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BrBRHUAp0080-21072014000100006

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variedadeBr
ano2014
fonteScielo

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Empreendedorismo feminino e o conflito trabalho-família: estudo de multicasos no setor de comércio de material de construção da cidade de Curitiba

1. INTRODUÇÃO No Brasil, as micro e pequenas empresas representam 99% das empresas existentes e 51,63% da geração de postos de trabalho (Sebrae & Dieese, 2011). Vale destacar a relevância dos estudos voltados para o aprimoramento dessas empresas, que ajudam a torná-las profissionais e formais, resultando em negócios atrativos e com longevidade premeditada (Drucker, 1987; Filion, 1999b; Thornton, 1999).

Motivadas por vislumbrarem alguma oportunidade ou impulsionadas pelas necessidades, as mulheres empreendedoras escrevem atualmente um novo capítulo na história do empreendedorismo mundial. O Relatório sobre Mulheres e Empreendedorismo do Global Entrepreneurship Monitor [GEM] (2007) assevera que as mulheres representam mais de um terço das pessoas envolvidas em atividades empreendedoras formais e que a participação é ainda maior se a informalidade for também considerada. Esse relatório coloca o Brasil como o quarto país em que o empreendedorismo feminino é mais atuante. O GEM (2011) destacou que apesar de a taxa de empreendedorismo feminino no Brasil ser um pouco inferior à do masculino, o Brasil tem uma das mais altas taxas de empreendedorismo feminino entre os países participantes da pesquisa GEM, sendo considerada a quarta maior proporção entre os 54 países pesquisados.

Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas [Sebrae] (2005), o empreendedorismo feminino do Brasil pode ser observado em alguns segmentos de forma destacada. A indústria de alimentos, o comércio de confecções e a prestação de serviços educacionais são os segmentos com maior participação de mulheres empreendedoras. Em áreas consideradas tipicamente masculinas, como a de comércio de material de construção, nas duas últimas décadas o empreendedorismo feminino começou a destacar-se, principalmente no setor do comércio, em que alcança uma fatia de 10% no mercado formal e 37% no mercado informal.

Uma das principais razões para que a mulher venha a ter o próprio negócio é a flexibilidade de horários, pois ela acredita que, sendo dona da própria empresa, poderá compatibilizar trabalho e família (Gomes & Santana, 2004, p. 5). O que ocorre, porém, é que são raras as empreendedoras, em particular as pequenas empreendedoras, que têm a fronteira entre o trabalho e a vida pessoal, ou a vida em família, bem-definida. Essa situação geralmente leva essas pequenas empresárias a defrontarem-se com conflitos entre o trabalho e a família.

Outros fatores como expectativas frustradas de divisão das tarefas domésticas com o cônjuge ou com os demais membros da família, a necessidade de maior dedicação de horas às atividades relativas ao trabalho e a ambiguidade entre a objetividade profissional e a ternura familiar também contribuem para a incompatibilidade de pressões entre o trabalho e a família, gerando custos sociais não quantificáveis, como o estresse, o afastamento do trabalho por doenças físicas e emocionais, a falta de acompanhamento dos dependentes e até mesmo o divórcio (Pleck, Staines, & Lang, 1980).

Neste artigo, por meio de estudo de casos múltiplos, aborda-se o conflito trabalho-família enfrentado por uma empreendedora curitibana do setor de comércio de material de construção. O objetivo é contribuir com as mulheres donas de pequenos negócios na identificação dos conflitos existentes na relação trabalho-família e descrever as ações adotadas pela empreendedora para atenuá- los ou até mesmo eliminá-los. Apresenta-se, a seguir, na revisão teórica, estudos realizados sobre empreendedorismo, empreendedorismo feminino e o conflito trabalho-família. Logo após, descrevem-se a metodologia adotada, a análise comparativa dos casos estudados, as conclusões e, por fim, algumas considerações finais e sugestões para futuros estudos.

2. EMPREENDEDORISMO FEMININO Os primeiros conceitos de empreendedorismo tiveram embasamento nas teorias do desenvolvimento econômico, que o definiam como decorrente de mudanças promovidas de forma ativa por agentes que participavam da estrutura, deixando de ser interpretado como um evento econômico e passando a ocorrer na esfera social. Dessa forma, podia-se entender que aqueles indivíduos que utilizavam os recursos disponíveis de maneira diferenciada eram os agentes de transformação que rompiam com a estabilidade existente e obrigavam os demais agentes a se reorganizarem e se adaptarem às mudanças. Esse agente transformador, que promovia inovações, era chamado por Schumpeter (1934) de empreendedor.

Dentre os autores contemporâneos, Carland, Hoy e Boulton (1984) e Filion (1999a) compartilham de conceituações semelhantes para o emprego do termo empreendedorismo que, para eles, designa principalmente as atividades de indivíduos que se prestam à geração de competências e de riquezas, seja pela aquisição e transformação de conhecimentos em produtos ou serviços, na geração do próprio conhecimento, seja pela inovação. Para o Global Entrepreneurship Monitor (GEM, 2007), empreendedorismo é qualquer tentativa de criação de um novo negócio ou novo empreendimento, como uma atividade autônoma, uma nova empresa ou a expansão de um empreendimento existente, por um indivíduo, grupos de indivíduos ou por empresas estabelecidas.

Os diversos conceitos de empreendedorismo existentes não fazem distinção de gênero, visto que as características empreendedoras podem ser encontradas tanto em homens quanto em mulheres, ainda que suas primeiras definições contemplassem quase exclusivamente o público masculino. No entanto, nos dias atuais, é inegável o peso feminino crescente na população economicamente ativa (PEA) e na atividade econômica, não no Brasil, mas também em diversos países do mundo todo. De acordo com as estatísticas, 67% das mulheres que trabalham no Brasil estão na economia informal e representam 42% de um total de 14 milhões de empreendedores brasileiros, colocando o Brasil em quarto lugar entre os países com maior número de empreendedoras no mundo (GEM, 2007).

Estudos têm demonstrado que as mulheres abrem empresas por diferentes motivos: desejo de realização e independência, percepção de oportunidade de mercado, dificuldades em ascender na carreira profissional em outras empresas, necessidade de sobrevivência e como maneira de conciliar trabalho e família (Machado, St-Cyr, Mione, & Alves, 2003, p. 4), além do fato de muitas empreendedoras pertencerem a famílias de empreendedores (Buttner & Moore, 1997), o que as direciona automaticamente ao empreendedorismo, como se fosse uma predisposição genética.

Birley, Harris e Harris (1988) pesquisaram sobre as motivações que levavam homens e mulheres a abrirem suas empresas e puderam concluir que, de fato, não havia diferenças motivacionais entre homens e mulheres. O que ocorria eram diferenças na maneira como eles e elas entravam no negócio. Nos achados da pesquisa, as mulheres optavam por ocupar o espaço que tradicionalmente não era dominado pelos homens e preferiam o uso do capital próprio para a abertura de suas empresas, pois mostravam-se mais conservadoras quanto ao quesito risco, ainda que não encontrassem mais obstáculos do que os homens na tentativa de aquisição de crédito. Outras diferenças apareceram com relação ao reconhecimento. Atingir uma posição mais alta na sociedade e aumentar o prestígio e o status da própria família foram as razões mais importantes para começar um negócio na percepção dos homens do que na das mulheres (Shane, Kolvereid, & Westhead, 1991, p. 438).

Stokes, Riger e Sullivan (1995) descobriram que as mulheres viam o ambiente de trabalho em grandes organizações como hostil, levando esse dado a ser também considerado como um dos fatores motivadores para a abertura de suas empresas. A consideração das características psicológicas e sociais das mulheres empreendedoras para mapear as experiências femininas de inovação ao criarem e assumirem seus próprios negócios, transpondo o chamado teto de vidro, foi o foco de pesquisas diversas que consideraram a barreira que impedia essas mulheres de saírem dos cargos gerenciais medianos para assumirem posições executivas dentro da organização (Lawlor, 1994; Walbert, 1995; Buttner & Moore, 1997; Jonathan & Silva, 2007).

No entanto, Eagly e Carli (2007, p. 1) comentam que a metáfora do teto de vidro ilustra uma rígida e impenetrável barreira, que hoje pode ser considerada bem mais permeável. As autoras afirmam que "apesar do longo tempo de monopolização dos cargos de liderança pelos homens, essa condição está mudando.

Nos Estados Unidos e em muitas outras nações, as mulheres vêm ganhando acesso aos papéis de liderança". O Relatório GEM (2011) também chama atenção para o teto de vidro no Brasil, onde mulheres não conseguem atingir as posições mais altas da hierarquia de uma empresa.

Embora tal cenário venha se transformando, é fato que no Brasil as mulheres ainda recebem um salário menor do que os homens e ainda são poucas as que ocupam cargos de direção. Levantamentos realizados anualmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base na Pesquisa Mensal de Emprego, constatam que as mulheres recebem em média 30% menos do que os homens.

Isso, aliado ao fato de que as mulheres possuem mais anos de estudo do que os homens, acaba refletindo-se no aumento do índice do empreendedorismo feminino e na percepção, por parte da mulher, de que o empreendedorismo pode ser uma opção de carreira interessante para elas (GEM, 2011).

Questões relativas ao equilíbrio entre a vida profissional e a pessoal das empreendedoras brasileiras foram a motivação de pesquisa de Quental e Wetzel em 2002. As autoras justificaram a importância do estudo no aumento de formação de novos negócios por mulheres a uma taxa duas vezes maior do que a dos homens na última década. Ter o próprio negócio foi percebido pelas mulheres como uma opção de carreira que conduzia a um maior equilíbrio entre os papéis no trabalho e na família; o empreendedorismo poderia oferecer certas características de trabalho, como autonomia e horário flexível, que, na percepção feminina, deveriam conduzir a esse equilíbrio (Quental & Wetzel, 2002).

No entanto, as conclusões da pesquisa apontaram um aumento significativo de conflitos entre trabalho e família, justamente devido à liberdade e à flexibilidade encontradas pelas mulheres empreendedoras. Por terem um horário flexível de trabalho, essas mulheres misturaram horários de atividades domésticas com profissionais; por serem donas dos próprios negócios, envolveram-se intensamente com o trabalho, dedicando-lhe muitas horas, pois se sentiam responsáveis pelo sucesso ou fracasso do empreendimento. Nem por isso as mulheres se disseram insatisfeitas com seus trabalhos. Todas as sete participantes da pesquisa relataram satisfação com o que faziam e que não desejavam outra profissão naquele momento, demonstrando, segundo palavras das autoras, um profundo amor por seus negócios (Quental & Wetzel, 2002, p.

13).

Para analisar a interface entre o mundo da família e o do trabalho, na próxima seção é feita uma revisão teórica do conflito trabalho-família, apresentando a constante busca das mulheres pelo equilíbrio entre as demandas profissionais e familiares.

3. CONFLITO TRABALHO-FAMÍLIA Data de 1964 um dos primeiros estudos sobre o conflito trabalho-família, realizado por Robert L. Kahn, que lançou em Nova Iorque o livro Organizational Stress, escrito em coautoria com Wolf, Quinn, Snoek e Rosenthal. A obra tratava do comportamento humano nas organizações, conflitos dentro e fora do trabalho e o estresse causado pela "vida moderna" (Kahn et al., 1964, citado por Greenhaus & Beutell, 1985). Os autores definiram o conflito trabalho-família como a forma de conflito em que as pressões dominantes do trabalho e da família são mutuamente incompatíveis.

Na década de 1970, Hall (1972) e mais tarde Hall e Gordon (1973) apresentaram estudos importantes sobre o conflito trabalho-família. Esses autores preocuparam-se com os conflitos enfrentados pelas mulheres casadas e sugeriram ações para que elas pudessem lidar com os conflitos e tentar atenuá-los, como questionar se o que era tido como o comportamento ideal esperado de uma mulher era, de fato, ideal; ou descobrir o real valor das funções que exerciam. Hall (1972) e Hall e Gordon (1973) foram também citados no trabalho de Herman e Gyllstrom (1977), que realizaram estudo para determinar se os homens e as mulheres que viviam múltiplos papéis sociais, percebiam níveis diferentes de conflito inter e intrapapéis, como, por exemplo, os papéis de pai/mãe, de esposo/esposa, de trabalhador/trabalhadora.

Nessa mesma década, as pesquisadoras Holahan e Gilbert (1979a) descobriram haver crescentes conflitos trabalho-família entre casais que exerciam profissões distintas, principalmente se aspirações pelo sucesso profissional eram percebidas pelos homens em suas esposas. O fato de o casal ter ou não filhos também diferenciava os conflitos relatados pelos participantes da pesquisa. Casais com filhos enfrentavam um maior número de conflitos dentro de casa do que os casais sem filhos. A pesquisa teve como respondentes de questionários enviados por correio 28 casais norte-americanos, sendo 10 sem filhos e 18 com filhos.

No mesmo ano, Holahan e Gilbert (1979b) apresentaram estudo que visava comparar os conflitos de papéis vividos por mulheres que trabalhavam fora de casa em período integral, graduadas e não graduadas. As 26 participantes da pesquisa que compuseram a amostra responderam a um questionário anônimo com escalas de mensuração dos possíveis conflitos entre os diversos papéis que exerciam como trabalhadoras, esposas, mães e as expectativas de realizações pessoais e profissionais. Todas as respondentes eram casadas, tinham filhos e trabalhavam em uma grande universidade norte-americana. Ao contrário do que esperavam, as pesquisadoras constataram maior percepção de conflitos entre os papéis exercidos pelas trabalhadoras não graduadas, pois elas possuíam menor suporte marital e mais expectativas de alcançar um melhor nível profissional, levando, por isso, para dentro de casa a frustração por não atingirem esse objetivo.

O interesse pelo tema conflito trabalho-família continuou por toda a década de 1980, com a apresentação de inúmeros trabalhos sobre o assunto. Destaque para a pesquisa de Keith e Schafer (1980), que estudaram 135 famílias norte-americanas em que pai e mãe trabalhavam fora. Os resultados mostraram que, tanto para os homens quanto para as mulheres, o tempo despendido no trabalho e nas tarefas domésticas foi um fator que elevou os níveis de depressão e o conflito trabalho-família. O envolvimento masculino nas atividades do lar foi o principal fator considerado na percepção dos conflitos pelos homens, enquanto as mulheres apontaram os problemas financeiros como o fator causal mais importante no surgimento dos conflitos entre o trabalho e a família.

Pleck et al. (1980) observaram que grande parte dos conflitos trabalho-família estava relacionada ao tempo excessivo dedicado ao trabalho, o que implicava menor tempo ocupado com a família. O mesmo resultado observou Kahn (1984) em sua pesquisa sobre a relação entre produtividade e qualidade de vida. O tempo excessivo dedicado ao trabalho foi considerado o principal fator gerador de conflitos trabalho-família.

Em 1985, Greenhaus e Beutell publicaram, na Academy of Management Review, o artigo"Sources of conflict between work and family roles", que traz uma revisão teórica sobre o tema até meados da década de 1980. Os autores apresentaram o conflito trabalho-família em três dimensões: a dimensão tempo, ou o conflito baseado no tempo, que se apoia no tempo excessivo gasto no trabalho, identificado por Pleck et al. (1980) e Kahn (1984); a dimensão tensão, ou o conflito baseado em tensão, que leva em consideração fatores de estresse, como a ansiedade, a fadiga, a depressão e a irritabilidade causada pelo trabalho; e a dimensão comportamento, que leva em consideração a autoconfiança, a estabilidade emocional, a agressividade e a objetividade, tanto no trabalho quanto na família. Após identificar as três dimensões, Greenhaus e Beutell (1985) sugeriram a sobreposição das dimensões, para que se pudesse visualizar a incompatibilidade de pressões entre o trabalho e a família (Quadro_1).

Enquanto na década de 1990 deu-se pouca ênfase aos estudos sobre o conflito trabalho-família, a chegada do novo século colocou novamente em pauta a preocupação com o assunto. Em 2001, Friedman e Greenhaus lançaram o livro Work and family: allies or enemies?, escrito após a realização de pesquisa empírica com mais de 800 trabalhadores, entre homens e mulheres (citado por Pajo, 2001).

Em 2002, Martins, Eddleston e Veiga publicaram, na Academy of Management Journal, estudo em que examinaram os fatores determinantes da relação negativa entre os conflitos trabalho-família e a satisfação com o trabalho. A amostra com 975 gerentes indicou que a relação entre o conflito trabalho-família e a satisfação com a profissão era de fato negativa para mulheres de todas as idades, independentemente de serem ou não casadas e terem filhos. Para os homens, essa relação mostrou-se negativa somente para profissionais em fim de carreira (Martinset al., 2002).

Lo, Stone e W.Ng (2003) realizaram pesquisa com 50 mães trabalhadoras de Hong Kong para verificar se as empresas em que essas mulheres trabalhavam proporcionavam o suporte familiar que elas esperavam. Como resultado, as pesquisadoras constataram que nenhuma das empresas dava às trabalhadoras o suporte esperado.

Pesquisa sobre a satisfação das mulheres com o suporte marital, tanto doméstico quanto profissional, foi realizada por Gordon e Whelan-Berry (2004). As pesquisadoras enviaram 3.870 questionários para funcionárias de um hospital de subúrbio de uma localidade do nordeste norte-americano, por meio do sistema de correspondência interno do hospital. Dos questionários enviados, 1.022 foram respondidos. Das respondentes, 744 eram casadas ou viviam com o parceiro. A expressiva maioria afirmou que obtinha suporte financeiro de seus maridos ou parceiros, mas que não podiam contar com eles na realização das atividades domésticas e no trato com os filhos.

A exaustão emocional relacionada à diferença de gênero na percepção dos conflitos trabalho-família foi motivação para a pesquisa de Posig e Kickul (2004). Questionários foram pessoalmente entregues a 153 trabalhadores, entre homens e mulheres, casados ou vivendo com parceiros, de companhias do centro- oeste norte-americano. Como resultado, as pesquisadoras puderam observar que houve, de fato, a relação da exaustão emocional com os conflitos trabalho- família, mas com diferentes percepções por parte dos homens e das mulheres.

Enquanto os homens relataram sentir maior estresse emocional com a interferência das obrigações domésticas no trabalho, as mulheres reportaram justamente o contrário. Elas sentiam que o trabalho gerava conflitos com a família, principalmente pelo tempo que essas trabalhadoras alegavam não ter para estar com suas famílias.

A tendência dos homens em dedicar mais horas à carreira do que as mulheres foi confirmada pelo estudo de DeMartino, Barbato e Jacques (2006). Os resultados da pesquisa relataram o fato de as mulheres dedicarem mais tempo às famílias do que os homens. Relação de gêneros também foi realizada na pesquisa de Lilly, Duffy e Virick (2006), que também confirmaram que as mulheres são mais afetadas com as obrigações familiares do que os homens. O mesmo resultado foi mostrado na pesquisa de Marcinkus, Whelan-Berry e Gordon (2006).

Em 2006, Greenhaus retomou os estudos sobre o conflito trabalho-família e apresentou dois novos artigos, ambos em parceria com Powell. No primeiro, os autores referiram-se à complexidade entre o enriquecimento e o conflito trabalho-família, estando o processo de enriquecimento negativamente relacionado aos conflitos gerados pela interface trabalho-família, ou seja, o fato de enriquecer com o trabalho não é um atenuante dos conflitos trabalho- família (Powell & Greenhaus, 2006a). No segundo, os autores trataram da gestão de incidentes provocados pelos conflitos trabalho-família segundo a perspectiva da tomada de decisão, prevalecendo a influência do que cada um tem por prioridade (Powell & Greenhaus, 2006b).

Ações para mitigar ou até mesmo eliminar os conflitos trabalho-família foram apresentadas por Shelton (2006) como condição importante para o crescimento e o desenvolvimento da atividade empreendedora. A autora destaca que tanto a saliência da família quanto os recursos internos para atender às demandas da empresa interferem na estratégia de gestão da interface trabalho-família.

Afirma ainda que, quanto menor o número de conflitos, maior o bem-estar da empreendedora e, quanto maior o bem-estar da empreendedora, maior o desempenho do negócio.

Para a estratégia de gestão trabalho-família, Shelton (2006) sugeriu as ações possíveis, apresentadas no Quadro_2. Segundo a autora, as empreendedoras podem tentar eliminar o conflito trabalho-família, optando por não ter filho e não formar família, ou por não abrir uma empresa. Para a opção de reduzir conflitos, pode-se planejar uma família pequena e/ou terceirizar as demandas da família mediante profissionais capacitados para tais demandas. Como uma última opção, a empresária pode tentar compartilhar o conflito, delegando atividades do trabalho a pessoas competentes, por meio da gestão compartilhada e/ou delegar as atividades domésticas a outros membros da família que sejam de sua confiança.

Para Shelton (2006), empreendedoras bem-sucedidas são mais propensas a gerenciar seus negócios de maneira que eles não requeiram muito envolvimento empreendedor, delegando boa parte de suas tarefas a membros da organização, assim como sugerem Hornsby e Kuratko (1990). Shelton (2006) destaca, como consta no Quadro_2, que as empreendedoras preferem compartilhar suas funções, tanto profissionais quanto domésticas, a eliminar ou reduzir seus encargos.

As funções domésticas são normalmente compartilhadas com o cônjuge, com parentes próximos ou babás nos cuidados com crianças pequenas, e com empregados domésticos para as tarefas da casa. as funções profissionais normalmente são compartilhadas com membros de confiança na empresa, pessoas a quem as empreendedoras que responderam à pesquisa consideram como o braço direito dentro da empresa.

Muitas mulheres, porém, ainda pensam estar no empreendedorismo a oportunidade para conciliar trabalho e família devido à flexibilidade de horários que elas mesmas organizam (Gomes & Santana, 2004; DeMartino et al., 2006). A questão da flexibilidade, previamente vista nas dimensões tempo e tensão do conflito trabalho-família, provou não satisfazer as expectativas dessas mulheres com relação à possibilidade de atender às demandas tanto do trabalho quanto da família, provando ser esse um fator mais agravante do que atenuante do conflito trabalho-família.

No Brasil, merecem destaque os trabalhos de Quental e Wetzel (2002) e de Lindo, Cardoso, Rodrigues e Wetzel (2007). Quental e Wetzel (2002) observaram que ter o próprio negócio foi percebido pelas mulheres como uma opção de carreira, que conduz a um maior equilíbrio entre os papéis do trabalho e da família. A segunda pesquisa, de Lindo et al. (2007), teve por objetivo analisar as questões relativas ao equilíbrio entre vida pessoal e vida profissional para empreendedoras de dois diferentes ramos de atividades: creches e bufês.

Para a pesquisa aqui apresentada, adaptaram-se as dimensões tempo, tensão e comportamento, apresentadas tanto no ambiente de trabalho quanto no ambiente familiar, considerando a área das incompatibilidades justamente o espaço em que se aplicam as ações atenuantes do conflito trabalho-família. As dimensões apresentadas no modelo serviram como base para identificação dos conflitos observados pelas empreendedoras dos dois casos estudados na pesquisa.

A dimensão tempo contempla aspectos gerais do trabalho como o número de horas trabalhadas, a flexibilidade de horários e o grau de envolvimento e responsabilidade e da família como a dedicação aos filhos, a inter-relação com o trabalho do cônjuge e o compartilhamento das tarefas domésticas. A dimensão tensão prevê, entre outros aspectos, a rotina, a baixa valorização das atividades, novamente o envolvimento e a responsabilidade, e os fatores estressantes comuns do trabalho. Na família, a dimensão tensão considera as expectativas de sucesso pessoal, o sucesso do cônjuge e dos demais membros; as cobranças de participação nas atividades domésticas; o apoio do cônjuge; e os fatores estressantes comuns do ambiente familiar. A dimensão comportamento refere-se às atuações pessoais esperadas tanto no ambiente do trabalho como no ambiente familiar, quando expectativas distintas requerem atuações distintas.

Em outras palavras, enquanto no trabalho é esperado um comportamento profissional com objetividade e discrição, na família espera-se que esse mesmo indivíduo, que atendeu às expectativas do trabalho, se comporte com sensibilidade, transmitindo aos membros da família calor humano e honestidade.

Como tentativa de diminuir a incompatibilidade ou o conflito, foi elaborado modelo conceitual, apresentado no Quadro_3, que sugere a aplicação das ações para lidar com o conflito trabalho-família na interface do trabalho com a família. Esse modelo conceitual foi baseado na adaptação das dimensões do conflito trabalho-família apresentadas por Greenhaus e Beutell (1985) e das ações para atenuar o conflito apresentadas por Hall (1972) e Shelton (2006).

4. ENFOQUE METODOLÓGICO Esta pesquisa é qualitativa, do tipo estudo de multicasos. Eisenhardt (1989) o estudo de caso como uma estratégia com foco no entendimento da dinâmica presente no fenômeno estudado.

Para a realização deste estudo de casos múltiplos, foi elaborado um roteiro semiestruturado de entrevista, visando à obtenção de informações a partir do ponto de vista dos entrevistados, que permite ao pesquisador excluir ou incluir questões ou ainda efetuar alterações na ordem das questões em virtude das respostas obtidas. Foram entrevistadas duas empreendedoras do setor de comércio de material de construção de Curitiba e seus parceiros. As empresas foram: Uniportas, que fabrica portas e janelas de madeira, e a MRC, que elabora projetos arquitetônicos.

Foram escolhidas, para este estudo, duas organizações do setor de comércio de material de construção localizadas na cidade de Curitiba, Paraná, que têm mulheres como fundadoras e atuais administradoras. Os critérios para a escolha dos casos foram: * acessibilidade ' encontrar empreendedoras que aceitassem participar da pesquisa; * prazo ' maior número possível de casos viáveis dentro do prazo disponível para a etapa empírica, que neste estudo foram apenas dois; * empresas que atendessem aos requisitos de terem mulheres como fundadoras, atuais proprietárias e administradoras; * empresas que pertencessem ao setor de comércio de materiais de construção; * empresas que fossem de micro ou pequeno porte.

Como fonte complementar de coleta de dados, foi usada a observação direta, considerada essencial num estudo de caso qualitativo. Na observação direta, procuram-se apreender aparências, eventos e/ou comportamentos (Godoy, 2007, p.

133). As provas observacionais são, em geral, úteis para fornecer informações adicionais sobre o tópico que está sendo estudado (Yin, 2001, p. 115). O que foi observado neste estudo de casos foram momentos específicos da rotina das empreendedoras, como a aproximação do horário de buscar os filhos na escola; a reação diante de eventos como reuniões extraordinárias sem agendamento prévio; a reação a incidentes ou acidentes durante a realização dos serviços contratados; a receptividade a telefonemas familiares recebidos durante o expediente; as ações para completar a agenda doméstica, como compras no supermercado, conciliando essa agenda com os compromissos profissionais; e outras ações relevantes para a compreensão do fenômeno estudado.

Após a descrição e a análise individual de cada caso, foi realizada a cross- case analysis. De acordo com Eisenhardt (1989), essa técnica de análise busca descobrir padrões entre os casos, possibilitando que sejam enfatizadas as semelhanças e diferenças entre os casos, bem como comparar os resultados obtidos com os estudos apresentados na revisão teórica. A descrição individual dos casos não será apresentada neste artigo, pois a riqueza dos depoimentos e a dificuldade de sua redução leva a perda de conteúdo, dificultando sua compreensão. Em função desse fato, optou-se pela apresentação da análise comparativa dos casos, seguindo a técnica de Eisenhardt (1989).

5. ANÁLISE COMPARATIVA DOS CASOS Para a análise comparativa dos casos, inicialmente é destacado o perfil das empreendedoras entrevistadas. Depois, são identificados comparativamente os conflitos percebidos pelas empreendedoras de cada caso, separando-os nas dimensões tempo, tensão e comportamento. A seguir, são também analisadas comparativamente as ações tomadas pelas empreendedoras para lidar com os conflitos identificados e se essas ações têm gerado resultado positivo.

Dados do GEM (2011) apontam que são vários os fatores explicativos do aumento da participação feminina no mercado de trabalho. Esses fatores vão desde o maior nível de escolaridade em relação aos homens, até as mudanças na estrutura familiar, com o menor número de filhos e novos valores relativos à inserção da mulher na sociedade brasileira. No entanto, o aumento da participação da mulher no mercado de trabalho não foi acompanhado pela diminuição das desigualdades profissionais e de rendimentos entre os sexos. Pode-se perceber que tanto a proprietária da Uniportas quanto a proprietária da MRC alegam ainda não possuir autonomia financeira suficiente para dar sustento com suas empresas às despesas da casa. O Quadro_4 apresenta os principais dados que descrevem o perfil de cada empreendedora entrevistada.

Tanto a empreendedora da Uniportas quanto a empreendedora da MRC estavam na faixa etária de 25 a 34 anos quando abriram suas empresas. A empreendedora da MRC afirma ter aberto a empresa por uma questão de oportunidade e a da Uniportas alega ter ajudado a realizar um sonho do marido, o que poderia também ser entendido mais como oportunidade do que necessidade. Ambas possuem mais de 11 anos de estudo. As empreendedoras desta pesquisa não possuíam experiência anterior como empresárias, mas a proprietária da MRC havia atuado na área da empresa em empregos anteriores. A empreendedora da Uniportas, por sua vez, contou apenas com a experiência do marido no ramo de negócios. Os pais da empreendedora da MCR eram ambos comerciantes empreendedores, enquanto os pais da empreendedora da Uniportas nunca abriram empresa. Contudo, os pais do marido da empreendedora da Uniportas também eram empreendedores, o que corrobora pesquisas diversas sobre empreendedorismo feminino que atestam o fato de muitas empreendedoras pertencerem a famílias de empreendedores (Buttner & Moore, 1997; Machado et al., 2003).

Uma das empreendedoras entrevistadas neste estudo é casada e a outra mora com o companheiro numa relação estável. Ambas iniciaram suas empresas com capital próprio, ainda que escasso, corroborando as demais pesquisas sobre o perfil das mulheres empreendedoras (Jonathan, 2003). As duas empresas pesquisadas têm como constituição jurídica a sociedade limitada, como os achados da pesquisa de Machado et al. (2003), e ambas possuem como sócias formais suas mães, que não participam ativamente das empresas.

A preocupação de ambas as empreendedoras é manter a qualidade dos serviços e produtos de suas empresas e nenhuma delas mostrou preocupação com o crescimento do negócio e, sim, com a qualidade de vida pessoal que gostariam de ter por meio da abertura das firmas, corroborando a pesquisa de Machado (1999). As duas empreendedoras relatam estar satisfeitas com seu trabalho, ainda que a compensação financeira não seja a esperada, o que comprova os achados da pesquisa de Quental e Wetzel (2002).

Após a descrição do perfil das empreendedoras, apresenta-se a análise comparativa da percepção da existência de conflitos trabalho-família pelas respondentes. Para esta pesquisa, foram adaptadas as dimensões tempo, tensão e comportamento, encontradas tanto no ambiente de trabalho quanto no ambiente família, considerando a área das incompatibilidades justamente o espaço em que se podem aplicar as ações atenuantes do conflito trabalho-família. A partir das informações coletadas no caso Uniportas, elaborou-se o Quadro_5, que agrupa os dados de acordo com o modelo teórico adotado.

O Quadro_6 apresenta as informações coletadas no caso MRC, aplicadas dentro do mesmo modelo de pesquisa.

As dimensões apresentadas no modelo serviram como base na identificação dos conflitos observados pelas empreendedoras dos dois casos estudados nesta pesquisa. O espaço destinado às incompatibilidades é onde se faz necessária a intervenção das empreendedoras por meio de ações para eliminar ou atenuar os conflitos percebidos nas três dimensões do modelo. As incompatibilidades são geradas pelas pressões que as empreendedoras sofrem durante o desempenho de seus papéis profissionais e familiares.

Aplicados ao modelo de pesquisa, pode ser novamente observado que os fatores geradores de conflitos percebidos pelas empreendedoras dos dois casos desta pesquisa assemelham-se nos principais aspectos, em todas as dimensões de conflitos. Na dimensão tempo, do lado profissional, a indefinição do horário, a excessiva dedicação de tempo, o altíssimo grau de envolvimento e a flexibilidade de horários foram fatores geradores de conflitos para as duas empresárias. no lado familiar, coincide a reclamação de poucas horas existentes para se dedicarem a suas famílias. No entanto, enquanto a empreendedora da Uniportas critica seu marido pelo pouco apoio dado a ela para com as atividades familiares, a da MRC sente haver pouco tempo para cuidar dela mesma.

Na dimensão tensão, o destaque no lado profissional é para os problemas financeiros. A proprietária da Uniportas tem problemas com o fluxo de caixa da empresa, enquanto a empresária da MRC se aborrece ao ter de cobrar seus clientes pelos serviços prestados. O lado familiar traz tensões para ambas, quando ocorrência de brigas entre os membros da família. A empreendedora da Uniportas volta a destacar a falta de suporte marital como fator gerador de conflitos também na dimensão tensão.

A falta de ânimo para assuntos administrativos é apontada pela empreendedora da Uniportas como o fator gerador de conflitos na dimensão comportamento do lado profissional. A da MCR, por sua vez, observa que a rotina de altos e baixos a deixa desmotivada para seu trabalho. Ambas alegam que problemas profissionais na dimensão comportamento geram mau humor no trato com os familiares.

Pela observação do modelo de pesquisa, pode-se também identificar que as ações para lidar com os conflitos que ambas as empresárias aplicam são, em sua maioria, semelhantes. As duas empreendedoras buscam controlar suas emoções, tentando mudanças na maneira de agir, para não levar problemas do trabalho para casa. As duas empresárias procuram o bom convívio com seus parceiros, tendo deles o apoio instrumental e emocional, quando necessário. A empreendedora da Uniportas prioriza o trabalho, tenta compartilhar as atividades familiares com os demais membros da família e pensa em não deixar a empresa como herança para as filhas. a da MCR busca o equilíbrio do tempo dedicado ao trabalho e aos assuntos familiares. A seguir os dois casos serão analisados comparativamente em função de cada uma das dimensões.

5.1. Dimensão tempo O conflito baseado na dimensão tempo contempla aspectos gerais do trabalho, como o número de horas trabalhadas, a flexibilidade de horários e o grau de envolvimento e responsabilidade, tanto com a empresa quanto com a família, bem como a inter-relação com o trabalho do cônjuge e o compartilhamento das tarefas domésticas. Conflitos baseados no tempo com ênfase na organização estão relacionados à excessiva dedicação ao trabalho, o que resulta em menor tempo ocupado com a família (Pleck et al., 1980). As pressões do tempo do trabalho, associadas ao papel social, tornam fisicamente impossível satisfazer as expectativas de um sem frustrar as expectativas do outro (Khan, 1964, citado por Greenhaus & Beutell, 1985).

Resultados das pesquisas quantitativas demonstraram que relação de crescimento do conflito trabalho-família com o tempo de ocupação do indivíduo com seu trabalho (Burke, Weir, & Duwors Jr., 1980; Pleck et al., 1980; Greenhaus & Beutell, 1985). O conflito trabalho-família foi também associado à quantidade e frequência de períodos irregulares de trabalho, ou fora do tempo estipulado para início e fim das atividades (Pleck et al., 1980).

No Quadro_7 apresentam-se os principais conflitos trabalho-família dentro da dimensão tempo, percebidos pelas respondentes desta pesquisa.

As empreendedoras não fogem às características apresentadas pelo relatório GEM (2011). Ambas exercem múltiplos papéis e cobram-se por isso. Ambas valorizam tanto a realização profissional quanto o relacionamento afetivo e o tempo dedicado a si mesmas. Por isso, a percepção dos conflitos assemelha-se nas três dimensões propostas por Greenhaus e Beutell (1985): tempo, tensão e comportamento. As duas empreendedoras reclamam da distribuição do tempo e do excesso de horas despendidas no trabalho em detrimento do tempo ocupado com a família e com o parceiro. Ambas tiveram a ideia de que a flexibilidade de horários favoreceria o equilíbrio entre as tarefas do trabalho e da família e alegam que se decepcionaram com o resultado, mas, ainda assim, não trocariam a flexibilidade por um trabalho com horário preestabelecido.

5.2. Dimensão tensão A dimensão tensão contempla aspectos como a rotina, a baixa valorização das atividades, novamente o envolvimento e a responsabilidade com a empresa e com a família, e os fatores estressantes comuns do trabalho. Conflitos baseados em tensão ocorrem quando a fadiga e a irritabilidade pelas pressões decorrentes do trabalho coexistem com as pressões externas ao trabalho, as primeiras concorrendo com as segundas (Pleck et al., 1980). Os conflitos surgem, porque as pressões criadas pelo papel profissional são incompatíveis com as pressões criadas pelos demais papéis sociais, incluindo os compromissos familiares.

Pleck et al. (1980) relataram também que demandas físicas e psicológicas incrementam os níveis de diversos tipos de conflitos de trabalho-família, especialmente na dimensão tensão.

Jones e Butler (1980) indicam que níveis de autonomia não necessariamente contribuem para atenuar o conflito trabalho-família. Pelo contrário, a autonomia traz consigo mais responsabilidades, produzindo sobrecarga qualitativa na realização das tarefas relacionadas ao trabalho e, consequentemente, conflito. Os autores revelaram também que as tensões do trabalho são menores, quando as atividades são bem conduzidas e plenamente conhecidas pelo trabalhador. Da mesma forma, menos tensão no trabalho cujas atividades são bem remuneradas ou gratificadas (Jones & Butler, 1980).

As cobranças pela presença e pela participação do cônjuge nas atividades familiares são as mais comumente relatadas por Beutell e Greenhaus (1983, citados por Greenhaus, & Beutell, 1985). Além disso, mulheres com profissões diferentes das de seus maridos apresentam conflito entre os papéis de casa e do trabalho em níveis muito mais intensos. As tensões familiares também aumentam, quando desentendimentos entre marido e mulher sobre seus papéis dentro da família (Chadwick et al., 1976 e Eiswirth-Neems & Handal, 1978, citados por Greenhaus & Beutell, 1985). No Quadro_8, são apresentados os principais conflitos trabalho-família dentro da dimensão tensão, percebidos pelas respondentes desta pesquisa.

Tanto a proprietária da Uniportas quanto a da MRC apontam problemas financeiros com suas empresas: a primeira, com a falta de equilíbrio do fluxo de caixa; a segunda, com o recebimento dos honorários por serviços prestados. Ambas também confirmaram que problemas familiares afetam negativamente seu desempenho no trabalho. maior predisposição por parte das duas empreendedoras de deixar os problemas do trabalho no trabalho, mas carregam os problemas familiares junto com elas para o trabalho.

5.3. Dimensão comportamento Conflitos baseados no comportamento ocorrem quando padrões específicos de comportamento no trabalho podem ser incompatíveis com os padrões de comportamento esperados na família. Enquanto no trabalho se espera a impessoalidade, o raciocínio lógico, o poder e a autoridade, a família, por sua vez, espera de seus membros calor humano, docilidade, compreensão, carisma e até mesmo vulnerabilidade na interação dentro do lar. Se uma pessoa é incapaz de adaptar seu comportamento para atender às demandas de ambos os papéis, trabalho e família, está fortemente sujeita a enfrentar os conflitos trabalho- família (Greenhaus & Beutell, 1985). No Quadro_9, são apresentados os principais conflitos trabalho-família dentro da dimensão comportamento, percebidos pelas respondentes desta pesquisa.

Com relação ao fato de trabalharem no setor da construção civil, um ramo tipicamente masculino, as duas empreendedoras alegaram ter passado por constrangimentos devido à discriminação de gênero. A empreendedora da Uniportas por ter de provar sua capacidade técnica e a qualidade de seus produtos, que foram colocadas em dúvida por serem vendidos por uma mulher; e a empreendedora da MCR por problemas com a hierarquia em seu primeiro emprego, no qual os cargos de gerência pertenciam apenas aos homens. Com base nos relatos das respondentes da pesquisa, passa-se agora à apresentação e à análise das ações das empreendedoras para lidar com os conflitos por elas identificados.

5.4. Ações das empreendedoras para lidar com os conflitos Shelton (2006) apresentou em sua pesquisa o fluxo de demandas que pode levar a uma estratégia para diminuir os conflitos trabalho-família provocados pelas atividades no trabalho e na família. Quanto menor o número de conflitos, maior o bem-estar da empreendedora. Quanto maior o bem-estar da empreendedora, maior o desempenho de seu negócio. As empreendedoras tentam ações alternativas para lidar com os conflitos por elas percebidos, assim, para vencer os problemas relativos ao tempo, ambas buscam compartilhar as atividades domésticas com os membros da família. A empreendedora da Uniportas compartilha o trato da casa com as filhas e a da MCR compartilha as tarefas do lar com seu parceiro, meio a meio, segundo suas próprias palavras. Alguns critérios foram estabelecidos pela empreendedora da Uniportas, que definiu ante todos os que com ela convivem que o trabalho é prioridade na questão tempo. As demais atividades são encaixadas nas possíveis frestas de seu horário de trabalho.

Ambas procuram mudar a maneira de agir, controlando as emoções e tentando não levar os problemas do trabalho para casa, evitando com isso as alterações de humor no trato com a família. O bom convívio com o parceiro é esperado pelas duas empreendedoras, mas a proprietária da MRC deu destaque especial ao apoio, tanto instrumental quanto emocional, que recebe de seu noivo, com quem vive. No quesito comportamento, também afirmou ser uma pessoa questionadora dos padrões de comportamento ditos comuns ou impostos pela sociedade. A empresária alega não conseguir enquadrar-se em um perfil que a sociedade impõe, pois crê em sua autenticidade. Para completar a descrição das ações tomadas pelas empreendedoras desta pesquisa, a da Uniportas acredita que evitará problemas futuros se não deixar a empresa como herança para suas filhas. No Quadro_10, apresentam-se as principais ações das empreendedoras para lidar com os conflitos trabalho-família.

Após a análise comparativa dos dois casos, pode-se, por fim, chegar às conclusões da pesquisa.

6. CONCLUSÕES Os conflitos trabalho-família identificados pelas empreendedoras entrevistadas corroboram as pesquisas apresentadas na fundamentação teórica desta pesquisa.

Indefinição do horário de trabalho, poucas horas dedicadas à família, devido à excessiva dedicação de tempo aos assuntos profissionais e ao alto grau de envolvimento na empresa, além de dificuldades encontradas para o perfeito compartilhamento das atividades familiares com os demais membros da família, muitas vezes acrescidas do pouco apoio marital, foram os conflitos trabalho- família relacionados pelas empreendedoras que podem ser classificados dentro da dimensão tempo.

Dentro da dimensão tensão, os relatos das empresárias incluíram o estresse devido aos problemas financeiros de suas empresas, ou à cobrança dos honorários pelos serviços prestados, muitas vezes ignorados por seus clientes, os transtornos emocionais causados por brigas familiares e, novamente, o pouco apoio marital. A falta de ânimo para administrarem suas empresas, o mau humor no trato com a família como consequência dos problemas no trabalho e a falta de motivação constante causada pela rotina estressante ou pelo retorno financeiro abaixo do esperado foram os conflitos trabalho-família relatados pelas empresárias que podem ser classificados dentro da dimensão comportamento.

No Quadro_11, são apresentados resumidamente os conflitos trabalho-família percebidos pelas empreendedoras do setor da construção civil da cidade de Curitiba, com base nas dimensões tempo, tensão e comportamento.

As ações para lidar com os conflitos trabalho-família relatadas pelas empreendedoras da pesquisa foram: a tentativa de mudança na maneira de agir, buscando o controle das emoções para que não levem problemas oriundos do trabalho para dentro de suas casas; o controle do tempo dedicado ao trabalho e à família, priorizando o primeiro sem detrimento do segundo; a busca do compartilhamento das atividades domésticas com os demais membros da família, mesmo que para isso precisem estipular e impor regras a todos os que moram com elas; o bom convívio com seus parceiros, buscando diálogo e apoio instrumental e emocional. A empreendedora da Uniportas menciona ainda a intenção de não deixar a empresa como herança para suas filhas, enquanto a da MRC questiona-se constantemente sobre o comportamento que esperam dela, tanto no trabalho como na família. Sucintamente, essas ações são apresentadas no Quadro_12.

A busca pelo controle emocional é a ação de resultado mais imediato e positivo citada pelas duas empresárias. Ambas expressam sentimentos confortáveis com relação à aquisição de maturidade como base para o controle emocional. O sucesso no equilíbrio emocional é percebido principalmente pelos parceiros das empreendedoras, que confirmam que o passar do tempo e a aquisição de experiência auxiliaram para atenuar os conflitos, tanto no trabalho quanto na presença da família.

A tentativa de equilibrar horários também tem surtido bons resultados tanto para a empreendedora da Uniportas como para a da MRC. A primeira por meio da tentativa de priorizar seu trabalho, uma vez que percebe que sua família não depende tanto dela, pois as filhas cresceram e são, agora, mais independentes, fazendo com que as interferências do trabalho na família, e vice-versa, não sejam tão significativas. A segunda, por sua vez, tenta estabelecer limites para sua ocupação com o trabalho, alimentando, dessa forma, o bom relacionamento com seu parceiro.

Compartilhar as atividades domésticas é algo natural para a empreendedora da MRC, mas ainda gera conflitos para a outra empreendedora, que não tem de seu marido o apoio por ela esperado. A divisão das atividades domésticas ainda não é vista pela empresária da Uniportas como satisfatória, ainda que ela reconheça que tenha melhorado com o passar dos anos de existência da empresa. Diálogo e apoios emocional e instrumental por meio do bom convívio com seus parceiros são tidos por ambas como um resultado positivo de suas ações atenuadoras de conflitos. As duas relatam ter bom relacionamento com seus parceiros, ainda que a empreendedora da Uniportas se sinta insatisfeita com o apoio marital.

A empresária da MRC expõe também seus questionamentos sobre os comportamentos padronizados pela sociedade para as mulheres trabalhadoras. Suas tentativas de sair do padrão esperado são também narradas pela empreendedora como ações para lidar com os conflitos trabalho-família, que para ela essas ações evitam que seja alvo de críticas comuns às demais trabalhadoras, algo que a faz sentir-se pouco valorizada, tanto no trabalho quanto em casa. As duas empreendedoras desejam o reconhecimento profissional e pessoal, fator que contraria as principais pesquisas apresentadas no referencial teórico desta pesquisa, que atestam que a busca pelo reconhecimento profissional não é uma das características marcantes no perfil das empreendedoras.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS E SUGESTÕES PARA FUTUROS ESTUDOS Na presente pesquisa, buscou-se compreender, a partir de dois estudos de casos, as ações das empreendedoras do setor de material de construção na cidade de Curitiba para lidarem com os conflitos trabalho-família por elas identificados e quais ações essas mulheres adotam para atenuar ou eliminar tais conflitos.

Conflitos estão presentes na vida desde o momento em que se nasce e acompanham o ser humano até o final de sua existência. Cabe a ele desenvolver a habilidade de ter nos conflitos uma visão e uma compreensão construtivas, o que equivale a transformá-los em oportunidades e desafios diante da dinâmica da vida, que, quanto mais intensamente se vive, mais conflitos precisam ser administrados, entre eles os conflitos que surgem da interface trabalho-família.

As linhas teóricas que abordam o conflito trabalho-família seguem perspectivas semelhantes. Os autores concordam que as escolhas realizadas pelos indivíduos na gestão entre funções familiares e laborais são marcadas por pressões, na maioria das vezes devido ao compartilhamento do tempo entre as atividades do trabalho e da família. Os longos horários de trabalho foram apontados como fator de estresse e principal elemento para a explicação da existência desses conflitos.

Contudo, é preciso lembrar que o gênero feminino ainda é associado ao trabalho doméstico e é perceptível que as mulheres continuam a desempenhar a maior parte desse trabalho, em particular as tarefas tidas como tipicamente femininas. Os homens continuam a guardar para si o primado das responsabilidades profissionais e continuam a ser socialmente autorizados a afastar-se de tarefas legitimadas como femininas. Essa situação de reprodução da dominação masculina coloca as mulheres numa posição desfavorável do ponto de vista de seu reconhecimento social, além de contribuir para a divisão injusta de tarefas, tanto no trabalho como dentro de casa.

O crescimento do número de empreendimentos conduzidos por mulheres justifica a tendência de os estudos das Ciências Sociais dedicarem-se aos assuntos derivados do conflito trabalho-família dentro do contexto feminino de realização pessoal. O fato de as mulheres estarem cada vez mais presentes no mercado de trabalho, tanto na condição de funcionárias como na de empreendedoras, inevitavelmente acarreta impactos de toda ordem. O acréscimo dos conflitos trabalho-família para essas mulheres é inevitável.

O que se percebe com a pesquisa é que, na tentativa de conciliar casa-família- trabalho, as empresárias participantes da pesquisa agem muito mais para atenuar os conflitos por elas identificados do que para os eliminar. Ações como o controle das emoções, por exemplo, diminuem a frequência da ocorrência de conflitos, tanto em casa quanto no trabalho. Mas isso não significa que tais conflitos foram eliminados, pois as empreendedoras da pesquisa continuam a perceber que podem ocorrer a qualquer momento, bastando para isso que elas, momentaneamente, percam o autocontrole.

Diante do exposto, ficam como sugestão os assuntos relacionados a seguir, que podem ser tratados em pesquisas futuras.

* Realizar pesquisa quantitativa sobre o tema com o objetivo de verificar quais conflitos trabalho-família são mais frequentemente percebidos pelas empreendedoras, tanto da construção civil, quanto dos demais setores de atividade, e quais ações são usualmente empregadas por elas para lidar com os conflitos identificados. A pesquisa quantitativa possibilita a generalização dos dados, o que poderia fornecer aos pesquisadores o ranking dos conflitos mais frequentemente percebidos pelas empreendedoras brasileiras.

* Realizar pesquisa qualitativa com o mesmo tema em outros setores, que não o da construção civil, a fim de que se possam constatar diferentes percepções de conflitos trabalho-família.

* Comparar a percepção de conflitos entre homens e mulheres e suas ações para lidar com os conflitos observados, independentemente do setor em que empreendem, com o objetivo de descobrir as igualdades e diferenças dos pontos de vista de cada gênero sobre o assunto.


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