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BrBRHUAp0080-21072012000200012

BrBRHUAp0080-21072012000200012

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioHumanities
Great areaApplied Social Sciences
ISSN0080-2107
ano2012
Issue0002
Article number00012

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Dilemas de pais e filhos no processo sucessório de empresas familiares

1. INTRODUÇÃO O estudo sobre a questão sucessória em empresas familiares é fundamental para o correto entendimento sobre a natureza dessas organizações. A empresa familiar difere de outros tipos de organização (entre muitas outras razões que serão abordadas a seguir neste estudo) principalmente pelo fato de haver em si, de forma intrínseca, a expectativa de perpetuidade, nutrida não somente no ambiente empresarial, mas também no seio familiar. Negócios de cunho familiar tendem a buscar sua sobrevivência ao longo do tempo de forma mais aguerrida do que os próprios resultados financeiros ou tangíveis de curto prazo, principalmente porque carregam, dentro de si, o que se denomina sonho do fundador e, em decorrência, de seus parentes próximos, numa interessante e complexa mistura, que envolve relações familiares, sociedade patrimonial e, muitas vezes, trabalho em conjunto.

Nesse sentido, é evidente que o trato da questão sucessória passa a ser determinante para o êxito, no longo prazo, desse tipo de empreendimento, uma vez que somente com o sucesso do processo de passagem do bastão, a acontecer mais cedo ou mais tarde, dependendo do momento de vida dos envolvidos, é que se pode ter a expectativa de que a empresa tenha longa duração, visto que somente esta poderá perpetuar-se ao longo do tempo, mas não seus proprietários ou gestores. Ainda nesse sentido, a questão sucessória que envolve a transferência de poder diretamente entre pais e filhos, principalmente aqueles que estejam em atuação simultânea dentro da empresa, envolve fatores e ambiguidades de parte a parte que tendem a tornar esta transição mais complexa e principalmente mais emocional.

Decorrente do apontado, é possível observar que a empresa familiar se constitui como um cenário propenso à vivência de dilemas, em especial no que se refere ao processo sucessório. Salienta-se que por dilema se entende a vivência de uma situação complexa ou embaraçosa, que indica saídas difíceis ou penosas, ante a qual os envolvidos se veem sem possibilidade de escolha satisfatória. A partir disso, supõe-se que a abordagem de pais e filhos em relação à sucessão seja distinta. Considera-se, portanto, a relação entre os protagonistas diretos do processo sucessório como potencialmente delicada, uma vez que se alia vínculos afetivo e profissional somados a diferentes percepções do negócio e eventual falta de diálogo, ambos reforçadores de dilemas relacionados à sucessão e a seu planejamento, execução e desfecho.

Diante disso, apresenta-se como pertinente a questão de pesquisa: • Quais são e como se expressam os dilemas de pais e filhos concomitantemente em atuação em empresas familiares em relação ao processo sucessório? A fim de responder à questão, o objetivo geral no presente artigo foi apontar, descrever e analisar os dilemas vividos por pais e filhos em relação ao processo sucessório em pequenas e médias empresas familiares, considerando-se os seguintes prismas: os principais elementos envolvidos na avaliação pessoal do sucedido e do provável sucessor em relação ao processo sucessório; os principais dilemas vividos por esses sujeitos; as possíveis consequências para o processo sucessório dos dilemas vividos por pais e filhos.

Este artigo foi estruturado da seguinte forma: em primeiro lugar, a introdução, contextualizando o tema, a questão de pesquisa e seu objetivo geral. Logo a seguir, na revisão da literatura busca-se oferecer amparo teórico para a pesquisa de campo, cujos procedimentos metodológicos são apresentados logo a seguir. Em relação à revisão da literatura, cabe referir que, embora não esteja especificamente relacionada à temática das empresas familiares, a abordagem de Zygmunt Bauman sobre a liquidez da existência foi considerada neste estudo como importante subsídio conceitual em relação à questão sucessória. Posteriormente, a apresentação e a análise dos dados de pesquisa, sob a perspectiva dos pais-sucedidos e dos filhos-sucessores. Por fim, tecem-se as considerações finais do estudo.

2. REVISÃO DA LITERATURA A grande importância das empresas familiares em níveis nacional e internacional pode ser comprovada pela penetração desse tipo de organização na sociedade e na economia. Dados indicam que entre 65% e 80% das empresas no mundo e pelo menos 80% das empresas brasileiras legalmente constituídas podem ser classificadas como familiares, ou seja, têm membros de uma mesma família em seu controle acionário e, na maioria das vezes, também no comando da gestão. Inclusive, quando se considera o total das empresas privadas brasileiras, as organizações familiares são responsáveis por mais de 61% da receita delas e por pelo menos dois terços dos empregos oferecidos (LANSBERG, 1999; GERSICK et al., 2006; OLIVEIRA, 2006).

Uma das questões mais relevantes para que a empresa familiar possa perdurar dentro do mercado é a forma como ela enfrenta a questão do processo sucessório.

E isso, certamente, não somente pelos efeitos e mudanças diretivas e operacionais que dito processo traz à empresa, mas também pelos diversos fatores emocionais e intangíveis nele existentes. Estudos apontam que no Brasil apenas 30% do comando das empresas familiares nacionais passam da primeira para a segunda geração e ínfimos 5% para a terceira geração (OLIVEIRA, 2006; PASSOS et al., 2006).

Segundo Davis e Tagiuri (1989), a qualidade da relação de trabalho entre pais e filhos dentro do universo da empresa familiar varia de acordo com o estágio de vida deles. De acordo com os autores, em determinados momentos do ciclo de vida de cada um existe a tendência de melhor ou pior relação entre pais e filhos. É sabido que a atuação concomitante de sucessor e sucedido dentro do negócio familiar é fator relevante em relação à questão negocial e patrimonial como um todo. Por sua vez, Lansberg (1988) alerta para a ambivalência que toma pais e filhos, não somente em relação ao trabalho conjunto, mas especialmente no que diz respeito ao planejamento sucessório, assim como em relação à figura do outro, muitas vezes visto como uma ameaça.

Leone (2005) traz para o universo sucessório a figura do duelo. Esses duelos, que têm o potencial de extinguir a empresa, se dão pelo menos em três diferentes níveis: o duelo do sucedido com ele próprio; o duelo do sucedido na escolha do sucessor; e, por fim, o duelo entre sucessores. Mesmo que esses duelos, todos ou algum deles, não se apliquem em relação a casos específicos, é provável que tanto o pai-sucedido como o filho-sucessor apresentem convergências e divergências relativas à sucessão em pelo menos duas perspectivas: a da organização e a pessoal/emocional dos envolvidos.

Cabe ressaltar que a empresa familiar sofre o que Lansberg (1999) qualificou como um dilema de definição. Existe larga diferença nas opiniões dos pesquisadores quanto a uma única conceituação para esse tipo de empreendimento.

Para fins deste estudo, será adotado o seguinte conceito: • "Empresa familiar: controlada por uma única família, da qual dois ou mais de seus membros têm influência preponderante na direção do negócio, mediante cargos gerenciais/de governança, direitos de propriedade e relações familiares" (DAVIS, 2007, p.4).

O desenvolvimento do conceito de empresa familiar ganhou contribuição a partir do modelo proposto por John A. Davis e Renato Tagiuri, denominado Modelo de Três Círculos da Empresa Familiar (DAVIS, 2007, p.6), cuja representação é exposta na figura_1.

Esse modelo descreve a dinâmica da empresa familiar como composta por três subsistemas diferentes e independentes, porém superpostos: negócio (gestão), propriedade e família. Assim, qualquer ente, dentro de uma empresa familiar, pode fazer parte de um dos sete setores formados pelos círculos superpostos dos subsistemas. Alguns estarão em mais de um setor e outros em apenas um. É possível, portanto, a partir disso, mapear a presença da família nele (WARD, 2004; GERSICK et al., 2006).

Enquanto o modelo dos três círculos pode oferecer um quadro fotográfico da empresa familiar em determinado momento de sua existência, tal proposta tem uma limitação evidente: a ausência de análise em relação às mudanças trazidas pela dinâmica das empresas familiares, principalmente as relacionadas com a passagem do tempo, e a influência delas ao longo de sua trajetória.

Segundo Gersick et al. (2006, p.16), "é fácil ver como ca- da círculo muda quando as pessoas entram e saem dele ao lon- go do tempo". Independentemente de ocorrer na esfera da ges- tão, da propriedade ou da família, o fato é que se trata de um sistema dinâmico e evolutivo. Dessa forma, o resultado da inclusão do aspecto do desenvolvimento ao longo do tempo ao modelo dos três círculos resultou posteriormente no que se chamou de Modelo Tridimensional de Desenvolvimento da Empresa Familiar, constante na figura_2.

Em relação à sucessão, a literatura especializada concorda que esse é provavelmente o momento mais crítico pelo qual passa a empresa familiar, salientando que ela deve ser encarada como um processo e não como um evento (LANSBERG, 1999). No entanto, o dilema que muitas vezes se denota do trato do planejamento sucessório dentro das organizações familiares é evidente. Ao mesmo tempo em que o líder (muitas vezes o empreendedor e fundador da empresa) tem consciência que dele se espera uma postura austera e sábia em relação à questão da continuidade do empreendimento familiar, ele é, igualmente, confrontado com os próprios dramas pessoais, medos e ansiedades em relação ao tema. E descobre que abrir mão de seu papel na empresa é mais difícil do que imaginava (SONNENFELD, 1988; LANSBERG, 1999; POZA, 2004; TONDO, 2008).

Pode-se inferir que, principalmente para o sucedido, a su- cessão implica de certa forma o que Bauman (2008, p.69) clas- sifica como "o espectro da exclusão, da morte metafórica". Se- gundo o mesmo autor, um dos maiores dramas vivenciados pela humanidade nos dias atuais, no que ele classifica como "modernidade-líquida", é exatamente o medo de ser excluído, de ficar para trás, de certa forma tornar-se imprestável, descartável, elementos que se configuram como dilemas ante a questão, principalmente do ponto de vista de quem está deixando o poder.

Além disso, segundo Bauman (2007a, p.10), • "a responsabilidade em resolver os dilemas gerados por circunstâncias voláteis e constantemente instáveis é jogada sobre os ombros dos indivíduos ' dos quais se espera que sejam free-choosers e suportem plenamente as consequências de suas escolhas".

Ainda nas palavras desse autor: • "Não , então, uma boa escolha. Não se pode ficar com a torta e comê-la ' mas é exatamente isso que você é pressionado a fazer pelo ambiente em que tenta compor sua vida. Qualquer escolha que você faça, está arranjando confusão" (BAUMAN, 2007b, p.142).

A ambivalência do pai-sucedido também tem origem, se- gundo Erikson, Erikson e Kivnick (1986), em uma luta interior entre o que qualificam como "senso de integridade" e o "senso de desespero". O senso de integridade emerge de uma capacidade do líder de ter uma apreciação profunda de seu ciclo de vida, do processo de envelhecimento e da própria ligação entre as gerações ascendentes e descendentes. Essa consciência e a própria capacidade de apreciar suas realizações lhe permitem incentivar e colaborar com a transferência de poder aos sucessores dentro dos eixos da família e da empresa, possibilitando manter a sua vinculação ao negócio familiar de forma salutar, numa espécie de papel consultivo. A sensação de realização permite-lhe abrir mão, isto é, deixar que a nova geração assuma e ele próprio aproprie-se da sensação de dever cumprido.

Esses líderes provavelmente estarão mais preparados para participar de forma construtiva do processo sucessório (KANITZ, 2008).

O senso de desespero apontado por Erikson, Erikson e Kivnick (1986) reflete o lado sombrio e oposto do descrito anteriormente. A busca incessante por um último feito heroico, que possibilite uma suposta retirada triunfal pode levar o sucedido, envelhecido, a agarrar-se infinitamente ao poder estratégico da empresa, tornando-o incapaz de planejar e levar adiante o processo de sucessão.

Pode não haver, por parte desses sujeitos, um sentimento próprio de apropriação ou plenitude em relação ao que viveram, e eles não se sentem realizados, apesar da idade, temendo desesperadamente abrir mão do papel e do poder. Com frequência, tal relutância do pai-sucedido leva a empresa ao fracasso, por conta de um decréscimo de suas habilidades.

Ao postergar indefinidamente a transição de poder e a aposentadoria, o pai foge do conflito integridade X desespero. É como se lutasse pela própria sobrevivência, similar ao que Bauman (2008) descreve como o pavor da morte e o medo da exclusão. Nesse sentido, o filho-sucessor, antes visto como parceiro, agora pode ser percebido pelo pai como uma ameaça ao seu posto, mais um sinal do desespero, confusão e sofrimento vivido pelo patriarca (KANITZ, 2008).

Os sucessores também se defrontam com dilemas. Assim como no caso do sucedido, o potencial sucessor da empresa familiar vive uma forte situação de ambiguidade. Ao mesmo tempo em que busca a consolidação de sua identidade, depara-se com a fragilidade, por vezes física e mental, por conta do envelhecimento do pai-sucedido. Segundo Kanitz (2008, p.212), "o maior problema de um filho numa empresa familiar é o seu esforço e habilidade para alcançar uma identidade própria". Esse esforço, porém, pode gerar consequências tanto para a empresa quanto em relação ao pai-sucedido.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 3.1. Método Segundo Minayo, Deslandes e Gomes (2007), a metodo- logia é o caminho do pensamento e a prática exercida na abor- dagem da realidade. Na presente pesquisa exploratória qualitativa trabalha-se com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes dos pais- sucedidos e dos prováveis filhos/as sucessores/as.

3.2. Participantes da pesquisa Nesta pesquisa exploratória contou-se com uma amostra intencional de cinco pais sucedidos e sete prováveis filhos sucessores distribuídos em cinco pequenas e médias empresas familiares de três diferentes regiões do Brasil ' Sul, Sudeste e Nordeste ' que atuam em um mesmo e peculiar segmento de atividade na área de prestação de serviços. Essas empresas encontram-se nas fases de trabalho conjunto ou passagem do bastão, conforme proposto por Gersick et al. (2006).

Além disso, outro importante critério de escolha dessas empresas foi o de que pais-sucedidos e filhos-sucessores estivessem concomitantemente em atuação dentro da empresa familiar. Havia entre os sucedidos e prováveis sucessores uma relação de ascendência direta e expectativa de transferência de gestão e de propriedade, mesmo que parcial. No quadro abaixo consta a descrição dos participantes da pesquisa e suas empresas.

3.3. Coleta de dados Segundo Bauer e Gaskell (2002, p.78), as entrevistas individuais são recomendadas, dentre outras situações, "quando o tópico se refere a experiências individuais, detalhadas, esco- lhas e biografias pessoais" ou para abordar "assuntos de sensibilidade particular que podem provocar ansiedade".

Tondo (1999), por sua vez, afirma que é essencial que o entrevistador desenvolva uma relação de confiança com os entrevistados, a fim de colocá-los à vontade para relatar suas histórias dentro da empresa familiar.

O número de entrevistas da presente pesquisa levou em consideração a possibilidade de acesso às empresas e também o critério de saturação, ou seja, a possível regularidade referente às concepções, explicações e aos sentidos atribuídos pelos entrevistados, conforme apontado por Minayo, Deslandes e Gomes (2007). Uma vez contatados os cinco pais sucedidos ' não havia mães nessa condição ', foi-lhes solicitado que indicassem seus/suas prováveis sucessores/ as. Dos cinco sucedidos, apenas um (uma transição da segunda para a terceira geração) solicitou prazo de 24 horas para indicar o provável sucessor a fazer parte da pesquisa. Os demais indicaram seus filhos/as-sucessores/as imediatamente ao questionamento. Ocorreu que um dos sucedidos contatados (Empresa D), que tem um filho e uma filha participando como ele da gestão da empresa, ao ser questionado sobre a indicação de provável sucessor, respondeu de pronto, aos risos: "Viu? Por isso as empresas familiares quebram!" Todos os prováveis sucessores/as mostraram-se lisonjeados e disponíveis para a pesquisa.

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Foi acordado que as entrevistas seriam feitas na sequência, de forma individual, primeiro com o pai-sucedido e posteriormente com o filho/a- sucessor/a, preferencialmente no mesmo dia ou em dias seguidos. Realizadas nas sedes das empresas, com exceção de uma realizada no hotel onde o entrevistador estava hospedado, as entrevistas foram gravadas de forma consentida, totalizando aproximadamente 20 horas de duração, e posteriormente transcritas.

Duas empresas contam com a indicação de dois prováveis sucessores. Isso se deve ao fato de que dois sucedidos alteraram sua indicação durante a entrevista, expondo sua dúvida sobre o futuro sucessor de suas empresas. Dessa forma, o número de prováveis sucessores entrevistados para a pesquisa foi maior do que o número de sucedidos.

3.4. Análise dos dados Para a análise dos dados adotaram-se os seguintes passos habituais apresentados por Minayo, Deslandes e Gomes (2007): decompor o material a ser analisado em partes; distribuir as partes em categorias; fazer uma descrição do resultado da cate- gorização; fazer inferências dos resultados; interpretar os resultados com auxílio da fundamentação teórica adotada.

Os dados foram organizados em seis partes especiais para cada sujeito, definidos a partir dos roteiros de entrevista: percepções gerais; percepções gerais sobre as empresas familiares; percepções gerais sobre o processo sucessório; percepções sobre a própria empresa familiar e seu processo sucessório; percepções sobre o/a filho/a-sucessor/a ou sobre o pai-sucedido; e, finalmente, percepções próprias do momento e em relação ao futuro profissional.

A fim de obter-se êxito nessa tarefa, foi realizada, finalmente, a análise dos dados coletados a partir das narrativas disponíveis, uma articulação entre os objetivos da pesquisa, a base teórica adotada e os dados empíricos (MINAYO, DESLANDES e GOMES, 2007).

4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS Embora guardem semelhanças e inter-relações evidentes, os dilemas de pais e filhos dentro da empresa familiar, a partir da perspectiva sucessória, são diferentes. Em relação aos pais-sucedidos, a maioria dos dilemas diz respeito aos conflitos pessoais vivenciados a partir da mudança de papel no negócio, na família e, eventualmente, na própria questão da propriedade, o que confirma a correção sobre o entendimento das empresas familiares sob a perspectiva do Modelo de Três Círculos da Empresa Familiar (DAVIS e TAGIURI, 1989) e do Modelo Tridimensional de Desenvolvimento da Empresa Familiar (GERSICK et al., 2006).

no que tange aos filhos-sucessores, percebe-se que muitos de seus dilemas pessoais sobre o tema guardam relação com os próprios dilemas que estes identificam nos pais-sucedidos, como a frustração de não assumir o negócio frente ao receio de tirar o posto de liderança do próprio pai (KANITZ, 2008; KETS DE VRIES, CARLOCK e FLORENT-TREACY, 2009).

Dentro das empresas estudadas e a partir das entrevistas com os pais-sucedidos e os filhos-sucessores por eles indicados, foram identificados de forma majoritária os dilemas em relação à perspectiva sucessória, abordados a seguir.

4.1. Principais dilemas dos pais-sucedidos 4.1.1. Definições e indefinições ante a questão sucessória Dentre os principais dilemas inicialmente identificados está o da escolha do filho-sucessor da empresa familiar, haja vista que em nenhuma das empresas pesquisadas existe a situação de filho único. Ward (2004) mostra que um terço de todos os proprietários-diretores acima de 60 anos não tem em mente quem será seu sucessor no negócio.

Nas situações pesquisadas, a partir da escolha de um filho sucessor dentro da organização, ter-se-á automaticamente também presente a figura do filho não sucessor, o que pode ocorrer de forma harmônica, como, por outro lado, pode também gerar situações potencialmente conflituosas, restando evidente a dificuldade da família em separar os três círculos que envolvem a empresa familiar (GERSICK et al., 2006). Dentre as razões principais para a escolha do filho-sucessor, identificam-se aspectos como formação, experiência, esforço, vocação e também a falta de outras opções viáveis para exercer a função.

Outra questão importante identificada na pesquisa diz respeito à falta de transparência com que, em geral, o processo sucessório é conduzido nas empresas estudadas. Nesse sentido, uma das principais situações admitidas pelos pais- sucedidos é que existe pouca formalização em relação ao processo sucessório, seja em relação às questões gerenciais, seja no que diz respeito à situação patrimonial. São raras as conversas familiares sobre o tema e, quando estas acontecem, ocorrem por acaso, sem qualquer planejamento ou pauta.

• "Não conversamos sobre isso, sucessão, é um negócio bem amador, sabe? Não está sendo profissional... Não tem nada programado, nada planejado" (Pai-sucedido ' Empresa D).

As razões para a falta de abordagem desse tema são controversas. Os pais, em geral, parecem não entrar no tema até que um fato externo, em geral oriundo de doença ou risco iminente de morte, os obrigue a disparar o processo.

• "Eu tive agora esse problema no coração... Eu não morri por sorte [...] Então, eu verifiquei a fragilidade da vida, que você corre o risco de uma hora para outra morrer. fiquei apavorado, de começarem a se digladiar e a empresa ir por água abaixo. O que eu fiz? Eu falei: 'Bom, vou transferir para vocês a empresa' e fiz isso, dei a parte de cada um, aquilo que tinha direito" (Pai-sucedido ' Empresa C).

4.1.2. O papel do filho-sucessor e do filho não sucessor na empresa familiar Na perspectiva sucessória, um dos dilemas mais presentes nos pais-sucedidos entrevistados diz respeito ao papel do filho-sucessor e do filho não sucessor, porém atuante na empresa familiar. Na dupla função de pai e empresário, o sucedido encontra-se igualmente preocupado com ambas as situações em relação aos filhos.

Dentro desse contexto, identificou-se na pesquisa um desejo, explícito ou não, por parte da maioria dos pais-sucedidos de que a vida profissional dos filhos orbite em torno da firma familiar e que eles encontrem nela uma forma de convivência. Igualmente, a expressiva maioria dos pais-sucedidos tem plena consciência de que tal feito pode ser dos mais difíceis e, inclusive, levar a empresa futuramente ao fracasso.

• "Não é muito fácil. Outro dia, numa reunião, eu disse: 'Olha, assim vocês não vão longe'. Eu pretendo trabalhar esta questão, basicamente porque eu acho que a única coisa que pode dar errado na empresa é essa questão da sociedade entre as duas" (Pai-sucedido ' Empresa A).

Percebe-se também, a partir dos dados coletados, que existe por parte dos pais o desejo ou quiçá um sentimento de obrigação não somente para com os filhos, mas para com os familiares como um todo, inclusive genros e noras, de possibilitar que a vida destes possa ter na empresa um porto-seguro no caso de insucesso de outras aventuras profissionais, em que pese isso potencialmente trazer várias possibilidades de conflito e fracasso.

• "Os agregados, esses são os complicados. Os irmãos se dão bem e sempre vão se dar bem, o problema é os agregados... também tem que arrumar emprego para eles, vão trabalhar junto na empresa, o negócio começa a complicar" (Pai-sucedido ' Empresa D).

Outra questão vivenciada como dilema pelos pais-sucedidos, conforme Bauman (2007b), diz respeito a como lidar com a perspectiva do filho não sucessor, ou aquele que não estará exatamente numa posição de comando dentro da empresa familiar. Embora Passos et al. (2006) ressaltem a importância dos herdeiros não sucessores dentro do espectro da empresa familiar, tal situação é por vezes vista pelos pais como um "tratamento diferenciado indevido", restando nesses casos incerto o limite entre o papel de pai, que busca o melhor para os filhos, e o de empresário, que busca o melhor para a empresa.

Dentre as empresas pesquisadas, em apenas uma se cogita utilizar o sistema de gestão compartilhada entre os irmãos, talvez não por acaso a que tem o pai- sucedido mais jovem (50 anos). É possível que tal situação represente ' muito mais do que um desejo ' uma grande indefinição do pai-sucedido em relação ao futuro, até por conta do fato de ele não ter ainda refletido mais a fundo sobre quem deve ser a melhor alternativa para sucedê-lo.

4.1.3. A postura ambivalente ante o filho-sucessor • "Eu costumo brincar que o meu maior concorrente hoje é o meu filho.

Ele é o meu maior concorrente hoje porque ele pensa totalmente ao contrário de mim, ele é a água e eu sou o vinho" (Pai-sucedido ' Empresa D).

Uma das principais questões identificadas entre os pais-sucedidos entrevistados para o presente trabalho diz respeito a sua postura ambivalente ante o filho- sucessor. Em outras palavras, a partir da perspectiva sucessória na empresa familiar, nota-se em alguns casos que as mesmas características do filho- sucessor, que são vistas com admiração e respeito por parte de pais-sucedidos, podem igualmente trazer à tona neles sentimento de inveja ou medo, ocasionando a postura ambivalente e, inclusive, certa rivalidade.

Notadamente, tal situação tem a ver com o que Erikson, Erikson e Kivnick (1986) descrevem como a luta interna do sucedido entre o "senso de integridade" e o "senso de desespero", abordada previamente. Lansberg (1988) também destaca que os sentimentos ambivalentes são os principais responsáveis pela frequente relutância do sucedido em planejar a inevitável transição sucessória. Assim, como se pode observar também a partir de Bauman (2007a; 2007b), não saída satisfatória para uma situação que se mostra penosa e constrangedora para o sucedido, configurando-se como um dilema vivido, mesmo que para ele próprio não se apresente como tal.

A questão da divisão de poder também parece afetar sobremaneira a visão do pai- sucedido. Agir racionalmente em prol da continuidade da empresa, quando isso aponta para sua eventual exclusão de modo concreto ou fictício ' "você se sente fora" ' é algo que se faz acompanhar de sofrimento (BAUMAN, 2007a). O mesmo autor também aborda o medo intermitente de ser "deixado para trás" (2007b, p.17), conforme ilustra o pai-sucedido da empresa D.

• "Então, às vezes você se sente, quando está transferindo a tua...

digamos assim, a sucessão, está transferindo a empresa para eles, você se sente fora, meio peixe fora d'água [...] Então eles se reúnem e fazem um complô contra você" (Pai-sucedido ' Empresa D).

Em consequência, é possível perceber em alguns casos que os empreendedores e os sucessores desenvolvem sentimentos de rivalidade e inveja, o que pode ocasionar dificuldades graves em relação à questão sucessória. Conforme lembram Gersick et al. (2006, p.209), "os empreendedores tendem a ser personalidades narcisistas, que não acham fácil dividir as luzes da ribalta com outra pessoa, mesmo sendo esta uma filha ou um filho". Em alguns desses pais-sucedidos, identifica-se uma sensação ambígua, como se o fato de o filho tratá-lo de igual para igual dentro da empresa familiar representasse um entrave para a relação de ambos.

• "Era tudo comigo e agora mudou" (Pai-sucedido ' Empre- sa D).

• "Então, ela [filha] não gosta do jeito que eu ajo com ela e daí? Eu não gosto do jeito que ela age comigo, entendeu? Se fosse uma secretária, seria mais fácil pra mim: 'Faça isso, isso, isso e deu'" (Pai-sucedido ' Empresa D).

Lansberg (1988, p.126) destaca que "fundadores debatendo-se com a sucessão com frequência experimentam poderosos sentimentos de rivalidade e inveja em direção aos sucessores potenciais". Esse fato é observado na Empresa C, em que o filho- sucessor percebe, segundo suas palavras, um "conflito constante" no pai- sucedido em relação à passagem de poder na empresa familiar. Em consonância com a visão de Leone (2005), esse filho-sucessor afirma ser esse "um duelo [do pai] com ele mesmo. Um duelo com ele mesmo e um duelo comigo". E ressalta: "Eu sinto que, para ele, cada decisão que eu tomo é um conflito. Eu sinto isto".

4.1.4. A perda de um papel fundamental no cotidiano do negócio A partir da perspectiva da sucessão, uma das situações potencialmente mais delicadas e que devem ser enfrentadas pelo pai-sucedido é o processo no qual este vai perdendo o papel fundamental que antes desempenhava no negócio familiar. Nunca é demais lembrar que, em geral, a empresa familiar foi concebida, nasceu e desenvolveu-se sob a tutela de um personagem central, com frequência o próprio fundador, quase sempre com fortes características empreendedoras e até mesmo visto como um herói, que passou a tratá-la muitas vezes de maneira indiferenciada de si, ou seja, sem a consciência real sobre os limites entre a própria identidade e a da firma (SONNENFELD, 1988; SONNENFELD e SPENCE, 1989).

Na pesquisa realizada, foi possível encontrar diferentes maneiras de os sucedidos encararem a perda de poder dentro da empresa familiar, uma transformação que pode levá-los a se tornarem elementos figurativos dentro do próprio negócio que outrora conceberam e desenvolveram, algo similar ao que Bauman (2008) define como morte metafórica. Alguns sucedidos entendem ser esse um processo natural e que a partir dele devem reorganizar-se pessoalmente e suas vidas, de acordo com essa perspectiva. Outros mostram maior dificuldade em lidar com essa situação, demonstrando um suposto desdém pela empresa ou atribuindo a uma necessidade intrínseca da firma ou a eventuais questões de mercado a justificativa para sua relutância em fazer evoluir o processo sucessório (SONNENFELD, 1988; POZA, 2004).

Algo unânime entre os pais-sucedidos foi a percepção e até mesmo o desejo de permanecerem vinculados de alguma forma à empresa, mesmo que em idade avançada e após a passagem do bastão. Nenhum dos sucedidos entrevistados mencionou interesse em afastar-se completamente do negócio a partir da perspectiva de sucessão. Todos veem como importante a continuidade de sua participação, de forma a servir de suporte ou até mesmo como mentor do filho-sucessor, embora esse formato em geral esteja muito pouco estruturado e discutido dentro da empresa e entre os partícipes do processo. Em outras palavras, não bem certeza de como este envolvimento se dará na prática, no futuro.

• "Até digo que quero continuar participando do que está acontecendo, sei , reuniões, decisões, coisa e tal, mas o dia a dia entregar mesmo. [...] Eu... claro que não penso em botar um pijama e ficar em casa, mas em todo caso eu acho que tenho que passar o bastão mesmo" (Pai-sucedido ' Empresa B).

• "Eu não me vejo afastado, fora do negócio. Eu acho que eu vou até o fim" (Pai-sucedido ' Empresa E).

Outra questão que apareceu com frequência nas entrevistas com os pais-sucedidos foi a preocupação em não conseguirem acompanhar a evolução da geração mais jovem. O pai-sucedido da Empresa D abordou esse ponto: "Acho que todo pai tem essa sensação de estar ficando para trás, que o filho sabe mais do que você, que está ficando ultrapassado". Assim, o desejo de ver concretizado o sonho de possibilitar ao filho tornar-se um profissional admirado é concomitantemente vivido com o medo de tornar-se ultrapassado, descartável, excluído, conforme Bauman (2007b), caracterizando-se tal como um dilema.

Percebe-se, portanto, que os sucedidos identificam-se de tal forma com suas empresas que qualquer papel coadjuvante nelas pode representar para si próprios algo próximo a um processo de luto (SONNENFELD, 1988; BAUMAN, 2008), mesmo que de forma consciente alguns desses sujeitos tenham presente que a sucessão representa um caminho não somente apropriado, mas inexorável em determinado momento.

4.1.5. Os novos caminhos pessoais e profissionais pós-sucessão Um dos grandes desafios para qualquer líder empresarial prestes a concluir o processo de sucessão dentro de uma organização familiar é descobrir novas fontes de satisfação longe da empresa e do estilo de vida ao qual esteve acostumado, muitas vezes por algumas décadas.

Previsivelmente, essa situação nem sempre é fácil. O fato é que o papel de líder, não somente empresarial, mas da própria família, pode aderir à própria personalidade do sujeito, causando, conforme antes exposto, uma confusão pessoal e de status entre a identidade pessoal e profissional, entre o controle do negócio e o da família, conforme aponta Ward (2004). Essa realidade com frequência envolve dificuldades em fazer com que esses líderes se sintam aptos a abrir mão do poder na hora certa. Isso se em boa parte porque uma sensação generalizada de que a aposentadoria representaria, por assim dizer, uma morte de fato ou metafórica (BAUMAN, 2008) para quem está se retirando de um papel que faz parte de seu íntimo. Em outras palavras, é como se não houvesse vida além daquela com a qual o líder se acostumou (SONNENFELD, 1988; SONNENFELD e SPENCE, 1989).

• "Estou passando por uma fase para poder ver como é que vou adiante... Porque as pessoas estão vivendo mais e têm que trabalhar, têm que ter uma atividade, nem que seja músico [...] Por exemplo, se você der o azar de viver 90 anos, como é que vai ser?" (Pai-sucedido ' Empresa A).

• "Eu estou assim um pouco preocupado porque esse negócio de ficar com muito tempo disponível... Quer dizer, de um lado os problemas diminuíram, os problemas existenciais diminuíram, os problemas de negócio diminuíram, mas é um problema que eu me encontro agora, o que eu faço, vamos dizer assim, com o desenvolvimento da minha vida..." (Pai-sucedido ' Empresa A).

4.2. Principais dilemas dos filhos-sucessores 4.2.1. Informalidade e indefinições na empresa familiar Identificou-se, junto à parte dos filhos-sucessores, grande desconforto no que diz respeito à informalidade excessiva e por vezes perniciosa que é encontrada em algumas empresas familiares, ocasionando indefinições e mistura de papéis dentro da organização que podem trazer descontentamento, frustração e até mesmo os temidos conflitos de poder entre os participantes do processo, exatamente em linha diversa do que propõem Gersick et al. (2006) e Passos et al. (2006).

Igualmente, foi identificado também junto aos filhos-sucessores certo mal-estar com a falta de discussões em família sobre o tema sucessão, como se esse assunto fosse, por assim dizer, proibido ou representasse verdadeiro tabu dentro do espectro familiar.

Praticamente uníssona entre os filhos-sucessores foi a percepção de que pouco diálogo entre os familiares envolvidos na condução do processo sucessório ou sobre o tema. Não existem, por exemplo, definições prévias sobre seu tempo de duração, um cronograma que permita que se façam as adequações necessárias e o conhecimento prévio de quais as ideias dos pais-sucedidos sobre o futuro da empresa, inclusive a informação sobre quem será o sucessor e mesmo que tipo de estrutura de propriedade ou modelo de gestão se pensará doravante. Com isso, o sucessor fica muitas vezes com o próprio futuro profissional indefinido, simplesmente por não saber qual é o plano do sucedido, ou se existe algum.

Curiosamente, porém, esses assuntos são quase um tabu dentro do contexto familiar. O filho-sucessor da Empresa E, por exemplo, tem a seguinte percepção: • "Sabe, às vezes é a dificuldade de conversar entre si, melindre, não sei o que passa na cabeça das pessoas, mas o fato é que... fica uma pendência".

Dentre outras situações de indefinição, a mais grave aparenta ser a falta de um modelo futuro e da própria comunicação ou discussão dele com os envolvidos, e principalmente de quem será o sucessor na empresa, ou mesmo se ela deverá estar futuramente sob a égide de uma gestão compartilhada. Nesse sentido, é possível perceber que os sucessores, em algumas situações, dependem da solução dos dilemas parentais para que possam passar a cuidar dos seus (KANITZ, 2008; KETS DE VRIES, CARLOCK e FLORENT-TREACY, 2009).

4.2.2. A falta de transparência em relação ao processo sucessório Fica claro que existe um sem-número de silêncios por parte dos sucessores no que se refere à questão sucessória dentro da empresa familiar. Por uma razão ou outra, tais abordagens são colocadas de lado, adiadas, supostamente esquecidas ou simplesmente omitidas, a fim de não trazerem à tona eventuais assuntos difíceis ou pontos de vista divergentes.

Unanimemente, os 12 sujeitos entrevistados, sejam pais-sucedidos, sejam filhos- sucessores, afirmam que a responsabilidade principal e de liderança na condução do processo sucessório é do pai. Ocorre que por diversos motivos, alguns dos quais abordados, os sucedidos muitas vezes adiam indefinidamente o tema, não conseguindo estabelecer formalmente um canal de diálogo com o restante dos familiares ou mesmo um cronograma passo a passo para transferência de suas incumbências executivas. Aronoff, McClure e Ward (2003) afirmam que, ao evitar o assunto sucessório, os proprietários procuram proteger a si próprios de tomar as difíceis decisões envolvidas no tema. Mesmo nesses casos, os filhos- sucessores, em sua maioria, preferem não trazer esse assunto à tona com o genitor, a fim de evitar serem mal interpretados por ele, de forma a parecerem gananciosos, interesseiros ou mesmo "querendo a morte" do pai, conforme Ramírez (2007).

• "[sobre se essas conversas deveriam ser formalizadas] Eu acho que sim, eu acho que sim, mas eu acho que exige uma maturidade que a gente não tem hoje para sentar e falar disso... Falta coragem, falta coragem porque pode surgir alguma mágoa, sabe? Então eu vou evitar falar disso que ninguém fica magoado, e a gente tem uma relação super boa" (Filha-sucessora ' Empresa B).

Passos et al. (2006, p.92) reiteram que as discussões sobre o planejamento da sucessão somente podem acontecer com a permissão do líder da atual geração: "A ele cabe abrir caminho para que as conversas aconteçam, inclusive com prazos para as diversas etapas do processo".

4.2.3. A empresa como elo salvador da família • "Mas eu assumo, eu não teria coragem ' por mais incompetente que ele fosse ' de demitir um tio meu..." (Filha-sucessora ' Empresa B).

Situação sabidamente comum em muitas organizações fami- liares é a visão que membros da família têm em relação à própria empresa, como uma solução de vida, principalmente no que diz respeito ao aspecto profissional. Vista desse prisma, a empresa familiar ultrapassa os limites de um negócio usual e passa a representar uma salvação para a vida de alguns familiares.

Em algumas das empresas pesquisadas, essa visão é real. Ela acontece principalmente nas famílias de tamanho crescente, em geral na terceira geração.

A questão é que, enquanto muitos agregam e criam valor ao negócio e acabam por merecer a confiança dos demais familiares e do próprio líder principal, alçando um papel relevante dentro da organização, outros não somente nada acrescentam, como também podem, em alguns casos, prejudicar de forma cabal o andamento da empresa.

No universo da pesquisa, existe claramente a percepção de que a empresa familiar pode ser uma saída para dificuldades pessoais de membros da família, como uma escolha profissional inadequada, uma demissão inesperada ou mesmo uma carreira estagnada fora da organização. Ocorre que um limite para is- so. A questão do nepotismo, conforme abordada, dentre outros autores, por Ramírez (2007), envolve alçar um familiar a determinada posição dentro da empresa somente por causa de seu parentesco, e não por sua competência. Nesse sentido, a falta de discernimento causada pela mistura dos sentimentos de amor pela família com o papel de principal gestor do negócio familiar configura-se como um dilema e acaba por confundir o líder e obrigá-lo indiretamente a tomar decisões conflitantes em certo grau.

A maioria dos filhos-sucessores afirmou ter relação muito positiva com os demais irmãos que atuam na empresa. Entretanto, em pelo menos dois casos, os sucessores expressamente admitiram dificuldades. O mais agudo foi o exposto pelo filho-sucessor da empresa C. Filho único da atual esposa do pai (seus dois irmãos são filhos da primeira esposa, falecida), duas décadas mais jovem do que os demais e com maior espírito empreendedor, formação e capacidade gerencial, as perspectivas de convivência futura entre os irmãos parecem ser sombrias, em que pese a determinação e o idealismo do pai-sucedido em sonhar com a possibilidade de contar com os três filhos trabalhando juntos no negócio.

Um dos irmãos é hoje colega do sucessor na diretoria da empresa. Mas tem papel praticamente simbólico, tendo sido readmitido pelo pai mesmo após tê-lo traído de forma explícita a partir da abertura de um negócio concorrente. O sucessor descreve sua percepção do episódio: • " largou meu pai na mão e foi montar a empresa dele e, mesmo assim, depois que se deu mal, meu pai aceitou de volta: 'Vem, filho, aqui está teu dinheirinho'".

Apesar de ironizar a atitude do pai, o sucessor acaba por admitir que ela seja compreensível. "Ele tem três filhos, então como é que meu pai ia deixar o cara na mão, ?" Essa situação reforça a importância de definição prévia e expressa por parte da família empresária do papel de cada membro no negócio, dentro do modelo de três círculos (GERSICK et al., 2006).

4.2.4. A sensação de culpa, incompetência e/ou falta de legitimidade Foi possível identificar alguns dilemas próprios dos sucessores, tendo origem no que pode se denominar como seu dilema original: as dúvidas em relação à própria competência e legitimidade ante a posição que ocupam. Nesse sentido, surgiu com peso nas entrevistas realizadas a conotação negativa atribuída ao status defilho/filha do dono. É possível perceber que essa denominação representa um peso adicional aos sucessores, trazendo para alguns uma sensação de culpa e, para outros, a preocupação com sua imagem pessoal e com os exemplos a serem dados aos funcionários. Em alguns casos, foi possível perceber o desejo dos próprios sucessores em fugir dessa denominação de filho/filha do dono, dando a entender que necessitam legitimar-se pelas próprias forças, independentemente do parentesco com o líder principal da empresa.

Outro dilema bastante perceptível nos filhos-sucessores relaciona-se a certa dificuldade deles em lidar com a possível perda de poder do pai na organização.

Existe nos sucessores, nesse caso, um dilema entre assumir o comando da empresa e a eventual perda da convivência com o sucedido, como profissional e também como pai. Uma situação aparentemente difícil para os sucessores, que muitas vezes veem a saída do pai da empresa familiar como um tipo figurado de morte (BAUMAN, 2007b; 2008).

O sucessor da empresa C resume abaixo o sofrimento que ele próprio vive entre o forte e importante simbolismo de passagem de bastão por parte do pai, em relação à perda pessoal que essa eventual atitude trará para si: • "A parte profissional quer [a legitimação por parte do pai], quer porque vai valorizar tudo o que eu fiz, tudo que eu estudei, tudo que eu me preparei, tudo o que conheço da empresa... O dia que ele falar isto, , eu realmente cumpri a minha missão como sucessor, ?... Ou seja, meu pai assumiu isto. Por outro lado, a partir do momento que ele assumir [a competência do filho], ele não vem mais e o dia em que ele não vier mais, eu vou sentir" (Filho-sucessor ' Empresa C).

Identificou-se, portanto, que os filhos-sucessores não desejam ser eles próprios a razão para a saída completa do pai das atividades da empresa familiar, em que pese nutrirem a expectativa de concretização da sucessão.

4.2.5. A ascensão profissional ante a decadência do sucedido • "Coincidiu [o declínio do pai] com o meu crescimento dentro da empresa... Isto até chegou a criar problema... Eu cheguei a considerar: 'Vale a pena eu assumir a empresa?' Fiquei meio grilado... Falei: ', estou vendo meu pai definhar... será que vale a pena eu assumir a empresa?' que pensei: 'Se eu não assumir a empresa, o que vai ser do futuro desta família?'" (Filho-sucessor ' Empresa C).

Trata-se de um dilema relativo à encruzilhada em que se encontram os sucedidos em relação ao inexorável processo do envelhecimento. Esse dilema, em geral, desdobra-se aos filhos, visto que é originado no drama paterno vivenciado em função da gradativa consciência adquirida sobre o envelhecimento e a própria mortalidade.

Dentro do espectro deste trabalho, o dilema mais presente entre os sucessores é exatamente como lidar com a própria ascensão profissional, a partir do simultâneo declínio do pai-sucedido. Nesse sentido, percebe-se uma tendência dos filhos-sucessores, na maioria das vezes referendada pelos pais-sucedidos, em buscarem estender o período relativo à fase de trabalho conjunto, conforme Gersick et al. (2006), para além do que poderia parecer razoável, pelo menos do ponto de vista conceitual, a fim de evitarem a vivência do dilema.

Apenas uma das empresas do presente estudo (Empresa C) encontrava-se na fase de passagem do bastão (GERSICK et al., 2006). Não por acaso, o filho-sucessor da referida empresa abordou muitas vezes o dilema vivido pelo pai entre abrir mão do poder e continuar a sentir-se vivo. "Eu não sei, acho que ele acha que perdeu a importância... que na verdade não perdeu, na verdade a decisão dele é tudo para mim ainda", diz. Apesar de tudo, o filho-sucessor reconhece que sofre com a situação pela qual o pai passa. "É doido. Eu consigo me colocar no papel dele, mas talvez não consiga sentir a dor que ele sinta, não consigo imaginar a dor que ele sinta para passar [o bastão] mesmo", diz.

Trata-se, portanto, de um dilema vivido pelo sucessor entre assumir seu papel dentro da empresa familiar e possivelmente com isso acabar enviando o pai a uma verdadeira insignificância, ou, segundo Bauman (2007b), deixá-lo para trás, remetendo-o simbolicamente para a lata do lixo como elemento descartável ou inútil, a partir do fato de que nesse caso os conceitos de aposentadoria e morte podem ser percebidos como inseparáveis (SONNENFELD, 1988; SONNENFELD e SPENCE, 1989).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A questão sucessória que envolve pais e filhos é tema repleto de dilemas entre os envolvidos diretamente no processo. Em relação ao sucedido, a vivência dos dilemas relativos ao processo sucessório nas empresas familiares mostrou-se atrelada à ideia de vida e morte. A sucessão, ou a passagem do bastão, conforme menciona a literatura especializada (entre outros, LANSBERG, 1999; GERSICK et al., 2006; PASSOS et al., 2006), contempla a luta do sucedido pela sobrevivência, o horror da expiração, o medo de ser excluído e o pavor do morrer, sentimentos que Bauman (2007b; 2008) constata como presentes na sociedade líquido-moderna, bem como os sensos de integridade e de desespero, que Erikson, Erikson e Kivnick (1986) elencam e autores que se debruçam especificamente sobre a empresa familiar legitimam.

No que toca aos filhos-sucessores, é possível concluir, a partir dos dados da presente pesquisa, que os dilemas que vivenciam estão vinculados à busca de legitimação, pela aprovação e valorização por parte dos pais-sucedidos, assim como dos demais stakeholders da empresa. Para os filhos-sucessores, parece ser necessário que passem por algum tipo de confirmação social, incluídos os diversos públicos: o próprio corpo funcional da empresa, que frequentemente os tem meramente como filho/filha do dono; a sociedade como um todo, que muitas vezes não oferece aos sucessores o crédito que estes esperam, devido ao fato de os perceberem como meros afortunados por serem herdeiros da empresa da família; e eles próprios, que não raro padecem com sentimentos próprios de falta de merecimento ou mesmo culpa por estarem na posição que ocupam.

Tomando-se os principais dilemas identificados no presente estudo, tanto de parte dos pais-sucedidos como também dos filhos-sucessores, percebe-se que, ao menos indiretamente, todos eles relacionam-se aos conceitos literais e principalmente simbólicos do viver e do morrer. A sucessão, nesse sentido, carrega um sofrimento que se relaciona com a vida e a morte.

Em geral, os pais-sucedidos construíram tamanha identificação com suas empresas/criaturas que, a rigor, não veem sentido em viver fora delas. Aliás, tornam-se dependentes delas em vários aspectos. Como aspecto tangível, encontra-se o financeiro. Como intangível, destaca-se a dependência emocional decorrente do fato de que muitos desses sujeitos confundem-se com a empresa, vendo a si próprios como sendoa própria empresa e vice-versa.

O dilema presente nos filhos-sucessores pela própria legitimação, conforme dito anteriormente, é o mais evidente. Trata-se de um dilema porque, ao envolver a questão da legitimação, envolve também uma simultânea mudança do papel exercido pelo pai. Essas mudanças que envolvem o papel do pai-sucedido na empresa causam uma série de reações nos filhos-sucessores. Os filhos acabam por viver os próprios dilemas e também são afetados pelos dilemas vivenciados pelos pais, assim como estes últimos são influenciados pelos dilemas dos filhos. Dessa forma, resta evidente que esses dilemas vivenciados por pais e filhos têm efetivamente potencial para comprometer o processo sucessório nas empresas familiares pesquisadas.

É possível que o presente trabalho contribua para a pesquisa nessa área de conhecimento ao oferecer uma visão específica sobre os dilemas vivenciados por pais e filhos ante a questão sucessória nas pequenas e médias empresas familiares pesquisadas. Conforme o objetivo principal proposto, foi possível descrever e compreender como se expressam os dilemas entre pais e filhos concomitantemente em atuação em relação ao processo sucessório nas pequenas e médias empresas familiares pesquisadas.

A pesquisa aqui relatada tem algumas limitações: a impossibilidade de automática generalização dos resultados en- contrados, devido às condições peculiares encontradas nas empresas pesquisadas; a impossibilidade de identificação do segmento de negócio pesquisado para o presente trabalho, o que poderia permitir o aprofundamento da análise do objeto de estudo e maior argumentação em prol das análises realizadas; a possível necessidade de uma abordagem mais aprofundada em outras áreas do conhecimento, de preferência por meio de uma estrutura multidisciplinar, haja vista os aspectos envolvidos terem vieses diversos.

As sugestões para futuras pesquisas são no sentido de avaliar em profundidade aspectos relacionados a determinadas fases da vida dos sujeitos, pais-sucedidos e filhos-sucessores, haja vista que visivelmente cada momento de vida tem pontos específicos a serem abordados, conforme expuseram anteriormente Davis e Tagiuri (1989). Outro aspecto que pode merecer estudo mais aprofundado diz respeito à influência dos arquétipos de vida e morte no que tange à questão sucessória, além de suas abordagens em diferentes culturas, visto que estas sabidamente têm influência na forma como a sociedade e, em consequência, os próprios sujeitos percebem essa situação. Outra sugestão, ainda, para pesquisa futura é aprofundar o estudo sobre como se opera a questão sucessória junto aos coadjuvantes do processo, entre eles os filhos não sucessores que trabalham na empresa, os familiares acionistas que não atuam no negócio, o próprio corpo gerencial e que não faz parte da família empresária, assim como os demais parceiros estratégicos. Por fim, é possível estudar casos nos quais, ao contrário do que ocorre neste estudo, os pais-sucedidos não tenham filhos- sucessores aptos, qualificados ou disponíveis para continuarem o empreendimento familiar.


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