudinais
positivas, menos delas vão atribuir respostas positivas em ocasiões
subsequentes. Logo pode ocorrer uma inércia das escolhas atitudinais do
consumidor. Entretanto, estudos não investigaram quais os preditores
motivacionais dos valores humanos sobre as escolhas atitudinais (preferência) e
escolhas comportamentais (posse) de produtos. No próximo tópico visa-se
esclarecer uma variável motivacional que tem sido estudada na área de consumo e
utilizada em técnicas de segmentação de mercado.
2.4. Valores humanos
O estudo de valores humanos pessoais tem uma tradição filosófica, sendo muito
investigado por cientistas sociais (sociólogos, antropólogos e psicólogos)
(BECKER, 1986). Seus estudos logo foram relacionados com padrões mais amplos da
conduta humana, dando origem a complexas normas institucionalizadas da
sociedade (KLUCKHOHN, 1951) e, sendo assim, relacionados a teorias da ação
humana em contextos sociais e aos estudos sobre metas. Os valores foram vistos
como metas de vida dos seres humanos relacionados aos comportamentos sociais:
liberdade, realização, independência, autoridade, autodisciplina são alguns
exemplos de valores concebidos como metas de vida em determinadas situações.
Diz-se que uma pessoa desejosa de morar sozinha e sair da casa dos pais busca
independência. Esse valor (meta) é tido como guia do desejo de sair de casa.
Utilizam-se esses termos para qualificar várias ações realizadas no dia a dia.
Assim, valores humanos pessoais são "metas desejáveis e trans-
situacionais, que variam em importância e servem como princípios que guiam a
vida das pessoas" (SCHWARTZ, 1994, p.20).
Segundo Schwartz (1992), os valores humanos:
* são crenças que, quando ativadas, eliciam sentimentos positivos e
negativos;
* são um construto motivacional e referem-se a metas desejáveis;
* transcendem situações e ações específicas, diferindo de ati-
tudes e normas sociais;
* guiam a seleção e a avaliação de ações, pessoas e eventos, servindo como
critérios para julgamentos;
* são ordenados pela importância relativa aos demais, formando um sistema
ordenado de prioridades axiológicas.
Schwartz (1994) concebe uma estrutura teórica de valores humanos, testada
transculturalmente em mais de 80 países, que permite investigar as prioridades
axiológicas das pessoas no nível individual e, assim, conceber os tipos
motivacionais e o sistema de valores (figura na página 145). Nela, os valores
humanos têm um princípio de conflito e congruência (compatibilidade) entre eles
que permite que sejam mais preditivos no comportamento humano quando
salientados por uma situação que também desperte conflitos na tomada de
decisão. Os valores humanos podem ser agrupados em tipos motivacionais
distintos reconhecidos em diversas culturas (quadro na página 145) (SCHWARTZ e
BARDI, 2001).
Tamayo e Schwartz (1993) realizaram uma pesquisa para testar essa estrutura
circular dos valores humanos no Brasil. A estrutura dos tipos motivacionais e
suas dimensões bipolares mantêm-se na escala brasileira. Os valores compõem
tipos motivacionais distintos que estão próximos ou distantes e, neste último
caso, opostos de outros. Quando isso ocorre, dimensões bipolares
(autotranscendência versus autopromoção e conservadorismo versus abertura à
mudança) podem ser concebidas, formando o sistema de valores humanos. Por
exemplo, o tipo motivacional de realização (com os valores bem-sucedido,
ambicioso, influente, esperto e inteligente) está próximo (adjacente) ao tipo
motivacional de poder (com os valores de poder social, riquezas, vaidade,
reconhecimento social, autoridade e preservador da imagem pública) e hedonismo
(com os valores de prazer, que goza a vida e autoindulgência). Esses três tipos
motivacionais (realização, poder e hedonismo) compõem a dimensão autopromoção,
por representarem valores egoístas, e estarem em lados opostos de universalismo
e benevolência (cada um com seus valores altruístas), dando a dimensão
autotranscendência.
Os tipos motivacionais dos valores humanos têm sido utilizados para predizer
comportamentos de consumo. Esses estudos têm sido importantes para caracterizar
os fatores influentes nas preferências por produtos e marcas. Os transmissores
de valores pessoais, tais como a mídia, os amigos e a família, exercem
influência na aprendizagem social e na assimilação de valores por parte dos
consumidores. Cavalli-Sforza (1993) aponta que a mídia envolve transferência de
informação e caracteriza-se por ser um transmissor de um portador de mensagens
a vários indivíduos. Os consumidores podem ser influenciados pelos valores
transmitidos nessas mensagens que também podem ser transmitidos de forma
horizontal (entre pessoas da mesma geração), tais como por amigos, e de forma
vertical (de uma geração à outra), tais como de pais para filhos.
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Nos estudos de psicologia do consumidor, são encontradas pesquisas que relatam
que as pessoas têm valores e estilos de vida diferentes e isso faz com que
adquiram produtos e marcas diferenciadas umas das outras (KAHLE e KENNEDY,
1989). A premissa é que pessoas podem ser agrupadas em diferentes hierarquias
de valores, estilos de vida e diferentes posses de produtos ou marcas (HANSEN,
RANDRUP e REINERT, 2002) e, desse modo, executivos de marketing podem utilizar
esses agrupamentos para elaborar estratégias de segmentação de mercado e
posicionamento de produto (VINSON, SCOTT e LAMONT, 1977). A argumentação para a
prática de segmentação é que, se valores guiam a ação humana em comportamentos
sociais desejáveis, o comportamento de compra de uma marca desejada pode ser
entendido via valores humanos. Assim, se uma pessoa comprou uma marca devido à
orientação de algum valor humano, então os comportamentos relacionados à marca
poderão ser agrupados juntamente com os valores que guiaram esse comportamento
de compra e indicar comportamentos futuros de compra via preferência da marca.
Contudo, as pesquisas sobre valores humanos aplicados ao consumo normalmente
são baseadas em medidas propostas por Rockeach (1973) ou muito semelhantes a
ela (KAHLE e KENNEDY, 1989). Todas têm conteúdo de significado não testado
transculturalmente, o que prejudica sua aplicação (viés) em outras culturas,
como a brasileira.
3. HIPÓTESES
Com base na investigação dos preditores motivacionais, bem como dos atributos
do produto e variáveis sociodemográficas sobre preferência e posse, foram
desenvolvidas as hipóteses apresentadas a seguir.
H1 -Os tipos motivacionais dos valores humanos serão preditores positivos
diferentes da preferência em comparação com a posse de veículos. Os motivos das
escolhas do tipo de produto no nível atitudinal (preferência) e no nível
comportamental (posse) podem ser diferentes porque no primeiro caso o
consumidor não tem restrições para escolher o objeto de desejo (PORTO, 2005).
Já no segundo caso, há restrições situacionais que podem fazer com que a pessoa
escolha outra alternativa de tipo de produto (AJZEN, 2001; HANSEN, 2008). Logo,
espera-se que os tipos motivacionais dos valores humanos que predizem a
preferência por tipo de carro e a posse de carro não sejam os mesmos.
H2 - Os atributos do carro terão maior poder preditivo sobre a preferência e
posse de veículos do que os valores humanos ou as variáveis sociodemográficas.
Quando precisam escolher uma alternativa, consumidores geralmente analisam
alguns atributos do produto (ENNEKING, NEUMANN e HENNEBERG, 2007). No entanto,
nem todos os consumidores identificam quaisquer metas sociais associadas à
compra do produto (ESCUDERO, 2006) e nem todos os tipos de carro têm
consumidores com um mesmo tipo de perfil sociodemográfico (PORTO, 2005). Logo,
espera-se que os atributos do produto sejam melhores preditores do que os
valores humanos ou as variáveis sociodemográficas tanto sobre a preferência
quanto sobre a posse.
4. METODOLOGIA
Foi realizada uma pesquisa de enfoque correlacional com uma postulação inicial
de relações preditivas entre as variáveis investigadas. Foram feitos dois
modelos de relações preditivas. Uma com a preferência por tipos de carro sendo
a variável dependente e outra com a posse de tipos de carro sendo a variável
dependente (VDs). Em ambos os modelos, as variáveis independentes (VIs) foram:
os tipos motivacionais dos valores humanos, os atributos de carro e as
variáveis sociodemográficas (sexo, idade, escolaridade, renda familiar e estado
civil).
Os dados foram coletados via survey. Contudo, antes de serem coletados, foi
realizado um estudo qualitativo com análise de especialistas e também
entrevistas pessoais para construção da medida de preferência e posse,
definição operacional dos tipos de carro e construção dos itens sobre atributos
do carro. Assim, o survey continha uma medida de preferência por carros, medida
de posse de carros, avaliação de atributos de carro, o inventário de valores
humanos de Schwartz validado para o Brasil por Tamayo e Schwartz (1993) e
variáveis sociodemográficas. Os tipos de carro analisados foram: compacto
luxuoso e popular, picapes, minivan, utilitários esportivos / jipes e sedans.
Os dados foram coletados prioritariamente em postos de gasolina da cidade de
Brasília durante o primeiro semestre de 2004.
A amostra foi composta, aleatoriamente, por 209 usuários de carro na cidade de
Brasília. Usando a análise do poder estatístico qui-quadrado proposta por Cohen
(1992), o poder da amostra foi de 0,87 (w = 0,30 e a = 0,05) com qui-quadrado
crítico c2= 18.31. Assim, foi considerado mais do que satisfatório o tamanho da
amostra (N = 209) neste estudo.
Dos 209 sujeitos, 60% eram consumidores que desembolsaram maior volume
financeiro pela compra do carro que já possuíam e 52% tinham carro zero
quilômetro; 46% disseram ter se informado sobre o carro utilizado pela mídia e
57% relataram que a pessoa que mais influenciou a compra de seu atual veículo
foi algum parente próximo. Ressalta-se que 43% disseram terem sido eles
próprios os maiores influenciadores da compra. Também, 55% eram do sexo
masculino, 55% eram solteiros e 56% possuíam curso superior completo; desses,
58% possuíam ou estavam em algum curso de pós-graduação. A idade média foi de
32 anos (dp = 11,41) e a renda familiar média mensal foi de R$ 6.907,58 (dp=
3.944,35).
Na análise de dados, cada modelo de carro foi categorizado dentro de um tipo
(compacto, sedan, picape etc.) e esses tipos foram transformados em dicotômicos
(0 ou 1). Para testar as hipóteses deste trabalho, foi realizada análise de
regressão logística binária. A regressão logística é uma análise flexível que
permite analisar variáveis dependentes categóricas baseadas em um mix de
variáveis preditoras - contínuas, discretas e dicotômicas (TABACHNICK e FIDELL,
2001). Isso faz com que se possam analisar as várias distribuições de
frequência de resposta das VDs. Para cada tipo de carro analisado (por exemplo,
compacto luxuoso), foram feitas seis regressões logísticas diretas. Três tendo
"Preferência pelo tipo compacto luxuoso" como VD e três tendo
"Posse pelo tipo compacto luxuoso" como VD. Em cada uma dessas seis
análises, foram utilizados os tipos motivacionais dos valores humanos, os
atributos de carro e as variáveis sociodemográficas como VIs, sendo analisado
um por vez.
5. RESULTADOS
Para facilitar o entendimento desta parte do trabalho, os resultados serão
apresentados de acordo com os tipos de carro analisados. Ressalta-se que os
tipos que tiveram poucos consumidores que os possuíam não foram analisados.
Dessa maneira, restaram os tipos: compacto (luxuosos e populares), picape,
minivan, utilitário esportivo / jipe (apenas a preferência) e sedan. A ordem de
preferência dos tipos de carro foi: compacto luxuoso (32%), utilitário
esportivo (24%), sedans (17%), minivans (10%), picapes (9%) e compacto popular
(7%). Em contraposição, a ordem da posse de tipos de carro foi: compacto
popular (49%), sedan (24%), compacto luxuoso (16%), minivan (5%), picape (5%),
utilitário esportivo (1%). Adotou-se o índice R2 Nagelkerke de variância
explicada das VIs - valores humanos (VH), atributos do produto (AT) e variáveis
sociodemográficas (SD) - sobre as VDs - preferência e posse por tipo de carro.
Na tabela_1, é possível visualizar os principais resultados referentes aos
compactos luxuosos (por exemplo, Peugeot 307, Fiat Stilo, Audi A3). A variância
explicada dos valores humanos sobre a preferência desse tipo de carro foi
similar ao de sua posse, sendo o tipo motivacional realização significativo e
positivo para ambas as VDs (preferência: B = 0,49; p < 0,05 e posse: B = 0,63;
p < 0,05). Além disso, para a preferência, encontrou-se como preditor o tipo
motivacional estimulação (B = 0,28; p <0,05). A variância explicada dos
atributos foi maior tanto para preferência (R2 = 33%) quanto para posse (R2 =
12%) do que as variâncias explicadas dos valores humanos (preferência VH: R2 =
10%; posse VH: R2 = 10%) e as sociodemográficas (preferência SD: R2 = 22%;
posse SD: R2 = 5%)
Pode-se visualizar na tabela_2 os principais resultados referentes aos
compactos populares (por exemplo, Chevrolet Celta, Fiat Uno, Volkswagen Gol). A
variância explicada dos valores humanos sobre a preferência desse tipo de carro
foi maior sobre a preferência do que sobre a posse. O tipo motivacional
universalismo é preditor positivo da preferência (B = 1,12; p < 0,05) e a
realização um preditor negativo da posse (B = -0,48; p < 0,05). A variância
explicada dos atributos foi maior tanto para preferência (R2 = 42%) quanto para
posse (R2 = 19%) do que as variâncias explicadas dos valores humanos
(preferência VH: R2 = 15%; posse VH: R2 = 8%) e as sociodemográficas
(preferência SD: R2 = 26%; posse SD: R2 = 7%).
Na tabela_3, é possível visualizar os principais resultados referentes aos
utilitários esportivos / jipes (por exemplo, Mitsubishi Pajero, Ford Ecosport,
Chevrolet Tracker, Land Rover Defender). Poucas pessoas possuíam carros
utilitários esportivos, o que impediu a análise de comparação entre preferência
e posse. A variância explicada dos atributos foi maior para a preferência (R2 =
20%) do que as variâncias explicadas dos valores humanos (preferência VH: R2 =
8%) e as sociodemográficas (preferência SD: R2 = 10%).
Na tabela_4, podem ser visualizados os principais resultados referentes às
picapes (por exemplo, Ford F250, Chevrolet S10, Mitsubishi L200, Ford Ranger).
A variância explicada dos valores humanos sobre a preferência desse tipo de
carro foi menor sobre a preferência do que sobre a posse. O tipo motivacional
realização é preditor positivo da preferência (B = 1,24; p < 0,05) e o poder é
preditor positivo da posse (B = 1,85; p < 0,05). A variância explicada dos
atributos foi maior tanto para preferência (R2 = 37%) quanto para posse (R2 =
43%) do que as variâncias explicadas dos valores humanos (preferência VH: R2 =
20%; posse VH: R2 = 29%) e as sociodemográficas (preferência SD: R2 = 20%;
posse SD: R2 = 11%).
Na tabela_5, podem-se visualizar os principais resultados referentes aos sedans
(por exemplo, Toyota Corolla, Honda Civic, Fiat Siena, Chevrolet Vectra). A
variância explicada dos valores humanos desse tipo de carro foi ligeiramente
maior sobre a preferência do que sobre a posse. Os tipos motivacionais poder (B
= 0,60; p < 0,05) e benevolência (B = 0,84; p < 0,05) são preditores positivos
da preferência e o tipo motivacional realização um preditor negativo (B = -
0,56; p < 0,05). Já para a posse, o único preditor foi estimulação, sendo
negativo (B = - 0,30; p < 0,05). A variância explicada dos atributos foi maior
tanto para preferência (R2 = 19%) quanto para posse (R2 = 17%) do que as
variâncias explicadas dos valores humanos (preferência VH: R2 = 10%; posse VH:
R2 = 08%) e as sociodemográficas (preferência SD: R2 = 09%; posse SD: R2 =
12%).
Na tabela_6, é possível visualizar os principais resultados referentes às
minivans (por exemplo, Renault Scénic, Citroën Xsara Picasso, Mercedes Benz
Classe A). A variância explicada dos valores humanos foi maior sobre a
preferência do que sobre a posse. O tipo motivacional autodeterminação (B =
1,31; p < 0,05) foi preditor positivo da preferência e os tipos motivacionais
benevolência (B = -1,14; p < 0,05) e realização preditores negativos (B = -
0,79; p < 0,05). Já para a posse, o único preditor foi segurança, sendo
positivo (B = 1,48; p< 0,05). A variância explicada dos atributos foi maior
tanto para preferência (R2 = 37%) quanto para posse (R2 = 60%) do que as
variâncias explicadas dos valores humanos (preferência VH: R2 = 23%; posse VH:
R2 = 14%) e as sociodemográficas (preferência SD: R2 = 08%; posse SD: R2 =
27%).
6. DISCUSSÃO
Investigar as preferências por tipos de produtos não é sinônimo de investigar
qualquer tipo de comportamento de escolha de tipo de produtos, assim como
investigar intenções de compra não é sinônimo de compra (FOXALL, 1997).
Contudo, preferências de tipos de produtos podem servir como indicadores do
comportamento de escolha em situações que permitam escolher todas as opções
possíveis. Por exemplo, se a pessoa tiver condições financeiras e físicas de
comprar a marca que quiser, a indicação de preferência pode ser um bom
parâmetro. Se ela não tem, é aconselhável analisar as condições necessárias
para adquirir a marca e averiguar se essa pessoa possui esses pré-requisitos.
Assim, identificar os preditores de preferências por carros pode prover
explicações sobre esse tipo de situação de escolha e identificar os preditores
da posse pode prover explicações nas situações em que o consumidor já tem
experiência de ter adquirido determinado tipo de carro. Os preditores podem
auxiliar na técnica de previsão de vendas indicando possibilidades de ações
futuras dos consumidores e, por sua vez, na técnica de segmentação de mercado,
identificando quais variáveis devem ser manipuladas pelo profissional de
marketing para atingir públicos distintos. A seguir, serão discutidas as
implicações de cada uma das hipóteses deste estudo.
A H1 foi parcialmente corroborada. Dos tipos de carro em que foi possível
comparar preferência com posse (compacto luxuoso, compacto popular, picape,
sedan e minivan), os tipos motivacionais dos valores humanos foram preditores
diferentes sobre preferência em relação à posse. Apenas para o tipo de carro
compacto luxuoso, a motivação de realização foi igual tanto para preferência
quanto para posse. Preferência é um construto atitudinal e posse um construto
comportamental, indicando que existem distintos preditores dos valores humanos
sobre a atitude e o comportamento. Esse achado contribui com os estudos da
relação valores e comportamento (TAMAYO e PORTO, 2005), sugerindo, geralmente,
que os valores humanos possuem uma relação diferente para escolha de produtos,
a depender se a escolha ocorre em uma situação que permita escolher qualquer
alternativa do produto (preferência) ou em uma situação em que o consumidor já
tenha experiência com a categoria do produto (posse).
Esse achado igualmente contribui para a averiguação das diferenças entre
comportamentos de escolha em um nível de análise intermediário (por exemplo,
tipo de carro) e entre comportamentos de compra de produtos de forma geral (por
exemplo, compra de carro) e comportamentos específicos (por exemplo, compra do
modelo de carro X - marca). Uncles, Ehrenberg e Hammond (1995) analisaram
diversos comportamentos entre marcas e encontraram padrões de compra. Também
Riley et al. (1997), em estudo sobre padrão de atitudes (respostas verbais),
encontraram que, quanto menos as pessoas atribuem respostas atitudinais
positivas (preferência, por exemplo) num survey, menos delas vão atribuir
respostas positivas no survey seguinte em estudo longitudinal, indicando que,
quando menos forem preferidas as marcas, menos elas serão preferidas se nada
fizerem para mudar essa situação.
Esse resultado serve como direcionamento para planejamento de campanhas
publicitárias que utilizam temas como independência, liberdade etc. Assim, a
campanha publicitária, ao ser uma estratégia de posicionamento da marca,
poderia levar em consideração se os conceitos associados à marca estão fazendo
com que o consumidor escolha um tipo de produto diferente daquele que ele já
tem ou se a campanha faz com que o consumidor declare no nível atitudinal sua
escolha em condições ideais. A depender disso, a segmentação do público pode
ser diferente, já que os preditores seriam distintos entre essas escolhas.
Alguns pesquisadores (KAHLE e KENNEDY, 1989) propuseram que valores humanos
predizem comportamentos e atitudes gerais, então, analisar níveis
intermediários (marcas dentro dos tipos de produto com funcionalidades
semelhantes) pode ser um caminho próspero para observar diferenças entre
consumidores e, assim, auxiliar no cálculo da participação de mercado.
Monitorar a participação de mercado seria mais útil se analisada dentro do
segmento em que as marcas competidoras são substitutas (dentro do mesmo tipo de
produto) e não no mercado genérico (WIND e CLAYCAMP, 1976). Por exemplo,
analisar participação de mercado das marcas de carro dentro dos tipos de carro,
e não no mercado automotivo como um todo, poderia ser mais interessante.
A H2 foi corroborada. Tanto para preferência quanto para posse, os atributos do
carro foram melhores preditores do que os valores humanos e sociodemográficos.
Pesquisas de marketing utilizam com frequência medidas sociodemográficas para
segmentar os consumidores (MCCROHAN e FINKELMAN, 1981; FISCHER e ARNOLD, 1994).
Este estudo fortifica o uso desse recurso para segmentação, já que elas foram
preditores, porém dizem pouco sobre o que leva uma pessoa a preferir um tipo de
produto a outro ou a ter um. Pode ser mais frutífero para prever escolhas, se
entrarem no modelo de segmentação os atributos importantes para os consumidores
(ENNEKING, NEUMANN e HENNEBERG, 2007). Esses foram preditores sistemáticos para
qualquer tipo de carro em ambas as alternativas de escolha. Ao avaliar os
atributos de um produto, julgando positivamente sua importância, os
consumidores direcionam-se para tomar uma decisão mais rápida se seu carro tem
de ter ou não tais atributos (JACOBY, HOYER e BRIEF, 1992). Assim, é mais fácil
de os consumidores identificarem quais carros possuem determinados atributos
importantes para eles. Contudo, muitos não sabem diferenciar com tanta nitidez
quais marcas (ou tipos de carro) levam suas metas de vida (ESCUDERO, 2006).
Assim, apesar de os atributos terem a capacidade de ser um meio para alcançar
metas relativas a consumo, os próprios atributos são mais efetivos do que as
metas para predizer a preferência ou a posse.
Esses achados têm implicações para pesquisas de marketing ao avaliar atributos
do produto para direcionar mudanças relativas ao produto (marca). Muitas vezes
organizações produtoras modificam seus produtos (atributos) para agradar ao
consumidor. Dessa forma, explicar que os consumidores atribuem importância a
determinados atributos e relacionar com motivações individuais dos consumidores
parece ser um caminho fértil para explicar preferência de marcas que concorrem
dentro do mesmo tipo de produto e, igualmente, comportamento de compra de
marcas. Mais pesquisas são necessárias para averiguar como ocorre esse
processo. Sugere-se analisar a mediação dos atributos de produtos entre os
valores humanos e a preferência ou a posse de produtos.
7. CONCLUSÃO
Valores humanos foram preditores distintos para preferência em relação à posse
de tipos de carro e os atributos do carro foram melhores preditores do que as
sociodemográficas e valores humanos. Esses achados contribuem para a técnica de
segmentação de mercado ao encontrar algumas variáveis importantes para realizar
segmentação do mercado de carro. Valores humanos, atributos do carro e
sociodemográficas podem ser agrupados para caracterizar melhor os públicos-
alvo. Esses achados também contribuem para a técnica de cálculo de participação
de mercado ao encontrar quais marcas de carro competidoras devem ser comparadas
para avaliar suas participações na preferência (atitude) ou posse
(comportamento) dos consumidores. Igualmente, os resultados podem ser um
caminho exploratório para averiguar quais atributos devem ser modificados para
alcançar motivações dos consumidores de cada um dos tipos de carro existentes
no mercado brasileiro.
Contudo, uma das limitações do trabalho foi o tamanho amostral para a posse de
carro em algumas categorias (por exemplo, utilitário esportivo). Logo,
resultados referentes a esse tipo de carro não puderam ser sistematicamente
analisados. Além disso, esta pesquisa teve delineamento correlacional, não
sendo possível haver controle experimental das variáveis para permitir teste de
causalidade. Durante aplicação do survey, consumidores foram indagados quando
já haviam adquirido um carro, dessa forma não foi possível uma comparação antes
e depois da compra ou mesmo investigação da situação da compra. Futuras
pesquisas podem investigar melhor em situação experimental os atributos do
carro que o consumidor diz que vai comprar com os atributos do carro comprado
em um delineamento experimental, com grupo de controle.
Pode-se concluir que os valores humanos concebidos por Schwartz (1992)
geralmente predizem tanto a preferência quanto a posse de veículos, mas os
tipos motivacionais preditores da relação são geralmente diferentes para ambos.
Ademais, os atributos do carro têm maior variância explicada do que os valores
e as variáveis sociodemográficas para preverem a preferência e a posse. Isso
corrobora estudos que têm encontrado que decisões de compra são baseadas em
avaliações de atributos (ENNEKING, NEUMANN e HENNEBERG, 2007) e que nem todos
os consumidores identificam como importantes metas individuais associadas à
compra (ESCUDERO, 2006).
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Recebido em 02/outubro/2010
Aprovado em 15/agosto/2011