A vaidade impulsiona o consumo de cosméticos e de procedimentos estéticos
cirúrgicos nas mulheres? Uma investigação exploratória
1. INTRODUÇÃO
Importantes mudanças de valores na sociedade aconteceram no final do século XX,
o homo politicus, ou o homo economicus, deu espaço ao homo estheticus
(Maffesoli,_1996). A valorização dos elementos estéticos passou a ser relevante
e afetou o comportamento dos indivíduos em relação a sua beleza. Estudos dos
elementos estéticos demonstram uma tendência histórica de intensificação do
individualismo e de crescente sexualização da cultura (Lewis,_2008). O corpo é
visto como espetáculo e mercadoria, idealizando juventude e aceleração da
tecnologização dos corpos (Solomon,_Ashmore_& Longo,_1992). Corpo e moda
passam a ser elementos essenciais do estilo de vida, determinando investimentos
pessoais na preocupação com a aparência (Goldenberg,_2002). Essa importância
dada à própria aparência é fruto da vaidade do indivíduo, que, na definição de
Durvasula,_Lysonski_e_Watson_(2001), vem a ser a preocupação (e a percepção)
com aparência e com conquistas.
A vaidade está por trás da definição de padrões estéticos e de como a beleza
corporal é culturalmente construída (Queiroz_& Otta,_1999). Procedimentos
cirúrgicos e não cirúrgicos são realizados no afã de atender aos padrões
estéticos. No Brasil, indivíduos voluntariamente se submetem a intervenções
como o preenchimento de rugas e aplicação de botox. Segundo dados de 2009,
nesse ano foram realizados mais de 2,5 milhões de procedimentos estéticos,
cirúrgicos ou não. O Brasil perdeu apenas para os Estados Unidos, que registrou
cerca de três milhões de procedimentos (Jansen,_2010). Os números, daquilo que
se pode chamar de indústria da beleza, mostram sua relevância econômica e são
resultado de uma manifestação da vaidade de indivíduos.
Em estudos, mostra-se que a vaidade também está por trás de autoestima corporal
(Avelar_& Veiga,_2011), que reflete a positividade do autoconceito de uma
pessoa (Solomon,_2008). Indivíduos vaidosos tendem a enquadrar-se em um padrão
estético de autovalorização, bem-estar e alta autoestima (Lyubomirsky_&
Ross,_1997). Por outro lado, o modelo ideal de beleza cria armadilhas para os
indivíduos menos vaidosos, deixando-os insatisfeitos e deprimidos,
desconfortáveis com o próprio corpo e com a autoestima baixa (Gomes_&
Caramaschi,_2007).
A vaidade pode afetar o consumo de cosméticos e tratamentos, a frequência de
cuidados estéticos e o envolvimento do indivíduo com a beleza. A busca pela
beleza leva consumidores a consumir bens como adornos e também os leva a
modificar o próprio corpo (Bloch_& Richins,_1993). A cirurgia estética não
busca apenas corrigir defeitos, mas aumentar a satisfação do consumidor por
sentir-se mais belo. Uma demonstração desse fato está nos volumes de recursos
financeiros que as mulheres colocam para obter uma melhoria na aparência. Os
números da indústria da beleza, bem como seu substancial desenvolvimento no
Brasil nos últimos anos comprovam esse fenômeno. Dados do Euromonitor_(2010)
indicam que o Brasil representa o terceiro maior mercado mundial no tocante a
produtos de beleza e cuidados pessoais, devendo atingir em 2013 cerca de US$36
bilhões em valor. No Brasil, a indústria de higiene pessoal, perfumaria e
cosmética cresceu em média 10,5% nos últimos 14 anos, passando de R$ 4,9
bilhões em 1996 para R$ 24,9 bilhões em 2009 (ABIHPEC, 2010).
Neste artigo, o objetivo é ampliar o entendimento do conceito de vaidade e suas
implicações para o comportamento dos indivíduos no que tange à beleza. Por meio
de nove hipóteses, busca-se compreender como a vaidade afeta o envolvimento de
indivíduos com beleza e autoestima corporal. No modelo de análise, considera-se
também o efeito de vaidade na frequência com que cuidados estéticos são
realizados e o uso de cosméticos e tratamentos de pele. Como hipótese central
do modelo, pretende-se investigar o efeito desses conceitos na intensidade de
uso de procedimentos estéticos cirúrgicos e não cirúrgicos. As hipóteses foram
desenvolvidas com base na literatura e testadas em uma amostra de mulheres que
participaram da pesquisa respondendo um questionário com duas escalas - vaidade
e envolvimento - e questões sobre consumo de cosméticos e tratamentos, bem como
tipo e frequência de realização de diversos procedimentos cirúrgicos e não
cirúrgicos. Neste estudo, concentra-se a discussão no contexto feminino, pois
mulheres realizaram mais de 20 milhões de procedimentos cirúrgicos e não
cirúrgicos, ou seja, mais de mais de 87% do total de procedimentos realizados
(SBCP, 2014).
Este artigo foi inspirado em uma pesquisa realizada com 3.200 mulheres de dez
países (Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Itália, França, Portugal, Holanda,
Brasil, Argentina e Japão), em 2004, que apontou que, no Brasil, apenas 1% das
mulheres se descreve como bonita e 6% como bela. Além disso, 39% das mulheres
brasileiras não estão satisfeitas com sua aparência física, sendo superadas
apenas pelas japonesas com 59% de insatisfação, superando inglesas e norte-
americanas (36%), argentinas (27%) e holandesas (25%) (Moreno,_2010). A
importância dada à aparência física cria um substrato no qual a submissão a
diversos procedimentos estéticos, cirúrgicos ou não, passa a ser uma opção
desejável. Existe também um paradoxo no culto ao corpo pela classe média: a
autonomia individual em contraposição à exigência de conformidade aos modelos
sociais do corpo (Goldenberg,_2002). Portanto, mais estudos são necessários
para poder entender o fenômeno de forma mais completa, aquilo que se pode
chamar de indústria da beleza, dada sua relevância teórica e econômica.
Além desta introdução, apresenta-se no artigo o referencial teórico que deu
suporte à construção das hipóteses em estudo, seguido da apresentação dos
procedimentos metodológicos, da pesquisa quantitativa e sua análise. Encerra-se
o trabalho com a discussão dos resultados, suas conclusões e sugestões de
futuras pesquisas.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1. Beleza e comportamento do consumidor
O conceito da beleza tem um fundamento filosófico amparado em diversos autores,
como Aristóteles, Platão, Kant e Hume, que promovem discussões ontológicas,
epistemológicas, éticas e de valores e de aspectos político-culturais ao longo
de centenas de anos (Vacker_& Key,_1993). Nos últimos 50 anos, o tema tem
despertado interesse em áreas próximas do marketing, como a comunicação e a
psicologia, e mais recentemente no campo do comportamento do consumidor. Alguns
temas foram pesquisados com maior frequência, como em estudos com foco em
elementos da cultura da beleza e seus reflexos no consumo (Englis,_Solomon
& Ashmore,_1994 Bjerke_& Polegato,_2006) e foco em elementos do padrão
de beleza global e seu impacto na comunicação (Domzall_& Kernan,_1993;
Murray_& _Price,_2011). Existem estudos em que se apresenta uma abordagem
cultural e histórica sobre a globalização da beleza (Jones,_2008) e outros
sobre produtos de beleza (Hunt,_Fate_& Dodds,_2011). Outro foco de estudos
é a busca da beleza a partir do uso de produtos encontrados no mercado (Vacker
& Key,_1993 ; Guthrie_& Kim,_2009 ; Kim_& Seock,_2009). No Brasil,
existem alguns estudos em que se contempla a temática beleza especificamente na
área de marketing, tais como os trabalhos de Campos_(2009), Campos,_Suarez_e
Casotti_(2006) e Machado_e_Pereira_(2010). Nesses estudos, a beleza é um
conceito central em comportamento do consumidor.
A questão da beleza e do corpo está também presente na literatura por meio do
autoconceito do ser humano, do qual a aparência física é parte considerável
(Solomon,_2008), refletindo-se na autoestima do indivíduo. A noção dos diversos
eus pode ser analisada a partir dos cuidados com a própria aparência, na busca
por um eu idealizado por meio do consumo de cosméticos, adornos, moda e até
mesmo de procedimentos mais radicais, como uma cirurgia estética. Para Onkvisit
e_Shaw_(1987), o autoconceito é multidimensional e possui quatro tipos de eus,
que vêm sendo empregados nos estudos de consumidores desde então: o eu real (o
que a pessoa é); autoimagem (como a pessoa se vê); o eu ideal (como a pessoa
gostaria de ser) e por fim o eusocial (como a pessoa acredita que os outros a
veem). Pessoas com alto nível de autoconsciência pública dão grande atenção ao
que os outros pensam dela e, dessa forma, a aparência passa a ser elemento
essencial na impressão causada, sendo associada ao uso de cosméticos e adornos
(Bloch_& Richins,_1992).
Na literatura sobre autoconceito, Domzall_e_Kernan_(1993) fazem referência a
diversos estudos nos quais se indica que pessoas atraentes são mais apreciadas
e percebidas em termos mais favoráveis que as menos atraentes. A ideia de que
aquilo que é belo é bom tem sua origem no estudo seminal de Dion,_Berscheid_e
Walster_(1972), cujos resultados apontam que pessoas fisicamente atraentes
possuem traços de personalidade socialmente mais desejáveis que pessoas pouco
atraentes, além de apresentarem maior probabilidade de ter uma vida melhor.
Mais recentemente, Lorenzo,_Biesanz_e_Human_(2010) não apenas confirmaram essa
hipótese, como também afirmaram que indivíduos mais atraentes são percebidos
com maior acurácia normativa.
Recentemente, a ideia de capital erótico na sociedade contemporânea foi
introduzida (Hakim,_2010). O capital erótico dos indivíduos seria um ativo tão
importante quanto o capital social, econômico e cultural. Para alguns
indivíduos, pode ser fator decisivo para atingir objetivos no mercado de
trabalho, na política, nas artes, na propaganda e no dia a dia. Para Hakim_
(2010), o capital erótico é multifacetado, existindo seis dimensões que podem
emergir em sociedades ou contextos históricos específicos. Para o capital
erótico, a beleza é a dimensão central ainda que possam existir variações
culturais e temporais sobre o que constitui efetivamente a beleza. O segundo
elemento é a atratividade sexual, que está mais relacionada ao corpo e a sua
movimentação. O terceiro elemento está no charme, na interação social, em se
fazer apreciado. O quarto elemento reúne uma mistura de vivacidade, forma
física, energia social e bom humor. O quinto elemento inclui competências
sociais, como o saber vestir-se, a elegância, o bom uso de maquiagem e
perfumes; por fim, o sexto elemento refere-se à atratividade sexual em si, como
competência sexual e imaginação erótica. Fica claro, então, que, na sociedade
contemporânea, a pressão pela perfeição física impõe um pesado fardo, cobrado
pela sociedade e bastante valorizado pelo marketing, no qual a atratividade
física é vista como um ideal, "um índice de seu próprio valor, na maneira como
as ações são avaliadas nas relações sociais" (Sampaio_& Ferreira,_2009, p.
10).
2.2. Vaidade e beleza
O efeito da vaidade sobre outros conceitos importantes relacionados à beleza
tem sido estudado de maneira isolada na literatura (Figura_1). Essas pesquisas
têm enfoques diversos, incluindo trabalhos com foco psicológico e trabalhos que
abordam diretamente áreas do marketing, como comunicação, considerando o uso de
pessoas belas na propaganda (Stephens,_Hill_& Hanson,_1994 ; Watson,_Rayner,
Lysonski,_& Durvasula,_1999 ; Bower_& Landreth,_2001 ; Kang_& Herr,
2006 ; Goodman,_Morris_& Sutherland,_2008) e como endosso na comunicação
(D’Alessandro_& Chitty,_2011) e a atratividade do modelo na eficiência da
comunicação (Trampe,_Stapel,_Siero,_& Mulder,_2010) ou mesmo na atividade
de relações públicas (Liu,_1994).
Figura 1 Construtos, Implicações e Fontes
Construto Principals Implicções Artigos
Representativos
Netemeyer,
Burton_e
Lichtenstein_
(1995)
Vaidade A preocupação exagerada com a propria aparencia ou realizações. Vaidade esta Durvasula,
relacionada com autoestima. Lysonski_e
Watson_(2001)
Avelar_e_Veiga_
(2011) Fan_
(2014)
Michener,
Delamater_e
Myers_(2005)
Solomon_(2008)
A Valencia do autoconceito (positivo ou negativo). Relaciona-se positivamente Swami,
Autoestima com a atratividade fisica. Chamorro-
Premuzic,
Bridges_e
Furnham_(2009)
Avelar_e_Veiga_
(2011)
Zaichkowski_
(1995) Mowen_e
Minor_(2003)
Envolvimento O quanto uma pessoa e motivada a pensar sobre o objeto em questao. Individuos Sarwer,_Cash,
com beleza que prestam muita atenção a aparencia fisica possuem maior propensao a Magee,
realização de cirurgias plasticas. Thompson,
Roehrig,_et_al.
(2005) Cash_
(2012)
Bloch_e_Richins
(1992) Haiken_
Cosmeticos e (2000) Sarwer,
tratamentos Atitudes positivas para a melhora da aparencia. Cash,_Magee,
cirurgicos Thompson,
Roehrig,_et_al.
(2005)
Vaidade é definida como a alegria de sentir-se superior aos outros e a
infelicidade de sentir-se inferior aos outros (Fan,_2014). Frequentemente, a
vaidade refere-se a um cuidado, que pode chegar ao excesso, com o próprio corpo
e beleza. Netemeyer, Burton_e_Lichtenstein_(1995) identificam dois tipos
principais de vaidade. Primeiro, a vaidade com a aparência física, ou seja, uma
preocupação que conduz a uma visão positiva e possivelmente exagerada da
aparência física. Segundo, a vaidade de realização dos objetivos que incorpora
a preocupação com a realização e o alcance de objetivos, assim como uma visão
positiva (exagerada) quanto ao atingimento deles. Durvasula_e_Lysonski_(2010),
em estudo conduzido na China, observaram que esse tipo de vaidade é afetado
pela dimensão poder/prestígio e pelas atitudes ante o dinheiro.
Tradicionalmente, vaidade é vista como um dos pecados capitais do catolicismo,
uma falha das virtudes morais, algo desfavorável ou mesmo uma espécie de vício
ou arrogância. No entanto existe um paradoxo: a vaidade no Brasil não apresenta
o cunho pejorativo normalmente associado ao termo. Se as definições colocam a
vaidade como algo negativo, na sociedade em geral é comum encontrar o termo com
um sentido positivo. Existiria uma boa vaidade - que representa o cuidado
consigo mesmo - e uma vaidade ruim, que ultrapassa o que seria considerado como
positivo. Edmonds_(2002) observa que as mulheres associam a vaidade a ter
cuidado com o corpo, em especial com cabelos e unhas e não à opinião exagerada
sobre a aparência, distinguindo entre vaidade (boa) e futilidade (má).
Vaidade, no campo do marketing, oferece oportunidades interessantes de pesquisa
e investigação. Na literatura, o maior destaque é dado ao estudo seminal de
Netemeyer_et_al._(1995), em que os autores conceituaram e desenvolveram a
escala de vaidade. Essa escala foi utilizada em estudos em diferentes países, o
que demonstra sua aplicabilidade em diversas culturas, como Durvasula_et_al._
(2001), Wang_e_Waller_(2006), Durvasula_e_Lysonski_(2008)e Watchravesringkan_
(2008). Muitos desses trabalhos desenvolveram pesquisas em países orientais,
como China, Coreia do Sul e Tailândia. Em estudos mais recentes, a escala é
utilizada apenas na dimensão de vaidade de realização para medir, por exemplo,
o impacto na atitude com relação ao dinheiro (Durvasula_& Lysonski,_2010) e
o impacto no autoconceito e a inovação em moda (Workman_& Lee,_2011). Um
dos poucos trabalhos na literatura revisada que não envolve o uso da escala de
Netemeyer_et_al._(1995) é o de Whitehead,_Ozakinci,_Stephen,_e_Perrett_(2012),
que optaram por um experimento para estudar o impacto da vaidade no consumo de
vegetais e frutas. No Brasil, em sua pesquisa, Avelar_e_Veiga_(2011) buscam
discutir a relação entre a vaidade e os conceitos de autoestima e
personalidade. Abdalla_(2008)realiza estudo de cunho qualitativo da relação
entre vaidade e consumo.
2.3. Hipóteses de pesquisa
Nove hipóteses foram desenvolvidas com base na identificação de mediadores e
antecedentes dos procedimentos cirúrgicos - como forma de capturar a busca pela
perfeição física. Espera-se que, quanto mais vaidoso o indivíduo, maior sua
disposição para a realização de procedimentos cirúrgicos. No passado, a
preocupação com a beleza seguia a crença na existência de um elixir da
imortalidade, enquanto nos dias atuais busca-se esse elixir por meio de
tratamentos dermatológicos, cirurgias plásticas, reposições hormonais e
vitaminas.
A definição de padrões estéticos, como a beleza corporal, é culturalmente
construída (Queiroz_& Otta,_1999). Edmonds_(2002) analisa atitudes com
relação à beleza e à cirurgia plástica existentes nos Estados Unidos (mais
politizada e ligada à opressão racial) e no Brasil (ligada à identidade
nacional). Logo, uma cirurgia facial estaria associada a questões complexas
referentes a gênero, raça, cultura e identidade pessoal (Haiken,_2000). Dessa
forma pode-se considerar que a necessidade de maior diferenciação e a busca do
sentir-se bem consigo mesmo influenciariam a intenção de empregar técnicas que
permitissem melhorar a aparência, segundo padrões sociais e estéticos
definidos. Considerando então a realização dos procedimentos estéticos de
caráter cirúrgico, pode-se enunciar que:
* H1 — Maior vaidade contribuiu para maior realização de procedimentos
cirúrgicos.
Na segunda hipótese, trata-se do impacto da vaidade na autoestima corporal. A
autoestima relaciona-se com a positividade do autoconceito de uma pessoa
(Solomon,_2008), e autoconceito refere-se ao conjunto de crenças que uma pessoa
tem sobre seus atributos e como os avalia (Solomon,_2008). O autoconceito pode
ser dividido em três tipos: real, ideal e social. O primeiro está relacionado
com a autopercepção, ou seja, como os indivíduos se veem na realidade, segundo
fatos e experiências empíricas. Já o autoconceito ideal tem a ver com o ego
ideal; como o indivíduo gostaria de ser e não como ele percebe que realmente é.
Por último, o autoconceito social diz respeito à forma pela qual o indivíduo
apresenta seu eu para os outros à sua volta (Sirgy,_1982). Dessa forma, a
autoestima está relacionada com "as características do eu contingenciais e da
forma como avaliamos cada uma destas características" (Michener_et_al.,_2005,
p. 120). Existem três fontes principais de autoestima: a experiência familiar,
feedback quanto ao desempenho e comparações sociais. A comparação com um padrão
inferior tende a ser autovalorizadora, enquanto comparações com padrões
superiores geralmente ameaçam o bem-estar e a autoestima (Lyubomirsky_&
Ross,_1997). Pessoas com baixa autoestima tentam evitar o constrangimento, o
fracasso ou a rejeição.
Para Solomon_(2008), a aparência física de uma pessoa é parte considerável de
sua autoestima, pois sua imagem corporal considera a avaliação subjetiva do
indivíduo sobre seu físico. Essa noção de consciência corpórea é complexa por
trazer em si aspectos sociais, simbólicos e sinestésicos (Melo,_2005). As
mulheres tendem a captar mensagens da mídia que enfatizam a qualidade do corpo
e seu valor. Isso leva a distorções da imagem corporal mais frequentes em
mulheres do que em homens (Solomon,_2008). Um exemplo é a propaganda
contemporânea que sustenta o ideal de beleza, em que sucesso e felicidade
dependem de uma boa aparência física (Briggs,_2000). O descontentamento com o
peso, por exemplo, leva a uma imagem corporal negativa e que, no caso dos
obesos, chega a causar um estigma social (Veer,_2009). Gomes_e_Caramaschi_
(2007) afirmam que a busca por um modelo ideal de beleza nunca foi tão
estimulada e valorizada e tem deixado um imenso grupo de insatisfeitos e
deprimidos, desconfortáveis com o próprio corpo e com a autoestima em baixa.
Para Fan_(2014), comparações interpessoais estão relacionadas e frequentemente
são intensificadas pela vaidade. Sendo a vaidade um antecedente da própria
aparência, pode-se supor que:
* H2 — Maior vaidade leva a maior autoestima corporal.
A terceira hipótese trata do efeito da menor autoestima na realização de
procedimentos cirúrgicos. Lipovetsky_(2000)comenta que a beleza tem sido vista
não apenas como um dever, mas um direito, o que é corroborado pelo trabalho de
Edmonds_(2002), que indicou a beleza como o resultado de um esforço, de uma
conquista. Para Goldenberg_(2002,_p._8), a "mídia adquiriu imenso poder de
influência entre indivíduos, generalizou a paixão pela moda, expandiu o consumo
de produtos de beleza e tornou a aparência uma dimensão essencial da
identidade" das pessoas. Pelo lado negativo, Bassili_(1981) observa que, ainda
que os indivíduos assumam que uma boa aparência é instrumental para uma vida
sexual e socialmente mais excitante, esse estilo de vida está desfigurado na
vaidade e na autoestima. Para Raskin_e_Novacek_(1989), a vaidade está
relacionada à personalidade narcísica e pode ter também atributos negativos,
como o materialismo e a permissividade sexual (Bassili,_1981. Haiken_(2000)
indica que muitos norte-americanos percebem suas identidades como conectadas
com suas faces e corpos e que consideram a cirurgia como a maneira mais eficaz
em alterar ou valorizar suas identidades, apontando que existe a relação entre
identidade e cirurgias cosméticas. Yamasaki,_Ponchio,_Silva_e_Rocha_
(2013)recomendam que, em estudos futuros, se enderece mais cuidadosamente o
impacto de autoestima na realização de cirurgias estéticas. Para Delinsky_
(2005), a autoestima é formada pela avaliação da própria aparência física e,
quanto maior a autoestima, maior a aceitação do corpo. Haiken_(1997) indica que
a possibilidade de fazer a cirurgia estética ocorre devido a um sentimento de
inadequação com relação à aparência. Dessa forma, a cirurgia pode ser vista
como uma ação que permite a reparação de algo que danifica a autoestima. Sendo
assim,
* H3 — Menor autoestima corporal leva a maior realização de procedimentos
cirúrgicos.
A quarta e a quinta hipóteses estão relacionadas à ideia de Poiriet_(1999),
segundo a qual, o corpo é lugar de todas as ambiguidades, não sendo um simples
objeto. Poiriet_(1999,_p._31) sugere que o corpo "encontra-se numa situação
intermediária a partir da qual pode, numa direção, tornar-se sagrado e
subjetivar-se e, numa direção oposta, acabar por ‘coisificar-se’ inteiramente".
O corpo pode, portanto, ser completamente materializado, reduzindo-se a apenas
um monte de carne, logo, coisificado e passível de transformação, refletido nos
expressivos números de cirurgias plásticas, vendas de cosméticos e adornos. A
preocupação com a aparência pode afetar grande variedade de atitudes e
comportamentos do consumidor, como moda, bronzeamento, uso de cosméticos,
dentre outros (Burton,_Netemeyer_& Lichtenstein,_1994). Durvasula_e
Lysonski_(2008) mostram a crescente preocupação da geração Y com a melhora de
sua aparência física, que pode levar à indulgência em cirurgias plásticas ou
hábitos alimentares perigosos. Assim,
* H4 — Vaidade leva a maior consumo de cosméticos e tratamentos estéticos
(não cirúrgicos).
O consumo de cosméticos e tratamentos estéticos, não cirúrgicos, podem ser uma
tentativa inicial e menos complexa de alterar a aparência. Pode-se imaginar que
maiores índices de utilização desses produtos e procedimentos podem indicar
maior propensão à realização de procedimentos cirúrgicos. Assim sendo, pode-se
considerar que
* H5 — Consumo de cosméticos e tratamentos estéticos levam a maior
realização de procedimentos cirúrgicos.
A sexta hipótese considera o envolvimento com a beleza como um construto da
motivação. À medida que o envolvimento aumenta, os consumidores têm maior
motivação para "captar, compreender e elaborar informações relevantes à compra"
(Mowen_& Minor,_2003, p. 45). Ainda, segundo Mowen_& Minor_(2003), o
conceito de envolvimento é crucial para uma variedade de tópicos relativos ao
consumidor, como o processamento da informação, compreensão dos processos de
memória, tomada de decisão, formação e mudança de atitude e comunicação boca a
boca. O conceito de envolvimento significa que uma pessoa é motivada a pensar
sobre o objeto em questão (Zaichkowski,_1995), ou seja, envolvimento é a
importância pessoal percebida e/ou interesse que o consumidor liga a aquisição,
consumo e disposição de um bem, serviço ou ideia (Mowen_& Minor,_2003).
O envolvimento pode ser mais bem compreendido por meio de um conjunto de
dimensões que atuam no aumento do nível de envolvimento do consumidor com a
compra. Essas dimensões são: importância de autoexpressão (auxílio para pessoas
expressarem seu autoconceito para os outros), importância hedônica (produtos
agradáveis, interessantes, divertidos, fascinantes e excitantes), relevância
prática (produtos essenciais ou benéficos por razões utilitárias) e risco de
compra (criam-se incertezas porque má escolha seria extremamente aborrecida
para o comprador). A importância de cada dimensão varia de acordo com o tipo de
bem ou serviço, assim como das características do comprador (Mowen_& Minor,
2003). Pode-se, portanto, considerar que:
* H6 — Maior vaidade leva a maior envolvimento com a beleza.
A sétima hipótese é um desdobramento da sexta, em que a questão do envolvimento
se torna relevante no tocante à beleza e à vaidade. Em seu estudo, Edmonds_
(2002,_p._235) revela que pacientes de plástica, assim como marombeiros, se
dedicam a "formas extremas de alteração corporal com fins estéticos, sem, no
entanto, criticar os valores sociais dominantes". Nessa pesquisa, aponta-se que
pacientes e marombeiros sofrem de uma identificação especialmente pronunciada
entre o eu e o corpo. Dentre várias observações desse estudo, destacam-se as
motivações para a realização de uma cirurgia plástica manifestada por duas
mulheres cariocas: uma de cunho hedônico, ligado à sexualidade, e a outra
centrada na saúde física e conectada à liberdade pessoal. Assim, pode-se
considerar que:
* H7 — Maior envolvimento com a beleza leva a maior realização de
procedimentos cirúrgicos.
A oitava e a nona hipóteses relacionam-se com a frequência que mulheres dedicam
a cuidados com a própria beleza. Bloch_(1993)identificou que o cuidado em
adornar o corpo com maquiagem ou roupas é uma atividade de lazer. As pessoas
são motivadas por recompensas extrínsecas (como a atratividade física) e
recompensas intrínsecas (como controle e autoestima). Mulheres com alto
envolvimento em atividades relacionadas ao adorno (em relação a mulheres com
baixo envolvimento) gastam oito minutos a mais por dia aplicando maquiagem e,
em sua opinião, essa atividade é agradável e recompensadora. Logo,
* H8 — Maior vaidade leva a maior frequência dos cuidados com a beleza.
Pode-se considerar que essa maior frequência dos cuidados com a beleza
representa um monitoramento contínuo e uma preocupação constante com os
resultados estéticos. Por essa razão, maior frequência dos cuidados com a
beleza pode justificar, a prazo, medidas mais extremas e, por essa razão, os
procedimentos cirúrgicos podem ser mais facilmente aceitos por essas mulheres.
Pode-se, portanto, sugerir:
* H9 — Maior frequência de cuidados com a beleza leva a maior realização de
procedimentos cirúrgicos.
As nove hipóteses desenvolvidas podem ser visualizadas no modelo exploratório
do fenômeno em estudo apresentado na Figura_2. Uma vez discutidas as hipóteses
que compõem o modelo, serão apresentados os procedimentos metodológicos
empregados para validação e teste empírico.
Figura 2 Modelo Teórico
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
3.1. O instrumento e a pesquisa
A vertente metodológica deste trabalho é quantitativa do tipo surveye os dados
foram obtidos por meio de um instrumento de pesquisa estruturado com perguntas
fechadas. A aplicação ocorreu por meio de entrevistas pessoais, utilizando-se
questionários impressos. As entrevistas foram realizadas ao longo dos meses de
agosto, setembro e outubro de 2008, em locais próximos a farmácias e
perfumarias em bairros nobres e populares da cidade de São Paulo. A escolha da
proximidade com esses estabelecimentos está diretamente relacionada ao tema do
trabalho, e a escolha dos bairros teve como objetivo encontrar diversidade em
termos de faixa etária e estrato socioeconômico. O critério de seleção amostral
foi não probabilístico e por conveniência, perfazendo um total de 210 mulheres
com idades entre 18 e 60 anos e pertencentes aos estratos socioeconômicos A, B
e C.
O instrumento foi elaborado considerando-se questões demográficas, tais como
faixa etária, raça, educação e classe econômica. Essa última foi medida com o
uso do Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB), que divide a
população em cinco classes econômicas (A, B, C, D e E), de acordo com a
pontuação obtida pela posse de determinados bens e pelo grau de instrução do
chefe de família.
Para mensuração da vaidade, utilizou-se a escala desenvolvida por Netemeyer_et
al._(1995) e validada por Durvasula_et_al.(2001) em quatro diferentes culturas.
Essa escala consiste em quatro dimensões com um total de 21 itens avaliados em
escala Likert de sete pontos, variando entre 1 "discordo totalmente" e 7
"concordo totalmente". A escala original em inglês foi traduzida para o
português e, por meio de procedimentos de tradução reversa, retornou-se a
escala traduzida à versão original para eliminar problemas de tradução e
interpretação. O questionário incluiu questões sobre frequência de realização
de procedimentos estéticos cirúrgicos invasivos, tais como cirurgia ocular a
laser e lipoaspiração, e não invasivos, como peeling e implante capilar. Foram
incluídas ainda questões referentes à utilização de cosméticos e tratamentos,
frequência de cuidados e a autoestima relacionada à beleza física (com base em
Fetto,_2003).
Um pré-teste com 20 mulheres foi realizado para checar compreensão, existência
de dificuldades e tempo de preenchimento. Em média, o questionário foi
preenchido entre 10 e 15 minutos.
3.2. A validação do modelo
No teste da validade discriminante dos construtos, utilizou-se o software
Lisrel (8.5) para a estimação de uma análise fatorial confirmatória (CFA),
recomendada para testar a unidimensionalidade de construtos multi-itens.
Seguindo o procedimento proposto por Anderson_e_Gerbing_(1988), um par de
construtos é computado por meio da definição do parâmetro de estimação de
correlação entre eles igual a 1. Depois, estima-se a diferença entre os testes
de chi-quadrado obtidos no modelo estimado com a restrição (definido a 1) e o
não restrito. Um valor menor e significativo para o teste de chi-quadrado do
modelo com restrição é desejável, pois indica que os construtos não são
perfeitamente correlacionados e a validade discriminante foi observada
(Steenkamp_& Trijp,_1991). Foram utilizados modelos confirmatórios com
pares de construtos (incluindo a análise detalhada das quatro dimensões da
variável vaidade), um dos quais recebeu a restrição (o fator de correlação foi
definido em 1). Todos os modelos confirmatórios não restritos resultaram em
ajuste (chi-quadrado) significativo e superior, o que indica a validade dos
construtos utilizados nesta pesquisa.
Para testar a confiabilidade dos construtos, foram checados os Alfas de
Cronbach e as cargas fatoriais (método Varimax). Em todos os construtos, os
coeficientes de Alfa foram superiores ao nível aceitável na literatura (>0,70)
(Hair,_Black,_Babin,_& Anderson,_2009), exceto na variável de uso de
cosméticos e tratamentos, que atingiu um alfa de 0,64. As análises das cargas
fatoriais demonstraram que o constructo multidimensional, vaidade, e os
construtos multi-itens são observados nos respectivos fatores. Os construtos e
itens, com os respectivos Alfas de Cronbach, utilizados na pesquisa encontram-
se na Figura_3.
Figura 3 Itens Utilizados na Pesquisa
Vaidade (Escala Likert de 7 pontos: concordo totalmente – discordo totalmente)
X1: Preocupação com a Aparência – Alfa de Cronbach: 0,84
A maneira como eu me apresento é extremamente importante para mim.
Sou muito preocupada com a minha aparência.
Sinto-me constrangida se não estiver com a minha melhor aparência em
público.
Vale a pena o esforço para ter um melhor aspecto.
É importante que eu apareça sempre bem.
X2: Percepção da Aparência – Alfa de Cronbach: 0,80
As pessoas reparam que eu sou atraente.
Os outros acham minha aparência atraente.
Acho que as pessoas têm inveja da minha boa aparência.
Eu sou uma pessoa com uma boa aparência.
Acho meu corpo bonito e sexy.
Acho que eu tenho o tipo de corpo que as pessoas gostariam de ter.
X3: Preocupação com as Conquistas – Alfa de Cronbach: 0,71
Realizações profissionais são muito importantes para mim.
Eu quero que os outros reparem em mim por causa das minhas realizações.
Eu sou mais interessada em sucesso profissional do que a maioria das pessoas
que eu conheço.
Obter mais sucesso que meus companheiros é importante pra mim.
Eu quero que minhas realizações sejam reconhecidas pelos outros.
X4: Percepção das Conquistas – Alfa de Cronbach: 0,79
No sentido profissional, eu sou uma pessoa bem-sucedida.
Minhas realizações são muito valorizadas pelos outros.
Eu sou uma pessoa realizada.
Eu sou um bom exemplo de sucesso profissional.
Os outros gostariam de ser tão bem-sucedidos quanto eu.
Uso de Cosméticos e Tratamentos (Escala Likert de 7 pontos: concordo totalmente
– discordo totalmente)
X5: Alfa de Cronbach: 0,64
Gastar dinheiro com produtos de beleza é besteira (inversa).
Eu acordo mais cedo para me maquiar.
Sinto-me mais bonita quando utilizo algum tipo de cosmético.
Utilizo cremes para tratamento da minha pele todos os dias.
Vou à manicure pelo menos uma vez por semana.
Frequência de Cuidados (Escala de 7 pontos: nunca – alta frequência)
X6: Alfa de Cronbach: 0,73
Cuidar do meu corpo.
Usar cosméticos.
Fazer exercícios físicos.
Ter uma alimentação saudável (evitar comidas gordurosas, doces e
refrigerantes).
Ir ao salão de beleza.
Manter-me informada sobre assuntos de beleza.
Fazer tratamentos estéticos.
Fazer massagem.
Autoestima Corporal (Escala Likert de 7 pontos: concordo totalmente – discordo
totalmente)
X7: Alfa de Cronbach: 0,71
Sentir-me-ia mais bonita se fosse mais magra (inversa).
Eu gosto de me ver em fotografias.
Eu tenho orgulho do meu corpo.
Eu estou satisfeita com o meu peso.
Envolvimento com Beleza (Escala semântica de 7 pontos)
Alfa de Cronbach: 0,90
Para mim, beleza física...
X8 é importante/nada importante.
X9 significa muito para mim/significa nada.
X10 me interessa/não me interessa.
X11 tem valor/não tem valor.
X12 entusiasma/não me entusiasma.
A amostra estudada é jovem: 71% têm até 30 anos de idade. Da amostra, 78%
consideram que a sua cor de pele é branca; apenas 4% têm até o ensino
fundamental completo; 31%, o ensino médio completo; e quase 57% da amostra, o
ensino superior completo. As respondentes estiveram razoavelmente bem
distribuídas nas classes socioeconômicas: quase 34% de classe A; 45% de classe
B; e 21% de classes C e D, como indicado na Tabela_1.
Tabela 1 Descrição da Amostra por Idade, Nivel Educacional, Classe
Socioeconomica e Cor da Pele
Falxa Etarla Numero % Classe Socioeconomica Numero %
Ate 19 anos 26 12,4 A1 32 15,2
Entre 20 e 29 anos 124 59,0 A2 39 18,6
Entre 30 e 39 anos 33 15,7 B1 44 21,0
Entre 40 e 49 anos 18 8,6 B2 51 24,3
50 anos ou mais 9 4,3 C+D 44 20,9
Total 210 100,0 Total 210 100,0
Nivel Educacional Numero % Cor da Pele Numero %
Ate ensino fundamental 8 3,8 Branco 163 77,6
completo
Ensino medio completo 66 31,4 Negro 6 2,9
Superior completo 119 56,7 Amarelo 18 8,6
Especialização ou MBA 15 7,1 Pardo 23 11,0
Mestrado ou doutorado 2 1,0 Total 210 100,0
Total 210 100,0
As médias, os desvios padrões e a matriz de correlação para todos os itens são
apresentados na Tabela_2. A associação das variáveis do modelo pode ser vista
nos coeficientes de correlação que estão realçados. Embora várias correlações
sejam significativas e positivas, todas elas estão abaixo de 0,80. De acordo
com Hair_et_al._(2009), correlações abaixo de 0,80 são necessárias para evitar
problemas com multicolinearidade.
Tabela 2 Correlações, Desvios Padroes e Medias
Variável MédiaDesvio Matriz de Correlação
Padrão 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13
1.
Procedimentos 2,07 1,54 0,42 0,25 0,15 0,09 0,06 0,30 0,10 0,01 0,16 0,13 0,18 0,12 0,12
Cirurgicos y1
2. - - -
Procedimentos 0,70 0,85 1,00 0,17 0,03 0,07 0,07 0,11 0,13 0,09 0,03 0,04 0,01 0,00 0,00
Cirurgicos y2
3. Vaidade x1 5,47 1,06 1,00 0,45 0,23 0,18 0,48 0,35 0,24 0,09 0,17 0,09 0,06 0,15
4. Vaidade x2 4,14 1,00 1,00 0,27 0,38 0,41 0,37 0,43 0,09 0,11 0,17 0,08 0,18
5. Vaidade x3 4,78 1,20 1,00 0,50 0,12 0,03 0,20 0,10 0,04 0,01 0,05 -
0,01
6. Vaidade x4 4,27 1,19 1,00 0,16 0,20 0,28 0,02 - - - -
0,09 0,07 0,10 0,07
7. Cosmeticos 4,62 1,27 1,00 0,46 0,32 0,16 0,24 0,21 0,05 0,11
e Tratamentos
8. Frequencia 3,39 0,94 1,00 0,31 0,12 0,16 0,15 0,12 0,04
de Cuidados
9. Autoestima 4,15 0,98 1,00 0,07 0,17 0,10 0,06 0,06
Corporal
10.
Envolvimento 5,02 1,68 1,00 0,71 0,68 0,63 0,53
com Beleza x8
11.
Envolvimento 4,63 1,58 1,00 0,70 0,70 0,54
com Beleza x9
12.
Envolvimento 4,98 1,66 1,00 0,74 0,71
com Beleza
x10
13.
Envolvimento 4,68 1,68 1,00 0,69
com Beleza
x11
14.
Envolvimento 4,94 1,95 - 1,00
com Beleza
x12
Nota: Coeficientes significativos de correlação em destaque.
Para a análise das hipóteses, foi utilizado o modelo de equações estruturais
empregando o software Lisrel (8.5). Modelo de equações estruturais é um método
recomendado para testar cadeias causais simultaneamente, estimando as variáveis
latentes, as causalidades individuais, os efeitos totais e os indicadores de
ajustes do modelo (Hair_et_al.,_2009). Na Figura_4, apresenta-se o modelo
ajustado, que seguiu os procedimentos de estimação proposto por Anderson_e
Gerbing_(1988). O modelo de mensuração é apresentado por meio das variáveis x1-
x12. A variável latente vaidade foi estimada com base nas médias aritméticas de
cada uma das dimensões (x1-x4). Os construtos cosméticos e tratamentos,
frequência de cuidados e autoestima corporal foram considerados formativos
(Diamantopoulos_& Winklhofer,_2001) e, por isso, estimados com base na
média aritmética dos itens de cada construto (respectivamente x5, x6 e x7). A
variável, explicativa endógena, procedimento cirúrgico foi considerada
formativa e estimada com base na média aritmética de duas dimensões de
procedimentos cirúrgicos: invasivos (y1) e não invasivos (y2).
[/img/revistas/rausp/v50n1//0080-2107-rausp-50-01-0073-gf02.jpg]Nota: c2=95,60
(P<0,02) df=62, GFI=0,94; AGFI=0,91; RMR=0,05 NFI=0,93; NNFI=0,96.p<0,10;
*p<0,05; **p<0,01. Na figura, reportam-se os coeficientes padronizados e os
valores t.
Figura 4 Modelo Estimado
4. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
O modelo estimado apresentou um ajuste aceitável, dados os indicadores
estatísticos de validade (Hair_et_al.,_2009). Assim como esperado, rejeitou-se
o teste de chi-quadrado no nível de significância 1%. Os indicadores de ajustes
gerais do modelo (GFI, AGFI, NFI e NNFI) foram todos próximos de 1, conforme
recomendado na literatura. O indicador RMR, que mede a média da variância dos
resíduos que não foram explicados pelo modelo, foi próximo de zero como
esperado.
Foi encontrado resultado significativo para o grau de vaidade e a realização de
procedimentos cirúrgicos (β= 0,43; p<0,10). Esse resultado está em linha com a
hipótese H1: existe conformidade com relação aos modelos sociais do corpo e à
responsabilização do indivíduo com relação ao próprio corpo e a sua beleza
(Goldenberg,_2002). Não é de estranhar que a preocupação com o aspecto físico
aumente a realização de cirurgia estética. Afinal, de acordo com Lipovetsky_
(2000), a pessoa pode fazer dieta ou cirurgia plástica para ficar bonita,
dependendo apenas de sua iniciativa e força de vontade.
Foi encontrado resultado significativo para o grau de vaidade e a realização de
procedimentos cirúrgicos (β= 0,43; p<0,01), em linha com a hipótese H2. Esse
resultado corrobora a atitude feminina mais usual ante a vaidade: a vaidade é
vista como algo positivo, representando um cuidado consigo própria. Portanto,
identifica-se um efeito interessante: a vaidade leva a mulher a perceber-se
mais bonita estimulando continuamente a busca pela melhora.
Encontrou-se um impacto negativo da γs (γ= -0,18; p<0,05), o que suporta os
argumentos da hipótese H3. Sendo a cirurgia estética um procedimento de maior
risco e dispêndio, pode-se considerar que esse tipo de procedimento seja
realizado por indivíduos que acreditam que os benefícios obtidos superem de
longe os riscos e as consequências envolvidos. De acordo com pesquisa que
mostra que apenas 6% de mulheres brasileiras consideram-se belas (Moreno,
2010), pode-se observar o enorme potencial de cirurgias estéticas a serem
realizadas com o intuito de melhorar a aparência física.
Vaidade influencia positivamente a utilização de cosméticos e a realização de
tratamentos (γ= 0,74; p<0,1), conforme esperado (H4). Vaidade parece ser o
grande impulsionador da utilização de cosméticos e da realização de tratamentos
estéticos. A mulher vaidosa possivelmente utilize todos os recursos a seu
alcance para realçar seus atrativos e alterá-los. Os cosméticos e os
procedimentos estéticos representam uma forma mais imediata para melhoria de
sua aparência. Não foi encontrado efeito significativo de uso de cosméticos e
tratamentos na realização de procedimentos cirúrgicos, não havendo suporte à
hipótese H5. Aparentemente, a mulher separa o que seria um defeito sério de
outras situações que possam representar apenas um cuidado corriqueiro. A
realização de um procedimento cirúrgico parece ser uma alternativa que
independe do uso de cosméticos e outros tratamentos não invasivos, sendo vista
como último recurso para elevar a autoestima. Em outras palavras, pode-se
especular que o comportamento do consumidor da indústria de beleza varia de
forma significativa em função do tipo de produto a ser utilizado, bem como se
pode considerar que a utilização intensa de procedimentos não invasivos e
cosméticos não significa propensão à adoção de procedimentos cirúrgicos
invasivos.
Foi encontrado também um efeito positivo e significativo da vaidade no
envolvimento da mulher com a beleza. Quanto mais vaidosa, mais a mulher tende a
ser sensível a quesitos relacionados à beleza (γ= 0,24; p<0,01), o que suporta
a hipótese H6. Por outro lado, não existe evidência para suportar a hipótese
H7. O envolvimento com beleza não afeta significativamente a realização de
procedimentos cirúrgicos. Novamente, parece ficar caracterizado um obstáculo
adicional a ser superado quando se imagina a utilização de procedimentos
estéticos invasivos, de maneira análoga ao que foi identificado na discussão da
hipótese H5. Pode-se especular que, independentemente da utilização de
cosméticos e tratamentos estéticos não invasivos ou do envolvimento com a
beleza, as consumidoras da indústria da beleza tendem a considerar os
procedimentos cirúrgicos como um procedimento de maior risco e, portanto, a ser
considerado em situações extremas.
Assim como descrito na hipótese H8, mulheres mais vaidosas tendem a efetuar
cuidados relacionados à beleza com maior frequência (γ= 0,68; p<0,01). Porém, a
frequência de cuidados não afeta significativamente a realização de
procedimentos cirúrgicos, indicando a não verificação da hipótese H9.
Acreditava-se que o tipo de envolvimento com a beleza seria duradouro e, com
isso, o interesse por todo tipo de cuidado ligado a beleza. No entanto, apesar
de a mulher vaidosa envolver-se com cuidados, esses não fazem com que ocorra
uma interferência em sua opinião sobre si mesma e se deve ou não realizar algum
procedimento cirúrgico. Apesar de haver uma intensa divulgação sobre cuidados,
como na mídia, por exemplo, as mulheres não se sentem impulsionadas a realizar
alguma coisa que já não esteja em suas próprias conjecturas.
5. CONCLUSÕES E PESQUISAS FUTURAS
Neste trabalho teve-se por objetivo melhor compreender o conceito de beleza,
com foco no estudo da vaidade, e sua relação com autoestima e envolvimento.
Buscou-se identificar reflexos no consumo dos produtos oferecidos pela
indústria da beleza e procedimentos cirúrgicos estéticos. Considerando-se os
estereótipos associados ao Brasil no tocante à beleza da mulher brasileira, não
se pode considerar que em nosso país a vaidade possa ter alguma conotação
negativa, um pecado capital. Os resultados desta pesquisa alinhados com estudos
anteriores demonstram que a vaidade pode ser vista como uma necessidade
saudável de melhorar a autoestima e o bem-estar (Edmonds,_2002). Trabalho
recente de Hakim_(2010), que formaliza o conceito de capital erótico e sua
importância, reforça essa condição e abre uma nova perspectiva para o avanço
dos estudos que tentem relacionar vaidade, beleza e aspectos estéticos com
aquilo que se pode definir como sucesso na sociedade contemporânea.
Este trabalho encontrou evidência significativa para várias das hipóteses
estudadas. A primeira hipótese do modelo foi suportada, ou seja, existe efeito
significativo do grau de vaidade sobre a realização de procedimentos
cirúrgicos. Isso reforça a ideia de que padrões estéticos de beleza corporal
materializados por procedimentos cirúrgicos são afetados pela satisfação de
perceber-se superior (Queiroz_& Otta,_1999). Similarmente, vaidade
influencia positivamente a autoestima corporal. O curioso é que o grau de
autoestima corporal tem um impacto negativo sobre a propensão à realização de
procedimentos cirúrgicos estéticos. Se "só é feito por quem quer" (Goldenberg,
2002), pode-se imaginar que mulheres com baixa autoestima assumam o poder e a
responsabilidade em alterar essa atitude ante o próprio corpo e melhorar a
própria aparência, submetendo-se a procedimentos cirúrgicos. É de esperar-se
que, assim como os norte-americanos, brasileiros percebam suas identidades como
conectadas com suas faces e corpos e considerem a cirurgia como uma forma de
alterar ou valorizar suas identidades (Haiken,_2000). A preocupação com a
aparência, ou seja, a vaidade física, pode afetar atitudes e comportamentos do
consumidor em áreas como moda, bronzeamento e cosméticos (Burton_et_al.,_1994),
bem como desenvolver distúrbios alimentares, depressão e comportamentos de
dependência (Sondhaus,_Kurtz_& Strube,_2001). Pôde-se também confirmar a
hipótese da influência positiva da vaidade na utilização e consumo de
cosméticos e na realização de tratamentos, porém o uso de cosméticos e outros
tratamentos não implicam a realização de cirurgia, que parece demandar
estímulos mais intensos.
Um resultado interessante deste estudo foi o efeito não significativo observado
do envolvimento com a beleza e a realização de procedimentos cirúrgicos, ainda
que haja um efeito positivo e significante da vaidade no envolvimento da mulher
com a beleza e na frequência a que se dedica aos cuidados com a beleza. O
estudo indicou ainda que a intensidade e a frequência do uso de cosméticos e
tratamentos estéticos sugerem que funcionem para as consumidoras como produtos
substitutos aos procedimentos cirúrgicos, indicando interessante alternativa de
posicionamento e comunicação. Já a preocupação com o corpo caracterizada pela
autoestima corporal parece influenciar, de forma relevante, a escolha dos
procedimentos cirúrgicos como opção, constituindo nesse caso, uma alternativa
para o desenvolvimento desses produtos.
Algumas limitações deste trabalho devem ser reconhecidas. A utilização de
amostra não probabilística representa uma delas. A escolha desse tipo de
amostragem satisfaz o objetivo exploratório deste trabalho, oferecendo um
primeiro olhar para um problema pouco estudado pela literatura. Estudos futuros
podem buscar amostras mais abrangentes e probabilísticas para endereçar o
modelo teórico proposto neste estudo. Outra limitação associada à amostra
resultante refere-se à obtenção de um perfil geral mais jovem, que não reflete
o perfil demográfico das mulheres brasileiras. Essas limitações também
caracterizam uma oportunidade para estudos futuros que possam investigar o
comportamento de mulheres mais maduras. Duas hipóteses podem ser consideradas:
mulheres maduras tendem a consumir mais produtos e procedimentos estéticos e/ou
mulheres jovens são mais influenciadas pela comunicação e pela valorização
excessiva da beleza exterior que caracteriza a sociedade contemporânea.
Raciocínio equivalente pode ser aplicado à distribuição por classe social, que
apresenta concentração significativa nas classes A e B. A melhoria das
condições das classes C, D e E representa fenômeno importante que deve ser
considerado em estudos futuros como forma de desvendar a relação desses
indivíduos com a vaidade e o consumo de produtos de beleza e procedimentos
estéticos.
Pode-se afirmar com esta pesquisa que, apesar de o interesse pelo tema ser
crescente, ainda há muito por fazer, sobretudo considerando-se as dimensões
continentais do Brasil e as possíveis conotações regionais que temas como
vaidade, beleza e corpo podem assumir em dado estado ou região do país. Futuras
pesquisas podem incorporar o homem ou concentrar-se nas atividades e nos
interesses que a preocupação com a beleza traz, na linha da afirmação proposta
por Lipovetsky_(2000): "parecer rico" não é mais tão relevante quanto "parecer
jovem".♦