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BrBRHUAp0080-21072013000300013

BrBRHUAp0080-21072013000300013

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioHumanities
Great areaApplied Social Sciences
ISSN0080-2107
ano2013
Issue0003
Article number00013

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Incluindo pessoas com deficiência na empresa: estudo de caso de uma multinacional brasileira

1. INTRODUÇÃO As pessoas com deficiência, que representam 14,5% da população brasileira, segundo o censo de 2000 (UNESCO, 2007), buscam, ainda, oportunidades para incluir-se de maneira efetiva na sociedade, o que implica acesso equânime e amplo ao direito de ir e vir, de desenvolver uma vida social ativa e de ter acesso amplo ao trabalho. O acesso ao trabalho, alerta Williams (2000), é justamente o campo em que o maior hiato entre as pessoas com e sem deficiência. Como parâmetro, segundo levantamento de Neri et al. (2003), a partir do Censo de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a porcentagem de inativos entre as pessoas sem deficiência era de 32%, enquanto entre pessoas com deficiência esse valor correspondia a cerca de 52%.

Esse cenário de exclusão a que estão sujeitas as pessoas com deficiência vem motivando a adoção de políticas públicas visando estimular sua inclusão; dessas políticas, destacam-se a Constituição Federal de 1988 (GIL, 2002) e, especificamente relacionada à inclusão no mercado de trabalho, o Decreto n.

3.298/99, a chamada Lei de Cotas (SÓLERA, 2008), que determina a obrigatoriedade de empresas com mais de 100 funcionários a manterem um percentual de pessoas com deficiência em seu quadro de funcionários, variável entre 2% e 5%, de acordo com o porte (BRASIL, 1999).

casos de empresas que estão imbuídas da crença no valor da inclusão e da diversidade e tomam ações efetivas para tanto; porém, é também possível verificar casos de empresas que nem sequer cumprem os requisitos mínimos legais previstos na Lei de Cotas. A Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) mais recente, de 2011, mostra esse cenário: apenas 0,70% do total de vagas do mercado formal é preenchido por pessoas com deficiência (MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2012), e no estado de São Paulo apenas 37,6% das cotas destinadas às pessoas com deficiência foram cumpridas (SRT-SP, 2011). Assim, como refletem Ribeiro e Carneiro (2009) e Schwarz e Haber (2009), a existência de norma jurídica, por si , não é suficiente para assegurar-lhes oportunidades efetivas de trabalho.

Diante de questão relativamente nova e, portanto, muitas vezes desconhecida, as empresas ainda encontram dificuldades sobre como proceder e que medidas tomar para que se consiga a inclusão efetiva, de maneira a maximizar os ganhos com o investimento despendido no programa de inclusão. Como desafio adicional, a baixa escolaridade média da população com deficiência (PASTORE, 2000; SHIMONO, 2008) devido às restrições que sofrem quanto ao acesso à educação, ensejando dificuldades, conforme retratam Schwarz e Haber (2009), até mesmo na contratação de pessoas da base da pirâmide organizacional.

Como reflexo e prejudicando o alcance de melhores perspectivas, os estudos acerca do trabalho dos profissionais com deficiência nas empresas são bastante escassos (TEODÓSIO et al., 2004; TANAKA e MANZINI, 2005) e recentes (CARVALHO- FREITAS e MARQUES, 2010a). Isso se muito em razão, quiçá, de se ter deparado com tais questões somente após a implementação da Lei de Cotas no País (SUZANO et al., 2008, apud CARVALHO-FREITAS e MARQUES, 2010b), o que aconteceu, de certo modo, muito recentemente.

Complementando o panorama, os estudos e pesquisas encerram-se, frequentemente, em aspectos relacionados a recrutamento e seleção (SCHWARZ e HABER, 2009), e a contratação do profissional com deficiência se muitas vezes apenas por força da Lei de Cotas (TEODÓSIO et al., 2004; CARDOSO e ARAÚJO, 2006), sem que sejam consideradas as idiossincrasias de cada categoria de deficiência, optando-se, não raro, por selecionar aqueles profissionais com as deficiências consideradas menos complexas. Esse quadro evidencia, por um lado, a preocupação, em grande parte das vezes, de mobilizar-se somente à sombra do amparo em questões legais em detrimento de uma efetiva promoção da responsabilidade social ou incorporação de valores éticos da inclusão. E de outro lado, a falta de visão da empresa acerca dos benefícios que a promoção da diversidade e a inclusão de pessoas com deficiência podem trazer.

No presente estudo, tem-se por objetivo analisar o programa de inclusão de pessoas com deficiência a partir do estudo de caso de uma empresa à luz do modelo criado a partir da literatura, identificando as práticas que o compõem e os motivos e fatores envolvidos em sua manutenção, tendo em vista os objetivos da empresa quanto ao processo de inclusão. Esse objetivo está alinhado com o que Carvalho-Freitas (2009, p.123) aponta como sendo as dificuldades encontradas em estudos quanto à inserção e à gestão do trabalho de pessoas com deficiência: "a adequação das condições e práticas de trabalho por parte das empresas".

Além desta introdução, o artigo tem sua estrutura composta por, sequencialmente, referencial teórico, estudo da abordagem metodológica, apresentação dos resultados do estudo de caso com a empresa Sabó e posterior discussão dos resultados. Por fim, apontam-se as considerações finais e referências utilizadas.

2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1. O conceito de deficiência As expressões utilizadas para definir as pessoas com deficiência foram diversas ao longo do tempo: inválidos, incapazes, excepcionais e pessoas deficientes (FONSECA, 2005), culminando no que a Constituição de 1988 consagrou e é utilizado até hoje como pessoa portadora de deficiência por toda a legislação ordinária (FONSECA, 2005; UNESCO, 2007). Apesar desse cunho jurídico, hoje é consenso que a maneira mais precisa em termos de inclusão e respeito aos Direitos Humanos é utilizar a expressão pessoa com deficiência, que nomina uma característica da pessoa, sem estigmatizá-la (SASSAKI, 2003; FONSECA, 2005). Dessa forma, neste trabalho será utilizada a expressão pessoa com deficiência (PCD) em detrimento da expressão portadora de deficiência, ainda que essa seja a legalmente utilizada.

2.2. Razões pelas quais as empresas contratam pessoas com deficiência Nos anos de 1990, tal como Sólera (2008) defende, iniciou-se efetivamente a mobilização para a inclusão da pessoa com deficiência, motivada principalmente pela efetivação da Lei de Cotas em 1999. Entretanto, Pastore (2000) acredita que as estratégias de maior sucesso na inclusão das pessoas com deficiência nas organizações tenham como fundamento a inibição de práticas discriminatórias e que criem condições para que se veja a presença dos profissionais com deficiência com desejo e apreço, em detrimento daquelas que posicionam em seu cerne a simples busca pelo manto legal.

Nesse contexto, as empresas consideradas competentes e com visão de futuro e que praticam valores efetivos da responsabilidade social corporativa, "entendem a diversidade como forma de agregar valores e diferenciar seus produtos" (SHIMONO, 2008, p.38). Schwarz e Haber (2009) vão além, afirmando que a empresa adquire um diferencial competitivo, que, em mercados globalizados, é fundamental saber lidar com as diferenças para se ter sucesso.

A empresa inclusiva fortalece a sinergia em torno dos objetivos comuns e reforça o espírito de equipe, valorizando a perspectiva do coletivo. O ambiente físico adequado torna-se mais tênue às deficiências e mais agradável a todos.

Esses são fatores que geram um bom clima organizacional (SMPED, 2008).

Martinez e Limongi-França (2009, p.2) contribuem para a discussão resgatando o conceito de gestão da diversidade, que "vem fornecendo, às organizações, práticas que visem garantir resultados à organização e às pessoas que nela trabalham, com ambientes mais favoráveis à produtividade, bem-estar e qualidade", com o que corroboram Oliveira e Reis (2004), afirmando que as empresas, ao praticarem a diversidade, são vistas como éticas aos olhos da sociedade.

Martinez e Limongi-França (2009) citam ainda pesquisa conduzida na Austrália, que revelou ser menor a taxa de absenteísmo dos funcionários com deficiência no país.

Sob o prisma mercadológico, a empresa pode obter capital reputacional, seja objetivamente pela imagem que o consumidor passa a ter da empresa, como eticamente constituída - informação evidenciada por meio de pesquisa do Instituto Ethos sobre a percepção do consumidor brasileiro, a qual apontou que 43% dos consumidores afirmaram que a contratação de pessoas com deficiência está em primeiro lugar entre os fatores que os estimulariam a comprar mais produtos de uma empresa (INSTITUTO ETHOS, 2000, apud GIL, 2002; SMPED, 2008); seja por gerar uma mudança de modelo mental, em que a identificação de novas oportunidades de negócio, a partir de um DNA diversificado e por conhecimento de demandas específicas, torna-se mais apurado. Isso retrata o que Gil (2002) convencionou chamar de ciclo virtuoso da inclusão da pessoa com deficiência.

Por fim, a inserção de pessoas com deficiência consta como indicador de diversidade de alguns dos principais índices praticados no Brasil, a saber, o Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bolsa de Valores de São Paulo (ISE- BOVESPA), o do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas/Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (IBASE/SEBRAE) e o Instituto Ethos/SEBRAE.

2.3. Planejamento do programa de inclusão Intermediando o acesso das pessoas com deficiência ao mercado de trabalho, por ser raro encontrar quadros capacitados, várias organizações privadas e sem fins lucrativos têm atuado no processo de recrutamento e seleção e, às vezes, até mesmo no treinamento das pessoas com deficiência e na reposição desses funcionários por outros também com deficiência (GIL, 2002; TEODÓSIO et al., 2004; SHIMONO, 2008). Esse processo conduz à discussão sobre as ações e a real intenção das empresas ao promoverem a efetiva inclusão dos profissionais com deficiência, com os desafios que disso advêm, mas também com as potenciais vantagens.

Dessa forma, quando se aborda a inclusão da pessoa com deficiência na empresa, deve-se considerar a diferença em relação a sua simples inserção. A inserção requer tão somente práticas simples de recrutamento e seleção. Inclusão, ao contrário, requer planejamento para um programa que perpasse todos os processos de gestão de pessoas, promovendo o alinhamento estratégico horizontal entre eles e vertical com os macro-objetivos organizacionais, fazendo-se necessário que a área de Recursos Humanos passe a capitanear o processo (CARDOSO e ARAÚJO, 2006), assessorada pela alta liderança e por outras áreas da empresa, em vez de ser a única responsável (SCHWARZ e HABER, 2009).

Como premissa de qualquer planejamento, é importante observar o que propõem Schwarz e Haber (2009): as empresas devem preparar-se adequadamente buscando informações de qualidade e abrangentes para receber os profissionais com deficiência e, desse modo, conseguir resultados efetivos.

Aponta-se, no Quadro_1, que traz o modelo conceitual do estudo, oito práticas que a literatura descreve como importantes para a inclusão efetiva da pessoa com deficiência dentro da organização. Tomou-se como diretriz, para tanto, o processo de planejamento proposto pela SMPED (2008), porém, fez-se referência a outros autores e obras, para complementar ou aprimorar as informações trazidas ou, ainda, adicionar outros processos. Essas práticas são abordadas com mais propriedade na seção de discussão dos resultados.

Note-se, ainda, que foi necessária a proposição desse modelo conceitual de análise do processo de inclusão na empresa por não ser encontrado modelo propositivo a respeito, como corroboram Carvalho-Freitas e Marques (2006).

3. METODOLOGIA A abordagem adotada no desenvolvimento da pesquisa é qualitativa, na qual se demonstra a variedade de perspectivas sobre o objeto (FLICK, 2004), sendo predominante a descrição (MARTINS e THEÓPHILO, 2007). Para tanto, é "necessário que o pesquisador entre em contato direto com o ambiente no qual o fenômeno está inserido" (MARTINS e THEÓPHILO, 2007, p.136).

É também exploratória, na medida em que tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito e, posteriormente, construir hipóteses, além de se utilizar a "análise de exemplos que 'estimulem' a compreensão" (DIEHL e TATIM, 2004, p.51).

Como estratégia de pesquisa, utilizou-se o estudo de caso, caracterizado por ser uma investigação empírica que pesquisa fenômenos dentro de seu contexto real e permite descrever e interpretar a complexidade de um caso concreto (MARTINS e THEÓPHILO, 2007).

São apresentados em seguida a caracterização do objeto de estudo e o modelo de análise, constituído por construção do referencial teórico, coleta e tratamento de dados, e análise e discussão dos resultados.

3.1. Caracterização do objeto de estudo A Sabó, empresa objeto de estudo, é uma multinacional brasileira de capital fechado com mais de meio século de atuação na indústria automobilística, líder no desenvolvimento de soluções e produtos em vedação, tendo fábricas em mais de cinco países e exportando seus componentes para mais de 40 países.

No Brasil, foco geográfico de análise, a empresa possui um total de 66 funcionários com deficiência, distribuídos em 20 postos de trabalho diferentes nas quatro unidades produtivas da empresa. Tem-se a predominância de funcionários com surdez (40), seguidos pelos que têm deficiência física (15) e intelectual (7), além dos que não tiveram a deficiência apontada, mas sim o status ("reabilitado pela previdência social por doença ou acidente de trabalho").

Quanto à escolaridade, pouco menos da metade tem segundo grau completo e um terço tem apenas o primeiro grau completo. Isso reflete a exigência por parte das empresas de pessoas minimamente instruídas, ainda que, provavelmente por dificuldade em preencher a cota, contrate funcionários com deficiência ainda com o primeiro grau incompleto (6).

3.2. Modelo de análise Para abordar de maneira sistemática e consistente o estudo, optou-se por utilizar a técnica de análise de conteúdo, que é adequada para fins de pesquisas exploratórias (MARTINS e THEÓPHILO, 2007), tomando-se como referência o modelo proposto por Bardin (1977, apud VERGARA, 2006), que consiste em três etapas: pré-análise, caracterizada pela construção do referencial teórico e da estrutura de análise; exploração do material, que envolve a coleta de dados; tratamento e interpretação dos dados, abrangendo a análise e a discussão dos resultados à luz da teoria. As variáveis e o modelo de análise são apresentados no Quadro_1 e descritos analiticamente no item de análise e discussão dos resultados.

3.2.1. Construção do referencial teórico A importância da construção de um referencial teórico consistente encontra fundamento na discussão trazida por Severino (1996), que aponta que a gênese da problemática da pesquisa surge por ocasião de leituras e como reflexo de experiências anteriores por parte dos autores.

Ao construir o referencial teórico, alertam Diehl e Tatim (2004), deve-se guardar o cuidado de limitar-se às contribuições mais relevantes e, depois de feito o exame das correntes teóricas, apresentar aquelas que serão utilizadas.

Na análise de conteúdo, os modelos teóricos são utilizados para a construção das categorias de análise, ainda que não exclusivamente, enuncia Flick (2004).

3.2.2. Coleta e tratamento de dados Flick (2004) afirma que os métodos e os atores a serem envolvidos na pesquisa são essenciais para a determinação da questão da pesquisa. Assim, foi utilizada a técnica de entrevista em profundidade baseada em roteiro semiestruturado, caracterizada pela preparação preliminar do roteiro e "por dar ao entrevistador flexibilidade para ordenar e formular as perguntas durante a entrevista" (GODOI e MATTOS, 2006, p.304). O roteiro semiestruturado foi elaborado com base no modelo do estudo apresentado no Quadro_1, baseado nas práticas do programa de inclusão. Decidiu-se por não solicitar a gravação das entrevistas, por tratar- se de tema ainda imbuído de algum estigma social, o que poderia ocasionar resistência à participação na pesquisa ou, ainda, uma não espontaneidade nas respostas. Alternativamente, foram tomadas notas detalhadas durante cada entrevista.

Considerando a reflexão de Martins e Theóphilo (2007) de que é importante capturar os diferentes pontos de vista dos participantes envolvidos com o estudo para entender melhor o dinamismo dos fatores caros ao estudo do objeto da pesquisa, a coleta de dados foi feita junto a três atores-chave da companhia quanto ao programa de inclusão: Gestores de Recursos Humanos (RH) Foram realizadas entrevistas em profundidade com o coordenador de RH e um consultor de RH. O coordenador de RH ocupa o segundo cargo mais elevado na área de RH e atua na estrutura corporativa da empresa. O consultor de RH é um dos quatro funcionários que ocupa essa posição, sendo responsável por dar suporte à implantação e à manutenção das políticas corporativas nas unidades da empresa.

Escolheu-se o consultor que é responsável pela unidade que concentra o maior número de funcionários com deficiência. Ambos possuem menos de dez anos de empresa, o que prejudicou o resgate preciso e mais detalhado do histórico acerca do processo de inclusão.

Coordenadores/Supervisores de Produção Atuam coordenando e controlando o desempenho das operações de áreas produtivas específicas da empresa, tendo sob sua responsabilidade os auxiliares de produção e os operadores de máquina. Foram realizadas entrevistas em profundidade com dois que têm funcionários com deficiência diretamente subordinados. Um deles trabalha 13 anos na empresa e o outro 38 anos.

A razão de selecionarem-se esses três públicos diversos foi abordar a questão sob os pontos de vista estratégico, tático e operacional. Com o coordenador de RH, objetivou-se obter a dimensão estratégica, ao entender a relação do RH com os negócios e as políticas da companhia como um todo; com o consultor de RH, a dimensão tática, que esse cargo pressupõe a coordenação da implantação das políticas de RH delineadas pelo corporativo. Com os coordenadores/supervisores de produção, objetivou-se ter uma dimensão mais próxima de como se a interação do profissional com deficiência com essas políticas, que se trata de superiores imediatos dos funcionários com deficiência, a quem essas políticas se destinam. As entrevistas foram realizadas entre outubro e novembro de 2010.

3.2.3. Análise e discussão dos resultados Considerada por Flick (2004) o cerne da pesquisa qualitativa, a análise dos dados foi realizada a partir das informações coletadas, as quais são apresentadas e discutidas à luz do referencial teórico, aspecto premente para a análise de conteúdo adquirir valor (MARTINS e THEÓPHILO, 2007). Fez-se uso da grade fechada, em que, consoante Vergara (2006), categorias são definidas a priori, com base na literatura.

Assim, foram determinadas oito categorias de análise, em consonância com os objetivos da pesquisa, relativas às práticas componentes de um programa efetivo de inclusão de pessoas com deficiência em empresa. No período de até dois dias após a realização das entrevistas, organizaram-se as notas tomadas, de modo a utilizar-se o emparelhamento, ou seja, a associação dos resultados ao referencial teórico utilizado (LAVILLE e DIONNE, 1999, apud VERGARA, 2006).

Adotando as recomendações descritas por Vergara (2006), a partir de diversos autores, a análise de conteúdo da pesquisa e a apresentação dos resultados focalizaram as peculiaridades e as relações entre os elementos e enfatizaram o que é significativo, privilegiando-se também a triangulação dos dados, feita ao se analisarem as práticas da empresa, sob o ponto de vista dos três atores- chave entrevistados.

4. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 4.1. Gênese, histórico e panorama geral do programa de inclusão Segundo o coordenador de RH, a Sabó foi pioneira em termos de incorporação de pessoas com deficiência às atividades produtivas de uma empresa. Ela iniciou esse movimento antes da promulgação da Lei de Cotas em 1999, atuando em parceria com a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), organização sem fins lucrativos que atende pessoas com deficiência intelectual e que possuía filial em frente a uma de suas plantas produtivas. Essa prática está em linha com o que Teodósio et al. (2004) defendem como estratégia fundamental de sucesso do empreendimento inclusivo, considerando que essas organizações possuem metodologias eficazes para facilitar o processo de inclusão.

À época de tal parceria, num primeiro momento a Sabó passou a levar alguns componentes para a filial da APAE, para que seus atendidos os montassem e de modo a proporcionar-lhes uma pequena fonte de renda e ocupação.

Posteriormente, uma vez que a experiência se mostrou bem-sucedida, os atendidos da APAE passaram a ficar parte do tempo na Sabó trabalhando, como os demais funcionários. Foi relatado que eles realizavam atividades que exigiam trabalho repetitivo, geralmente mais cansativo e enfadonho a pessoas sem deficiência intelectual. Essa prática foi respaldada, segundo o coordenador de RH, por um estudo que apontava esse fato. Diante da iniciativa inovadora de trabalhar com pessoas com deficiência, à época, segundo o coordenador de RH, a mídia teria dado grande destaque às práticas da empresa nesse campo, visão corroborada pelo consultor de RH.

O movimento de inclusão de pessoas com deficiência na empresa, no entanto, iniciou suas atividades por volta de 1998 - informação estimada pelo coordenador de RH, sob coordenação do chamado Grupo de Gestão Integrada, composto por pessoas da gerência, coordenação de fábrica e do RH. Atualmente, não pessoa unicamente designada para a coordenação do programa de inclusão dentro da empresa, mas, sim, é feito de maneira difusa pelos consultores de RH, não passando, em geral, pelo espectro de atuação do coordenador de RH. Assim, como propõem Cardoso e Araújo (2006) e Schwarz e Haber (2009), o RH passou a capitanear o processo.

As motivações apontadas por ambos os gestores de RH para a implantação do programa de inclusão foram a experiência que vinha sendo realizada e pensada em termos de "responsabilidade social, inclusão e governança", antecipando-se a temas que seriam importantes no futuro, além da visão social da empresa. Além disso, um possível fator motivador aventado pelos gestores de RH seriam os valores que a família proprietária da empresa carrega desde suas origens.

As motivações atuais para a manutenção do programa de inclusão, na visão dos gestores de RH, contudo, alteraram-se do foco na questão social para o foco na questão legal, de atendimento à Lei de Cotas. Com efeito, os profissionais colocaram dúvidas até mesmo acerca da continuidade do programa caso a Lei de Cotas fosse revogada, que a pressão por resultados faz com que sua manutenção de encontro à necessidade de sustentabilidade financeira da empresa.

Por fim, desde a implantação do programa de inclusão de pessoas com deficiência, o que deve ter ocorrido quase que concomitantemente à promulgação da Lei de Cotas em 1999, a empresa vem destinando certas vagas específicas de determinados postos de trabalho, sempre na área produtiva, a pessoas com deficiência.

4.2. Características e práticas do programa de inclusão No Quadro_2 sintetiza-se a presença ou ausência dos componentes das práticas de inclusão do programa de inclusão de pessoas com deficiência da empresa, organizados a partir do modelo apresentado no Quadro_1.

Nos próximos itens, discorre-se sobre cada prática do programa de inclusão de pessoas com deficiência, destacando-se alguns dos principais componentes observados.

4.2.1. Análise de acessibilidade Segundo o coordenador de RH, a análise de acessibilidade foi realizada quando da implantação do programa de inclusão, momento em que teria sido realizado estudo por consultoria externa juntamente com as áreas de segurança e medicina do trabalho da empresa. Como consequência, os postos de trabalho teriam sido adaptados para que pudessem receber os funcionários com determinado tipo de deficiência.

A empresa segue, assim, as recomendações da OIT (2006) de garantir a adaptação do acesso ao local de trabalho e o desempenho das atividades nas estações de trabalho, assim como defendem Cardoso e Araújo (2006), coadunando-se também com a visão descrita pela SMPED (2008) de fazer investimentos específicos, priorizando a adaptação de acordo com os tipos de deficiências que os funcionários possuem.

4.2.2. Análise e definição do perfil do profissional com deficiência Devido às adaptações necessárias em termos de acessibilidade para que haja postos de trabalho adequados para receber os funcionários com deficiência, a empresa tem a política de manter o quadro de vagas destinado a pessoas com deficiência inalterado. Dessa forma, se uma pessoa com deficiência deixa determinado posto de trabalho em determinada área, a esse mesmo posto deve ser realocado outro funcionário que tenha deficiência similar. Tal prática destoa do apregoado por Patrocínio e Reis (2006), de que o posto de trabalho deve ser avaliado sob o ponto de vista do inserido, isto é, do profissional com deficiência, ainda que, sob o ponto de vista de gestão, o sistema seja mais eficaz porque os postos se encontram adaptados e os demais funcionários do setor tendem a estar habituados e sensibilizados.

Em termos de deficiência, a empresa emprega profissionais com deficiência física, auditiva e intelectual. Todas as vagas destinadas a esses profissionais são para a área operacional, essencialmente, como auxiliares de produção. Essa determinação, defendem os gestores de RH, é importante uma vez que a empresa havia feito as alterações necessárias, sobretudo a partir dos apontamentos do estudo supracitado, não necessitando repetir o processo quando da contratação de um profissional com deficiência. Além da característica específica do tipo de deficiência, o profissional deve ter grau de escolarização básica, importante, por exemplo, para a interpretação de relatórios de produção, de natureza pouco complexa.

Frise-se que o perfil da deficiência foi determinado conforme possibilidade de trabalho, notadamente em relação aos procedimentos realizados, e em termos de segurança do trabalho - o que vai em direção a uma prática inclusiva e além do cumprimento da lei, segundo Cardoso e Araújo (2006). No entanto, foi determinado também se levando em conta estudos que apontavam que certos tipos de trabalho eram realizados de maneira mais eficaz por pessoas com determinados tipos de deficiência. Estabeleceu-se, portanto, um perfil básico de profissional, conforme assevera a SMPED (2008).

A empresa, porém, não realiza plenamente a prática apontada por Gil (2002), segundo a qual não se deve concentrar pessoas com determinada deficiência em um único setor. Os funcionários com deficiência estão todos no setor de produção e desempenhando - com exceção de alguns poucos - a função de auxiliar de produção, ainda que distribuídos pelas quatro unidades produtivas. Está sendo estudada, contudo, a possibilidade de que alguns dos funcionários com deficiência realizem trabalhos mais finos, que exijam mais precisão, ou de que sejam alocados para outras áreas.

4.2.3. Sensibilização O consultor de RH, ao afirmar que os funcionários sem deficiência às vezes se sentem sobrecarregados pelo fato de a equipe ter de apresentar a mesma produtividade mesmo quando um funcionário com deficiência com alguma limitação, expõe a importância da realização da sensibilização sob dois espectros de análise. Primeiro, por parte dos próprios colegas dos funcionários sem deficiência, que devem estar cientes das limitações dos colegas com deficiência e de certa forma contribuir para superá-las, de modo a beneficiar toda a equipe. Segundo, por parte da liderança da empresa, que deve ter a flexibilidade necessária para relativizar o desempenho da equipe que tiver funcionários com alguma deficiência que limite sua produtividade. Refletindo sobre esse contexto, a preocupação parece estar latente na empresa e, de fato, tem alguma ressonância na prática.

Assim, segundo o consultor de RH, a sensibilização dos funcionários sem deficiência e dos gestores ocorre em serviço, ao longo da rotina do trabalho, e não se de maneira específica, parando-se a rotina e ministrando cursos, por exemplo. Relatou que, no passado, eram dadas sensibilizações aos funcionários da empresa, no entanto, devido ao turnover, elas teriam deixado de ser oferecidas em forma de treinamento, passando a ser de responsabilidade do coordenador/supervisor de cada área. Os consultores de RH também atuam dando suporte em situações específicas, as quais podem requerer atenção maior. Apesar de não haver um programa formalmente estabelecido, essa prática destoa positivamente do encontrado por Carvalho-Freitas e Marques (2010a), que verificaram em pesquisa que as empresas, em sua maioria, não tendem a dar a devida atenção à sensibilização.

Ambos os gestores de RH destacaram o uso do que se convencionou chamar de padrinhos para a acolhida dos funcionários com deficiência. A prática consiste em designar dentro da empresa, voluntariamente, alguns funcionários sem deficiência para acompanhar o processo de integração e para ajudar a solucionar quaisquer problemas que venham a surgir quando da rotina de trabalho. Esses padrinhos são apontados como mais sensíveis à causa, porque, de modo geral, eles lidam ou lidaram com pessoas com deficiência em sua esfera pessoal.

Ademais, todos os profissionais entrevistados da empresa retrataram que os funcionários sem deficiência têm consciência da existência dos funcionários com deficiência e que convivem bem com eles. Apesar disso, a empresa acredita que prestar informações e esclarecer os demais funcionários seja um trabalho interessante de ser feito.

O coordenador de RH afirmou ainda que a alta cúpula da empresa é sensibilizada com a questão da inclusão de pessoas com deficiência, sobretudo os que estavam no passado, quando da implantação do programa, guardando aderência ao que Schwarz e Haber (2009) preconizam. Contudo, mencionou por diversas vezes que a crise (*1) e a forte competição nas quais se encontra a empresa tornam difícil a atenção mais cuidadosa dessa questão por parte da cúpula.

A empresa corrobora, portanto, a importância destacada por Sólera (2008) à sensibilização, segundo a qual se deve atentar para preparar gestores e funcionários, prática que a empresa procura desenvolver na medida em que promove o uso de padrinhos e o acompanhamento do consultor de RH.

Complementarmente, três dos entrevistados afirmaram que a sociedade, de maneira geral, está mais preparada para lidar com a diversidade e que as pessoas com deficiência são muito mais enxergadas atualmente do que foram outrora. No entanto, os supervisores de produção enfatizaram que uma dificuldade natural de socialização e comunicação e tolerância menor a brincadeiras por parte dos funcionários com deficiência, indicando que os colegas e gestores dos funcionários com deficiência deveriam ter cuidado especial na interação com eles.

Esses fatos trazem à luz a necessidade, por exemplo, de desenvolverem-se sensibilizações quanto à convivência e de como agir com pessoas com deficiência (CARDOSO e ARAÚJO, 2006; SMPED, 2008; SCHWARZ e HABER, 2009), bem como sobre o sentido e a importância real de se ter uma postura inclusiva, que a inclusão se efetiva tão somente quando a coletividade se apropria do diferente, não somente quando ocorre a inserção desse diferente na coletividade. Essa visão verificou-se presente nos profissionais entrevistados. Essas sensibilizações contribuíram, também, para vencer as barreiras atitudinais descritas por Williams (2000), notadamente no que tange a considerar os funcionários com deficiência capazes (JAIME e DO CARMO, 2005).

4.2.4. Recrutamento e seleção O recrutamento e a seleção dos funcionários com deficiência pouco mudam em relação aos demais funcionários sem deficiência da empresa, corroborando o que prevê a SMPED (2008), salvo no que tange aos procedimentos específicos exigidos.

Segundo o consultor de RH, o processo inicia-se quando o consultor de RH da unidade cujo cargo destinado à ocupação por uma pessoa com deficiência encontra-se vago aciona a empresa terceirizada responsável pelo recrutamento e a seleção dos funcionários da Sabó. A empresa terceirizada, então, recruta profissionais com deficiência em organizações que congregam pessoas com deficiência, por exemplo, em consultorias especializadas ou no próprio banco de dados da prefeitura. Na primeira etapa da seleção, realizada ainda pela empresa tercei- rizada, são aplicados testes aos funcionários que atestarem o perfil adequado para a vaga, depois dos quais, os que tiverem desempenho mínimo, numa segunda fase, são encaminhados para a empresa com os documentos comprobatórios da deficiência - necessários para serem contabilizados pelo Ministério Público como tendo deficiência, para que sejam entrevistados, como última etapa, pelo coordenador ou supervisor da área.

A seleção, refletindo o perfil definido pela empresa para o funcionário com deficiência, inclui ainda análise do laudo médico que atesta a deficiência, para verificar a adequação à Lei de Cotas. Como as funções para as quais essas pessoas são contratadas são simples, o processo não se baseia em competências e habilidades (SCHWARZ e HABER, 2009), descritas como prática ideal, mas nos requisitos mínimos postos. De fato, foi mencionada a dificuldade de efetivar o recrutamento e a seleção da forma como preconizam Schwarz e Haber (2009), dado que, por diversas vezes, é difícil encontrar profissionais com deficiência até minimamente qualificados, isto é, com escolaridade completa, não sendo exceção ao quadro apontado por Pastore (2000) e Shimono (2008). Isso se reflete na escolaridade do quadro de profissionais com deficiência da empresa, que apresenta em sua composição menos da metade com segundo grau completo.

4.2.5. Avaliação da saúde ocupacional A avaliação da saúde ocupacional é realizada quando do recrutamento e seleção, fazendo-a de maneira que o selecionado esteja apto a desempenhar as funções com apenas os recursos de que o posto de trabalho dispõe. O foco, torna-se evidente, reside em selecionar a pessoa com o perfil adequado, reduzindo-se ao máximo a necessidade de adaptar o posto. Posterior e rotineiramente, é feito o acompanhamento periódico do profissional com deficiência.

A empresa, no entanto, avalia a possibilidade de adaptação do funcionário com deficiência ao posto de trabalho e as adaptações que devem ser feitas no posto para que o funcionário seja recebido, seguindo as recomendações da SMPED (2008). Tal fato evidencia a preocupação das empresas quanto à segurança do trabalho, assegurada em grande parte pelo posto de trabalho: em pesquisa realizada com empresas da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), Batista (2004) apurou que, de 47 empresas que não contratavam PCDs, 16 (34%) disseram que não o faziam devido a essa preocupação com a segurança.

4.2.6. Treinamento Segundo o consultor de RH, o treinamento dos funcionários com deficiência ocorre em serviço, sendo eles acompanhados pelo coordenador/supervisor de produção ao qual se subordinam. Não programas voltados exclusivamente aos funcionários com deficiência, mas a eles sempre é oferecida a possibilidade de participar dos mesmos treinamentos que os demais funcionários. Reconhece, contudo, que nem sempre é possível a presença de um intérprete de Libras para a comunicação com os funcionários com deficiência auditiva, que a função é exercida por alguns poucos funcionários da empresa. A possibilidade de participar dos mesmos cursos que os funcionários sem deficiência, como recomenda a OIT (2006), ocorreria então de forma plena não fosse a dificuldade, em alguns casos específicos, notadamente quando não se tem a presença de intérprete de Libras.

Ademais, a possibilidade de adquirir habilidades e experiências para a progressão na carreira (OIT, 2006) caminha ao encontro da necessidade de suprimento das necessidades de qualificação que frequentemente existem dentre os profissionais com deficiência, como destaca Shimono (2008).

A perspectiva da ênfase no treinamento tende, no entanto, a seguir o modelo criticado por Teodósio et al. (2004) em que se maior atenção ao ensinamento para realizar determinadas tarefas em detrimento do desenvolvimento do profissional. Tal prática contraporia a tendência de os processos de trabalho nas organizações terem cada vez menos indivíduos certos para os lugares certos.

4.2.7. Desenvolvimento de carreira e promoção Ambos os gestores de RH destacaram que os funcionários com deficiência têm aspiração de promoção, ainda que, segundo o coordenador de RH, os com deficiência intelectual parecem não a ter de maneira tão presente. De parte da empresa, o consultor de RH afirmou que, para efeitos de promoção e desenvolvimento de carreira, observam-se perspectivas de ascensão profissional, considerando o desenvolvimento apresentado e o perfil necessário dos profissionais que ocupariam as vagas. A decisão por promover o funcionário com deficiência é da coordenação de produção, desde que não haja necessidade de investimentos para a adaptação do novo posto de trabalho a ser ocupado. Dessa forma, lembra o consultor de RH, as promoções ocorridas envolveram, em geral, a mudança de cargo de auxiliar de produção para operador de máquinas.

Com isso, a empresa vai ao encontro do que a SMPED (2008) discute sobre inclusão efetiva, que se ao oferecer horizontes profissionais e possibilidades de progressão aos profissionais com deficiência. Por esse motivo, os funcionários com deficiência possuem avaliação de desempenho adaptada a suas limitações, conforme recomendam Gil (2002) e Carvalho-Freitas e Marques (2010b). Os coordenadores/supervisores de produção realizam a avaliação de desempenho a partir da experiência que guardam do convívio e da observação de seus subordinados com deficiência.

A avaliação de desempenho também tem como foco o controle de qualidade do trabalho e das peças produzidas, que os coordenadores/supervisores de produção afirmaram que é necessária uma checagem mais cuidadosa da produção quando o trabalho realizado envolve pessoas com certas deficiências. No entanto, que se relativizar a afirmação de que alguns funcionários com deficiência, uma vez bem adaptados às atividades que desempenham, produzem bastante acima da média dos funcionários.

Esse aspecto, de certa maneira, resgata Schwarz e Haber (2009) que afirmam ser comum a crença nas empresas de que os funcionários com deficiência não possam produzir tão bem quanto os funcionários sem deficiência. A análise mostrou que isso se aplica parcialmente à empresa, que os coordenadores de produção mostraram ter consciência de que tal fato é relativo e tributário de diversos outros fatores, ao passo que ambos os gestores de RH relataram que, de modo geral, certo prejuízo à produtividade da empresa ao empregar profissionais com deficiência.

Por fim, registre-se que um dos coordenadores/supervisores de produção entrevistado sugeriu, como ponto a ser aprimorado pela empresa, a elaboração de um plano de carreira para os funcionários com deficiência, mais do que falar somente em progressão.

4.2.8. Retenção Trata-se de um dos objetos principais de preocupação de ambos os profissionais de RH e, em menor grau, dos coordenadores/supervisores de produção, em que pese, de um lado, o contexto de baixa oferta de mão de obra minimamente qualificada e, de outro lado, a necessidade, por força da Lei de Cotas, de contratar pessoas com deficiência.

Tal cenário, como descrevem os gestores de RH, torna a competição por profissionais com deficiência grande entre as empresas. Afirmaram, concernente a esse aspecto, que muitas vezes a Sabó realiza o treinamento e fornece experiência aos funcionários com deficiência contratados, mas outras empresas os abordam frequentemente lhes oferecendo benefícios caso aceitem trocar de firma. Contra esse problema, um fator importante de retenção que a empresa possui é o salário-base pago aos funcionários da indústria automobilística, superior ao de muitas indústrias no Brasil.

Por outro lado, o coordenador de RH entende que alguns funcionários com deficiência fazem uso dessa situação, relatando menor comprometimento e o fato de cansarem-se com facilidade do trabalho, conforme apontam Carvalho-Freitas, Marques e Almeida (2009). Isso pode gerar anomalias no processo, na medida em que a empresa se torna, em parte, refém da falta de profissionais capacitados, tendo de assegurar a retenção de profissionais mesmo sem as competências mínimas demandadas. Os supervisores/coordenadores corroboram esse fato quando afirmam que, segundo seu conhecimento, a empresa nunca desligou um funcionário com deficiência por baixo desempenho, apenas por casos de indisciplina.

Em face dessas dificuldades, para combater o desligamento dos funcionários com deficiência da empresa, segundo apontou o consultor de RH, ocorrem a intervenção e a observação mais cuidadosa e próxima junto ao funcionário com deficiência no sentido de entender suas expectativas e colher feedback.

Normalmente, tal acompanhamento é desempenhado pelo coordenador/supervisor de produção e assessorado pelo consultor de RH, notadamente quando ocorre a iminência de o funcionário com deficiência desligar-se da empresa, momento em que aquele, então, tenta encontrar solução motivadora da vontade, mudando-se o funcionário com deficiência, por exemplo, de área, turno ou equipe de trabalho.

Das práticas apontadas pela SMPED (2008) como positivas à retenção dos profissionais com deficiência, a empresa realiza algumas. Promove a integração do profissional com deficiência, ainda que de maneira não sistematizada; procura realizar o desenvolvimento das habilidades do profissional por meio de participação em treinamentos; faz a disponibilização de ajudas técnicas e a prevenção de fatores de riscos antes mesmo da contratação, conforme descrito na seção de Recrutamento e Seleção; pratica a análise de adaptabilidade e, em grande medida, a análise ergonômica do trabalho, abordadas na avaliação da saúde ocupacional.

A despeito dessas práticas, observou-se o reconhecimento por parte dos gestores de RH de que são necessários mais recursos e pessoas para contribuir para o desenvolvimento do programa de inclusão, de modo a aprimorar a retenção do profissional com deficiência na empresa. No entanto, mostraram-se céticos diante da possibilidade de o cenário mudar, ante as configurações macroeconômica e setorial de crise, conforme foi mencionado.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS No presente trabalho, de natureza qualitativa e exploratória, apresentou-se o estudo de caso da Sabó, empresa brasileira do setor automobilístico, quanto a seu programa de inclusão de pessoas com deficiência, fazendo uso da análise de conteúdo como técnica principal de pesquisa.

A temática do estudo e o emprego do método justificam-se na medida em que se verificou na literatura a presença de poucos estudos empíricos de inclusão de pessoas com deficiência nas empresas e, segundo Flick (2004), a pesquisa qualitativa justamente se concentra mais em descobrir o novo do que testar o que é conhecido. Assim, a partir da aplicação do modelo proposto no estudo de caso, o trabalho trouxe elementos críticos para reflexão pragmática acerca dos obstáculos e oportunidades para o desenvolvimento de um programa de inclusão por parte das empresas.

Como resultado, constatou-se que a empresa realiza em algum grau todas as oito práticas descritas como importantes para um programa eficaz de inclusão de pessoas com deficiência, tal como descrito no modelo proposto a partir da literatura. Dessas oito práticas realizadas, mostram-se particularmente expressivas duas delas, relacionadas a sensibilização e recrutamento e seleção.

Em primeiro lugar, com relação à sensibilização, trata-se do uso de padrinhos para o acompanhamento da integração dos funcionários com deficiência na empresa e no auxílio à resolução de possíveis problemas que surjam, fazendo uso de vivências e experiências pessoais anteriores. Em segundo lugar, com relação a recrutamento e seleção e análise de acessibilidade, mostra-se bem-sucedida a política de manter postos de trabalho fixos na empresa destinados às pessoas com deficiência. Com essa medida, a Sabó vem conseguindo atender à cota de pessoas com deficiência, não havendo conflito entre as diversas áreas da empresa para que não recebam profissionais com deficiência, além de não demandar a realização de investimentos frequentes para promover a adaptação de novos postos de trabalho.

Ressalta-se como aspecto a ser aprimorado pela empresa a realização de política de treinamentos para a preparação dos supervisores/coordenadores de produção para que possam realizar a sensibilização mais efetiva dos demais funcionários colegas dos funcionários com deficiência e para sua própria lida com os funcionários com deficiência. Isso reduziria a dependência da sensibilidade pessoal e a importância atribuída por coordenador/supervisor à inclusão dos profissionais com deficiência, tornando mais efetivo o processo de inclusão.

Esse movimento é importante, tendo em vista que os motivos apontados para que os funcionários com deficiência não permaneçam da organização relacionam-se, em geral, a questões comportamentais e de relacionamento.

Essas medidas não despendem recursos em demasia, o que conflui adequadamente ao objetivo de contenção de gastos necessária ao momento que a empresa atravessa e, ao mesmo tempo, pode ajudar no objetivo de retenção dos profissionais com deficiência, outro fator indicado como primordial.

Não olvidando a discussão acerca das responsabilidades da empresa perante a sociedade, tornaram-se patentes as dificuldades em termos de demanda de recursos, financeiros e de pessoal, para implementar melhorias no programa de inclusão em face da necessidade premente de produzir de maneira lucrativa. Essa limitação de recursos revela, talvez, a necessidade de o governo ampliar os mecanismos de suporte à empresa na inclusão de pessoas com deficiência, seja oferecendo mais capacitação às pessoas com deficiência, seja oferecendo subsídios ou até treinamento para as empresas melhor recebê-los.

Como limitações da pesquisa, aponta-se o uso do estudo de caso como estratégica de pesquisa qualitativa, que implica falta de possibilidade de generalização dos resultados da pesquisa, muito embora o estudo em profundidade possa vir a subsidiar futuras pesquisas. Outra limitação que se configurou foi a falta de evidência de dados documentais, que poderiam dar maior validade e trazer mais possibilidades de análise do histórico e das práticas do programa de inclusão da empresa. Com isso, o registro das práticas baseou-se no conhecimento e na percepção dos entrevistados, que podem, portanto, desconhecer ou não conhecer suficientemente alguma outra prática não mencionada ou, eventualmente, abordar de maneira não precisa ou ainda de maneira enviesada alguma prática relatada.

Para a realização de estudos futuros, sugere-se o estudo de caso de empresas de outras indústrias e portes diferentes, visando validar o modelo aqui proposto e ter a dimensão dos desafios e oportunidades de pôr em movimento um efetivo processo de inclusão, para promover as melhores práticas e até mesmo para contribuir para a discussão de políticas públicas concernentes ao tema.


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