Comprometimento organizacional de trabalhadores de call center
1. INTRODUÇÃO
O presente cenário mundial apresenta inúmeras mudanças que têm impactos diretos
e imediatos na forma de agir de cada indivíduo (Bauman,_2007). No que tange ao
âmbito organizacional, também é possível notar alterações capazes de modificar
estruturas, processos e políticas em um ritmo acelerado, visando garantir sua
flexibilidade em detrimento, por outro lado, da estabilidade emocional de seus
membros. Os mesmos avanços tecnológicos e organizacionais podem ser
interpretados de maneira tanto positiva quanto negativa, uma vez que permitem
ganhos para a organização, como otimização de tempo, e gastos que, no entanto,
podem gerar desqualificação progressiva e perda da ascensão profissional
daqueles trabalhadores que não conseguirem acompanhar (Lancman_& Sznelwar,
2004). Contudo, percebe-se cada vez mais a procura das organizações por
trabalhadores flexíveis e ágeis (Sennett,_2007).
Pautado nesse novo contexto, Antunes_(2009)apresenta os "infoproletários", ou
seja, trabalhadores do setor de telecomunicação e informática que contam com um
terminal de computador, um telefone, ou quaisquer outros instrumentos
informacionais que os auxiliam na venda de sua força de trabalho, garantindo a
eficiência e a eficácia para a organização. A atuação dos infoproletários
divide-se em dois extremos: aqueles que são valorizados e possuem status
diferenciado por seu trabalho desempenhado e aqueles que são marginalizados
devido a sua atividade laboral. Observe-se que ambos exercem suas funções
utilizando alta tecnologia (Antunes,_2009).
Desse modo, nota-se uma reprodução do modelo fordista (Alves_& Galeão-
Silva,_2000), desempenhado pelos profissionais do setor de informação e
comunicação (Wolff,_2004; Antunes,_2010; Nogueira,_2012). Logo, o setor de call
center representa bem o extremo não valorizado do infoproletariado, uma vez que
ele utiliza avançadas tecnologias que o permitem realizar muito mais atividades
em menor período de tempo (Silva,_Oliveira,_Constantino,_& Zaltzman,_2002 ;
Antunes,_2010). Apesar da moderna tecnologia utilizada no trabalho dos
operadores, a maioria deles é pouco qualificada e suas tarefas podem ser
administradas de maneira praticamente mecânica. "Embora muitas vezes não
percebida pelas organizações, essa inconsistência entre as ênfases atribuídas à
tecnologia e às pessoas pode minar as pretensões de se construir um melhor
relacionamento com o cliente" (Silva_et_al.,_2002, p. 1), fato que pode minar a
produtividade e a qualidade do serviço prestado. Note-se que essa
"qualificação" transcende o grau de escolaridade, abarcando também treinamentos
realizados pela organização (Silva_et_al.,_2002).
Além disso, esse tipo de empresa também conta com um trabalho considerado
"invisível", o qual abriga indivíduos muitas vezes não incluídos em outras
fatias do mercado de trabalho, como jovens, mulheres e homossexuais (Venco,
2009; Paiva,_Dutra,_Santos,_& Barros,_2013). No entanto, eles trabalham sob
constantes pressões pessoais, gerenciais, organizacionais e, também, provindas
dos clientes atendidos, além de estarem submersos em jornadas de trabalho quase
ininterruptas, resultando em crescente adoecimento físico e mental (Antunes,
2009; Antunes,_2010). Eles garantem o executar de uma importante e penosa
tarefa para a organização, mas, ironicamente, em meio a uma crise
organizacional ou redução de custos, eles são os primeiros a ser dispensados,
mesmo que em parte. Portanto, o cotidiano de um call center constitui-se "um
exemplo paradigmático do trabalho contemporâneo" (Paiva,_Dutra_et_al,_2013, p.
527).
Tal instabilidade vivenciada no trabalho tem diversos impactos, inclusive no
que tange ao comprometimento com a organização, podendo ser percebido como uma
"força relacionada com a identificação e o envolvimento das pessoas com a
organização específica" (Mowday,_Porter,_& Steers,_1982, p. 27). Dessa
maneira, atitudes e comportamentos geram efeitos significativos notórios em
termos de eficiência e eficácia individual, grupal e organizacional, podendo
ser considerado até mesmo como uma vantagem competitiva (Sousa,_2010),
ressaltando que a qualidade e a eficiência de uma organização são adquiridas
mediante a busca constante e a realização efetiva de investimentos das pessoas
no trabalho (Bastos,_Siqueira,_Medeiros,_& Menezes,_2008).
Diante do exposto, o objetivo neste estudo foi analisar como se apresenta o
comprometimento organizacional de trabalhadores de um call center, localizado
em Belo Horizonte (Minas Gerais, Brasil), na percepção deles próprios. Para
tanto, apoiou-se conceitualmente no Modelo de Bases de Comprometimento de
Medeiros_(2003), frequentemente utilizado em pesquisas no País (Bezerra,
Bizarria,_& Tassigny,_2013 ; Paiva,_Dutra_et_al.,2013; Cantarelli,
Estivalete,_& Andrade,_2014 ; Cunha,_Silva,_Moura,_Horbe,_Bulé,_&
Vargas,_2014 ; Envall,_M.F.O.,_Teixeira,_Envall,_V.R.,_& Dalongaro,_2014;
Melo,_Fernandes,_Araújo,_Silva,_& _Santos,_2014 ; Pulino,_Kubo,_& Oliva,
2014 ; Sant'Anna,_Mussi,_Luna,_& Xavier,_2014), cujas bases são: obrigação
em permanecer, afetiva, afiliativa, escassez de alternativas, obrigação pelo
desempenho, linha consistente de atividade, falta de recompensas e
oportunidade. Os objetivos específicos resumem-se a:
* descrever como se apresentam as bases de comprometimento organizacional
de trabalhadores do referido call center, segundo modelo de Medeiros_
(2003);
* identificar tendências entre as bases e os dados sociodemo-gráficos e
profissionais de tais trabalhadores.
Este estudo adere-se nas agendas traçadas por outros pesquisadores, em cujos
trabalhos verificam-se recomendações para avanços nos estudos acadêmicos sobre
a temática e o contexto abordados, ou seja, comprometimento organizacional
(Medeiros,_Albuquerque,_Marques,_& Siqueira,_2005 ; Bastos_et_al.,_2008;
Rodrigues_& Bastos,_2009 ; Botelho_& Paiva,_2011 ; Paiva_& Morais,
2012) e call center (Antunes,_2009; Nogueira,_2012).
2. O TEMA: COMPROMETIMENTO ORGANIZACIONAL
A partir do final da década de 1970, percebeu-se uma maior preocupação de
pesquisadores e profissionais vinculados à área da gestão em compreender melhor
o comprometimento dos trabalhadores com a organização, apesar de essa temática
já se encontrar indiretamente presente nas agendas de estudos por uma longa
tradição que tem se debruçado sobre o comportamento humano no âmbito laboral.
Note-se que, a partir da década de 1980, esse tema tornou-se mais intensamente
investigado (Bastos,_1994).
O comprometimento organizacional pode ser entendido pela forma (ações,
intenções, afetos) como o indivíduo lida com seu trabalho e com a empresa
(Bastos_& Costa,_2005) ou com atitudes ante o trabalho que permitem a
identificação e a decodificação dos fatores pessoais de cada trabalhador
(Bastos, 1994); ele pode ser caracterizado como uma busca constante pelo bem
comum, seja esse dentro de uma organização ou de uma profissão, seja, ainda,
como uma força relacionada à identificação e ao envolvimento existente entre
pessoas (Mowday_et_al.,_1982).
O reconhecimento e as recompensas também se pautam por fatores que afetam
positivamente (ou negativamente, quando da sua ausência) o comprometimento,
fortalecendo os vínculos entre empregado e empregador (Meyer_& Allen,
1991). Tamayo_(2008) corrobora com essa perspectiva e acrescenta que o
comprometimento parece ser consequência das necessidades que o empregado tem
diante da organização. Essas necessidades podem ser caracterizadas como uma
ligação entre crenças e valores, criando um sentimento de afeição entre o
empregado e a empresa, fazendo o primeiro desejar permanecer ou continuar a
exercer suas funções (Bastos_& Costa,_2005).
Além dos valores, outros antecedentes do comprometimento organizacional são
apontados pela literatura, como, por exemplo: dados pessoais (idade, sexo,
estado civil, tempo de serviço, escolaridade); de trabalho (caráter inovador,
autonomia, percepção de oportunidades); e da relação existente entre liderança
e grupo (interdependência e estilo de liderança) (Allen_& Meyer,_1990 ;
Bastos,_1994 ; Bastos_et_al.,_2008). Além de Allen_e_Meyer_(1990), Bastos_
(1994), Bastos_et_al._(2008), Mowday_et_al._(1982), focalizando no caráter
afetivo do comprometimento, também citam características pessoais,
características do emprego, experiências de trabalho e características
estruturais da organização, de modo mais amplo. Outros estudos apontam mais
especificamente para políticas de gestão como antecedentes do comprometimento,
como premiações e investimentos (Farrell_& Rusbult,_1981 ; Rusbult_&
Farrell,_1983), assim como sexo, idade, tempo no trabalho, relações sociais no
trabalho, satisfação com o ambiente de trabalho e percepções de justiça
organizacional (Morin,_Morizot,_Boudrias,_& Madore,_2011), além do
comprometimento com o próprio trabalho (Meyer, Stanley, & Vandenberg,
2013), podendo-se também observar outras intervenções organizacionais e suas
consequências, como os processos de socialização dos empregados, participação
no processo decisório, participação no capital da empresa e enriquecimento dos
postos de trabalho (Mathieu_& Zajac,_1990).
Dentre os modelos de comprometimento utilizados em pesquisas visando à sua
compreensão nos mais diversos espaços laborais, destaca-se seu precursor, o
modelo tridimensional de Meyer_e_Allen_(1991), amplamente utilizado no Brasil e
em outros países (Bastos_et_al,_2008; Rodrigues_& Bastos,_2009 ; Botelho
& Paiva,_2011 ; Paiva & Morais, 2012; Simosi,_2012; Meyer_et_al.,_2013).
As três dimensões descritas por Meyer_e_Allen_(1991) - afetiva, de continuidade
(ou instrumental ou, ainda, calculativa) e normativa - demonstram possíveis
vínculos entre o funcionário e a organização, os quais se diferenciam mediante
o caráter pessoal, sendo, portanto, de natureza subjetiva. Nesse sentido, os
autores entendem o comprometimento como um estado psicológico que determina a
ligação do empregado com a organização. Tais dimensões são consideradas por
eles como componentes do comprometimento, não tipos isolados, podendo ser
sumarizadas, conforme Botelho_e_Paiva_(2011,_p._1260), da seguinte forma:
1. Comprometimento Afetivo (Affective Commitment): comprometimento como um
envolvimento, apego, no qual ocorre identificação com os objetivos e
valores da organização. Representa algo além da simples lealdade passiva,
envolvendo uma relação ativa, na qual o indivíduo deseja dar algo de si
para contribuir com o bem-estar da organização;
2. Comprometimento Instrumental (Continuance Commitment): comprometimento
percebido como altos custos associados a deixar a organização;
3. Comprometimento Normativo (Normative Commitment): comprometimento como
uma obrigação em permanecer na organização.
Apesar de sua popularidade no meio acadêmico (Rodrigues_& Bastos,_2009 ;
Simosi,_2012 ; Meyer_et_al,_2013), algumas fragilidades do modelo tridimensional
de Meyer_e_Allen_(1991) têm sido apontadas, como:
esticamento indevido do conceito, escalas com propriedades
psicométricas inadequadas e inconsistências empíricas, em parte
decorrentes da inclusão da base de continuação, que apresenta
controvérsias em sua estrutura fatorial, comportamento diferenciado
dos demais fatores e correlações baixas ou negativas com variáveis
desejáveis (Rodrigues_& Bastos,_2009, p. 1).
Além disso,
No comprometimento organizacional, o ponto em comum das definições é
ser um estado psicológico que caracteriza a relação indivíduo-
organização. O que as diferencia é a natureza desse estado. O
comprometimento, então, é um vínculo do trabalhador com os objetivos
e interesses da organização, estabelecido e perpetuado por intermédio
de pressões normativas (Leite_& Albuquerque,_2011, p. 21).
No Brasil, tais pressões normativas parecem mais frouxas, dadas algumas
características culturais, como o personalismo e a "malandragem", utilizando-
se, aqui, dos traços delineados por Freitas_(1997), os quais significam, em
síntese e respectivamente: a valorização e a busca de relações mais próximas e
pessoais; e a flexibilidade e a adaptabilidade como meio de navegação social.
Nesse sentido, o modelo de Medeiros (Medeiros,_2003; Medeiros_et_al,2005)
apresenta-se como uma alternativa ao estudo do comprometimento, pois considera
multidimensionalidades atentas à diversidade de cultural, ou seja, à cultura
brasileira. Tal modelo entende o comprometimento a partir da análise de sete
bases, quais sejam: afetiva; obrigação em permanecer; obrigação pelo
desempenho; afiliativa; falta de recompensas e oportunidades; linha consistente
de atividades; e escassez de alternativas.
A primeira, base "afetiva", retrata a possibilidade de integração de objetivos,
crenças e valores entre empregados e organização. Ela está diretamente
vinculada à dimensão afetiva de Meyer_e_Allen_(1991) (Medeiros,_2003; Medeiros
et_al.,_2005).
A base "obrigação em permanecer" relaciona-se a um compromisso moral que os
empregados podem ter com a organização, no sentido de nela permanecer; caso
contrário, pode-se desenvolver um sentimento de culpa em deixá-la, em virtude
dos investimentos realizados pela organização no indivíduo. Essa base vincula-
se à dimensão normativa de Meyer_e_Allen_(1991) (Medeiros,_2003; Medeiros_et
al,_2005).
A terceira base mencionada é a "obrigação pelo desempenho" que reflete o
compromisso em atingir ou superar os resultados esperados pela organização,
denotando os esforços dos empregados no cumprimento de tarefas. Ela está
relacionada à dimensão normativa de Meyer_e_Allen_(1991) (Medeiros,_2003;
Medeiros_et_al,_2005).
Já a base "afiliativa" retrata o sentimento de pertença, de coletividade, ou
seja, um reconhecimento do empregado como parte do grupo e, portanto, da
organização; essa base é distinta da dimensão afetiva de Meyer_e_Allen_(1991),
em virtude dos processos de identificação com terceiros e estabelecimento de
relações com certo grau de reciprocidade, de integração, reforçando a coesão do
grupo (Medeiros,_2003; Medeiros_et_al,_2005).
A base "falta de recompensas e oportunidades", por sua vez, indica a ausência
de reconhecimento dos esforços "extras" dos empregados, quer por meio de
recompensas (materiais e simbólicas), quer em termos de oportunidades de
crescimento profissional. Ela está relacionada à dimensão calculativa de Meyer
e_Allen_(1991) (Medeiros,_2003; Medeiros_et_al.,_2005).
A sexta base apresentada por Medeiros_(2003), "linha consistente de atividade",
está relacionada à manutenção da atitude esperada dentro da organização visando
à permanência no emprego, ou seja, atentando-se para o cumprimento das regras.
Ela também está associada à dimensão calculativa de Meyer_e_Allen_(1991)
(Medeiros,_2003; Medeiros_et_al.,_2005).
Por fim, a sétima base, "escassez de alternativas", retrata a percepção do
indivíduo em termos de restrição de alternativas de trabalho, mediante saída da
organização atual, que o leva à submissão, à coação e ao sentimento de medo
ante a incerteza de sua posição no mercado de trabalho.
Na Figura_1, propôs-se uma síntese das bases identificadas por Medeiros
(Medeiros,_2003; Medeiros_et_al,_2005), especificando sua conexão com as
dimensões do tradicional modelo tridimensional de Meyer_e_Allen_(1991).
Figura 1 Bases do Comprometimento Organizacional, suas Descrições e Comparação
com as Dimensões de Meyer e Allen (1991)
Bases Descrições Dimensão
Relacionada
Obrigação em Crença de que tem uma obrigação em permanecer, de que se sentiria culpado em
permanecer deixar, de que não seria certo deixar, e de que tem uma obrigação moral com as Normativa
pessoas da organização.
Afetiva Crença e identificação com a filosofia, os valores e os objetivos Afetiva
organizacionais.
Afiliativa Crença de que é reconhecido pelos colegas como membro do grupo e da organização. -
Escassez de Crença de que possui poucas alternativas de trabalho se deixar a organização.Calculativa
alternativas
Obrigação pelo Crença de que deve se esforçar em benefício da organização e que deve busca Normativa
desempenho cumprir suas tarefas e atingir os objetivos organizacionais.
Linha Crença de que deve manter certas atitudes e regras da organização com o objetivo
consistente de de se manter na organização. Calculativa
atividade
Falta de Crença de que o esforço extra em benefício da organização deve ser recompensado e
recompensas e de que a organização deve lhe dar mais oportunidade. Calculativa
oportunidade
Fonte: Adaptado de Medeiros_(2003), Medeiros_et_al._(2005)e Bastos_et_al._
(2008).
As bases não são excludentes e podem ser mensuradas a partir da Escala de Bases
de Comprometimento Organizacional (EBACO), desenvolvida e validada por Medeiros
(2003). Devido à sua recenticidade, à validação empreendida pelo autor e à
consideração de aspectos da cultura nacional nominados anteriormente, tal
modelo foi o adotado para fins da pesquisa aqui apresentada.
3. O CONTEXTO: PECULIARIDADES DE UM CALL CENTER
Com a expansão do setor de serviços e da interação com os clientes e com os
avanços tecnológicos nas últimas décadas, no Brasil (Antunes,_2009), surgiram
os call centers, caracterizados por uma "nova" atividade do setor de serviço,
capaz de integrar o acesso a empresas e clientes (Silva,_Borini,_&
Trevisan,_2007), um dos fenômenos mais interessante do referido setor
(Vasconcellos,_Marx,_& Figueiredo,_2011).
Os call centers estão mudando a forma com que as empresas se
comunicam com os clientes e são um ativo estratégico no fornecimento
de serviços de excepcional qualidade. Basicamente, com a ajuda das
centrais de atendimento, as empresas buscam demonstrar orientação
para o cliente, tentando assegurar sua satisfação e comprometimento.
(...) os call centers permitem à empresa construir, manter e
gerenciar o relacionamento com seus clientes, solucionando seus
problemas e fornecendo informações, 24 horas por dia, 7 dias por
semana, 52 semanas no ano (Costa,_2007, p. 32).
O universo dos call center pode ser interpretado como uma versão aprimorada e,
até certo ponto, radicalizada de taylori-zação do trabalho, diante dos padrões
ali firmados e povoados por diversas restrições à liberdade de ação (Zarifian,
2001).
Por outro lado, trata-se de um ambiente propício a se conhecer diversas
pessoas, uma vez que dificilmente os operadores se sentam no mesmo lugar todos
os dias e, no mínimo, vão ter mais de um supervisor ao ano, o que denota a
rotatividade de pessoal nesse tipo de organização, notadamente um espaço de
múltiplas oportunidades, ante as constantes mudanças e o ritmo acelerado,
passageiro e dinâmico imposto pela forma como o trabalho está organizado e é
gerido (Freire,_2009). Num call center, o operador lida com duas interações
encaixadas, sendo a primeira mediada pelo telefone, necessitando que ele
desempenhe um papel de "animador da voz do participante virtual", e a segunda
mediada pelo computador, ambas monitoradas pelo sistema de informação (Silva_et
al,_2002); além disso, ele deve se ater a um script predefinido quando dos
atendimentos realizados e submeter-se a controles intensos de tempos
predefinidos (Vasconcellos_et_al.,_2011). Desse modo, eles se deparam com um
paradoxo laboral: de um lado, são cobrados para fornecerem aos clientes um
serviço de alta qualidade e para ampliar ao máximo sua produtividade; de outro,
são avaliados em "número de chamadas atendidas, número de horas produtivas
versus número de horas trabalhadas e habilidade para responder às perguntas dos
clientes, em outras palavras, em termos de sua produtividade e eficiência"
(Costa,_2007, p. 33).
Usualmente, o maior contingente de pessoas de um call center são os operadores,
que podem trabalhar tanto no "ativo" (outbound ou telemarketing ativo,
responsáveis pela realização de chamadas para clientes, reais e/ou potenciais)
como no "receptivo" (inbound ou telemarketing receptivo, responsáveis pelo
recebimento de chamadas de clientes, reais e/ou potenciais). Enquanto
empregados que estão na linha de frente desse tipo de empresa, eles levam a
imagem da organização em cada atendimento; no entanto, eles recebem os mais
baixos salários, são menos experientes, menos habilitados e mais pré-dispostos
à elevada rotatividade (Silva_et_al.,_2002). Note-se que a maioria dos
trabalhadores de um call center é, essencialmente, jovem, com idade entre 21 e
30 anos, mas vem aumentando a presença de profissionais mais velhos, acima dos
35 anos (Laspisa,_2007). Além disso, pode-se notar uma significante feminização
nesse ambiente, com cerca de 70% de mulheres (Nogueira,_2012).
Quanto à carreira, o trabalho em um call center pode ser identificado como um
emprego "trampolim" ou "degrau", já que se caracteriza como oportunidade de
inserção no mercado de trabalho e aquisição de experiência e maturidade
(Vasconcellos_et_al.,_2011).
No que diz respeito aos controles - do tempo, do conteúdo das informações, do
comportamento, do volume de serviços realizados e dos resultados -, eles
indicam a dependência da organização ante o esforço mental e afetivo dos
operadores em concretizar uma interação com o cliente de maneira satisfatória,
sem romper com as normas estabelecidas, já que o tempo é avaliado e controlado
de maneira rigorosa, com pausas e horários criteriosamente estabelecidos
(Nogueira,_2012). "O ritmo de trabalho é extremamente rápido, com pouco tempo
disponível entre as chamadas recebidas" (Costa,_2007, p. 35). Visando à
"excelência em servir", exige-se dos operadores um cuidado maior em ouvir,
ajudar e cuidar, além de elevada iniciativa, esforço individual e
comprometimento com as tarefas, com os clientes e com a empresa (Berry,_2001).
4. METODOLOGIA
Foi realizado um estudo de caso descritivo (Lüdke,_& André,_1986), com
abordagens quantitativa e qualitativa (Vergara,_2009), concretizando-se uma
triangulação entre métodos (Vergara,_2009) ou metodológica (Collis,_&
Hussey,_2005), com vistas a se compreender melhor o fenômeno em tela. O caso
estudado foi uma unidade de um call center, localizada em Belo Horizonte (MG),
escolhida por acessibilidade (Vergara,_2009), devido à permissão da gerência
quanto à realização da pesquisa. Ela foi considerada a unidade de análise desta
pesquisa e trata-se de uma organização que atua em sete estados brasileiros
pertencentes a três regiões (Sudeste, Sul e Nordeste) e no Distrito Federal;
ela está no mercado há quase trinta anos, prestando serviços especializados
para empresas privadas e públicas de grande porte. Sua atuação é distribuída em
cinco áreas distintas, quais sejam: cadastro técnico, desenvolvimento de
sistemas, limpeza e conservação, terceirização de mão de obra e call center ;
sendo esse último o foco da pesquisa aqui apresentada. O referido call
centercontava com 1.114 empregados à época da coleta de dados, distribuídos nos
seguintes setores: Administrativo (90), Retaguarda (31), Monitoria (34),
Operação Receptivo (685), e Operação Ativo (274). Note-se que o setor
administrativo inclui os seguintes cargos: Gerente, Coordenador Geral,
Coordenadores Operacionais, Coordenador da Qualidade,
Coordenador Administrativo, Analista de Tráfego, Supervisor, Monitor
Operacional, Supervisor de Retaguarda, Supervisor de Qualidade, Suporte de
Qualidade, Supervisor de Patrimônio, Técnico de Segurança do Trabalho,
Administrativo, Telefonista, e Multiplicador. As descrições desses cargos e dos
demais não foram disponibilizadas pela empresa. Os tempos médios de atendimento
(TMA's) aos quais os operadores estão submetidos foram definidos pela tomadora
dos serviços, conforme seus padrões de qualidade, sujeitos a agências
reguladoras. Tendo em vista sua exigência de sigilo, nem todas as informações
de seu site institucional puderam ser expostas.
Quando da coleta de dados, o total de empregados do call center foi considerado
a unidade de observação da pesquisa. Os participantes foram escolhidos por
critério de acessibilidade (Vergara,_2009), em ambas as fases de coleta de
dados. Para a primeira, de natureza quantitativa, calculou-se a amostra
considerando um mínimo de 95% de confiabilidade e um máximo de 5% de margem de
erro e o resultado foi uma "amostra ideal" de 286 respondentes; ao final,
recolheram-se 399 questionários válidos.
O questionário foi composto por três partes, sendo elas: dados
sociodemográficos e funcionais; Escala de Bases de Comprometimento
Organizacional (EBACO), validada por Medeiros_(2003), disponível em Bastos
etal._(2008,_pp._80-81); um espaço aberto para sugestões, dúvidas ou
comentários. Seus dados foram inseridos em planilha Microsoft Excel - 2007 e
submetidos a análises estatísticas uni (medidas de posição e dispersão;
percentuais de respondentes por nível de análise de cada base de
comprometimento) e bivariada (testes de correlação), sendo essa última de
natureza não-paramétrica (teste de Spearman), já que os dados violaram as
condições de normalidade (teste de Kolmogorov-Smirnov), o que é usual em
pesquisas com o tipo de escala utilizada (do tipo Likert). Para tanto, foram
utilizados os software estatísticos Minitab 15 e SPSS 16, além do Microsoft
Excel. Em relação às bases do Comprometimento Organizacional, ressalte-se que
cada uma das dimensões foi avaliada individualmente, levando-se em conta os
pesos validados para cada base de comprometimento (Medeiros,_2003; Bastos_et
al,_2008).
Na segunda etapa, foram realizadas 22 entrevistas com roteiro semi-estruturado
(Collis_& Hussey,_2005). O roteiro foi composto por duas partes, quais
sejam: dados sociode-mográficos e funcionais dos entrevistados; e perguntas que
versavam diretamente sobre suas percepções acerca do que o levou a entrar na
empresa, o que o prendia a tal organização, seus motivos para lá permanecer e
possibilidades de saída. Inicialmente, buscou-se entrevistar trabalhadores de
todos os setores do call center, tal como realizado na etapa quantitativa; no
entanto, isso não foi possível, já que não houve permissão da empresa para a
realização dessa parte da pesquisa em suas instalações e teve-se que optar pelo
agendamento de entrevistas em outros espaços, como lanchonetes, shoppings,
faculdades etc. O agendamento da primeira entrevista ocorreu por meio de um
contato pessoal e, depois, cada entrevistado foi indicando outros possíveis, o
que caracterizou o método snowball ou bola de neve. O critério de saturação de
dados (Gil,_2009) conduziu à finalização das entrevistas. Seus dados foram
submetidos à análise de conteúdo (Bardin,_2009), operacionalizada como
recomendam Silva_(2006) e Melo,_Paiva,_Mageste,_Brito_e_Cappelle_(2007), ou
seja, os dados foram preparados (transcritos das gravações e separados por
pergunta efetuada), analisados quantitativamente (transpostos e sintetizados em
tabelas) e (re) categorizados por meio da identificação de outras temáticas
explicitadas pelos sujeitos. As categorias de análise foram escolhidas a
priori, conforme as bases de comprometimento do modelo teórico adotado e o
objetivo desta pesquisa.
5. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
5.1. Os trabalhadores abordados na pesquisa
A maior parte dos participantes da pesquisa, em ambas as fases, foram: mulheres
(78% da amostra e 67% dos entrevistados), jovens com até 25 anos (38,2% da
amostra e 55% dos entrevistados), solteiros (64,8% da amostra e 77% dos
entrevistados), com o ensino médio completo (65,8% da amostra e 50% dos
entrevistados); confirmando assim perfis semelhantes aos apresentados por
Laspisa_(2007), Freire_(2009) e Nogueira_(2012).
Quanto às experiências de trabalho, pontua-se que a maioria possui: de 2,1 a 5
anos de tempo de trabalho (28% da amostra e 50% dos entrevistados), de 1 a 2
anos nesse call center (19,9% da amostra e 41% dos entrevistados).
Prevaleceram, ainda: operadores do receptivo (76% da amostra e 77% dos
entrevistados) que, assim sendo, não exercem função gerencial (98,7% da amostra
e 100% dos entrevistados); que iniciam o turno de trabalho no período da manhã
(39,2% da amostra e 86% dos entrevistados); que possuem o tempo no cargo atual
de 1 a 2 anos (23,7% da amostra e 32% dos entrevistados); recebem remuneração
de 1 a 2 salários mínimos (93,7% da amostra e 100% dos entrevistados); e
possuem tempo de experiência em call center de 2,1 a 3 anos (17,3% da amostra e
32% dos entrevistados).
5.2. Comprometimento organizacional dos trabalhadores abordados
Os resultados concernentes à análise univariada apresentam as estatísticas
descritivas e as distribuições percentuais dos níveis de avaliação relativos ao
comprometimento. Importante frisar que, em função dos pesos atribuídos na
referida escala, a análise dos valores brutos (como média, mediana e
variabilidade) só pode ser realizada individualmente para cada base do
construto. Assim, apresentam-se as medidas de posição e dispersão apuradas,
destacando-se um quadro preocupante, pois a maior parte das bases apresentou
dados com alta variabilidade (desvio-padrão elevado) e foram avaliadas em nível
"abaixo da média" ou "baixo", sendo que apenas a base "obrigação pelo
desempenho" atingiu média considerada elevada e a base "afetiva" ficou acima da
média, como se pode observar na Tabela_1.
Tabela 1 Estatísticas Descritivas Referentes às Bases de Comprometimento
Segundo os Respondentes
Base de Comprometimento Média Desvio-PadrãoP25 Mediana P75
Afetiva 11,7 – ACM 4,00 9,2 12,3 14,6
Obrigação em permanecer 10,4 – CB 4,77 6,5 6,5 13,7
Obrigação pelo desempenho 14,7 – CA 3,22 12,9 14,9 17,8
Afiliativa 12,1 – CB 3,75 9,6 12,6 12,6
Falta de recompensa e oportunidade 7,7 – ABM 2,93 5,5 7,6 9,9
Linha consistente de atividade 11,3 – ABM 2,92 9,3 11,6 13,7
Escassez de alternativas 9,5 - CB 4,10 6,1 9,4 12,4
Nota: CB = nível de comprometimento baixo; ABM = nível de comprometimento
abaixo da média; ACM = nível de comprometimento acima da média; CA = nível de
comprometimento alto.
Noutra perspectiva de análise, foram apurados os percentuais de respondentes
por nível de avaliação das bases de comprometimento, observáveis na Figura_2, a
qual permite comparação entre as bases, já que a ponderação dos pesos está
implícita nos níveis considerados (ou seja: baixo, abaixo da média, acima da
média, alto).
Figura 2 Distribuições Percentuais de Respondentes Por Nível de Avaliação das
Bases de Comprometimento
De acordo com os dados anteriores relativos à base de comprometimento obrigação
pelo desempenho, conclui-se que os respondentes se sentem no dever de esforçar-
se pela empresa, desempenhando seu trabalho com o máximo de efetividade e
compromisso (Medeiros,_2003; Bastos_et_al.,_2008). Os dados apurados para essa
base apresentam característica única e distinta de todas as demais pesquisadas,
ou seja, concentração extremamente elevada de dados nas faixas de maior
comprometimento, especialmente na categoria "alto" que aglomera em torno de 73%
dos respondentes. Resultado semelhante foi encontrado em apenas um estudo, o de
Bezerra_et_al._(2013). A seguir, o relato de um entrevistado sintetiza essa
percepção:
(...) então você acaba tendo que cumprir as metas que a empresa
estabelece senão você não consegue nada, então você acaba adequando
as metas da empresa e o comprometimento da empresa com o seu também.
(E16)
Os resultados referentes ao comprometimento de base afetiva, identificada como
o segundo escore mais elevado ("acima da média") nesta pesquisa, podem ser
observados também nas entrevistas, refletindo desde o desejo de entrar no call
center por identificar-se de alguma forma com as atividades a serem
desempenhadas (cinco deles: E01, E08, E14, E20, E21), ao fato de permanecerem
no call center por gostar seja da atividade, seja do ambiente, seja do convívio
social adquirido (nove deles: E01, E06, E08, E14, E15, E17, E18, E20, E21),
inibindo, dessa maneira, o desejo de alguns em desejar sair (quatro deles: E01,
E17, E20, E21), uma vez que perderiam um bom ambiente de trabalho no qual já
estão adaptados (quatro deles: E01, E15, E18, E20). Note-se que essa base está
conectada à dimensão afetiva no modelo tridimensional de Meyer_e_Allen_(1991),
que usualmente é a de maior peso no comprometimento organizacional conforme
pesquisas realizadas no País, considerando-se tanto medidas de posição (médias)
(Paiva_& Morais,_2012 ; Bezerra_et_al,_2013; Cantarelli_et_al,_2014), como
cargas fatoriais (Medeiros_et_al,2005; Cantarelli_et_al,2014).
Por outro lado, entende-se que há uma imposição emocional exercida por meio dos
protocolos dos serviços prestados que exige dos operadores um controle rigoroso
de seus sentimentos durante cada atendimento, suportando agressões verbais sem
reagir, tornando-os, em alguns casos, indivíduos cada vez mais frustrados, que
recebem elevado volume de ligações de clientes insatisfeitos, promovendo o
estresse (Costa,_2007), fato observado em relatos como o seguinte:
(...) todas as pessoas que já passaram por um call center têm
experiência pra contar, não é que é ruim o trabalho, é um trabalho
maçante, lá, principalmente é um trabalho que é cansativo, que nós
não temos descanso de voz e a nossa mente cansa muito rápido (...),
sai de uma ligação de conflito e entra numa ligação mais calma,
depois volta numa ligação onde a pessoa já entra xingando, então é
muito complicado. (E12)
O comprometimento de base falta de recompensa e oportunidade, maioria "abaixo
da média" na análise quantitativa, configurou um aspecto negativo para a
empresa pesquisada, pois denota insatisfação dos trabalhadores em função das
oportunidades oferecidas durante a carreira (Medeiros,_2003; Bastos_et_al,
2008), fato também observado por Bezerra_et_al._(2013). Pelas entrevistas,
percebeu-se que alguns trabalhadores optaram pelo call center por falta de uma
proposta melhor até o momento, segundo eles melhor (E04, E05, E12); outros
alegaram que, assim que conseguirem um estágio na área em que pretendem atuar,
romperão o vínculo com o call center (E06, E09). No entanto, para os motivos de
se desvincular da empresa, foi relatado como o trabalho é estressante, maçante
e muito cansativo (sete deles: E02, E11, E12, E13, E14, E15, E22) e até sem
perspectivas futuras, portanto, desvalorizado (E19, E22). Houve, ainda, relatos
de um trabalho com nível elevado de cobrança (E13) e que não possui
flexibilidade (E02), do qual nada perderiam, caso fossem trabalhar em outras
empresas (E06, E10).
A base linha consistente de atividade também apresentou um nível razoavelmente
baixo de comprometimento, denotando frágil crença por parte dos trabalhadores
de que devem manter certas atitudes e regras com o objetivo de se manterem na
empresa (Medeiros,_2003; Bastos_et_al.,_2008), o que guarda semelhança com os
achados de Bezerra_et_al._(2013). Já nas entrevistas, essa base teve uma
elevada aderência (todos a mencionaram, menos E21), sendo desde por questões
financeiras e salariais (15 deles: E01, E02, E05, E07, E08, E09, E10, E11, E12,
E13, E15, E17, E18, E20, E22), por questão de horário (sete deles: E05, E10,
E13, E15, E17, E19, E22), uma vez que, por ser uma jornada de trabalho de seis
horas e quinze minutos, permite mais tempo para conciliar com os estudos (cinco
deles: E06, E08, E10, E13, E22). Observou-se, também, que os fatores que
prendem os operadores entrevistados à organização são os mesmos que os
incentivaram a inserir-se nelas, o que corrobora os relatos acerca do gosto
pelo trabalho realizado, levando-os a não cogitar tanto a hipótese de sair do
call center (quatro deles: E01, E06, E18, E21) como a de em lá permanecer (sete
deles: E02, E07, E08, E11, E16, E19, E22).
Os escores concernentes à base obrigação em permanecer denotam um nível de
comprometimento baixo por parte dos respondentes, semelhante ao encontrado por
Bezerra_et_al._(2013) e por Cantarelli_et_al._(2014). Tal resultado configura
uma visão dos funcionários de não se sentirem culpados caso tenham que sair da
organização onde atuam, ou seja, a maioria não se sente obrigada a permanecer
no call center por uma questão de dever moral com os demais funcionários
(Medeiros,_2003; Bastos_et_al.,_2008).
Na verdade, eu estou lá ainda em questão dos meus planejamentos de
construção profissional da minha carreira e, assim, quando eu já
estiver arrumado um estágio, aí eu já pretendo tirar o meu vínculo da
empresa. (E06)
No entanto, alguns afirmaram que se sentem obrigados por algum motivo pessoal
(seis deles: E02, E11, E12, E13, E14, E22), como no caso do entrevistado que
alega que perderia a oportunidade de adquirir mais conhecimento a partir de sua
experiência no call center (E14).
Os resultados obtidos para a base afiliativa apresentaram um nível muito baixo
de comprometimento dos respondentes, mais preocupante que os encontrados por
Bezerra_et_al._(2013) e por Cantarelli_et_al._(2014); logo, é possível detectar
uma crença pouco expressiva de que eles se sentem reconhecidos pelos colegas
como membros do grupo e da organização (Medeiros,_2003; Bastos_et_al.,_2008).
Contudo, na etapa qualitativa, percebeu-se que, dentre os motivos de entrada,
permanência e saída do call center, as amizades e o respeito pelos demais
colegas foram questões relatadas (nove deles: E01, E04, E05, E08, E11, E12,
E14, E15, E21).
A última base avaliada foi escassez de alternativas, a qual apresentou
resultados que denotam um nível significativamente baixo de comprometimento e
com um alto grau de variabilidade. Logo, é possível concluir que a maioria dos
funcionários abordados não são adeptos da ideia de que possuem poucas
alternativas de trabalho caso deixem a empresa onde exercem sua função atual
(Medeiros,_2003; Bastos_etal.,_2008), pensamento que parece ser comungado pelos
participantes das pesquisas de Bezerra_et_al._(2013) e Cantarelli_et_al._
(2014). Contrapondo os resultados iniciais, os entrevistados acreditam que não
conseguiriam outro emprego com as facilidades do call center e que os remunere
de maneira igual ou semelhante (E07, E16). Desse modo, eles permanecem na
empresa por falta de melhores oportunidades (E02, E04, E09). Todavia,
justificando o resultado da fase inicial desta pesquisa, os entrevistados
afirmaram que pensam e querem sair do call center (dez deles: E02, E03, E04,
E09, E10, E11, E13, E15, E19, E22), alguns pensam nisso todos os dias (cinco
deles: E02, E04, E13, E15, E22), outros porque gostariam de fazer estágio na
área em que estudam (quatro deles: E09, E10, E11, E19). No entanto, parte deles
admitiu que se fosse sair para trabalhar em outro call center, perderia o
salário diferenciado do atual (dez deles: E02, E06, E07, E09, E12, E13, E15,
E18, E19, E20), mas se não fosse um call center, não teria o que perder ao
aceitar a oportunidade (E02, E07).
5.3. Comprometimento e variáveis sociodemográficas e profissionais
Para o desenvolvimento desta análise, foram realizados 70 testes de correlação
para as bases de comprometimento organizacional em função das variáveis
sociodemográficas e funcionais identificadas, dos quais 25 resultados foram
significativos (p -valor abaixo de 0,05), destacados com negrito na Tabela_2.
Tabela 2 Resultados dos Testes de Correlação Referentes aos Cruzamentos entre
as Bases de Comprometimento e Variáveis Sociodemográficas e Funcionais
Base de Comprometimento Linha
Obrigação em Obrigação pelo Falta de Consistente Escassez de
Dados Sociodemográficos e Afetiva Permanecer Desempenho Afiliativa Recompensa e de Alternativas
Profissionais Oportunidade Atividade
Sexo -0,004 -0,018 0,002 0,004 -0,013 0,004 0,074
(0,939) (0,721) (0,969) (0,934) (0,800) (0,946) (0,153)
Idade 0,034 -0,003 0,018 0,040 -0,099 -0,018 -0,181
(0,514) (0,957) (0,729) (0,443) (0,054) (0,734) (0,000)
Escolaridade -0,085 -0,123 0,043 -0,024 -0,025 -0,028 -0,141
(0,098) (0,017) (0,401) (0,646) (0,629) (0,584) (0,006)
Tempo de Trabalho – Total 0,091 0,062 0,128 0,122 -0,132 0,085 -0,122
(0,082) (0,239) (0,014) (0,019) (0,011) (0,105) (0,019)
Tempo de Trabalho – Neste call -0,211 -0,181 -0,093 -0,132 0,020 -0,137 -0,089
center (0,000) (0,000) (0,071) (0,010) (0,699) (0,008) (0,086)
Função Gerencial -0,065 -0,059 -0,075 -0,075 0,013 -0,039 0,087
(0,219) (0,259) (0,152) (0,154) (0,802) (0,455) (0,099)
Horário de Trabalho 0,097 0,111 0,103 0,067 -0,024 0,027 -0,089
(0,061) (0,032) (0,047) (0,191) (0,649) (0,599) (0,084)
Tempo de Trabalho – Cargo -0,193 -0,155 -0,106 -0,091 0,076 -0,147 -0,103
(0,000) (0,003) (0,041) (0,077) (0,141) (0,004) (0,046)
Salário 0,174 0,078 0,102 0,113 -0,196 0,081 -0,067
(0,001) (0,128) (0,047) (0,029) (0,000) (0,117) (0,194)
Tempo Trabalho – Em call center-0,124 -0,110 -0,070 -0,039 0,058 -0,055 -0,138
(0,016) (0,032) (0,174) (0,445) (0,263) (0,286) (0,008)
A variável sexo não apresentou correlação significativa, constatação
fortalecida diante da opinião dos entrevistados, uma vez que nenhum deles
acredita haver diferenciação em função disso; alguns relataram igualdade de
comportamento (sete deles: E02, E09, E14, E15, E16, E18, E20) e foco na
capacidade profissional em executar as atividades com excelência (seis deles:
E09, E10, E11, E13, E15, E16).
Quanto à idade, um teste foi significativo, revelando que quanto maior é a
idade do respondente, menor tende a ser a "escassez de alternativas", ou seja,
quanto maior a idade, maior parece ser o leque de oportunidades disponível,
consolidando a ideia do emprego em call center se configurar como um emprego
"trampolim", como apontado na literatura (Vasconcellos_et_al.,_2011). Todavia,
a maioria dos operadores entrevistados pontuou que o comprometimento não varia
em função da idade (14 deles: E02, E03, E04, E05, E06, E08, E11, E16, E17, E18,
E19, E20, E21, E22). Por outro lado, foi apontado que, quanto mais velho o
trabalhador, maiores suas responsabilidades, obrigações e o comprometimento
dentro da empresa (nove deles: E01, E05, E07, E09, E10, E13, E14, E15, E17).
A maioria dos entrevistados (13 deles: E02, E04, E05, E09, E12, E13, E14, E15,
E17, E18, E19, E21, E22) considerou que o nível de escolaridade não impacta no
comprometimento. Os testes detectaram correlações negativas entre a
escolaridade e as bases "obrigação em permanecer" e "escassez de alternativas",
isto é, quanto maior a escolaridade, menor a obrigação em permanecer, fato
perceptível na opinião dos entrevistados com nível superior (sete deles: E01,
E07, E08, E13, E14, E15, E16); e, quanto maior a escolaridade, menor a escassez
de alternativas, o que retrata um comentário sobre a diminuição do interesse em
atuar no telemarketingà medida que vai estudando (E15). Note-se que alguns dos
entrevistados afirmaram que a empresa exige como nível de escolaridade mínimo
para contratação a conclusão do ensino médio (oito deles: E01, E03, E04, E14,
E15, E16, E17, E20), o que corrobora a literatura em termos da baixa
qualificação da mão de obra de um call center (Silva_et_al,2002).
Sobre a relação entre comprometimento e tempo total de trabalho, foram apurados
quatro p -valores significativos, sendo dois com coeficiente rho negativo e
outros dois positivos, o que leva às seguintes conclusões, conforme os dados
quantitativos: quanto maior o tempo de trabalho total dos respondentes, maiores
são os valores fornecidos por eles para as bases de comprometimento "obrigação
pelo desempenho" e "afiliativa", e menores para as bases "falta de recompensas
e oportunidade" e "escassez de alternativas". Não foram observados comentários
a esse respeito nas entrevistas.
No que tange ao tempo de trabalho neste call centerabordado, os testes
demonstraram que quanto mais o respondente trabalhou ali, menor o seu
comprometimento, especificamente em relação às seguintes bases: "afetiva",
"obrigação em permanecer", "afiliativa" e "linha consistente de atividades".
Corroborando-os, os entrevistados afirmam que o tempo de empresa impacta
negativamente no comprometimento (15 deles: E03, E04, E05, E06, E07, E08, E09,
E10, E11, E12, E13, E14, E15, E18, E22), uma vez que quanto maior o tempo de
casa, maiores o desgaste, o estresse, o cansaço (14 deles: E03, E04, E05, E06,
E07, E08, E10, E11, E12, E13, E14, E15, E18, E22). O contrário foi observado
quando a pessoa entra em um call center, no qual quer se doar ao máximo (onze
deles: E04, E05, E06, E07, E08, E10, E11, E12, E13, E15, E22), e acaba ficando
porque precisa, e não por gostar (E04, E08).
Muda: quem entra está muito mais comprometido do que quem está lá há
anos (...). (E15)
Apesar dos testes não terem apontado qualquer correlação significativa entre o
comprometimento e o exercício de função gerencial, a maioria dos entrevistados
acredita que ele tende a ser maior quando se ocupa um cargo de gestão (17
deles: E03, E04, E05, E06, E07, E08, E09, E11, E12, E13, E14, E15, E16, E17,
E18, E19, E22), já que são responsáveis por um resultado diferenciado (sete
deles: E07, E08, E09, E11, E17, E18, E22), criam outra identidade (quatro
deles: E07, E10, E15, E20), fazem falta no cotidiano de trabalho (E14, E16,
E17) e têm mais responsabilidades do que os demais (seis deles: E01, E10, E11,
E12, E20, E22), o que exige maior dedicação (E04).
São cargos com mais responsabilidade, a pessoa precisa se dedicar
mais. Então, com certeza, muda [o comprometimento]. (E04)
Os testes relativos ao horário de início do turno de trabalho apontaram duas
correlações positivas significativas; assim, quanto mais tarde o respondente
inicia seu turno, no caso o da madrugada, maiores são os escores fornecidos
para as bases de comprometimento "obrigação em permanecer" e "obrigação pelo
desempenho". Nas entrevistas, também se notou que o turno pode alterar o
comprometimento do empregado (16 deles: E01, E02, E03, E04, E05, E06, E07, E11,
E13, E14, E15, E17, E18, E19, E20, E21), principalmente em função do horário de
atendimento contratado ao call center ; no entanto, alguns deles não notam
diferenças de comportamento em função do horário de trabalho (cinco deles: E08,
E09, E12, E13, E14), mas sim em decorrência de valores e interesses pessoais
(E11, E13).
Influencia! Porque na parte da manhã, é muito fluxo de ligação. Tem
dia que eu chego, a fila tá com 170 pessoas. E não para! À tarde, tem
10 pessoas na fila. Porque eles verificam... é... pelo horário de
funcionamento da [empresa contratante]. Então, dentro daquele horário
de funcionamento, bomba ligação (...). (E07)
Além disso, cinco testes significativos foram apurados para tempo de trabalho
no cargo, todos ordem inversa, ou seja, quanto maior esse tempo, menor os
escores apontados para as bases de comprometimento "afetiva", "obrigação em
permanecer", "obrigação pelo desempenho", "linha consistente de atividade" e,
também, "escassez de alternativas". Os entrevistados apontaram situação
semelhante, em que quanto mais se permanece no cargo, menor é o comprometimento
(oito deles: E04, E06, E07, E10, E11, E12, E14, E15) e maior tende a ser o
estresse percebido (oito deles: E04, E05, E06, E08, E10, E11, E12, E22), o que
corrobora a literatura a respeito de que, quanto maior o tempo inserido no
cargo de operador, maior será a probabilidade de desenvolver doenças laborais,
tais como estresse, depressão, desgastes nas cordas vocais, dificultando a
identificação com a organização e crescendo, consequentemente, a desmotivação
(Nogueira,_2012). Alguns também acreditam que quando a pessoa muda de cargo,
ela fica mais motivada, sente-se como se estivesse sendo premiada ou
reconhecida (E01, E13), mas as políticas de carreira parecem não ser muito
claras, já que houve relatos de incompreensão a respeito da estagnação dentro
da empresa (E06, E15).
Muda! Literalmente. Porque, imagina, você atender sete mil
telefonemas num mês... Imagina você ficar lá dois anos... É muita
gente que você vai atender! Então, quanto mais pessoas você vai
atendendo ao longo do tempo, mais você quer diminuir! (E07)
Observou-se, ainda, que os detentores de salários mais elevados tendem a
fornecer dados de avaliação mais altos para as bases de comprometimento
"afetiva", "obrigação pelo desempenho" e "afiliativa", devido aos resultados
significativos apurados nesses cruzamentos de dados. Já a base "falta de
recompensas e oportunidade" segue o sentido inverso, ou seja, funcionários com
salários mais baixos fornecem valores mais elevados para esse tipo de base de
comprometimento, o que se justifica mediante as limitações de experiências
profissionais e responsabilidades dos que percebem menores contrapartidas da
empresa.
Por fim, quanto ao tempo total em call center, notaram-se três correlações
negativas com as bases "afetiva", "obrigação em permanecer" e "escassez de
alternativas", indicando que, à medida que o tempo de trabalho em call center
aumenta, o comprometimento relativo a essas bases tende a diminuir.
Importante frisar que não se encontraram, na literatura consultada, dados
referentes aos resultados indicados anteriormente. Por outro lado, como se
tratam de antecedentes de comprometimento organizacional, eles confirmam os
postulados anteriores acerca da idade (Mowday_et_al.,_1982; Allen_& Meyer,
1990 ; Bastos,_1994; Bastos_et_al.,_2008; Morin_et_al.,_2011), escolaridade
(Allen_& Meyer,_1990 ; Bastos,_1994; Bastos_et_al.,_2008) e tempo de
trabalho total de empresa (Morin_et_al.,_2011) e no cargo (Morin_et_al,_2011;
Meyer_et_al,_2013). No entanto, outras pesquisas apresentaram dados
significativamente divergentes quanto ao sexo do respondente (Mowday_et
al,1982; Allen_& Meyer,_1990 ; Bastos,_1994; Bastos_et_al,_2008; Morin_et
al,_2011), o que não foi observado no call center abordado. Por fim, permanecem
em aberto os dados referentes ao exercício de função gerencial e ao turno de
trabalho dos participantes desta pesquisa.
Os dados apresentados anteriormente permitiram delinear as considerações finais
apontadas na sequência.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo neste estudo foi analisar como se apresenta o comprometimento
organizacional de trabalhadores de um call center, localizado em Belo Horizonte
(Minas Gerais, Brasil). Após a problematização na introdução, um capítulo foi
dedicado ao tema central, o comprometimento organizacional - o modelo de
análise adotado foi o das sete bases de comprometimento de Medeiros_(2003) -, e
outro ao contexto, elucidando peculiaridades desse tipo de empresa. Na
sequência, apresentou-se a metodologia da pesquisa realizada: um estudo de caso
descritivo, com abordagens quantitativa e qualitativa, configurando uma
triangulação metodológica. Os dados de 399 questionários e 22 entrevistas foram
submetidos a análise estatística uni e bivariada e a análise de conteúdo,
respectivamente.
A maioria dos pesquisados foram mulheres, jovens com até 25 anos de idade, com
o ensino médio completo, e solteiras.
Retomando-se os objetivos específicos deste estudo, pode-se sintetizar como se
apresentam as bases de comprometimento organizacional de trabalhadores do
referido call center, segundo modelo de Medeiros_(2003) (primeiro objetivo
específico) nos seguintes termos: os resultados dos questionários indicaram que
a maior parte das bases de comprometimento apresentou dados com alta
variabilidade e foi avaliada em nível "abaixo da média" ou "baixo". Somente a
base "obrigação pelo desempenho" atingiu média considerada elevada e a base
"afetiva" ficou acima da média, corroborando outros achados em pesquisas
realizadas no País (Paiva_& Morais,_2012 ; Bezerra_et_al.,_2013; Cantarelli
et_al.,_2014). A análise dos percentuais de respondentes, por nível de
avaliação das bases de comprometimento, reforçou essa perspectiva e frisou as
bases "afiliativa" e "escassez de alternativas" como as menos importantes para
os respondentes.
Conclui-se que os pesquisados, de modo geral, se sentem no dever de se esforçar
pela empresa, desempenhando seu trabalho com o máximo de efetividade e
compromisso (base "obrigação pelo desempenho"), além de uma identificação com a
filosofia, os valores e os objetivos organizacionais acima da média (base
"afetiva"); no entanto, predomina uma crença muito frágil de que eles se sentem
reconhecidos pelos colegas como membros do grupo e do call center (base
"afiliativa"), apesar das amizades desenvolvidas no interior da empresa, assim
como manifestam baixa aderência à ideia de que possuem poucas alternativas de
trabalho caso deixem a organização atual (base "escassez de alternativas").
Quanto ao segundo objetivo específico, em que se buscou identificar tendências
entre as bases e os dados sociodemográficos e profissionais de tais
trabalhadores, observou-se que 25 dos 70 testes aplicados indicaram resultados
significativos, tanto em sentido direto como em inverso, sendo que esses
últimos predominaram. Os casos mais recorrentes relacionam-se aos tempos de
trabalho total, de empresa e de cargo. Note-se que na maioria das situações, à
medida que o tempo avança, os pesquisados tendem a apresentar escores mais
baixos e percepções mais nítidas a respeito do decréscimo do comprometimento,
usualmente atribuído à sobrecarga de trabalho.
Quanto ao objetivo geral da pesquisa, isto é, analisar como se apresenta o
comprometimento organizacional de trabalhadores de um call center, na percepção
deles próprios, os dados apurados revelam uma situação preocupante e, até certo
ponto, contraditória: as bases "obrigação por desempenho" e "afetiva" foram as
mais positivamente avaliadas; no entanto, a pressão contínua por resultado pode
vir a gerar problemas de saúde (físicos e psíquicos) e, daí, enfraquecimento
dos laços simbólicos do indivíduo com a organização. Ao fim e ao cabo, esses
dados podem indicar que, no longo prazo, a base afetiva pode diminuir a ponto
de desenvolver uma incongruência entre os interesses pessoais e os
organizacionais, o que pode inviabilizar o atingimento de ambos. Essa percepção
encontra apoio nos demais resultados que versam sobre as outras cinco bases de
comprometimento, cujos resultados estão abaixo da média ou, até mesmo, baixos.
Além disso, os resultados apontam e reiteram as condições do "trabalho
invisível" e a precarização que essa invisibilidade implica (Alves_&
Galeão-Silva,_2000 ; Antunes,_2009, 2010; Venco,_2009; Paiva_et_al.,_2013),
principalmente no setor de informação e comunicação (Wolff,_2004; Antunes,
2010; Nogueira,_2012; Paiva_et_al.,_2013), como é o caso da empresa abordada.
Nos relatos das entrevistas, esses aspectos foram associados com frequência ao
estresse, ao cansaço e à sobrecarga de trabalho, aspectos que predominam no
referido ambiente laboral e que são reforçados por tal modo de operar.
Como os achados não podem ser generalizados para todos e quaisquer call
centers, já que uma das limitações desta pesquisa foi sua realização nos moldes
de um estudo de caso, sugere-se a expansão dos estudos para outras empresas
similares, com vistas à identificação de traços similares e díspares e, daí, a
possibilidade de se traçar um cenário mais preciso a respeito desse espaço de
trabalho. Além disso, dada sua importância enquanto oportunidade de inserção de
mão de obra no mercado de trabalho, ou seja, de se constituir como primeiro-
emprego de muitos grupos (jovens, mulheres, homossexuais etc.), usualmente
alijados desse mercado, não podem se esquecer as precárias condições que esse
tipo de empresa vem oferecendo para seus trabalhadores, que afetam diretamente
seu comprometimento, o que pode culminar com a queda de produtividade e
qualidade nos serviços prestados.
Por fim, pesquisas que reúnam outras temáticas, como estresse ocupacional,
burnout, qualidade de vida no trabalho, vínculos organizacionais,
entrincheiramento organizacional, valores (organizacionais, do trabalho,
profissionais, pessoais), justiça organizacional, atitudes retaliatórias,
também seriam apropriadas para os avanços nos estudos no campo do comportamento
organizacional, tendo em vista as conexões desses temas com o comprometimento,
presentes em diversos relatos dos entrevistados desta pesquisa.
Note-se que, por mais que as pesquisas sobre o tema continuem na agenda do
comportamento organizacional e o modelo de múltiplas bases de Medeiros_(2003)
utilizado em diversas pesquisas no País (Bezerra_et_al,_2013; Cantarelli_et_al,
2014; Cunha_et_al.,_2014; Envall_et_al.,_2014; Melo_et_al.,_2014; Pulino_et_al,
2014; Sant'Anna_et_al.,_2014), inclusive revalidado em espaços diferenciados
como o setor público (Melo_et_al.,_2014), ainda estão em aberto questões
vinculadas a outros aspectos diretamente relacionados com a gestão de pessoas,
como: a permanência (relacionada ao comprometimento ativo e/ou passivo), ou
não, do indivíduo na organização (rotatividade, absenteísmo), derivada de
atitudes focalizadas em objetos diferenciados (a organização / o próprio
comportamento do sujeito); a tríade "desempenho-resultado-potencial"; a adesão
às normas; a forma como desenvolve e mantém relações pessoais e profissionais;
as opções de carreira; a cultura; etc. (Rodrigues_& Bastos,_2009 ; Bastos,
Rodrigues,_Moscon,_Silva,_& Pinho,_2013).
Nesse sentido, a literatura tem apontado a necessidade de se delimitar mais
efetivamente o conceito de comprometimento organizacional, identificar com mais
clareza suas relações com antecedentes, correlatos e consequentes, com vistas
ao estabelecimento de modelos conceituais mais robustos, como apontados em
estudos desenvolvidos tanto no Brasil (Leite_& Albuquerque,_2011 ;
Cantarelli_et_al.,_2014 ; Cunha_et_al.,_2014; Envall_et_al,_2014; Pulino_et_al.,
2014; Sant'Anna_et_al.,_2014), como no exterior (Morin_et_al,_2011; Meyer_et
al,_2013). Além disso, as propriedades psicométricas das escalas utilizadas
para "mensuração" do comprometimento também têm sido alvos de reflexões,
fortalecendo as questões conceituais envolvidas nos modelos que as sustentam
(Rodrigues_& Bastos,_2009).
Estudos sobre as relações de poder e as relações de trabalho, especificamente
no que tange à forma como o trabalho está organizado nos call centers, como é
gerida sua força de trabalho, como se encontram as condições de trabalho e
saúde do trabalhador nesse contexto e como se dão os processos de mediação de
conflitos, também podem ser úteis ao desnudamento dessa realidade, sob um
enfoque mais crítico do que o aqui conduzido. ♦
COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO
(De acordo com as normas da American Psychological Association[APA])
Paiva, K. C. M., Dutra, M. R. S., & Luz, T. R. da. (2015, julho/agosto/
setembro). Comprometimento organizacional de trabalhadores de call center.
Revista de Administração – RAUSP, 50 (3), 310-324. doi: 10.5700/rausp1202