Posicionamento estratégico em resposta às restrições regulatórias de emissões
de gases do efeito estufa
1. INTRODUÇÃO
O efeito estufa é um mecanismo atmosférico que mantém a Terra aquecida e
garante a vida no planeta. Entretanto, em excesso, as emissões de gases do
efeito estufa (GEE) têm ocasionado a elevação da temperatura dos oceanos e do
ar, com riscos de mudança climática. Para o Intergovernmental Panel on Climate
Change (Painel Intergovernamental de Mudança Climática ' IPCC) (2007), as
mudanças climáticas referem-se a uma mudança no estado do clima, identificada
por transformações na média ou na variabilidade de suas propriedades,
persistindo por um extenso período de décadas.
Segundo Hoffman (2007), as mudanças climáticas são globais em suas causas e
consequências, apresentam impactos persistentes que se desenvolvem ao longo do
tempo e geram incertezas que impedem a quantificação precisa de seus impactos
econômicos. As empresas são participantes desse processo e devem definir uma
estratégia climática, principalmente as do setor de energia, que possuem forte
relação com as emissões atmosféricas, decorrentes, principalmente, da queima de
combustíveis fósseis.
Hoffman (2006) define o termo estratégia climática como o conjunto de metas e
planos voltados para a redução de emissões de GEE e que deve ser integrado à
estratégia organizacional. Hoffman (2005) explica, ainda, que empresas têm
buscado identificar vantagens estratégicas de reduções de GEE, de forma
voluntária, envolvendo a melhoria operacional, antecipando-se e influenciando
as regulamentações ambientais. As empresas podem também ter acesso a novas
fontes de capital, melhorar a gestão de risco, elevar a reputação e a imagem
corporativa, além de identificar novas oportunidades de mercado e reforçar a
gestão dos recursos humanos da empresa.
Nesta pesquisa analisa-se a estratégia climática de uma empresa de distribuição
de energia elétrica que possui atividades operacionais no Brasil e integra um
expressivo grupo multinacional. A empresa estudada tem como órgãos
fiscalizadores e regulamentadores a Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel), em âmbito nacional, e a Agência Reguladora de Estado do Ceará (Arce),
em âmbito estadual. É a terceira maior distribuidora de energia elétrica do
Nordeste, atendendo a 184 municípios, onde residem aproximadamente oito milhões
de habitantes, e possui 2,8 milhões de clientes. Desenvolve um planejamento
estratégico no sentido de ser uma empresa de referência em qualidade de
serviços e responsabilidade social e ambiental. Possui um sistema de gestão
ambiental certificado pela ISO 14001. O plano de sustentabilidade da empresa
identifica as oportunidades e as ameaças relacionadas com a adoção de práticas
ambientais, além das pressões das partes interessadas e do avanço da regulação.
No presente trabalho, busca-se contribuir com o estado da arte, por meio da
identificação do posicionamento estratégico de uma empresa de distribuição de
energia elétrica, ante os desafios da mudança climática, tomando por base
entrevistas em profundidade com o presidente e diretores das áreas envolvidas
com a questão climática. Jones e Levy (2007) destacam a necessidade de ampliar
estudos sobre as respostas estratégicas das empresas à mudança do clima.
No Brasil, poucos estudos foram realizados sobre o posicionamento estratégico
tomando por base o modelo de Pinkse e Kolk (2009), que avalia as restrições
regulatórias e a identificação das oportunidades com a mudança climática. Neste
estudo, reforça-se a necessidade de um efetivo engajamento entre governo,
empresas e sociedade, visando diversificar a matriz energética nacional, para
atender à demanda crescente de energia, sem ampliar os riscos decorrentes da
mudança climática.
Para atingir o objetivo proposto, o trabalho foi estruturado em seções. Na
fundamentação teórica aborda-se o framework modelo de avaliação de estratégias
climáticas desenvolvido por Pinkse e Kolk (2009) e, para tanto, detalham-se o
quadro regulatório de combate à mudança climática e as oportunidades
decorrentes da implantação de uma estratégica proativa. A metodologia evidencia
o instrumento de pesquisa e a análise das informações coletadas nas
entrevistas. Em seguida, são apresentados os resultados encontrados, e a
estratégia climática adotada pela empresa. Por fim, no estudo, evidencia-se o
esforço necessário para que a empresa avance para um posicionamento proativo,
com a adoção de projetos de redução das emissões de GEE.
2. FUNDAMENTOS CONCEITUAIS
2.1. Entendendo as políticas públicas e as expectativas de restrições
regulatórias
Em 1988, foi criado o IPCC, que fornece uma visão científica sobre o estado
atual das mudanças climáticas e do potencial socioeconômico dos impactos
ambientais. Segundo o relatório do IPCC (2007), a concentração de dióxido de
carbono, de gás metano e de óxido nitroso na atmosfera global tem aumentado
marcadamente como resultado de atividades humanas desde 1750, e tem
ultrapassado em muito os valores da pré-industrialização.
Dentre os principais produtos da Rio-92, destaca-se a assinatura da Convenção
da Mudança do Clima (Oliveira, 2008), segundo a qual a maior parcela das
emissões globais (passadas e atuais) de gases causadores do efeito estufa (GEE)
é originária dos países industrializados, e que a renda per capita dos países
em desenvolvimento é baixa e suas emissões de GEE precisarão, ainda, crescer
para satisfazer as necessidades sociais e de desenvolvimento (MCT, 1992). Desse
modo, essa convenção defende que metas de redução de emissões de GEE devem ser
obrigatórias, em especial para os países desenvolvidos.
A Conferência das Partes (COP) é considerada o órgão supremo da Convenção da
Mudança do Clima, que se reuniu pela primeira vez em 1995, em Berlim, Alemanha
(MCT, 1992). A primeira COP (COP 1) adotou 21 decisões, dentre elas o
estabelecimento de metas mais amplas do que apenas a estabilização das emissões
de GEE. O produto dessa conferência, o Mandato de Berlim, previu novas
discussões sobre o fortalecimento da Convenção.
A COP 3, realizada em dezembro de 1997, em Quioto, propôs o Protocolo de
Quioto, que entrou em vigor no âmbito internacional em fevereiro de 2005, após
a ratificação da Rússia. Pelo Protocolo de Quioto os países listados em seu
Anexo I comprometeram-se a reduzir as emissões de GEE em pelo menos 5%, em
relação aos níveis de emissões de 1990. O período para efetuar essa redução foi
estabelecido de 2008 a 2012 (MCT, 1997).
A COP 18 acordou que o Protocolo de Quioto será estendido até 2020. Entretanto,
Japão, Rússia, Canadá e Nova Zelândia recusaram-se a continuar participando do
Protocolo, que, dessa forma, passa a contar somente com 36 países, destacando-
se a participação da Austrália, do Brasil, da Noruega, da Suíça, da Ucrânia e
de todos os países da União Europeia. A manutenção do Protocolo de Quioto pode
ser considerada exitosa e espera-se que as pressões da sociedade por medidas de
mitigação das emissões de GEE resultem em uma ampliação gradual dos países
signatários.
Pereira et al. (2011) afirmam que o Brasil, embora não esteja formalmente
comprometido com a limitação das emissões de gases de efeito estufa (GEE), pois
não é um membro do Anexo 1 da Convenção do Clima, mostra-se empenhado na luta
contra o aquecimento global. A questão das mudanças climáticas é um problema de
grande importância para a agenda de desenvolvimento do País, cujos custos e
riscos potenciais são grandes e recaem, principalmente, sobre a população mais
pobre e vulnerável (Margulis, Dubeux & Marcovitch, 2011).
Em termos de medidas legais brasileiras relacionadas às mudanças climáticas, o
Decreto nº 2.652 de 1 de julho de 1998 promulgou a Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre Mudança do Clima assinada em maio de 2002 (Brasil, 1998). Esse é
um dos primeiros marcos legais relativos às mudanças climáticas no país.
Posteriormente, foi criada a Comissão Interministerial de Mudança Global do
Clima (CIMGC), com a finalidade de articular as ações de governo decorrentes da
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima e seus instrumentos
subsidiários.
O Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas foi criado pelo Decreto nº 3.515, de
20 de junho de 2000 (Brasil, 2002a) e revogado pelo Decreto de 28 de agosto de
2000 que dispõe sobre o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas e dá outras
providências (Brasil, 2002b). O Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas tem por
objetivo conscientizar e mobilizar a sociedade para a discussão e tomada de
posição sobre os problemas decorrentes das mudanças climáticas devido a
emissões de GEE (Brasil, 2000b). O Decreto nº 5.445, de 12 de maio de 2005
promulgou o Protocolo de Quioto (Brasil, 2005).
O Decreto nº 6.263, de 21 de novembro de 2007, instituiu o Comitê
Interministerial sobre Mudança do Clima e orienta o Plano Nacional sobre
Mudança do Clima (Brasil, 2007). Esse plano visa incentivar o desenvolvimento
das ações no país que colaborem com o esforço mundial de combate às mudanças
climáticas e também criar condições internas para o enfrentamento de suas
consequências, definindo medidas e ações de mitigação e adaptação às mudanças
climáticas (Brasil, 2008).
Dentre os objetivos específicos do Plano, destacam-se o incentivo às fontes de
energia limpa pela busca de manutenção elevada da participação de energia
renovável na matriz elétrica; pelo fomento do aumento sustentável da
participação de biocombustíveis na matriz de transportes nacional e pela
atuação para a estruturação de um mercado internacional de biocombustíveis
sustentáveis (Brasil, 2008). Logo após a formulação do Plano Nacional sobre
Mudança do Clima, a Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009, instituiu a
Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) (Brasil, 2009).
Em consonância com as medidas regulatórias apresentadas, Margulis et al. (2011)
apontam que as principais opções para o Brasil contribuir com o esforço global
de redução de emissões de GEE incluem: controle do desmatamento da Amazônia,
produção e consumo de biocombustíveis, utilização de uma taxa de carbono e
investimentos em eficiência energética.
Contudo, Viola, Franchini e Ribeiro (2012) apontam que, após um impulso
positivo entre 2009 e 2010, a mudança climática e a agenda ambiental sofreram
retrocessos consideráveis. Em 2012, o governo brasileiro respondeu à crise
internacional com um pacote de estímulo industrial tradicional, ampliando as
emissões de carbono, com foco no setor de fabricação de automóveis e, no último
dia da Cúpula Rio+20, decidiu eliminar a tributação sobre o consumo de
gasolina.
2.2. Avaliando as oportunidades decorrentes da implantação de uma estratégia
climática
A decisão de adotar ou não medidas para a redução de emissões e a extensão
dessas medidas variam de empresa para empresa. Pinkse e Kolk (2009) compilaram
uma série desses fatores que influenciam essa decisão, agrupando-os em
externos; aqueles relacionados com a indústria à qual a empresa pertence; e
específicos (internos) da empresa. Os fatores externos envolvem os impactos
físicos, as regulações ambientais e as pressões dos stakeholders. Os fatores
relacionados à indústria consideram a estrutura e o crescimento industriais.
Finalmente, entre os fatores específicos da empresa, destacam-se o
posicionamento no mercado e na cadeia de suprimentos; a cultura organizacional
e a percepção dos gestores; e a capacidade tecnológica e de gerenciamento dos
riscos.
Em relação à antecipação a regulamentações, Christmann (2000) sugere que,
quanto mais cedo a empresa adotar estratégias ambientais, maior será a vantagem
advinda da redução de custos e da antecipação da curva de aprendizado.
Paralelamente à regulação ambiental, a opinião pública tem estado cada vez mais
convencida de que as empresas devem tomar ações em relação às mudanças
climáticas (Pinkse & Kolk, 2009). A falta de ação nesse sentido pode ser
vista como um risco para a reputação da empresa (Hoffman, 2005), influenciando
negativamente sua relação com consumidores, acionistas, Organizações Não
Governamentais (ONGs) e com a sociedade em geral. González-Benito e González-
Benito (2006) afirmam que a pressão dos stakeholders é o fator determinante
para a tomada de ação da empresa em relação a aspectos ambientais.
Por exemplo, atender às demandas de quem realmente importa aumentará a
confiança e o suporte a empresa (Donaldson & Preston, 1995; Mitchell, Agle
& Wood, 1997). A empresa acumula capital moral e uma imagem positiva que
possibilitará atuar em uma rede (network) segura em momentos de crise (Peloza,
2006). Isso poderá ser traduzido em retorno financeiro para os shareholders
(Orlitzky & Benjamin, 2003) ou empregados motivados e comprometidos (Bevan,
Isles, Emery & Hoskins, 2004). Pode também refletir em melhor engajamento
com a comunidade, partindo do conceito de que boas relações permitam que a
empresa mantenha sua licença social para operar.
A busca por uma imagem mais positiva em relação às mudanças climáticas também
varia em função da posição da empresa na cadeia produtiva. Quanto mais próxima
a empresa estiver de consumidores finais ambientalmente conscientes, maior a
necessidade de investir em ações que melhorem sua imagem. Entretanto, mesmo
empresas que não vendem produtos diretamente para o consumidor final podem ser
afetadas, pois aquelas que estão na ponta da cadeia produtiva podem exigir de
seus fornecedores produtos de consumo sustentável. Esse tipo de exigência,
embora menos comum que a feita pelos consumidores finais, tem um grande impacto
e acaba gerando mudanças em toda a cadeia produtiva (Pinkse & Kolk, 2009).
Além dos consumidores, a imagem perante os investidores também é importante. Os
investidores podem enxergar riscos financeiros na falta de ação da empresa
gerando pressão para um gerenciamento de emissões de GEE. Uma reportagem do
Financial Times (Birchall, 2008) mostra que grandes companhias sofrem esse tipo
de pressão por parte dos seus acionistas. Entre elas, encontram-se bancos, como
o Citigroup e o Bank of America, que financiam atividades de exploração de
carvão.
O interesse dos investidores pelas atividades relacionadas às mudanças
climáticas das empresas pode ser avaliado, também, por meio do estudo da
variação do valor das ações das empresas em resposta a eventos ligados ao meio
ambiente. Dias e Barros (2008) encontraram uma relação positiva entre o retorno
aos acionistas e o anúncio da entrada de empresas no ISE (Índice de
Sustentabilidade Empresarial), que mede o retorno de uma carteira hipotética
composta por ações de empresas que se destacam por práticas de responsabilidade
social e sustentabilidade empresarial.
2.3. Identificando as estratégias empresariais em respostas às mudanças
climáticas
Pinkse e Kolk (2009) afirmam que a forma de atuação da empresa depende da
expectativa quanto a restrições regulatórias e do reconhecimento de
oportunidades associadas ao mercado de carbono. Os posicionamentos originados
da combinação desses dois fatores podem ser vistos na Figura_1. O perfil
conformista representa as empresas que identificam uma alta possibilidade de
serem afetadas pelas restrições regulatórias, mas resolvem aceitar as condições
impostas. No entanto, essas organizações não identificam oportunidades para uma
atitude proativa em relação aos projetos de mitigação dos efeitos das mudanças
climáticas.
![](/img/revistas/rausp/v49n3/a11fig01.jpg)
Empresas que se encaixam no perfil evasivo são aquelas que reconhecem poucas
oportunidades e identificam formas de continuar atuando no mercado sem serem
afetadas por regulamentações. Um exemplo de estratégia evasiva seria uma
empresa multinacional escolher um país com legislação menos rigorosa para
executar suas atividades produtivas.
O perfil investidor corresponde àquelas empresas que visualizam uma baixa
pressão oriunda das regulamentações ambientais, mas identificam oportunidades
de ganhos financeiros ou estratégicos. As empresas investidoras, segundo Pinkse
e Kolk (2009), aproveitam-se da participação de firmas no mercado de carbono
que não são diretamente afetadas pelas regulamentações. Empresas no perfil
empreendedor, por sua vez, são aquelas que identificam riscos de restrições
regulatórias, mas tentam aproveitar-se dessa situação para alcançar um
posicionamento mais favorável. Essas empresas buscam antecipar-se às
regulamentações e influenciá-las, de modo a reduzir as pressões e melhorar a
eficiência regulatória, de acordo com os próprios interesses.
Jeswani, Wehrmeyer e Mulugetta (2008) investigaram as respostas às mudanças
climáticas em empresas no Paquistão (país em desenvolvimento) e no Reino Unido
(país desenvolvido). Os autores também analisaram o efeito de regulação e do
tamanho para as respostas das empresas em relação às questões ambientais e
identificaram os principais fatores que influenciam a adoção e a implementação
de reduções de GEE pelas empresas. Os autores verificaram que, no Paquistão, a
maioria das empresas encontravam-se nos estágios indiferente ou iniciante,
enquanto no Reino Unido, em que a regulação é mais forte e a pressão do mercado
maior por ações em relação às mudanças climáticas, a maioria das empresas
encontravam-se nos estágios emergente ou ativo.
Lee (2012) aponta seis tipos distintos de empresas:
* as observadoras ou que esperam para ver ' demonstram pouco interesse em
tomar medidas em relação às mudanças climáticas;
* as redutoras cautelosas ' possuem nível moderado de atividades de
mitigação das mudanças climáticas, como fixação de metas de reduções e
melhoria dos processos;
* as produtoras potenciais ' aumentam a competitividade de seus produtos no
mercado por meio do desenvolvimento de energias mais eficientes e com
menos emissões de GEE;
* as produtoras completas ' combinam melhoria do produto e redução de
emissões no processo de produção e cadeia de suprimentos;
* as exploradoras emergentes ' exploram novas oportunidades de negócios;
* as exploradoras completas ' além de explorarem novos mercados, realizam
as demais estratégias em relação às mudanças climáticas.
Lee (2012) destaca, ainda, que a maioria das empresas classificadas no cluster
explorador completo são as mais intensivas em consumo de energia. O autor
sugere que as empresas geradoras ou distribuidoras de energia são as mais
propensas a procurar novas oportunidades fora de seu escopo atual de negócios e
ao mesmo tempo reduzir suas emissões de GEE que causam riscos no mercado
existente. Segundo Esty e Winston (2006), as empresas aproveitam a onda verde e
as oportunidades decorrentes da redução de custos, da minimização dos riscos e
do aumento das vendas em sintonia com seus stakeholders e criam uma vantagem
competitiva por meio de estratégias ambientais.
Uma efetiva política para redução das emissões dos gases do efeito estufa
requer que seja ambientalmente eficiente, apresente uma relação custo-benefício
favorável, seja possível de ser aplicada na rotina diária das empresas, e que
tenha o suporte da alta direção (Schroter, Polsky & Patt, 2005). Schultz e
Williamson (2005) afirmam que existem três áreas de oportunidade para ganhar
vantagem competitiva: minimizar os custos de forma mais eficaz que os
concorrentes, diferenciar o produto pelo agrupamento de créditos de carbono em
sua oferta e voltar a sua capacidade de fornecer créditos de carbono em um
centro de lucro.
Nessa mesma perspectiva, Hoffman e Woody (2008) destacam três passos para
preparar e aproveitar a questão da mudança climática. Primeiro, é preciso que a
empresa entenda seu nível de exposição ao problema, qual sua postura em relação
às emissões de carbono e como eventuais mudanças nas políticas e no mercado
afetam o posicionamento de seus produtos e serviços. O segundo passo implica
que a empresa estabeleça alguma atitude para reduzir suas emissões de GEE e
busque formas de encontrar vantagens estratégicas nessas atitudes. Por último,
a empresa deve participar do desenvolvimento de políticas públicas para as
alterações climáticas.
3. METODOLOGIA
A parte empírica deste estudo foi conduzida sob uma abordagem qualitativa,
descritiva, exploratória e estudo de estudo de caso único. Tomando como base o
framework desenvolvido por Pinkse e Kolk (2009), a pesquisa de campo foi
conduzida em uma empresa distribuidora de energia, com reconhecida atuação nas
áreas ambiental e social. Em 2009, a empresa pesquisada recebeu o Prêmio
Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica), como a
melhor distribuidora de energia elétrica do Brasil. Obteve também o primeiro
lugar em Avaliação pelo Cliente, quarto lugar nacional em Gestão Operacional e
sexto lugar em Responsabilidade Social. Paralelamente, a empresa compõe, desde
2006, o ISE da Bovespa.
As entrevistas semiestruturadas analisaram as dimensões: expectativas de
restrições regulatórias e reconhecimento das oportunidades. As entrevistas
foram conduzidas com gestores da alta direção, separados em grupos nomeados na
pesquisa de regulação, gestão, meio ambiente e tecnologia. Nessa divisão, útil
na definição dos conteúdos a serem abordados nas entrevistas, conforme
apresentados na Figura_2, tomou-se por base a estrutura organizacional da
empresa. Ao todo foram desenvolvidos quatro roteiros de entrevistas, de acordo
com o perfil de cada grupo.
Para o grupo regulação, foram questionadas as políticas e as regulações
governamentais do setor elétrico, a importância das políticas governamentais de
mitigação dos efeitos da mudança climática, as pressões e as percepções dos
stakeholders, e a capacidade de antecipação aos riscos. O roteiro de
entrevistas para os participantes do grupo gestão envolvia a identificação dos
impactos físicos relevantes para tipo e local da operação; das políticas e
regulações governamentais; das pressões e as percepções dos stakeholders
(investidores, consumidores, ONGs e fornecedores); da estrutura industrial
(situação tecnológica e de competição); e da posição na cadeia de suprimentos,
além da cultura organizacional e da percepção da gerência sobre a capacidade de
antecipação aos riscos de mudança climática, de dissipação das vulnerabilidades
e de gestão dos stakeholders.
No caso do roteiro do grupo meio ambiente, as questões centravam-se, além
daquelas desenvolvidas para o grupo gestão, em questões específicas sobre
disponibilidade de informação e tipo de conhecimento interno sobre o meio
ambiente, impactos ambientais e mudança climática. O roteiro de entrevista para
o grupo tecnologia envolvia a identificação da situação tecnológica e da
capacidade de competir em um ambiente regulado e o incentivo a projetos de
mitigação de emissões de GEE.
Ao todo, foram realizadas oito entrevistas. Os relatos aconteceram em 2010,
foram gravados e totalizaram seis horas de material transcrito. Neste estudo,
foi utilizada a técnica de entrevista em profundidade para a coleta de dados.
No processo de transcrição das entrevistas gravadas, adotou-se a técnica de
análise de conteúdo. Segundo Flick (2009), na síntese da análise de conteúdo, o
material é parafraseado, o que significa que trechos menos relevantes são
omitidos e paráfrases similares são condensadas e resumidas.
Na análise explicativa de conteúdo, trabalha-se na direção oposta: esclarecem-
se trechos difusos, ambíguos ou contraditórios. Dessa forma, realizou-se a
organização do material oriundo das entrevistas. Os dados secundários sobre o
inventário das emissões de GEE e os projetos de redução de emissões foram
levantados nos relatórios de sustentabilidade da empresa e em planilhas de
acompanhamento da gestão de resultados.
Os dados coletados forneceram importantes subsídios para a compreensão das
estratégias corporativas e ambientais da empresa estudada, apresentando as
opiniões dos responsáveis pela formulação e execução dessas estratégias. As
entrevistas não apresentaram respostas divergentes. O consenso de opiniões dos
gestores da empresa está apresentado, principalmente, na forma de citações
diretas, fundamentando a caracterização da estratégia climática. O
posicionamento adotado na empresa poderia envolver características de uma
empresa evasiva, conformista, empreendedora ou investidora.
4. RESULTADOS
4.1. Inventário das emissões de gases do efeito estufa
O primeiro passo em direção a uma estratégia de redução das emissões dos gases
do efeito estufa envolve a realização do inventário de GEE, que fornece uma
visão quantitativa das emissões efetuadas pela organização. Os inventários são
utilizados como base para o estabelecimento de metas e ações de redução de
emissões, e para a mensuração dos resultados obtidos.
A empresa realizou o levantamento de suas emissões usando a metodologia
estabelecida no Greenhouse Gas Protocol (WRI & WBCSD, 2004). O projeto de
levantamento das emissões teve início em 2009. O ano-base é definido como sendo
o início do período histórico para análise temporal de emissões e de possíveis
remoções de gases do efeito estufa. Segundo informações coletadas com o gestor
do Time de Sustentabilidade e Segurança no Uso de Energia, o resultado da
quantificação de emissões de GEE foi de 3.595,84 toneladas de CO2. Conforme
relatado, esse valor de GEE considera apenas o prédio da Administração Central,
onde trabalham aproximadamente 2.580 funcionários, entre próprios e
contratados.
O entrevistado revela, ainda, que, para a realização desse inventário das
emissões de GEE, foram coletadas informações junto a diversas gerências
envolvidas, como logística e transporte, comercial e infraestrutura. Os
indicadores foram gerados e registrados nos sistemas de gestão de resultados da
empresa. Na Figura_3, apresenta-se a organização do inventário, relacionando-se
as fontes de emissões com o descritivo do indicador e a área responsável por
gerar essa informação. Para o cálculo final das emissões, foram contabilizadas
as emissões diretas (das viagens a negócios, das fontes móveis, dos
equipamentos de refrigeração e climatização, e das fontes estacionárias de
combustão) e as emissões indiretas, decorrentes da compra de eletricidade.
O diretor de Relações Institucionais, Governo, Meio Ambiente e Responsabilidade
Social Corporativa revelou dificuldades com os métodos e a capacitação das
equipes para quantificação e controle das emissões em todas as unidades
operacionais e administrativas da empresa. Avaliou também que é preciso colocar
uma lupa no resultado do inventário de 2009, para saber até que ponto ele é uma
referência para a empresa, salientando que é provável que contenha alguns
desvios.
Entretanto, o entrevistado analisa esse processo como uma "aprendizagem
ambiental", em que as iniciativas não são, em um primeiro momento, focadas em
compensação de emissões. A partir das informações sobre as emissões de GEE,
foram propostas ações para sua mitigação. Essas ações foram priorizadas de
acordo com as estratégias estabelecidas pela empresa.
4.2. Expectativa de restrições regulatórias
Na pesquisa, avaliaram-se os fatores externos que influenciaram a empresa
pesquisada na implantação de projetos de redução das emissões de gases do
efeito estufa. Analisando o aspecto políticas e regulações governamentais, o
diretor de Regulação revelou que o governo federal adota uma postura ambígua em
relação às emissões de gases do efeito estufa. Por meio do Programa de
Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica ' Proinfa (instituído pela
Lei 10.438/2002), o governo incentiva o desenvolvimento de fontes alternativas
de energia, como a eólica, a biomassa e as PCH (Pequenas Centrais
Hidrelétricas). Por outro lado, faz leilão de térmicas a óleo diesel, a óleo
combustível e a carvão, que são caras e poluentes.
De acordo com a Lei 10.438/2002 (Brasil, 2002), a empresa não pode adquirir
energia renovável livremente. Atualmente, do total da energia demandada, a
empresa só pode comprar, nos leilões, o percentual máximo de 10% em energia
renovável. Segundo o gestor da área de Planejamento e Controle, a empresa
compra a "energia que a Aneel manda a gente comprar, ou seja, se amanhã a Aneel
mandar a gente comprar 100% do Proinfa, a gente vai comprar". Contudo, ressalta
que "talvez o consumidor cearense é quem não vai gostar de ter uma energia tão
cara". O diretor de Regulação complementa que a empresa tem entre 0,4 e 0,5% do
total de energia elétrica oriunda de usinas de energia eólica. Esse baixo
percentual decorre da pequena oferta atual de energia eólica.
O gestor da área de Planejamento e Controle explica que uma motivação para a
empresa investir em projetos de redução das emissões de GEE envolveria o risco
de a empresa "perder dinheiro". Esse risco estaria associado a uma obrigação
regulamentar, e, caso a empresa não adotasse, sofreria penalidades.
Comparando a pressão dos órgãos reguladores com a pressão da sociedade, o
diretor de Relações Institucionais, Governo, Meio Ambiente e Responsabilidade
Social Corporativa afirma que a sociedade não cobra. Entretanto, a sociedade
está despertando para o tema ambiental e "acha legal, avalia bem uma empresa
que está bastante vinculada a temas ambientais". No caso da empresa pesquisada,
o entrevistado acredita que, apesar de todo o esforço da empresa em projetos
sustentáveis, a sociedade ainda não a identifica como uma empresa socialmente
responsável. Contudo, destaca que a imagem de uma empresa responsável é
percebida pelos órgãos ambientais, quando reconhecem uma maior preocupação
ambiental por parte da empresa e reduzem a pressão.
O gestor da área de Planejamento e Controle ressalta a influência da Associação
Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee). Segundo o
entrevistado, caso fosse dado um peso maior à área ambiental no Prêmio da
Abradee, isso poderia estimular a empresa à adoção de projetos de redução das
emissões de GHG, conforme revela a entrevista:
Se fosse dado um maior peso para essa questão, eu não sei se a gente
ia mudar da água para o vinho, mas com certeza a gente ia pelo menos
parar, olhar com calma, com mais atenção e ver qual é o valor que eu
posso trazer pra companhia.
O presidente da empresa complementa que, caso o prêmio Abradee ou a Fundação
Ethos reforcem a questão dos projetos de mitigação das emissões, é bastante
provável que a empresa seja levada a dar maior ênfase a essa questão. A única
ressalva apontada pelo presidente, é que não irá apostar firmemente nessa
questão se for exclusivamente em decorrência da melhoria da imagem, conforme
suas afirmações:
Eu não vou é entrar única e exclusivamente por causa da imagem. A
única ressalva nisto aqui seria, por exemplo, imagine que levantem a
bola e de agora em diante o prêmio Abradee vai contemplar alguma
coisa sobre isso ou a Fundação Ethos na sua avaliação vai contemplar
alguma coisa sobre isso, é bastante provável que a gente seja levado
a dar mais ênfase a isto, mas não garanto que a gente vá apostar
firmemente se a questão for exclusivamente de imagem. Se a questão
for sustentável, faz sentido, melhora o mundo de forma clara e não
floreada, pois existe um montão de gente fazendo isso...
O presidente da empresa cita como exemplo o trabalho da matriz em projetos de
captura de CO2. O entrevistado ressalta que, na Europa, a principal motivação
reside em uma legislação rígida, "que será inclusive muito mais rígida, e tem
todos os incentivos econômicos corretos, pra ganhar dinheiro por ter diminuído
emissão de CO2". No caso do Brasil, o gestor da área de Inovação, Pesquisa e
Desenvolvimento (P&D) e Eficiência Energética ressalta que o único
incentivo fiscal existente é a Lei 10.295/01, que incentiva a empresa a aplicar
1% da receita em projetos de P&D e de eficiência energética.
4.3. Reconhecimento de oportunidades
A empresa pesquisada possui cerca de 80% de suas unidades operacionais com o
sistema de gestão ambiental (SGA) certificado pela ISO 14001. Segundo o gestor
do Time de Sustentabilidade e Segurança no Uso de Energia, o grande desafio
para a gestão ambiental da empresa envolveu a realização do inventário das
emissões de GEE e a definição das possíveis ações de mitigação. O entrevistado
ressaltou que o processo de certificação ISO 14001 envolveu, e ainda mantém, um
constante treinamento da força de trabalho, independentemente da alocação
funcional.
No caso dos projetos relacionados com a redução das emissões de GEE, a
presidência e os gestores estão iniciando o processo de discussão, avaliando as
prioridades, os custos das ações a serem tomadas e seu impacto na imagem da
empresa, conforme se observa nas afirmações da presidência.
A gente faz algumas apostas modestas em olhar a eficiência disto lá
na frente, por exemplo, fazer o inventário das emissões de CO2 é uma
coisa que faz sentido a gente olhar, ver o tamanho do problema que a
gente gera e até pensar em ações para frente... depois que se fizer
isso, aí sim vale a pena se avaliar os impactos na imagem da
companhia se são positivos ou não.
A presidência reforça que a orientação de resultados nos projetos de mitigação
de GEE não deve ser apenas econômica. Em contrapartida, para o gestor da área
de Planejamento e Controle, investimentos em projetos de GEE devem resultar em
ganhos financeiros ou de imagem.
Hoje em dia nenhuma empresa investe em algo que não dá retorno. Então
só vai investir em ações que combatam as mudanças climáticas ou que
sejam ambientalmente corretas se isso tiver retorno ou financeiro ou
de imagem. Não adianta. Até porque é uma empresa não é uma ONG.
Avaliando os impactos dos projetos de redução de GEE, o gestor da área de
Planejamento e Controle os observa como uma "blindagem da marca", que ocorre
quando "a população te reconhece como uma empresa que, além de tudo, ainda se
preocupa com ações socioambientais". Na empresa, acredita-se na atuação ética
quando se afirma que "o certo é fazer o bem, até porque não é uma obrigação".
O gestor da área de Inovação, P&D e Eficiência Energética reforça a
internacionalização da empresa como ponto positivo no desenvolvimento de
projetos. Um projeto que vem sendo discutido na empresa envolve a compra de
carros elétricos. Considerando sua atuação no setor elétrico, seria importante
a empresa atuar como first-mover e introduzir no mercado cearense a inovação
dos carros elétricos.
A matriz da empresa, na Europa, também está sendo incentivada a adquirir carros
elétricos. Ela atua em parceria com uma empresa de tecnologia chinesa, e são
esperados carros mais robustos e de maior autonomia. Paralelamente, a matriz
estuda os potenciais eólicos de algumas regiões, o potencial de pequenas
centrais hidrelétricas (PCH) e até o de biomassa. A empresa pesquisada,
integrante do grupo multinacional europeu, também está alinhada com
investimentos em energia renovável.
Outro projeto discutido na empresa envolve o incentivo a plantação de árvores.
No curto prazo, o projeto não se justifica quando se analisa a relação entre o
custo do plantio e a captura de CO2. Entretanto, no longo prazo, o projeto
traria vantagens em termos de se "criar um lugar melhor", conforme afirma o
presidente da companhia.
Nós entramos naquele certame de ser a cidade que mais plantou árvores
em menos tempo porque naquele momento fazia sentido aquilo. Aí você
me pergunta se saiu alguma propaganda no jornal? Não. Nem na
televisão? Não. Mas foi legal mobilizar a companhia para uma causa
dessas? Foi superlegal. Faz bem para as pessoas? Um bem enorme. O que
foi que a gente ganhou com isso? Criou-se um espírito dentro da
companhia, uma energia, um bem. Eu estou melhorando a qualidade de
vida dos meus funcionários? Estou.
A limitação de recursos também é um aspecto determinante na adoção de projetos
de redução de GEE. O gestor do Time de Sustentabilidade e Segurança no Uso de
Energia argumenta que a verba para projetos ambientais foi reduzida, "por conta
da crise, mas isso não significa que os projetos foram reduzidos". A
criatividade passa, então, a ser essencial, "vai além da ideia, porque você
busca outras alternativas".
O gestor de área de Inovação, P&D e Eficiência Energética revela que um
projeto na empresa contempla seis fases, desde a pesquisa básica, passando pela
pesquisa aplicada, protótipo, cabeça de série, lote pioneiro e finaliza com a
inserção no mercado. Cada fase dura em torno de um ano, então, a pesquisa, em
qualquer tema, levaria em torno de seis anos. Esse processo, portanto, será
sempre de médio ou longo prazo, nunca de curto prazo.
Com relação à concorrência, o gestor da área de Planejamento e Controle
ressalta que é uma questão crucial para o envolvimento nesse tipo de projeto.
No entanto, a presidência afirma que não irá atrás do que as outras empresas
estão fazendo. Nesse sentido, só irão desenvolver projetos quando estiverem
convencidos dos riscos e das oportunidades inerentes, e que somente a vantagem
em termos de imagem não justificaria o esforço em projetos de mitigação de GEE.
Seguramente deve ter um monte de coisas que se pode fazer, inclusive
simples e pequenas, que você vai lá e resolve. Isso aí tem uma
vantagem enorme porque é emissão de CO2, deve gastar muito dinheiro,
deve gerar ineficiência... Nas outras [empresas] vejo as iniciativas,
mas não sei se têm continuidade... A gente não sabe se a gente está à
frente ou não das outras, mas eu posso te garantir que, se for uma
questão meramente de imagem, a gente não vai entrar.
Ainda sobre a atuação da concorrência, o diretor de Relações Institucionais,
Governo, Meio Ambiente e Responsabilidade Social Corporativa acredita que esse
tema não esteja muito na "ordem do dia" no setor elétrico. De acordo com o
entrevistado, as grandes empresas estão bastante incipientes no tratamento da
questão da sustentabilidade. O diretor compara a atuação da empresa frente às
outras do grupo e afirma que ela está bem posicionada. Contudo, não se
identificam grandes avanços no setor elétrico. Também não existem ações
inovadoras.
Segundo o gestor do Time de Sustentabilidade e Segurança no Uso de Energia, a
empresa serviria como um benchmark no setor elétrico e no estado do Ceará, onde
os sistemas de gestão ambiental são pouco desenvolvidos. Observam-se muitas
ações pontuais, mas que não foram definidas a partir de impactos ambientais
mapeados pelas empresas. O entrevistado afirma, ainda, que não existe uma ação
orientada em termos de políticas públicas, então, a empresa pesquisada se
destacaria nesse contexto institucional por sua participação proativa.
5. DISCUSSÃO
No cenário de mudanças climáticas, a escolha estratégica de uma empresa é uma
decisão complexa. Tomando-se como referência o framework desenvolvido por
Pinkse e Kolk (2009), o posicionamento estratégico envolve a identificação da
expectativa de restrições regulatórias e o reconhecimento de oportunidades,
conforme apresentado na Figura_1. Analisando as expectativas de restrições
regulatórias, observa-se forte influência dos órgãos de regulação nas
estratégias das empresas do setor elétrico. Contudo, não existe, ainda, um
arcabouço legal que demande a implantação de projetos de redução de emissões de
GEE.
Existem normas e protocolos internacionais para a realização de inventários,
como o Corporate Standard (WRI & WBCSD, 2004), e para a contabilização de
redução de emissões, como o Project Protocol (WRI & WBCSD, 2005). Contudo,
faltam orientações sobre como, a partir de um inventário de emissões, as
empresas podem estabelecer projetos de redução de emissões de GEE, que
contemplem os aspectos ambientais e corporativos. No índice de desempenho do
Carbon Disclosure Project (CDP), que mede o impacto das ações e atividades
relacionadas às mudanças climáticas, as empresas brasileiras atingiram apenas
38 pontos de 100 possíveis (CDP, 2009).
Ainda é pequeno o número de empresas que está realizando inventários e
divulgando relatórios de emissões. No caso do Brasil, a soma das emissões de
GEE das empresas que fazem parte do Programa Brasileiro GHG Protocol, por
exemplo, representa apenas 3,8% das emissões nacionais medidas em 2005 (FGV,
2009). Dessas empresas, a expressiva maioria (85%, aproximadamente) considerou
apenas as emissões diretas. Se for adotado um parâmetro mundial, as empresas
listadas no relatório Global 500 do CDP representam 11,5% do total de emissões
do planeta (CDP, 2009).
Paralelamente, a sociedade cearense sofre com a falta de infraestrutura básica
(saneamento, saúde e educação), o que a leva a ter o foco de suas preocupações
voltado para as questões econômicas e sociais, relegando as questões ambientais
a um segundo plano. Desse modo, deposita confiança nas empresas, vendo-as como
fontes de oportunidades e progresso.
Nesse contexto de pressão, surgem instituições, como a Abradee e a Fundação
Ethos, que fazem uma avaliação das práticas organizacionais das empresas do
setor elétrico, mas não possuem demandas claramente definidas com relação à
mudança climática. A mídia, também, não apresenta uma análise crítica
satisfatória na cobertura que faz sobre mudanças climáticas, tendo um papel
precário de informação e de denúncia.
As empresas do setor elétrico competem em um cenário de baixas pressões ditadas
pelos órgãos reguladores e stakeholders de um modo geral. Dessa forma, existe a
curto e médio prazo um baixo risco de o governo federal criar uma
regulamentação para tratar da mitigação dos efeitos da mudança climática no
setor elétrico. Paralelamente, a Aneel não possui uma estrutura de fiscalização
das emissões de GEE para o setor elétrico.
Analisando a dimensão reconhecimento de oportunidades, observa-se que a empresa
pesquisada tem uma tendência de implementar ações inovadoras, que devem
resultar em retorno financeiro ou de imagem. As mudanças tecnológicas requerem
pesados investimentos financeiros e, geralmente, decorrem de projetos de longo
prazo. No momento, não existem incentivos para o desenvolvimento de projetos de
mitigação das emissões de GEE, além daqueles previstos na legislação de ampliar
a eficiência energética.
Considerando a capacidade de antecipação aos riscos e de dissipação de
vulnerabilidades, a empresa avalia e gerencia o risco de ser afetada por
regulações da Aneel com relação à mudança climática em um patamar mínimo, pois
possui um foco estratégico instrumental. Projetos relacionados com a mudança
climática são avaliados como qualquer outra oportunidade de investimento e,
portanto, precisam competir por recursos internos com base em critérios
financeiros. Por outro lado, a questão moral para a mudança climática não é
reforçada na empresa, o que significa que as atividades mitigadoras e de
controle das emissões de GEE somente serão implantadas se gerarem claramente
retornos financeiros e melhoria da imagem.
Hoffman (2005) reforça que, em todo mercado em transição, existem grandes
oportunidades e desafios. Haverá ganhadores e perdedores, aqueles com interesse
em resistir, tentando atrasar ao máximo essa transformação do mercado e aqueles
que tentarão capitalizar-se. A diferença entre esses dois grupos reside na
cuidadosa avaliação de custo-benefício, entre fazer algo ou não fazer nada. Nem
todas as empresas irão beneficiar-se das reduções das emissões de GEE e
programas voluntários acabam sendo baseados somente em uma lógica empresarial.
A definição de uma estratégia climática deve, também, estar associada a uma
questão moral e ao pacto empresa-sociedade. Marcus e Fremeth (2009) argumentam
que, do ponto de vista moral e normativo, a obrigação com o desenvolvimento
sustentável é absoluta e não importa se agregará vantagem competitiva. O debate
entre o posicionamento de que a natureza tem direitos absolutos ou de que é
simplesmente uma commodity reside na fundamentação de uma gestão ambiental
proativa. Uma dimensão temporal adiciona complexidade à questão.
A atuação da empresa pesquisada aproxima-se do comportamento observadoras e
redutoras cautelosas, ou no quadrante indiferente ou iniciante, conforme a
classificação proposta por Lee (2012) e Jeswani et al. (2008), respectivamente.
Nesse contexto, o estudo mostra um cenário de baixo reconhecimento de
oportunidades associadas ao mercado de carbono.
A pesquisa revela, portanto, que a empresa pesquisada possui uma estratégia
evasiva, seguindo os critérios definidos por de Pinkse e Kolk (2009). Nesse
posicionamento, as restrições regulatórias são fracas e não são identificadas
claras oportunidades, que possam promover mudanças no modelo de gestão
(business-as-usual). Não existe a necessidade de gerenciar demandas ambientais
dos stakeholders, que apresentam um interesse limitado com relação às questões
inerentes da mudança climática.
Apesar de a empresa ter um sistema de gestão ambiental certificado pela ISO
14001 e um programa de educação e conscientização ambiental, a questão da
mudança climática não é uma prioridade, nem mesmo no longo prazo. Dentro do
posicionamento evasivo, ela não identifica benefícios, principalmente por meio
da elaboração de inventários e da publicação de relatórios. Para Kolk (2009),
esses benefícios vão desde a identificação de pontos para ampliar a eficiência
operacional até a melhoria da reputação da empresa.
Por outro lado, a empresa opera em um ambiente de baixo risco de que novas leis
imponham restrições às empresas, notadamente aquelas com atividades mais
poluentes. Viola et al. (2012) confirmam que o governo federal, com base na
Política Nacional sobre Mudanças do Clima, não cria um ambiente em que as
regulamentações possam ser vantajosas para empresas que estejam mais preparadas
que seus concorrentes.
Kolk e Pinkse (2004) ressaltam que, no curto prazo, a resposta estratégica às
mudanças climáticas é particularmente dependente de reações às pressões
sociais, econômicas e políticas. A cultura organizacional e a percepção das
gerências da empresa pesquisada consideram que a força motriz para a mudança do
posicionamento estratégico se daria por meio de fatores externos, como as
pressões do governo, por meio de seus órgãos reguladores, ou até da própria
Abradee ou dos consumidores.
O entendimento das estratégias climáticas não é uma tarefa simples, pelo fato
de os impactos ambientais não se constituírem em um driver isolado para a
mudança organizacional. Berkhout, Hertin e Gann (2006) reforçam a existência de
outros drivers internos, que também desempenham um papel vital nessa questão,
tais como os objetivos da firma para aumentar os lucros e, particularmente, a
necessidade de mudança de comportamento, como um todo, da indústria que a
empresa opera. Nesse sentido, reduzir o impacto ou a vulnerabilidade da mudança
climática parece não ser um objetivo primário do setor elétrico brasileiro.
6. CONCLUSÃO
No artigo, discutem-se a estratégia adotada por uma empresa do setor de energia
e suas respostas estratégicas frente aos desafios da implantação de projetos de
redução das emissões de GEE. Na pesquisa com o presidente da empresa e com os
gestores, revelou-se que o conhecimento sobre a questão das emissões de GEE não
está, ainda, completamente disseminado em toda a organização, não sendo uma
ação ou projeto prioritário para as empresas que compõem o setor elétrico
brasileiro.
O trabalho identificou a estratégia evasiva adotada pela empresa, utilizando o
framework desenvolvido por Pinkse e Kolk (2009). Nesse sentido, a empresa não
avalia ganhos financeiros ou de imagem com os projetos de redução de emissões
de GEE. Os entrevistados revelaram, também, que não existe uma pressão dos
órgãos de regulação e das políticas públicas que justifiquem uma ação urgente.
Os gestores justificam essa estratégia quando argumentam que a empresa
apresenta diversas iniciativas na área ambiental, que resultam em ganhos na
imagem, e que não existem pressões dos stakeholders para incluir os projetos de
GEE no planejamento estratégico.
Na opinião da presidência e dos gestores, os projetos de redução de emissões de
GEE somente serão prioritários se trouxerem algum benefício financeiro ou de
imagem, ou ainda se forem impostos por alguma regulamentação. Considerando que
os benefícios não são identificados e não existe uma perspectiva imediata
quanto a restrições regulatórias, a estratégia evasiva adotada pela empresa
apresenta-se adequada na atual estrutura do setor elétrico brasileiro.
Levando-se em consideração que a empresa tem um interesse genuíno na área
socioambiental, falta aos gestores a percepção de que ações relativas à redução
de emissões de GEE podem agregar valor e diferencial à empresa. Marcus e
Fremeth (2009) reforçam a necessidade de desenvolver gestores que se preocupem
com o uso dos recursos naturais e que reduzam os impactos ambientais. Partindo-
se de uma perspectiva moral e normativa, a obrigação de uma gestão ambiental
responsável é absoluta, e, se paga ser verde, é somente parcialmente relevante.
Limitações nesta pesquisa devem ser reconhecidas, pois o estudo envolve uma
única empresa em processo de consolidação do inventário das emissões de GEE, em
um estudo estático, em que não foi possível capturar as mudanças nas pressões
dos stakeholders e as condutas ao longo do tempo. A mudança climática gera
significativa incerteza e as empresas precisam de um cenário mais claro no
ambiente de mercado para tomarem decisões estratégicas.
Seguindo-se os argumentos de Hoffman (2005) de que as empresas estão agnósticas
sobre a ciência da mudança climática ou de sua responsabilidade social na
proteção do clima global, os investimentos em projetos de inovação tecnológica
podem, além de reduzir emissões, trazer ganhos em termos de redução de custos,
antecipação às regulamentações e melhoria do serviço prestado pela empresa.
Nesse ponto, sugere-se que estudos periódicos sejam conduzidos para identificar
as possíveis mudanças na estratégia empresarial. Nesta pesquisa, abre-se,
portanto, uma agenda para aprofundamentos sobre estratégias de resposta às
mudanças climáticas no setor elétrico.