Por que ocorre? Como lidar? A percepção de professores de graduação em
Administração sobre o assédio moral
1. INTRODUÇÃO
Como se tem observado ultimamente em muitas pesquisas (FARRINGTON, 1993; SOUZA-
SILVA e DAVEL, 2005), o assédio moral na relação aluno-professor, ou seja, do
aluno para com o professor, tem sido incrementado, sobretudo, com o processo de
mercantilização do ensino superior (BARTLETT et al., 2002). Tal processo
insere-se, por um lado, num cenário de desvalorização da figura do professor e,
por outro, de exaltação da concepção do aluno-cliente que jamais deve ser
contrariado, pois ele é a fonte de lucro e continuidade da instituição
educacional no mercado. Nesse sentido, os princípios educacionais mais nobres
são esquecidos ou fragilizados e a figura do educador vulgariza-se em nome de
valores mar-cadamente comerciais ou mercantilistas. Abre-se espaço para
práticas de assédio moral na relação aluno-professor, tais como: comentários
depreciativos, acusações agressivas, perturbações na ordem da sala de aula,
desrespeito em relação à figura do mestre, sarcasmo, falta de atenção
intencional, dentre outras (GALLINDO, 2009; PAIXÃO, SANTOS e MARTINS FILHO,
2009).
O assédio moral (AM) constitui-se no descumprimento de regras de trato social
essenciais ao convívio das pessoas em um grupo social. Mais especificamente,
traduz-se numa ação humana orientada ao constrangimento, coação ou perseguição
repetitiva e que resulta por ferir princípios, valores e direitos individuais,
gerando um comportamento ofensivo à moralidade do ser humano. Nesse sentido, o
AM pode provocar sérios danos a suas vítimas, tais como queda significativa no
desempenho profissional, isolamento social, problemas psicológicos e impactos
negativos na autoestima (FARRINGTON, 1993).
O AM no campo do Direito é associado à noção de dano moral, que se constitui na
geração de sofrimento humano, causando lesão aos bens ou direitos de uma pessoa
(CAVALIERI FILHO, 2004; CASSAR, 2010). Na área de Psicologia, trata-se de todo
comportamento repetitivo e intencional que promove violência psicológica,
contribuindo para causar traumas, estresse e outras repercussões de ordem
psicossocial.
O propósito neste artigo é compreender por que acontece o assédio moral no
vetor aluno-professor e o que pode ser feito para que esse comportamento seja
evitado. Em outras palavras, busca-se, aqui, entender os motivos que contribuem
para que os alunos tenham atitudes depreciativas, constrangedoras e agressivas
no trato com seus professores, bem como quais são as ações que devem ser
tomadas para coibir esse tipo de comportamento.
Para cumprir o objetivo dessa investigação, este artigo está dividido em cinco
partes, incluindo esta introdução que representa a primeira delas. Na segunda
parte, é apresentado o referencial teórico acerca do construto da pesquisa:
assédio moral. No referencial teórico, foi dada ênfase à conceituação de
assédio moral sob a perspectiva da Psicologia e do Direito. A terceira parte é
dedicada a explicar o método escolhido. A metodologia caracterizou-se por ser
qualiquantitativa e utilizou-se como estratégia metodológica o discurso do
sujeito coletivo (DSC). Na quarta parte apresentam-se as análises obtidas a
partir dos dados coletados e discursos construídos. Finalmente, na quinta
parte, cuidou-se de tecer considerações finais sobre a pesquisa, suas
limitações e sugestões de estudos futuros.
2. O ASSÉDIO MORAL
A prática do assédio moral não é nova. De fato, a ação perversa ocorre há muito
tempo no Brasil, como no período da escravatura, por exemplo. O que é
relativamente novo é uma busca pela discussão, pela punição, pela
criminalização (FREITAS, 1996), pelo entendimento do fato gerador, por ações
reparadoras e, principalmente, por outras que previnam ou evitem o assédio,
além da ampla cobertura simultânea nos meios acadêmicos, jornalísticos,
organizacionais, sindicais, políticos, médicos e jurídicos (FREITAS, 2007).
As regras de trato social são padrões definidos para a conduta da sociedade que
as pessoas devem seguir. Ela está sob coordenação da moral coletiva e somente
se dá no contexto das relações entre indivíduos, não existindo de forma
isolada. Sua sanção é difusa, pois seu descumprimento consiste na reprovação
por um grupo social (FIUZA, 2004).
O assédio moral enquadra-se no descumprimento dessa regra de trato social por
ser uma ação humana que se traduz em coação, em constrangimento ou em
perseguição repetitiva, atingindo os princípios e valores individuais,
qualificada em vários campos de estudo como uma atitude ofensiva à moralidade
humana. Neste artigo, apresentam-se os conceitos e definições de ordem
psicológica e jurídica.
Para a Psicologia, o AM corresponde a uma ação desprovida de ética e contumaz,
que causa violência psicológica e intencional, causando estresse psicossocial
no indivíduo agredido (LEYMANN, 1996). Portanto, é uma atitude ou conduta
abusiva e sistemática por parte de um agressor, que age com a intenção de
causar danos à personalidade, à dignidade e/ou à integridade física de outrem
(HIRIGOYEN, 2002a, 2002b). Assim, o AM desestabiliza a pessoa agredida,
constrange-a, humilha-a, causando-lhe danos psicológicos sérios, que podem
culminar com a desistência do trabalho por parte da vítima. Vega e Comer
(2005), por sua vez, em sua pesquisa sobre o assédio moral no ambiente laboral,
dizem que tal prática traz impactos negativos impressionantes à vítima, como
abandono de emprego, redução na produtividade, perda de criatividade e declínio
no processo de inovação organizacional.
Na área do Direito, o assédio moral é tratado junto com o conceito de dano
moral. Nesse sentido, o Direito aceita a definição da Psicologia e acrescenta-
lhe um agravante chamado ato ilícito, no qual o dano moral está circunscrito.
Surge daí o dano moral, que decorre da lesão de um direito ou interesse
subjetivo não materializado.
Freitas (2005) assevera que algumas características ou medidas tornam o assédio
difícil de ser combatido. Ele configura-se como uma recusa à comunicação
direta, uma desqualificação, o descrédito, o isolamento, o constrangimento, a
indução à falta ou ao erro e o assédio sexual, os quais ocorrem de forma
sorrateira, lenta, apesar de constante, e praticado de forma subjacente e
sutil.
Quanto à classificação, Hirigoyen (2002a) define que o AM pode ser de quatro
tipos: horizontal, vertical ascendente, vertical descendente e misto. Para
Freitas (2005), em ambiente de trabalho podem ocorrer as seguintes situações:
um colega assediado por outro colega, um superior assediado por um subordinado
e um subordinado assediado por um superior. Rezende (2006), por sua vez,
corrobora as ideias de Freitas (1996) ao afirmar que existem apenas três dessas
categorias: o AM vertical, o vertical ascendente e o horizontal. O AM vertical
ascendente, que implica o assédio por um subordinado a um superior hierárquico
é a classificação abordada neste artigo.
Por acontecer de variadas formas, o AM é difícil de ser identificado e provado
nos tribunais. Há vulnerabilidade no conceito porque existem muitas ações que
podem ser consideradas AM, tais como culpar uma pessoa por erros profissionais,
submeter a vítima a acusações ou insinuações maldosas, impor certo isolamento à
vítima, desconsiderar o trabalho da pessoa, impor à vítima condições de
trabalho insalubres, estabelecer tratamento desigual entre pares, entre outras.
Contudo, todas as definições de assédio moral, como diz Rezende (2006), têm a
conexão de ser sistemáticas e deliberadas com o objetivo de posicionar a vítima
em situação desfavorável.
2.1. O assédio moral e o dano moral
O AM, em termos de representatividade jurídica, é visto como dano moral,
elemento que pode dar causa a uma ação jurídica civil nos tribunais
brasileiros. Limongi-França (1988, apud MORAES, 2009) afirma que o dano moral é
aquele que a pessoa (jurídica ou física) ou a coletividade sofre no aspecto não
econômico de seus bens jurídicos. Cavalieri Filho (2004, p.95) diz ser
"qualquer agressão à dignidade pessoal que lesiona a honra". Savatier (1951,
apud CASSAR, 2010, p.909) informa que se traduz em "todo sofrimento humano que
não resulta de uma perda pecuniária". Cassar (2010, p.910) cientifica que é o
"resultado de uma ação, omissão [...] que causa lesão ou magoa bens ou direitos
da pessoa, ligados à esfera jurídica do sujeito de direito". Carrion (2004,
p.351) discorre que o dano moral "atinge os direitos da personalidade, sem
valor econômico, tal como dor mental psíquica ou física".
Nas afirmações dos autores citados, identificam-se as várias definições de dano
moral que podem ser extraídas da literatura jurídica, todavia, todas convergem
para um mesmo fim: a integridade pessoal sendo aviltada e precisando de reparo
jurídico. O AM, desse modo, é tratado juridicamente como atentado imaterial ao
direito subjetivo da pessoa vitimada. No caso de AM, o direito da personalidade
é ferido e sua reparação poderá ser solicitada apenas pelo ofendido.
Em divulgação no site do Tribunal Superior do Trabalho (TST), o Ministro Ives
Gandra Martins informa que não há preço para a restauração de lesões por ofensa
e "a ausência de previsão legal quanto aos critérios da quantificação da
indenização leva o julgador a adotar o princípio da razoabilidade" (BRASIL,
2005). A saber, essa razoabilidade deve identificar a extensão do dano, a
situação patrimonial e a imagem do lesado, a situação patrimonial e a intenção
do ofensor.
Apesar de os valores indenizatórios não serem bem definidos como afirma o
Ministro, o AM pode ser caracterizado pelos elementos: sujeito, conduta,
reiteração e sistematização da conduta e consciência do agente (ALKIMIN, 2006).
Percebe-se, diante desse contexto, como é problemática a situação para a vítima
de AM, pois é obrigada a pleitear seus direitos e identificar provas em
tribunais, quando está abalado psiquicamente. Muitas das vezes, essas provas
são testemunhos de colegas de trabalho, os quais se sentem coagidos pela
situação em que se encontram ante a empresa. Em outros casos, a vítima perde o
emprego e todos os contatos que possam lhe dar essas provas. Para complicar
mais ainda a situação da vítima, o AM tem tomado um caminho de banalização, no
qual alguns indivíduos adentram aos tribunais apenas por dificuldades
corriqueiras com suas chefias, causando discussões jurídicas que dificultam a
qualificação do dano para quem efetivamente necessita dele.
As sanções brasileiras quanto a esse tipo de agressão não entram na esfera
penal nem sequer são cogitadas como passíveis de serem atendidas nesse campo,
pois a ofensa moral, apesar de grave e de causar danos irreversíveis a algumas
pessoas, não é qualificada como crime. A punição é pecuniária e tem o fim de
ajustar a conduta do ofensor.
2.2. O assédio moral e as instituições de ensino
Segundo Farrington (1993), o tema assédio moral em instituições de ensino
começou a ser pesquisado a partir da obra Aggression in the schools (OLWEUS,
1978). Daí em diante, o fenômeno passou a ser mais amplamente estudado por
outros pesquisadores (MUNTHE, 1989; MELLOR, 1991; O'MOORE, 1991).
O tema AM aluno-professor vem sendo cada vez mais abordado ao longo dos anos.
Gallindo (2009) observou em sua pesquisa que as práticas mais comuns de assédio
foram desrespeito, sarcasmo, falta de atenção intencional, provocações,
perturbações da ordem na sala de aula e no ambiente escolar em geral, abuso em
função do poder econômico com ameaças à integridade física, sendo os dois
últimos cada vez mais presentes nas instituições.
Almeida, Lagemann e Araújo (2007), corroborando Buendía (2003), destacam que o
AM vertical descendente é comum na relação entre professores e alunos, grande
parte em função das características particulares do sistema de ensino do País.
Apesar de não haver relação hierárquica como nas relações entre chefes e
empregados em empresas, os professores assumem uma posição superior em relação
ao aluno, por terem a anuência da instituição de ensino para o repasse do
conhecimento.
Paixão, Santos e Martins Filho (2009) pesquisaram, em estudo quantitativo, o AM
aluno-professor em faculdades e universidades do País, sob nove categorias de
AM: agressão verbal, recusa em realizar atividades, desinteresse e omissão,
rebaixamento da capacidade cognitiva, tratamento discriminatório, comentários
depreciativos, assédio sexual, acusação agressiva e sem provas e ameaça por
parte do aluno. Os resultados da pesquisa indicaram que a recusa em fazer
atividades propostas e o abandono da sala de aula foram os tipos mais
significativos.
Sahin (2010) realizou pesquisa sobre o assédio moral com um grupo de
professores de segundo grau, abordando: a percepção deles sobre o conceito de
assédio, sobre as causas e sobre ações preventivas. Os resultados indicaram que
esse grupo de professores, em sua maioria, entende o assédio moral
principalmente como uma ação violenta ou brutal do estudante. Ademais, o
assédio também é visto como humilhações e ataques grosseiros diretos. Os
insultos e as agressões emocionais foram mencionados apenas por um professor.
Em relação às causas, o autor identificou: a influência da mídia televisiva,
que apresenta cada vez mais programas agressivos e desrespeitosos; a influência
da Internet, que permite aos mais jovens acessar textos e mensagens inadequados
para o seu desenvolvimento psicológico; e o nível socioeconômico da família,
que culmina com a vivência em ambiente negativo para os jovens. Com relação à
prevenção, o autor observou as seguintes ações emanadas dos professores:
comunicação efetiva com o aluno (conversa pessoal), seminários sobre o tema,
reuniões de pais e professores.
Observa-se nos estudos que as instituições universitárias favorecem o assédio e
ao mesmo tempo apresentam grande volume de denúncias (LAZZAROTTO et al., 2006).
Apesar disso, os dirigentes dessas instituições ainda não se aperceberam dos
prejuízos causados para os professores, alunos, ou ainda para a própria
instituição, que fechando os olhos às práticas do AM aluno-professor, permitem
que muitos danos morais se configurem. Como destaca Freitas (2007), considerar
o AM como uma questão organizacional implica afirmar que as instituições de
ensino precisam cuidar de certos aspectos, especificamente na relação aluno-
professor, que podem favorecer a ocorrência de ações moralmente negativas.
Buendía (2003) assevera que a estrutura organizacional das universidades, tida
como rígida, burocratizada e obsoleta, favorece o AM em função da delimitação
espacial de poder e por haver colaboradores com muitos cargos em paralelo.
"Pondo a coisa em termos mais formais, o poder está presente nas cenas
superficiais de trabalho de equipe, mas a autoridade está ausente" (SENNETT,
2009, p.136) permitindo, dessa forma, várias situações de AM.
Para Caran (2007), existe uma carência em relação aos canais de comunicação nos
ambientes acadêmicos. Essa ausência de comunicação entre as chefias e os
subordinados, entre o corpo docente e o discente, sendo o trabalho do professor
considerado solitário, muitas vezes encobre situações de assédio e,
principalmente, não contribui para a sua inibição. Como destaca Freitas (2005,
p.22),
"uma parte considerável de ocorrências de assédio, humilhações e
indignidades pode ser eliminada se pessoas e organizações decidirem
que esse é um problema sério e que deve ser enfrentado de maneira
exemplar".
Gallindo (2009) lembra que, quando o fato já tiver ocorrido, a reparação deverá
ocorrer em dois âmbitos: no da vítima; e no da restauração da ordem e
tranquilidade no ambiente organizacional. No primeiro caso, a instituição deve
agir diretamente junto aos envolvidos e no segundo, quando necessário, procurar
os recursos de segurança disponíveis.
Assevera Gallindo (2009, p.1) que o
"ensino é o instrumento para que o processo educacional se realize.
Não há como se falar em exercício de cidadania sem a educação, a qual
tem o condão de assegurar o desenvolvimento ético e moral a cada
cidadão".
Diante dessa afirmação, percebe-se que as instituições de ensino têm o
compromisso de inibir o AM aluno-professor para não
"desestabilizar a ordem mínima para o exercício de uma atividade
educacional efetiva, principalmente no ambiente da sala de aula"
(GALLINDO, 2009, p.3).
"As organizações podem desenvolver discussões preventivas e sinalizar
claramente, por meio de sua cultura, que não serão tolerantes com
comportamentos dessa natureza e ficar atentas às condições favoráveis
a seu surgimento" (FREITAS, 2005, p.22).
Assim, a ação mais coerente para as instituições de ensino é a ação preventiva
de coibir o assédio moral e dessa forma garantir "uma sociedade saudável onde o
respeito dá o tom das relações" (GALLINDO, 2009, p.1). Afinal de contas,
corroborando Freitas (2007), existe um custo ligado ao assédio moral de
âmbitos: individual, relacionado com a vida psicossocial do professor;
organizacional, associado aos danos à instituição, como turnover, absenteísmo e
custos com indenizações; e social, relacionado à sociedade, como
desestruturação familiar, perda do investimento social feito em educação e
formação profissional, e redução de potencial empregatício.
3. METODOLOGIA
3.1. O discurso do sujeito coletivo (DSC)
Baseado nos pressupostos da teoria das representações sociais (JODELETE, 1989),
nos anos de 1990 foi desenvolvida por dois pesquisadores da Universidade de São
Paulo (Fernando Lefèvre e Ana Maria Cavalcanti Lefèvre) a estratégia
metodológica denominada discurso do sujeito coletivo (DSC). Inicialmente, tal
proposta metodológica teve maior incidência no campo da saúde, passando a
ganhar maior adesão de pesquisadores de outras áreas em meados de 2000. A
contínua aplicação da técnica do DSC a um grande número de pesquisas empíricas
nos campos diversos do conhecimento vem demonstrando a eficácia dessa
estratégia metodológica.
O DSC constitui um caminho metodológico que se propõe contemplar informações
comuns a distintos discursos individuais, reconstruindo-os num pensamento
coletivo diferente de outros discursos relacionados. Em outras palavras, ao
final do processo, têm-se como resultado depoimentos coletivos confeccionados a
partir de extratos de distintos depoimentos individuais. Esses depoimentos
coletivos escritos na primeira pessoa do singular visam produzir, no receptor,
o efeito de um posicionamento coletivo (LEFÈVRE e LEFÈVRE, 2003, 2006).
Assim, o discurso do sujeito coletivo como estratégia metodológica propõe-se a
reconstruir um ser ou entidade empírica coletiva opinante na forma de um
sujeito de discurso emitido na primeira pessoa (LEFÈVRE e LEFÈVRE, 2006).
Sinteticamente, como bem advogam Lefèvre e Lefèvre (2006), o DSC alicerça-se
nas seguintes etapas: seleciona-se o essencial do conteúdo de cada depoimento;
vinculam-se esses conteúdos a uma descrição de sentidos; agrupam-se os
depoimentos em categorias; cria-se um discurso único redigido na primeira
pessoa do singular a partir da reunião dos depoimentos de uma mesma categoria.
Em relação à construção do discurso do sujeito coletivo, há, essencialmente,
três elementos ou operadores característicos, a saber: as expressões-chave (E-
ch); as ideias centrais (ICs); e os discursos do sujeito coletivos (DSCs)
propriamente ditos.
As expressões-chave constituem a essência do depoimento e trata-se de trechos
dos discursos extraídos e transcritos literalmente. Em outras palavras,
sinalizam os mais relevantes conteúdos das respostas. As ideias centrais são as
descrições do sentido de um depoimento ou de um conjunto de depoimentos. Uma IC
é a síntese do conteúdo das expressões-chave, em outras palavras, seu
significado real, embora algumas vezes oculto no discurso. Finalmente, os
discursos do sujeito coletivo propriamente ditos representam os discursos-
sínteses na primeira pessoa do singular, isto é, a essência das expressões-
chave reunidas e agrupadas nas categorias ou ideias centrais.
Baseada em seus criadores, a estratégia metodológica do DSC utiliza como aliada
as perguntas abertas para coletar os discursos dos respondentes de forma que
facilite a livre e rica expressão dos entrevistados. No entanto, Lefèvre e
Lefèvre (2006) advogam que qualquer material sob a forma oral ou escrita pode,
em geral, servir de base para a utilização da técnica.
No que tange ao total da amostra para pesquisas com DSC, não há para Lefèvre e
Lefèvre (2006) um número mínimo necessário. Para estudos que não busquem a
generalização, tais autores aconselham de 10 a 20 respondentes/entrevistas com
vistas à construção de um DSC. Embora não haja a pretensão de generalização dos
resultados para os autores, é possível fazê-lo utilizando a validação
estatística adequada e coerente.
3.2. Procedimentos metodológicos
No escopo de uma pesquisa mais ampla sobre o assédio moral na relação aluno-
professor foram elaborados dois questionários (A e B) contendo cada qual três
questões de redação livre (respostas abertas), além de informações adicionais
sobre os respondentes, como tipo de vínculo institucional (instituição pública
ou privada), nível de escolaridade, gênero, idade e experiência (em anos) como
professor. Em cada questão, o respondente era convidado a expressar, com base
na experiência vivida, qual sua percepção a respeito do assédio moral do aluno
para com o professor.
Os questionários foram enviados aos respondentes em formato digital, via
correio eletrônico. A única restrição para participar era relacionada a ter
atividade como professor universitário, não importando sua experiência, vínculo
ou curso. O público foi formado, prioritariamente, por professores de programas
de pós-graduação stricto sensu da rede de contatos dos autores, com solicitação
de repasse dos questionários aos contatos dos participantes dos cursos,
inclusive discentes que atuam como professores universitários. O prazo de
resposta foi de 30 dias, não tendo sido incorporadas outras respostas recebidas
após o prazo limite. Um mesmo respondente poderia participar emitindo seus
comentários para ambos os questionários, contudo, para potencializar o índice
de respostas, o envio foi feito a grupos diferentes. Na presente pesquisa,
foram utilizados depoimentos provenientes de 51 questionários respondidos.
Neste artigo serão analisadas duas questões presentes no questionário A:
* Na sua visão, por que ocorre o assédio moral do aluno para com o
professor?
* Com base na sua experiência, como você acha que o professor deveria lidar
com as questões atinentes ao assédio moral do aluno?
A criação dos DSCs seguiu as seguintes etapas, todas elas manipuladas no
software MS Excel e MS Word:
* em cada discurso foram selecionadas as expressões-chave, que revelam o
cerne da resposta do indivíduo, podendo ser um ou mais trechos de
discurso;
* foram criadas ideias centrais (ICs), devidamente identificadas (como IC-
A, IC-B, etc.), a partir das expressões-chave, identificadas
anteriormente;
* as expressões-chave foram reunidas de acordo com cada ideia central
identificada, formando o discurso do sujeito coletivo.
Conforme destacam Lefèvre e Lefèvre (2006), pode ocorrer a necessidade de
ajustar alguns trechos que caracterizem particularidade do discurso individual,
como nomes próprios ou situações específicas, de modo que o DSC apresente uma
estrutura sequencial clara, coerente e que tenha lógica. Esse procedimento, em
geral, também envolve a utilização de elementos textuais (conjunções, pronomes,
artigos etc.), com o cuidado de não modificar o conteúdo (significado)
original.
É importante destacar que a técnica original prevê a possibilidade de
elaboração dos DSCs a partir de outros operadores metodológicos, as ancoragens
(AC), que são a manifestação explícita de uma teoria, ideologia ou crença,
podendo ser também entendidas como uma afirmação genérica usada para enquadrar
uma situação específica, mas que não foi utilizada no presente artigo, por
entender-se que não agregariam elementos à análise.
Essa técnica permite que determinado grupo social, no caso formado por
professores universitários, possa ser visto como autor e emissor de discursos
comuns, não necessariamente concordantes, mas fundamentalmente complementares e
de alguma forma alinhados (TEIXEIRA e LEFÈVRE, 2008).
A análise dos resultados, demonstrada a seguir, foi desenvolvida com base na
revisão de literatura apresentada ante-riormente.
4. ANÁLISE DOS RESULTADOS
Foram analisadas 46 respostas para a questão a e 51 respostas para a questão b.
As respostas eliminadas apresentaram algum tipo de vício, ou seja, resposta
muito técnica, com citações e textos não espontâneos ou incoerentes com a
questão, ou ainda em branco.
A maioria dos professores pesquisados é do gênero masculino, representando
61,9% da questão a e 66% da questão b. A maior parte dos respondentes apresenta
escolaridade mínima de mestrado, e mestres e doutores perfazem aproximadamente
74% em ambas as respostas. O percentual de professores vinculados a
instituições públicas (federais ou estaduais) também ficou próximo em ambos os
grupos de respostas, na faixa de 74%.
A partir da Tabela_1, pode-se visualizar que a maior parte dos respondentes tem
entre 30 e 49 anos de idade. A ampliação do intervalo entre as classes de idade
permite concluir que aproximadamente 80% dos participantes da pesquisa têm
entre 30 e 59 anos.
![](/img/revistas/rausp/v48n3/10t01.jpg)
Em ambas as questões, a maior parte dos respondentes apresentou tempo de
experiência entre 1 e 5 anos, o que pode ser visualizado na Tabela_2. A
ampliação do intervalo da classe de frequência para entre 1 e 10 anos
possibilita abarcar aproximadamente 67,4% e 62% dos respondentes para as
questões a e b, respectivamente. Ademais, vale ressaltar o percentual de
professores participantes com mais de 21 anos experiência.
[/img/revistas/rausp/v48n3/10t02.jpg]
O tratamento quantitativo do material coletado foi limitado à análise da
frequência em que os discursos individuais eram classificados de acordo com as
ideias centrais (IC). Como uma única resposta pode conter mais de uma IC, o
somatório da frequência das ideias centrais foi superior à quantidade de
respostas obtidas válidas nas duas questões analisadas.
Para a questão a foram identificadas cinco ideias centrais. Vale lembrar que
essa questão objetiva verificar por que ocorre o assédio moral do aluno para
com o professor. Suas respectivas frequências podem ser observadas na Tabela_3,
organizadas de forma decrescente de frequência absoluta.
As quatro ICs selecionadas representam em conjunto aproximadamente 90% das
ideias centrais contidas nos discursos dos respondentes, sendo escolhidas para
análise mais detalhada e construção dos DSCs, em função da representatividade,
as ICs B, C, E e A (por ordem de representatividade).
No Quadro_1 é apresentado o discurso do sujeito coletivo referente à ideia
central B, falta de educação doméstica, a IC considerada a mais importante
pelos pesquisados.
Pelo discurso coletivo dos professores, observa-se que, embora o contexto seja
de ensino superior, ou seja, que envolve pessoas adultas, o grupo pesquisado
aponta questões sobre a falta de civilidade no trato coletivo relacionadas ao
ambiente familiar. É possível observar que os professores não se sentem
responsáveis por esse tipo de formação quando afirmam tratar-se de reflexo da
deficiência na educação doméstica e atribuem ao núcleo familiar (externo ao
espaço desse tipo de assédio) a responsabilidade pela constituição moral e
ética do aluno. De maneira geral, diz-se que o comportamento de assédio moral é
espelho de valores sociais nos quais o respeito e a cordialidade no trato
social não são apreciados, ao mesmo tempo em que as demonstrações de poder pela
imposição ou pela não adequação às regras são vistas positivamente, caminhando
inclusive em direção oposta à posição de Fiuza (2004) quanto a seu
descumprimento. Pode-se sintetizar o discurso a partir do ditado popular o
costume de casa vai à praça.
O Quadro_2 representa o discurso coletivo dos professores referente à ideia
central C, fragilidade (despreparo ou desvalorização) do professor.
Essa ideia central, ao contrário da primeira, indica total vínculo do professor
com o problema do assédio. Pelo exposto, verifica-se que a falta de habilidade
conceitual, humana ou técnica do professor é sinalizada como causa para o
assédio moral. A fragilidade conceitual diz respeito à carência de conteúdo
para ministrar as disciplinas, ou seja, deficiência na formação acadêmica do
professor que lhe retira o prestígio e o respeito por parte dos alunos. O
despreparo técnico refere-se à falta de aptidão para conduzir adequadamente a
dinâmica de sala de aula, controlando e coordenando as atividades de maneira
que os objetivos sejam atingidos. Por sua vez, a habilidade humana, que os
respondentes indicam ser importante no exercício da profissão de professor,
conduz ao devido trato interpessoal, não revelando as fragilidades ou
ansiedades de forma que isso se torne um ponto de ataque por indivíduos que
possam almejar algum tipo de vantagem indevida no ambiente acadêmico. No
discurso coletivo, transparece a posição de Sennett (2009) em que o poder está
instituído superficialmente, pois a autoridade não se configura, é frágil. O
professor, que deveria conduzir o processo aula, torna-se apenas um facilitador
das ideias dos alunos e por conta disso é afrontado diretamente.
No Quadro_3 é apresentado o discurso do sujeito coletivo referente à ideia
central E, mecanismo de defesa do aluno.
Nessa ideia central, percebe-se que o assédio moral na relação aluno-professor
acontece a partir de um mecanismo de defesa do aluno. Primeiro, o aluno, ao
perceber-se despreparado e incapacitado perante as cobranças intelectuais por
parte da disciplina e do professor, sente-se pressionado. A partir disso, para
defender-se, o estudante passa a adotar um comportamento assediador, buscando
rebaixar o professor com vistas a lograr benefícios. Esse discurso do sujeito
coletivo também assinala que o mecanismo de defesa do aluno pode ser acionado
quando o discente percebe que a instituição não oferece o ensino que ele
almejava. Em outras palavras, o aluno frustra-se quando percebe que a
universidade não lhe entrega a infraestrutura educacional esperada. Sendo a
universidade deficiente em aspectos pedagógicos, metodológicos, administrativos
e estruturais, gera-se no aluno alguma espécie de raiva que acaba sendo
transformada em atitudes de assédio moral para com o professor. É como se,
naquele momento, o aluno despejasse no professor toda sua frustração causada
pela instituição com a qual ele está decepcionado. As instituições de ensino
não vêm cuidando dos aspectos da infraestrutura educacional como deveriam e
esse descaso permite que essa ideia central acabe por configurar-se como uma
das mais comuns, corroborando as afirmações de Freitas (2007).
No Quadro_4 é apresentado o discurso do sujeito coletivo referente à ideia
central A, mercantilização do ensino.
Nessa ideia central, o discurso do sujeito coletivo reafirma o que a literatura
assinala como uma das causas principais do assédio moral na relação aluno-
professor. Nesse discurso do sujeito coletivo, percebe-se que o assédio moral
ocorre influenciado pela concepção comercial que vem assolando o ensino
superior nos últimos anos. É a apologia da concepção do aluno-cliente, que deve
ser sempre satisfeito em suas demandas, mesmo que elas sejam as mais descabidas
e firam, substancialmente, os valores e princípios educacionais mais nobres e
essenciais. Nessa concepção, o professor desmoraliza-se, a figura do mestre é
vulgarizada e menospreza-se o ato de educar. Como a gestão de boa parte das
instituições de ensino não toma atitudes contundentes para coibir essa
realidade, o comportamento de assédio na relação aluno-professor tende a
intensificar-se e a cristalizar-se. No discurso coletivo, transparece
claramente a posição de Gallindo (2009) a respeito do abuso em função do poder
econômico pela falta de reconhecimento profissional do professor, ou seja, a
desvalorização da carreira acadêmica (associada aos baixos salários) sendo
também apontada como fator que contribui para o assédio moral.
Na resposta da questão a, verificou-se, sob a ótica dos respondentes, que o
assédio moral do aluno para com o professor ocorre porque existem aspectos
extrínsecos (educação doméstica e mercantilização do ensino) e intrínsecos
(fragilidade do professor e mecanismo de defesa do aluno).
Para a questão b, foram identificadas sete ideias centrais. Essa questão
objetiva verificar, com base na experiência dos respondentes, como eles devem
lidar com as questões atinentes ao assédio moral do aluno para com o professor.
Suas respectivas frequências podem ser observadas na Tabela_4, organizada de
forma decrescente de frequência absoluta.
Em conjunto, as ideias centrais selecionadas também totalizam aproximadamente
90% dos discursos dos respondentes, tendo sido escolhidas para análise mais
detalhada e construção dos DSCs, em função da representatividade, as ICs C, A,
D, B e G (por ordem de representatividade).
No Quadro_5 é apresentado o discurso do sujeito coletivo referente à ideia
central C, recorrer ao apoio institucional.
É de se esperar que, ao vivenciar uma ação caracterizada como de assédio moral,
o professor deva recorrer a auxílio de seus superiores dentro do contexto da
organização na qual está inserido. Essa observação é coerente com a pesquisa de
Lazzarotto (2006) no que tange ao grande volume de denúncias, nesse âmbito
apenas internas. A discussão institucional é fundamental não apenas para dar
suporte ao assediado, mas fundamentalmente para servir de alicerce para ações
preventivas, como bem destaca Gallindo (2009).
Por outro lado, há evidenciação de que tanto destaque para a busca de apoio
institucional pode revelar uma carência das instituições em justamente atuar de
forma mais enérgica e efetiva no bloqueio das ações de AM. Ao mesmo tempo, pode
evidenciar uma estrutura organizacional um tanto rígida e burocratizada, como
destaca Buendía (2003). A ênfase nesse ponto, observada a partir desta
pesquisa, pode servir de reflexão na linha de argumento apresentada por Caran
(2007), de que o professor atua muitas vezes solitariamente, sendo ineficazes
os canais de comunicação nos ambientes acadêmicos.
O estabelecimento de regras formais de convivência foi a segunda ideia central
mais recorrente nos discursos dos professores entrevistados. A compilação do
DSC pode ser visualizada no Quadro_6.
O assédio moral é entendido como toda e qualquer ação ou conduta abusiva que se
manifeste por meio de comportamentos diferenciados, como destacado por
Hirigoyen (2002a, 2002b). O discurso coletivo referente ao estabelecimento de
regras pode auxiliar justamente a evitar tais comportamentos diferenciados. A
partir do momento em que todas as regras são postas e transparentes, esperar-
se-á que os alunos não se sintam prejudicados (nem valorizados) em face de uma
ação do professor. O estabelecimento de um pacto, como colocado no DSC,
funcionaria como um contrato de cavalheiros e poderia blindar o professor de
comportamentos negativos de assédio por parte dos alunos. Isso permitiria a
identificação clara dos limites no relacionamento entre as partes, contribuindo
para o estabelecimento de uma relação de maior respeito.
O Quadro_7 contém o discurso do sujeito coletivo referente ao enfrentamento
pessoal, a terceira ideia central mais recorrente na pesquisa.
O enfrentamento pessoal é caracterizado não pela rigidez por posição menos
democrática por parte do professor, mas sim por uma postura firme, sem ser
autoritária. A presença de diálogo é evidenciada, mas um diálogo pessoal, que
mantenha o respeito, ao mesmo tempo em que evidencia comportamentos negativos.
O comando dentro da sala de aula é do professor, que deve seguir seu
planejamento e advertir ações inadequadas de forma enérgica, mas respeitosa.
Tal discurso corrobora com a posição de Gallindo (2009) sobre a necessidade de
manutenção de uma ordem mínima para uma atividade educacional efetiva, ou seja,
colocando o professor como ator central e coordenador dos trabalhos no ambiente
de sala de aula. Por outro lado, o professor há de ter bastante cuidado para
não passar de vítima a assediador. Justamente por possuir a anuência da
instituição de ensino como autoridade em sala de aula, há chances, como
destacam Buendía (2003) e Almeida, Lagemann e Araújo (2007), de ocorrer um
assédio moral descendente, ou seja, do professor para com o aluno.
No Quadro_8 é apresentado o DSC referente à ideia central ligada ao recurso
legal, ou seja, a busca pelo suporte previsto na legislação.
A quarta ideia central mais recorrente para lidar com as questões de assédio
moral na relação aluno-professor é que a situação seja levada aos tribunais.
Sabe-se que a instância judicial só é acionada em casos em que o problema já
assume uma complexidade considerável. Esse discurso do sujeito coletivo
sinaliza para a gravidade do assédio moral. Como foi visto na discussão de
outras ideias centrais, o assédio moral na relação aluno-professor intensifica-
se e cristaliza-se de tal forma que a única alternativa do docente é recorrer à
justiça formal. Em outras palavras, quando inexiste uma ação institucional mais
firme por parte da universidade, o professor passa a colocar sua última
confiança no poder jurídico e de polícia.
Para Gallindo (2009), quando o assédio já tiver sido efetuado o assediado
deverá buscar a reparação, na ótica da vítima. Como visto acima, essa reparação
aparece nos discursos dos professores como a busca do apoio legal e até mesmo
da polícia. A posição encontrada a partir dos discursos coletivos é coerente
com a posição de Gallindo (2009) de reparação, mas apenas em casos de assédio
configurado de fato, ou seja, praticamente como última via de recurso por parte
do professor.
Outra ideia central destacada é a de ajuste ou negociação, apresentada no
Quadro_9.
Apesar da aproximação com a ideia central de estabelecimento de regras formais
de convivência, a IC de ajuste ou negociação possui algumas características
distintas que levaram à separação de ambas. Nesse caso, o discurso perpassa a
necessidade de conversação com o aluno, de negociação com ele, porém não no
sentido de passar as normas de convivências, mas sim de buscar entender os
reais motivos que o induziram ao ato de assédio. Dessa forma, o professor
poderia auxiliar o aluno de uma forma mais próxima, convergindo para uma
relação de respeito e confiança que minaria comportamentos reincidentes. Seria
uma atuação do professor em busca do desenvolvimento ético e moral do aluno,
como destacado por Gallindo (2009).
A questão b verificou, com base na experiência dos respondentes, como eles
devem lidar com as questões atinentes ao assédio moral do aluno para com o
professor. As respostas encontradas indicam direcionamentos institucionais
(recorrer ao apoio institucional e/ou à lei e legislação) e pessoais
(estabelecimento de regras formais de convivência, enfretamento pessoal direto
e ajuste ou negociação).
5. CONCLUSÃO
Neste estudo teve-se como finalidade compreender por que acontece o assédio
moral no vetor aluno-professor e que ações devem ser tomadas para que esse
comportamento seja evitado, coibindo dessa forma os tipos de conduta não
condizentes com as regras de trato social. Para alcançar esse propósito,
aplicou-se uma abordagem metodológica qualiquantitativa, sob o enfoque do
discurso do sujeito coletivo (DSC). A pesquisa procurou analisar a visão do
professor universitário sobre duas questões: o por quê da ocorrência do assédio
moral do aluno-professor; como, na condição de profissional da educação e
segundo sua experiência, acredita que o professor universitário deva lidar com
as questões atinentes ao assédio moral do aluno.
A partir da análise do material empírico coletado, foram identificadas para a
questão a, cinco ideias centrais (ICs), a saber: IC-B (falta de educação
doméstica); IC-C (fragilidade - despreparo ou desvalorização - do professor);
IC-E (mecanismo de defesa do aluno); IC-A (mercantilização do ensino); IC-D
(Demonstração de poder do aluno). Das cinco ICs encontradas, gerou-se o
discurso coletivo das quatro que representam em conjunto por volta de 90% das
ideias centrais inseridas nos discursos dos pesquisados.
Os DSCs instalados a partir da análise das respostas dos professores
universitários quanto à questão a oferecem uma percepção do por quê da
ocorrência do assédio moral aluno-professor na visão dos pesquisados, os quais
identificam as condutas difamatórias recorrentes provindas dos alunos por conta
dos valores sociais não apreendidos, da falta de reconhecimento da profissão
pela sociedade, da carência de aptidão em conduzir uma sala de aula, do
despreparo intelectual do discente e da apologia ao aluno cliente que deve ter
sua demanda atendida tal como um consumidor de bens e serviços mercadológicos,
vulgarizando os valores e princípios da educação.
Apreende-se, tacitamente, na resposta dos pesquisados, que o assédio moral do
aluno para com o professor ocorre porque os aspectos extrínsecos (educação
doméstica e mercantilização do ensino) e intrínsecos (fragilidade do professor
e mecanismo de defesa do aluno) indicados ainda não são claramente
identificados, avaliados e dirimidos pelas instituições de ensino. Observa-se
que algumas das ICs identificadas são indicadores de problemas que podem ter
resoluções pedagógicas ou de regras institucionais como as indicadas pelos
respondentes na segunda questão deste artigo.
Para a questão b foram identificadas sete ideias centrais (ICs): IC-C (recorrer
ao apoio institucional); IC-A (estabelecimento de regras - formais - de
convivência); IC-D (enfrentamento pessoal direto); IC-B (recorrer à lei -
legislação); IC-G (ajuste ou negociação); IC-E (prevenção e fuga - evitar
confronto); IC-F (cooptação ou associação). Das sete ICs encontradas, originou-
se o discurso coletivo das cinco mais representativas que, em conjunto,
condizem com aproximadamente 90% das ideias centrais inseridas nos discursos
dos respondentes.
Os DSCs das respostas dos pesquisados quanto à questão b identificam, segundo a
percepção do professor universitário, como ele lida com as questões pertinentes
ao assédio moral provindo do aluno. Depreende-se das respostas que a discussão
institucional sobre o fato é fundamental para dar suporte à vítima e servir de
alicerce para ações preventivas, que criar regras claras para comportamentos
que saiam do padrão ético e que se manter com postura firme por meio de um
diálogo são atitudes que influenciam positivamente ante esse tipo de assédio.
Os respondentes também consideram que, quando não há mais possibilidade de
diálogo, a situação deva ser levada aos tribunais.
As respostas encontradas na questão b indicam que os direcionamentos
institucionais (recorrer ao apoio institucional e/ou à lei e legislação) e
pessoais (estabelecimento de regras formais de convivência, enfretamento
pessoal direto e ajuste ou negociação) escolhidos pelos pesquisados necessitam
de uma reflexão por parte dos envolvidos, pois algumas das ICs destacam-se pela
extremidade em que estão posicionadas: o uso do caminho do enfrentamento direto
e a procura por direitos (a força da lei que pune e obriga) pelo professor fora
do ambiente de trabalho.
As ICs levantadas nas duas questões (a e b) possuem forte relação com os
assuntos abordados por alguns autores, principalmente por Gallindo (2009) e
Paixão, Santos e Martins Filho (2009). Indicam também o conceito frágil e
efêmero do poder instituído pelo capitalismo contemporâneo discutido por
Sennett (2009). Um fator limitante desta pesquisa é o público respondente, pois
há necessidade de ser ampliado e diversificado em termos de idade, vínculo
institucional, gênero e tempo de experiência como docente. Outro fator é a
verificação da posição que as instituições de ensino vêm, de fato, tomando ante
o problema, posto que não foi objeto desta pesquisa. Ambos os fatores deverão
contribuir para um entendimento mais completo do assédio moral aluno-professor.
Além de contribuir com a reflexão sobre caráter, condutas, atitudes e
comportamentos nas instituições de ensino superior, o aprofundamento do tema
indicará que caminho as sociedades contemporâneas estão seguindo ante o assédio
moral ascendente, inclusive em outras áreas de pesquisa que não as abordadas
neste estudo, pois, cada vez mais, as pessoas têm procurado meios viáveis e
éticos para defender as regras de convivência social. As ICs aqui apresentadas
também podem servir como indicadores para medir outros estudos que apresentem a
mesma característica. Pesquisas futuras podem aprofundar sistematicamente o
entendimento sobre assédio moral aluno-professor, afinal, a discussão é
relevante diante da relação com a formação educacional de cidadãos em um
contexto mais ético. Intensificar as discussões sobre o tema, até em direções
opostas (professor-aluno) e/ou em outras áreas da Administração, levará a um
cenário mais rico de informações para os atores envolvidos com o problema do
assédio moral.