Análise de resultados de indicadores de gestão e de regulação após a
privatização: estudo de caso da Light Serviços de Eletricidade
1. INTRODUÇÃO
Ao longo da década de 1990, o setor elétrico de diversos países, dentre eles o
Brasil, passou por expressivas reformas, visando à introdução de competição e
ao aumento da participação privada (Green & Newbery, 1992; Hunt &
Shuttleworth, 1996). A atuação do Estado na economia brasileira é
imprescindível para o desenvolvimento do país, porém é possível afirmar que se
dá de forma cíclica, pois ora o Estado atua mais ativamente, investindo
fortemente em infraestrutura, estradas, hidrelétricas, criando empresas e
desenvolvendo setores da economia, ora, especialmente em épocas de crise
fiscal, delega tais atividades à iniciativa privada, como aconteceu ao longo da
década de 1990, quando foram privatizadas empresas de diversos setores, dentre
os quais os setores de telefonia e elétrico.
O início do processo de privatização deu-se em um contexto global marcado pela
crise fiscal dos estados e pela introdução de maior liberalização em diversos
mercados tradicionalmente ocupados por empresas monopolistas estatais. De fato,
a década de 1990 foi marcada pela crescente contestação da capacidade de os
estados sustentarem os investimentos produtivos de forma eficiente sem
comprometer a eficácia de sua atuação nas áreas específicas da atividade
estatal, como saneamento e segurança pública (Correia, Melo, Costa, &
Silva, 2006). No caso brasileiro, como a economia vinha de uma década de
estagnação e com a interrupção dos fluxos financeiros internacionais para o
país, as empresas do setor passaram a ter severos problemas de fluxo de caixa
(Leite & Santana, 2006).
Assim, durante aquela década, o Estado desfez-se de uma série de ativos em
diversos setores da economia. Com efeito, no Brasil, o processo de privatização
ainda não foi alvo de análise crítica sobre o desempenho das empresas
privatizadas, devido a poucas informações temporais sobre tal desempenho.
Convém lembrar que a privatização não chegou a ser consenso na sociedade
brasileira como elemento de política econômica para a solução dos problemas das
empresas públicas e da própria sociedade. Portanto, o problema a ser pesquisado
refere-se à análise de desempenho de uma empresa que foi incluída no programa
de desestatização no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Filardi (2000) deu destaque à função do órgão regulador e à necessidade de
participação ativa dos consumidores, que, naquele momento, tinham fundamental
papel para a consolidação do processo de mudança em curso. Assim, o problema de
pesquisa neste trabalho refere-se à avaliação e à análise do desempenho de uma
empresa do setor elétrico privatizada no fim da década de 1990, tendo como
pressuposto que tal processo merece avaliação e que o órgão regulador é de
extrema importância para que os objetivos declarados à época sejam de fato
atingidos.
Nesse contexto, neste estudo teve-se o objetivo de analisar o desempenho da
empresa Light Serviços de Eletricidade S.A. no período posterior à sua
privatização, tendo como base os estudos de Filardi (2000), buscando atualizar
os resultados já existentes e apresentando novos resultados e tendências, ao se
considerar especialmente o período com regulação após a criação da Agência
Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), por meio da Lei 9.427 (Brasil, 1996) cujo
regulamento foi definido no Decreto 2.335, de outubro de 1997.
O foco desta pesquisa deu-se em duas dimensões. Na primeira, ocupou-se em
avaliar o desempenho da empresa sob o ponto de vista do consumidor,
especialmente no que diz respeito ao acesso e à qualidade dos serviços,
verificando-se quais mecanismos de consulta pública, canais de reclamações e
medidores de satisfação que foram criados pela Light. Na segunda dimensão,
procurou-se avaliar em que medida a atuação da agência reguladora passou a
influenciar o desempenho da gestão da Light após a privatização e quais
resultados surgiram dessa relação 15 anos após o processo de desestatização.
Para isso, foram investigados dados sobre a variação do faturamento bruto, a
evolução do lucro líquido e investimento realizado, os indicadores DEC e FEC,
que medem, respectivamente, a duração e a frequência das interrupções no
fornecimento de energia elétrica da Light, além do preço médio por megawatt-
hora (MWh) cobrado, da quantidade de reclamações na Fundação de Proteção e
Defesa do Consumidor (PROCON) e da variação do número de consumidores no
período de 1999 a 2009, tendo como base as Séries Econômico-Financeiras das
Empresas de Energia Elétrica/ELETROBRAS (Séries/Universidade Federal do Rio de
Janeiro ' UFRJ) nesse período.
Quanto à organização deste artigo, na parte introdutória aborda-se o assunto
mostrando a relevância do tema e as origens do estudo. Na próxima seção
apresentam-se a evolução do setor elétrico, as principais mudanças
institucionais e o caso da Light. Na seção seguinte, são descritos a
metodologia empregada para a investigação realizada e os métodos de tratamento
dos dados. No quarta seção, revelam-se e discutem-se os resultados e, por fim,
são apresentadas as conclusões, em que se verificam os principais resultados do
desempenho da Light segundo os consumidores e a agência reguladora.
2. AS MUDANÇAS INSTITUCIONAIS NO SETOR ELÉTRICO
De 1950 até meados da década de 1980, o setor elétrico brasileiro cresceu a
taxas significativamente elevadas, acompanhando o ritmo de crescimento da
economia brasileira. No entanto, a crise financeira do Estado, que se iniciou
na década de 1980 (resultado da crise do petróleo e da crise da dívida nos
países latinos), implicou a redução dos investimentos públicos e,
consequentemente, a paralisação das obras de usinas geradoras e a insuficiência
dos sistemas de transmissão e distribuição (Newbery, 1999). Logo, teve início
uma série de privatizações em diversos setores da economia, como energia
elétrica, telecomunicações, aviação, entre outros. Fazia-se necessário, então,
criar entidades regulatórias visando controlar, fiscalizar e regular as
atividades dessas empresas (Andriolo, 2006).
Assim, ocorreu a proposta de reforma do setor elétrico brasileiro, baseada
essencialmente na premissa de introdução da competição nos segmentos de geração
e comercialização e na privatização de empresas estatais.
Conforme Dias Leite (2007), essa foi a terceira grande mudança na indústria de
energia elétrica no Brasil, quando se buscou privatizar o sistema por motivos
ao mesmo tempo ideológicos e pragmáticos, com base na tese de que cabe ao
Estado concentrar-se nas funções que lhe são inerentes e afastar-se das
atividades empresariais. Devido ao péssimo desempenho macroeconômico na década
de 1980, o setor público enfrentou uma grave crise financeira nos anos 1990
(Correia et al., 2006). Assim, a combinação entre crise fiscal do Estado,
demanda crescente e reduzidos investimentos levou à escolha pelo processo de
privatização dos ativos públicos no setor elétrico.
Primeiramente, conforme Leite (2009), uma emenda constitucional aboliu o
monopólio público sobre as indústrias de infraestrutura. Em segundo lugar, foi
eliminada a diferença de tratamento entre o capital doméstico e o capital
estrangeiro, o que permitiu que empresas estrangeiras disputassem os leilões de
compra de companhias nacionais. Em terceiro lugar, a Lei 8.987 (Brasil, 1995),
a chamada Lei das Concessões, definiu as condições básicas de entrada, saída e
operação nos setores de infraestrutura. E, por último, as negociações das
dívidas dos estados com a União estavam condicionadas a certo nível de
amortização, que os estados só tinham condições de cumprir por meio das vendas
de ativos.
Além de estimular a concorrência no segmento de geração, o modelo institucional
proposto também visava introduzir de modo sustentável a concorrência na
comercialização, ou varejo, de energia. Aproximadamente 80% do mercado de
distribuição e 20% do segmento de geração foram privatizados entre 1995 e 2000.
Em verdade, desde o início do processo, houve erros expressivos e destaca-se o
fato de que as privatizações das distribuidoras Escelsa, em 1995, e Light, em
1996, ocorreram antes da criação da ANEEL, que somente se efetivou em dezembro
de 1996. Ademais, o cronograma das reformas e do processo de desestatização
sofreu atrasos e, no que tange às privatizações, elas não foram alvo de
consenso sobre sua real necessidade nem na sociedade nem no âmbito político,
como coloca Peci (2007), tendo sido acompanhadas de inconsistências
significativas nas novas regras contratuais. Aspectos referentes às cláusulas
de contratos de concessões e aos contratos iniciais entre geradoras e
distribuidoras encerravam potenciais fontes de conflitos de interesses entre os
agentes (Correia et al., 2006). A principal prova de falha do desenho
institucional proposto foi o racionamento de eletricidade proposto em maio de
2001 (Pinto Junior, 2007).
Durante a década de 1980, o investimento médio da Centrais Elétricas
Brasileiras S.A. (ELETROBRAS) correspondia a aproximadamente 0,80% do Produto
Interno Bruto (PIB) nos anos iniciais daquela década, caindo para 0,70% no fim
dos anos 1980. Já nos anos 1990, o investimento caiu de 0,32% do PIB em média
nos 5 primeiros anos da década para 0,24% entre 1996 e 2000. Isso mostra que o
modelo monopolista estatal estava, com energia barata, esgotado. Primeiro, pela
incapacidade fiscal do Estado e, segundo, pela impossibilidade de se produzir
energia barata conforme o que acontecia nos anos 1970, devido à necessidade de
investimentos em novas plantas com capital não amortizado (Leite & Santana,
2006).
Para Araújo (2001), além da queda no ritmo dos investimentos, também houve
erros no desenho do novo setor, principalmente ao se tomar como base a reforma
inglesa e não se considerarem as características peculiares dos sistemas
hidrelétricos. Atrair investimentos privados em sistemas predominantemente
hidráulicos é bastante difícil. Em primeiro lugar, porque grandes usinas
hidrelétricas requerem grande período de tempo para retorno do investimento e,
em segundo lugar, porque pode haver conflitos sobre o uso da água, o que
aumenta o risco do negócio.
Assim, com a mudança de governo ao final do mandato de Fernando Henrique
Cardoso e o início do primeiro mandato de Luís Inácio Lula da Silva no início
de 2003, iniciou-se, no âmbito do Ministério das Minas e Energia (MME), uma
série de estudos para formular e implementar um novo modelo para o setor
elétrico brasileiro. O novo modelo foi aprovado pelo Congresso Nacional por
meio das Leis 10.847 e 10.848, (Brasil, 2004a e 2004b). Os principais objetivos
desse modelo passaram a ser a garantia de suprimento de eletricidade, e a
modicidade tarifária, ou seja, a política que regia o setor, mudou para uma
visão mais intervencionista, uma vez que a garantia de fornecimento de
eletricidade é uma questão política.
O modelo proposto em vigor a partir de 2004 incorpora elementos que aumentam a
participação do Estado no setor, principalmente no planejamento da expansão, e,
ao mesmo, tempo, cria dois ambientes de comercialização, ambiente livre e
regulado, o que aumentou a participação de agentes públicos e privados por meio
de novos investimentos.
Enfatize-se também que o processo de privatização teve foco nas distribuidoras,
devido aos problemas financeiros pelos quais estas passavam e, em muitos casos,
algumas distribuidoras estaduais não pagavam às geradoras federais pela energia
consumida, o que levou o governo federal a priorizar a desestatização das
distribuidoras. Em função de um modelo de gestão estatal esgotado, o governo
optou por se desfazer dos ativos de forma rápida. Algumas distribuidoras,
porém, não foram privatizadas devido à falta de interesse do capital privado,
permanecendo sob a gestão da ELETROBRAS (Carregaro, 2003).
Além de um início precipitado e marcado por incoerências, outro erro na
implementação do novo modelo foi a prioridade na privatização das empresas
distribuidoras, atividade tipicamente classificada como monopólio natural de
acordo com Filardi (2000). Seria lógico, com o objetivo de aumentar a
competição e a eficiência econômica, que as geradoras essencialmente federais
fossem privatizadas prioritariamente. Porém, devido à falta de consenso
político sobre o assunto, a ideia foi abandonada, já que as distribuidoras eram
expressivamente inadimplentes, consequência da política macroeconômica de
contenção da inflação por meio do controle das tarifas públicas nos anos 1970 e
1980. E isso implicava o afastamento de investidores privados em geração, pois
não havia garantias concretas de que as empresas distribuidoras teriam como
pagar pelo suprimento de energia (Carvalho, 2003). Logo, a solução foi dar
prioridade à venda das distribuidoras federais e estimular os estados a
venderem suas respectivas distribuidoras.
No entanto, o processo foi acompanhado de expressivo desgaste político e
resultou em um mercado híbrido, no qual a atividade de geração permaneceu
predominantemente sob propriedade federal, e a atividade de distribuição,
monopólio natural e com consumidores cativos, foi privatizada em
aproximadamente 80% dos ativos.
Importa notar que, no período pós-racionamento, as empresas concessionárias
passaram a enfrentar séria crise de liquidez e prejuízos operacionais (Pires,
Giambiagi, & Sales, 2002). Para solucionar esse problema, o Acordo Geral do
Setor Elétrico procurou restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro das
empresas por meio da Recomposição Tarifária Extraordinária (RTE), que implicou,
obviamente, aumento de tarifas da ordem de 2,9% para os consumidores
residenciais e de 7,9% para os consumidores industriais.
2.1. A Light
A Light começou a atuar no Brasil, com capital privado estrangeiro, em 1899 e
passou, de fato, a fornecer energia elétrica para o Rio de Janeiro a partir de
1907. A partir de 1966, e como parte da política do governo à época, a empresa
foi estatizada, passando seu controle para o governo federal.
Em 21 de maio de 1996, a empresa foi privatizada e seu capital social foi
arrematado pelo preço mínimo, aproximadamente R$ 2,2 bilhões. Sua composição
acionária naquela época foi a seguinte: 33,50% pertenciam à ELETROBRAS, 16,06%
ao público, 9,14% ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) Participações, 7,25% à Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e parcelas
iguais de 11,35% às empresas AES Coral Reef, Inc, Houston Industries Energy
(Reliant) e EDF International S.A. (Esposito, 2000). A partir de 2006, o
controle passou para a Rio Minas Energia Participações S.A. (RME). Atualmente,
a área de concessão da empresa abrange 31 municípios do estado do Rio de
Janeiro, com, aproximadamente, 4 milhões de clientes.
Como mostra Esposito (2000), a privatização da Light foi realizada devido às
necessidades fiscais do governo, sem prévia concepção e implementação do modelo
institucional. Logo, o estudo desse processo e de seus resultados é bastante
significativo, como já mostraram Kawabe e Fadul (1998), Esposito (2000) e
Filardi (2000).
3. METODOLOGIA
A maior motivação para este estudo foi dar continuidade a um trabalho
desenvolvido por Filardi (2000), publicado na Revista de Administração Pública
(RAP), com o objetivo de analisar os resultados da privatização da Light sob o
ponto de vista do consumidor e da agência reguladora, especialmente no que diz
respeito ao acesso e à qualidade dos serviços. Verificou-se que mecanismos de
consulta pública, canais de reclamações e medidores de satisfação foram criados
pela Light e até que ponto os interesses dos consumidores passaram a
influenciar nas decisões da empresa.
Dessa forma, 15 anos passados, é certo que muito se evoluiu e grandes mudanças
aconteceram; ademais, tal trabalho foi feito no início do processo de
privatização da empresa, de modo que é fundamental apresentar os resultados dos
primeiros 15 anos do Modelo de Regulação do Setor Elétrico, tendo como base a
experiência da Light Serviços de Eletricidade S.A. e buscando analisar os prós
e contras da privatização de um "mercado considerado um monopólio natural, e,
portanto, pouco propenso à concorrência" (Filardi, 2000, p. 7 ), sendo, por
esse motivo, considerada uma pesquisa descritiva e explicativa.
Para tanto, foram utilizadas como base de dados as Séries/UFRJ entre os anos de
1999 e 2009, além de dados divulgados no site da empresa foco do estudo, no
Ministério da Justiça e na Secretaria de Estado de Defesa do Consumidor, sendo,
também, uma pesquisa bibliográfica, em que foram investigados os dados com
relação a investimento, faturamento, lucro líquido, preço médio da tarifa,
duração e frequência de interrupções no fornecimento (DEC/FEC) e reclamação dos
consumidores. Vale ainda destacar que a pesquisa não se limitou à atualização
dos indicadores utilizados no artigo original publicado na RAP, anteriormente
mencionado, mas procurou-se investigar gama mais ampliada de informações sobre
os resultados da Light a fim de aprofundar o estudo e tornar a análise mais
completa.
Os dados coletados nas citadas fontes foram operacionalizados segundo diversos
tipos de correlações entre as variáveis e analisados com auxílio de um sistema
de apoio à estatística (Pestana & Gageiro, 2005), o Statistical Package for
the Social Sciences (SPSS).
4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS DA LIGHT ' 15 ANOS DEPOIS
O setor elétrico é responsável por um insumo essencial das economias modernas,
e a energia elétrica, quando ofertada com confiabilidade e modicidade
tarifária, é de suma importância para o bem-estar da sociedade e para a
competitividade das empresas. Tanto que, não poucas vezes, na ausência de
energia elétrica, o comércio, as indústrias e até mesmo as grandes
organizações, em especial os bancos, encerram suas atividades para evitar
maiores prejuízos.
Portanto, diante da relevância do tema e com o intuito de explorar os dados
coletados, nesta seção serão apresentados e analisados os dados sobre a
variação do faturamento bruto, a evolução do lucro líquido e investimento
realizado, os índices DEC e FEC, que medem, respectivamente, a duração e a
frequência das interrupções no fornecimento de energia elétrica da Light, além
do preço médio por megawatt-hora cobrado, da quantidade de reclamações no
PROCON e da variação do número de consumidores no período de 1999 a 2009, tendo
como base as Séries/UFRJ nesse período.
4.1. Aspectos financeiros
Uma das variáveis financeiras de extrema importância que foi possível
investigar com base nas informações apresentadas nas fontes de pesquisa refere-
se ao investimento realizado pela Light. Nesse caso, foram utilizados os dados
dos relatórios de auditoria feitos em 1998 e 1999 pela ANEEL (2010), que
comprovam a utilização de equipamentos, em sua maioria obsoletos ou
deteriorados, devido ao baixo investimento feito pela companhia no período em
que ainda era estatal. Esses dados explicam o elevado investimento realizado
nos anos de 1998 e 1999, da ordem de R$ 508 milhões e R$ 568,3 milhões, como
pode ser verificado na Figura_1, em função da necessidade de intensificar a
manutenção e a modernização dos equipamentos, tecnologia e estrutura.
Dessa forma, a empresa inicia o século XXI "concentrando seus esforços
principalmente na modernização e ampliação das redes de distribuição, com o
objetivo de acabar com as interrupções de energia" (Filardi, 2000, p. 4). No
entanto, no período de 2000 a 2002, fica evidente uma queda substancial nos
investimentos, quando se identifica que os valores se mantêm entre R$ 437,2
milhões e R$ 474 milhões.
Esse período iria se configurar como uma das piores fases da crise de gestão e
fornecimento pela qual a Light vem passando, com constantes apagões, gerando
como reflexo uma mudança no perfil dos consumidores industriais, comerciais e
residenciais, que passaram a substituir as lâmpadas incandescentes por lâmpadas
frias de menor consumo, afetando ainda mais a combalida lucratividade da
empresa, que registra, nos anos de 2001 e 2002, seus piores prejuízos R$
951,46 milhões e R$ 1.255,58 bilhão, respectivamente.
Esses resultados, extremamente negativos, passam a pressionar a viabilidade
financeira da empresa que, no período de 2003 a 2006, reduziu de forma
significativa o investimento, chegando a apenas R$ 244,1 milhões no ano de
2005, para alcançar um ponto de equilíbrio financeiro e minimizar as perdas
ocorridas no período imediatamente posterior à privatização. Comparando-se o
investimento realizado com o lucro líquido, conforme demonstra a Figura_2, é
possível verificar que a empresa vinha amargando seis longos anos no vermelho e
vinha investindo valores que podem ser considerados baixos a fim de tentar
atender às exigências da ANEEL de montar uma estrutura adequada à sua demanda.
Somente a partir de 2007 e 2008, parte do que vinha sendo investido começou a
ser recuperado (vide Figura_2), na medida em que a companhia adotou uma
estratégia de manutenção da nova estrutura montada entre os anos 1998 e 2006.
Em suma, em um horizonte de curto prazo, não seria preciso investir em novos
equipamentos, mas sim na manutenção daqueles que foram recuperados ou
adquiridos nesse período, o que certamente demandava menos capital. No entanto,
tal raciocínio mostra-se inadequado, pois é notável que tal recuperação ainda
estava longe de trazer retorno suficiente para cobrir os pesados investimentos
realizados, investimentos esses essenciais diante da precária estrutura que já
não atendia nem mesmo à demanda existente, nem àquela que estaria por vir e
muito menos às exigências da agência reguladora que outrora não existia.
As variáveis de preço médio e dos faturamentos líquido e bruto complementam
esta análise, demonstrando que, apesar das dificuldades de se adequar às novas
exigências e de ter investido montantes elevados para modernizar sua estrutura,
está claro que assim como o preço médio, seus faturamentos seguem uma crescente
desde 1998, conforme a Figura_3. Ainda que as fontes pesquisadas não tenham
disponibilizado o preço médio de 2009, isso em nada prejudica a análise
financeira feita e o fato de que a estratégia utilizada aparentemente vem
atendendo de forma satisfatória aos interesses da empresa, mas não vem
atendendo aos interesses dos consumidores.
Cabe ressaltar a argumentação de José Mário Abdo (1998), diretor geral da
ANEEL, de que no contrato de concessão da Light estava previsto o ajuste anual
durante os primeiros 8 anos depois de privatizada, ou seja, até 2004, quando os
consumidores poderiam passar a ser beneficiados com reduções no preço da
energia elétrica, o que não vem acontecendo na prática e reforça a ideia de que
analisar somente o financeiro é um equívoco. Talvez os argumentos de Abdo
(1998) tenham mais lógica do que suas previsões, pois ele complementa afirmando
que "não se pode deixar de repassar os ganhos para os consumidores, mas também
não se pode estabelecer uma redução que afete a saúde financeira das empresas
ou que assuste os investidores" (Abdo, 1998, p.13).
4.2. Acesso e qualidade do serviço
Para analisar o acesso e a qualidade do serviço prestado pela Light, foram
utilizadas como indicadores as interrupções no fornecimento, mensuradas por
meio de duas medidas fundamentais relacionadas ao funcionamento do setor de
energia elétrica: o DEC e o FEC, que medem, respectivamente, a duração e a
frequência de falhas no fornecimento de energia elétrica.
Assim, foi possível perceber que, segundo o DEC, apesar da inicial redução na
média de horas sem luz (Figura_4), tendo em vista que de 1998 a 2000 a média
caiu de 9 para 7 horas e 24 minutos em 2009, tem-se o maior índice, chegando a
14 horas e 3 minutos com interrupção no fornecimento de luz. Esse fato
contraria a lógica dos investimentos em infraestrutura que deveriam melhorar a
prestação desse serviço pela Light.
É interessante notar que, entre os anos de 1998 e 2005, a Light teve seus
piores desempenhos financeiros, chegando a registrar um prejuízo de R$ 1.255,58
bilhão, justamente no ano de 2002, que aparece com a segunda maior média de
horas sem luz da primeira fase após a privatização.
Os bons resultados de média anual de horas sem luz referentes aos anos de 2000
e 2001, de 7,24 e 7,40 horas, respectivamente, podem ser explicados pelo
cruzamento com os dados de investimento dos anos imediatamente anteriores, ou
seja, 1998 e 1999, que foram de R$ 508 milhões e R$ 568,3 milhões, bem acima da
média dos anos seguintes, notadamente o período entre 2000 e 2006, quando o
investimento foi decrescente.
Esses dados parecem demonstrar que a média anual de horas sem luz guarda
estreita relação com o investimento realizado nos períodos imediatamente
anteriores, visto que os resultados de um determinado ano são o reflexo do
maior ou menor investimento realizado nos anos anteriores. Essa tendência
configura-se novamente quando se compara o baixo investimento realizado entre
2000 e 2006 com a escalada dos valores de horas sem luz de 2006 a 2009, subindo
de 8,20 para 14,03 horas.
Além disso, tendo por base as medidas equivalentes à frequência e ao tempo de
interrupção no fornecimento de energia elétrica nas áreas atendidas pela Light,
presentes na Figura_5, é possível verificar que, apesar de a frequência de
falta de luz ter diminuído consideravelmente, o sistema ainda apresenta falhas
que levam cada vez mais tempo para serem solucionadas, deixando os consumidores
por longos períodos de tempo sem energia elétrica e, portanto, insatisfeitos
com o serviço prestado pela companhia.
O fato de a Light disponibilizar desde 1998 em sua página da Internet
informações atualizadas sobre as interrupções programadas de fornecimento de
energia e enviar panfletos informativos aos moradores dos bairros afetados,
permitindo que os consumidores se preparem para uma eventual falta de luz
(Filardi, 2000), apenas minimiza os danos para a companhia e ameniza a relação
com os consumidores, mas não resolve o problema em si. Portanto, ao contrário
do que a variável financeira poderia levar a acreditar, fica claro que a
estrutura, especialmente devido à manutenção aquém do nível desejável, ainda
não é satisfatória para atender ao mercado.
Nesse sentido, a questão que surge refere-se à qualidade e à efetividade da
atuação do órgão regulador, e essa é uma questão significativa, pois trata-se
de um setor de difícil regulação tendo em vista as características de sua
estrutura no Brasil, de base hidráulica e sem equivalente no mundo, e a sua
complexidade institucional (Bicalho, 2007).
É fato que a Lei das Concessões, que predispõe sobre a criação de Agências
Reguladoras para cada área de concessão, e o plano diretor da Reforma do Estado
Brasileiro, na forma da Lei 9.427, de 26 de dezembro de 1996, em que se
instituiu a ANEEL, seguindo-se os moldes da privatização realizada no Reino
Unido, foram fundamentais. Contudo, não se pode esquecer que a Light foi
privatizada antes que a ANEEL, o órgão regulador, fosse constituída (Leite,
2009). Como afirmou Licínio Velasco (1997, p.15), "começaram a construção do
edifício pelo quarto andar", de modo que algumas reflexões e acertos são
essenciais.
4.3. Aspectos referentes aos clientes
Ao ser privatizada em maio de 1996, a Light criou uma grande expectativa em
seus clientes, equivalente a 72% da população fluminense (Filardi, 2000),
quanto à redução de tarifas e à regularização no fornecimento em áreas rurais e
comunidades de baixa renda. Porém, atualmente, como pode ser verificado na
Figura_6, apesar de a companhia ter aumentado o número de clientes, eles são em
sua maioria urbanos e das classes de renda mais elevadas, demonstrando que as
metas governamentais pré-estabelecidas ainda estão longe de serem alcançadas.
O aumento da expectativa criada em torno da privatização e da mudança de gestão
da Light levou a uma grande expectativa por parte dos consumidores, que parece
que não foi atingida, devido ao grande volume de reclamações no PROCON entre os
anos de 1998 e 2003, tendo como pico o ano de 2002, com 2.483 reclamações
registradas, como pode ser visto na Figura_7. Após esse período, o número de
reclamações volta aos níveis de 1998, mantendo-se entre 655 e 1.626, o que pode
indicar melhoria nos serviços da concessionária, atendendo a resoluções do
órgão regulador(1). De fato, segundo Light S.A. (2012), a empresa tem realizado
investimentos em várias plataformas de contato com clientes, inclusive redes
sociais. Também passou a ser realizado acompanhamento contínuo da satisfação
dos clientes, por meio de quatro pesquisas aplicadas por ano.
Note-se que o número de reclamações de clientes industriais aumentou, o que
pode ser explicado devido ao fato de que a demanda desse consumidor é preço-
elástica e energia elétrica é um insumo essencial para seus negócios, o que
implica que pode haver maior tendência em contatar a concessionária em momentos
de falha ou quebra no fornecimento de eletricidade.
Conforme a Light S.A. (2012), aproximadamente 83% das reclamações dos clientes
se referiam a problemas com interrupções. Outra parte referia-se a problemas
financeiros erros em conta ou contas não entregues e 0,96% relacionavam-se
a danos elétricos. Em outras palavras, embora tais informações não estejam
compiladas por classes de consumidores, é possível concluir que o principal
motivo de reclamação dos clientes é a interrupção no fornecimento de
eletricidade.
4.4. Aspetos ligados ao desempenho
Com relação aos aspectos ligados ao desempenho mais amplo da atuação da Light,
o estudo teve como foco a relação entre as demais variáveis, tendo sido, para
tanto, calculado o coeficiente de correlação Ró de Spearman, que visa
identificar a intensidade da relação entre as variáveis ordinais. Para essa
análise, as variáveis utilizadas foram: lucro líquido, investimento em
aquisição de imobilizado em benfeitorias, preço médio e número total de
clientes, conforme a Tabela_1. Ressalta-se que esse coeficiente varia entre -
1 e 1 e quanto mais próximo dos extremos, maior a relação linear entre as
variáveis, relação esta que pode ser positiva situação na qual as variáveis
seguem a mesma tendência ou negativa, caso as variáveis sigam sentidos
opostos.
Portanto, tendo como base o lucro líquido da companhia entre os anos de 1998 e
2009, pode-se perceber que sua relação com as demais variáveis é sempre
positiva, ou seja, na medida em que o lucro líquido aumenta, aumentam também os
investimentos, assim como o preço médio e o número de clientes. Todavia, ao se
dar continuidade à análise, fica claro que o número mais próximo de 1 se refere
à relação do lucro líquido com os clientes, sendo ela representada pelo valor
de 0,782; logo, é possível afirmar que o número de clientes explica 61% do
resultado (0,7822*100) do lucro líquido. Em outras palavras, mais da metade do
lucro líquido é derivada do aumento no número de clientes, de modo que é
possível afirmar que são esses últimos que sustentam tal resultado,
possibilitando os investimentos e não o preço médio como se poderia imaginar.
Pode-se verificar que a relação positiva, embora relativamente baixa, entre os
investimentos e o lucro líquido, que explica apenas 6,9% (0,2622*100), segue
uma lógica muito simples, dado que após adquirir uma estrutura coerente com sua
prestação de serviços, ou seja, após um investimento alto no longo prazo, é
natural que esse valor não seja tão alto nos anos subsequentes, em que se preza
pela manutenção. Esse fato, apesar de ser comprovado pela Figura_8, na qual é
apresentada a comparação entre o investimento e o número de clientes durante o
período de 1998 a 2009, não se sustenta, na medida em que a estrutura não é
satisfatória para a prestação do serviço, como visto. É importante também
mencionar que muitas das críticas ao processo de privatização como um todo
referem-se aos insuficientes investimentos realizados pelas empresas no período
pós-privatização (Araújo, 2001). Porém, no caso da Light, é possível justificar
um menor volume de investimentos devido também aos reduzidos investimentos nos
segmentos de geração e transmissão, segmentos a montante na cadeia de produção
do setor elétrico.
Outra explicação para o aumento no lucro líquido no período pode residir no
processo de redução de funcionários próprios. Esposito (2000) mostra que, em
1996, antes da privatização, a empresa tinha 11 mil funcionários próprios
aproximadamente. Já em 2000, esse número havia sido reduzido para 6 mil. E, de
acordo com Light S.A. (2012), o número de funcionários reduziu-se novamente,
chegando a 3.955, em 2012.
Apesar de em um primeiro momento a diretoria da Light S.A. (2002) afirmar que o
aumento no número de reclamações pode ser explicado pela implantação de novos
canais de comunicação, incluindo a Ouvidoria da Light em 1997, e pelo aumento
da expectativa criada em torno da privatização e da mudança de gestão, ao se
analisar o coeficiente Ró de Spearman, na Tabela_2 fica evidente que a
intensidade de tal relação é pequena. Inclusive, nesse caso, uma medida acaba
por chamar a atenção, já que possui uma relação negativa com o PROCON: trata-se
do FEC, que explica 24% (-0,49222*100) do resultado, porém de uma forma
contrária, ou seja, ao aumentar o número de vezes que o cliente fica sem
energia, o número de reclamações diminui. A explicação possível pode ser que
alguns tipos de falhas anteriores já foram solucionados pela empresa e passaram
a ser rotina, o que minimiza ou reduz significativamente o número de
reclamações no PROCON.
Nesta seção, foram apresentados e analisados os principais resultados da Light
nos primeiros 15 anos após a sua privatização, com base nos dados coletados
durante a pesquisa, o que dará subsídios para as considerações finais que serão
apresentadas a seguir.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo teve como objetivo a análise do desempenho da Light após sua
privatização. O horizonte temporal compreendeu 15 anos decorrentes do processo
de privatização. A premissa inicial partiu do estudo publicado por Filardi
(2000). Para tanto, foram investigados dados sobre a variação do faturamento
bruto, a evolução do lucro líquido e investimento realizado, os índices de DEC
e FEC, ou seja, a duração e a frequência das interrupções no fornecimento de
energia elétrica da Light, além do preço médio por megawatt-hora cobrado, da
quantidade de reclamações no PROCON e da variação do número de consumidores no
período de 1999 a 2009, tendo como base as Séries/UFRJ nesse período.
Inicialmente, pode-se concluir que, passados 15 anos da privatização da Light,
a atuação da concessionária carece de maior aprimoramento regulatório, no
sentido de dar respostas mais rápidas aos consumidores, como as audiências
públicas promovidas periodicamente pela ANEEL, dado que há ainda significativa
insatisfação dos clientes, e também necessidade de se aumentar sua área de
abrangência, o que certamente teria repercussões sobre seu retorno financeiro.
Fica evidente a necessidade de investimentos em manutenção da rede existente,
como confirma Soares (2011), que demonstra que a empresa deve rever o plano de
manutenção de sua rede. De fato, com base nos resultados do presente estudo, as
explicações dos gestores da Light para os diversos problemas apresentados ao
longo dos últimos 15 anos não se comprovam como principais responsáveis pela
baixa qualidade dos serviços oferecidos.
Assim, como em Silvestre, Hall, Matos e Figueira (2010), neste estudo não foram
encontradas evidências de que o processo de privatização impactou diretamente
na melhoria de indicadores técnicos da Light. Nesse contexto, fica claro que há
necessidade de aprimoramento regulatório, visando ao aumento da qualidade de
seus serviços. Em outras palavras, a privatização, por si, não provoca
imediatamente impactos positivos para a sociedade, mas sim quando acompanhada
de um arcabouço institucional-regulatório que implique maior qualidade dos
serviços e maiores investimentos, especialmente em ampliação da capacidade
produtiva e em manutenção da rede instalada. O caso da Light mostra que a
privatização não é um fim em si mesmo. Para esse processo ser bem-sucedido, é
necessário que sejam criadas instituições (North, 1990), como reguladores, e
que haja um desenho institucional que permita, no caso do setor elétrico,
atender aos seus objetivos institucionais: garantia de suprimento e modicidade
tarifária. Em suma, as agências reguladoras desempenham papel fundamental no
desempenho do setor (Souza Júnior & Balbinotto Neto, 2006).
Em uma cidade que será protagonista da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas
de 2016, os resultados apresentados por este estudo apontam para necessidade
urgente e imprescindível de uma postura de regulação mais efetiva por parte da
ANEEL, que aplique as sanções previstas em Lei, e para uma postura mais
responsável por parte da Light em tomar atitudes efetivas de solução de
problemas, procurando apresentar resultados em vez de culpar fatores externos
pelos problemas ocorridos, contribuindo, assim, para melhorar seu desempenho
como empresa em benefício direto aos seus cerca de 4 milhões de consumidores.
NOTA
(1) A Resolução 414/2010 da ANEEL exige que as concessionárias do setor
elétrico, por meio de suas respectivas ouvidorias, respondam às demandas dos
consumidores em um período máximo de 30 dias.