A relação entre renda e morar sozinho para idosos paulistanos: 2000
Introdução
A preocupação recente em se estudar pessoas idosas deve-se ao fato de que em
muitos países, como é o caso do Brasil, o processo de envelhecimento tem se
dado de forma muito rápida e as condições socioeconômicas não permitiram que
fossem instauradas medidas suficientes para cobrir as necessidades dessa
população. Os estudos têm demonstrado que a família, co-residente ou não, por
meio de seus apoios, tem tido um papel muito importante no bem-estar e
qualidade de vida dos idosos. No entanto, as interações entre os familiares
podem variar entre homens e mulheres, regiões mais ou menos urbanizadas, mais
ricos em comparação com os mais pobres, tradições familiares, intervenção de
apoios institucionais e características socioeconômicas do país (MONTES DE OCA,
2001).
Um estudo realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) analisou os
arranjos domiciliares dos idosos, apresentando dados comparativos de 130 países
(UNITED NATIONS, 2005). Entre as principais conclusões do informe, podem ser
mencionadas as seguintes: aproximadamente uma em cada sete pessoas idosas (90
milhões) vive sozinha, sendo que cerca de 2/3 dessas são mulheres; existe uma
tendência a favor de modalidades de vida independente (sozinho ou sozinho com o
cônjuge) mais consolidada em países desenvolvidos; há uma menor proporção de
mulheres idosas casadas, comparativamente aos homens (cerca de 45% contra 80%);
embora nos países desenvolvidos o arranjo mais comum seja morar separado dos
filhos, naqueles em desenvolvimento a maioria dos idosos vive com seus filhos.
O informe da ONU mostra que os arranjos domiciliares variam bastante entre as
diversas regiões. Nos países mais desenvolvidos, a proporção de idosos vivendo
com os filhos diminui substancialmente com o avançar da idade. Em
contrapartida, em muitos daqueles em desenvolvimento, a porcentagem de idosos
que vivem com os filhos continua sendo elevada, sugerindo que os pais tendem a
residir com pelo menos um dos seus filhos durante todo o ciclo de vida. Pode-se
observar que, quanto maior o nível de desenvolvimento econômico do país,
menores são as taxas de co-residência entre os idosos.
No Brasil, a co-residência permanece elevada entre os idosos e, assim como
ocorre em diversas partes do mundo, o tamanho e a composição dos arranjos
domiciliares variam de acordo com o tempo e entre as várias regiões. Segundo
Leme e Silva (2002), a população idosa brasileira, neste início do século XXI,
é proveniente de uma época com valores culturais marcados, nos quais a família
ampliada exercia um papel importante. A convivência com avós, tios e primos
fazia parte do cotidiano e era a família que, de alguma forma, provia boa parte
das necessidades de apoio social aos seus membros. Tal situação, de valorização
afetiva, efetiva e social da família, permaneceu e permanece no consciente ou
no subconsciente da maioria dos idosos brasileiros. No entanto, segundo
Carvalho (1993), entre 1990 e 2030, a população idosa brasileira será composta,
crescentemente, por gerações de pais que produziram o declínio da fecundidade,
ou seja, será constituída por pessoas com um número cada vez menor de filhos.
Assim, o papel tradicional da família, principal provedora de necessidades
materiais e psicológicas do idoso, tornar-se-á cada vez mais débil. Além da
redução do tamanho da família, a entrada da mulher no mercado de trabalho,
alterando seu papel tradicional dentro da família, e o surgimento de novos
arranjos familiares, decorrentes de novas formas de união conjugal, tendem a
comprometer as condições de cuidado e atendimento diretos à pessoa idosa na
família (NASCIMENTO, 2000).
Diante da tendência recente de redução do número de filhos, aumento de
divórcios, mudanças de estilo de vida, individualismo, melhora nas condições de
saúde dos idosos e conseqüente ampliação da longevidade, com destaque para a
maior sobrevivência feminina, é de se esperar que ao longo dos anos haja um
crescimento dos domicílios unipessoais, ou seja, do número de idosos vivendo
sós.
Considerando o conjunto da população, o número e a proporção de domicílios
unipessoais cresceram entre as décadas de 70 e 90, sendo que, em 1998, esse
tipo de arranjo domiciliar representava 8,8% do total do país (MEDEIROS;
OSÓRIO, 2001). De acordo com Camarano e El Ghaouri (2003), considerando as
famílias de idosos, ou seja, aquelas nas quais o idoso é o chefe, entre 1970 e
1999, verifica-se que a mudança mais importante foi o crescimento daquelas
formadas por mulheres vivendo sozinhas, cuja proporção quase quadruplicou no
período (de 2,2% para 8,5%). Neste mesmo espaço de tempo, também ocorreram
aumentos na proporção de homens idosos morando sós, porém em menor escala. Para
as autoras, as separações e, principalmente, a viuvez são fatores explicativos
de parte do crescimento das famílias unipessoais.
De forma geral, pode-se observar que nem todos os idosos vivem com suas
famílias. Em 1998, por exemplo, no Brasil e no Estado de São Paulo, os idosos
que moravam sozinhos representavam cerca de 12% do total da população de 60
anos e mais (IBGE, 2000). Assim, surgem alguns questionamentos sobre quais
características estariam associadas à condição de morar sozinho entre os idosos
e quais seriam os fatores determinantes para que um idoso viva só.
A universalização da seguridade social, as melhorias nas condições de saúde, os
avanços tecnológicos e nos meios de comunicação, os elevadores em edifícios, os
automóveis, entre outros, podem sugerir que viver sozinho, para os idosos,
represente, na realidade, uma forma mais inovadora e bem-sucedida de
envelhecimento, em vez de sugerir abandono, descaso e/ou solidão (DEBERT apud
CAMARANO; EL GHAOURI, 2003). Assim, viver só pode também refletir uma
consciência mais profunda em relação às suas necessidades e direitos e uma
mudança em relação aos estereótipos (VARLEY; BLASCO, 2001). Tendo em vista que
a privacidade é um bem desejado por todos, principalmente nos dias de hoje, e
que as pessoas lutam por independência e autonomia, a escolha por morar sozinho
pode ser considerada uma espécie de ideal, quando não se quer depender de
outras pessoas ou mesmo compartilhar do convívio diário.
No entanto, é preciso considerar que a escolha por privacidade está intimamente
ligada à renda e que para morar sozinho o idoso demanda recursos.
Diante do que foi exposto, este trabalho tem como objetivo principal analisar a
relação entre renda e morar sozinho. Sabe-se que morar sozinho sofre também a
influência de determinantes demográficos (sexo, idade, estado conjugal, ter
filho(a) vivo(a), etc.), socioeconômicos (além da renda, sofre a influência da
educação) e de saúde (tais como, número de doenças crônicas, autopercepção de
saúde e capacidade funcional). Estas variáveis também são levadas em conta
nesse estudo.
A análise neste trabalho é circunscrita ao município de São Paulo que, no
Brasil, foi o foco de investigação no âmbito do projeto Sabe (Saúde, Bem-estar
e Envelhecimento na América Latina e Caribe), dedicado especificamente a
fornecer informações sobre as condições de sobrevivência da população idosa.
Trata-se, portanto, de uma base de dados que oferece vantagens comparativas
únicas, em relação a outras fontes de informações, como será destacado mais
adiante.
A seguir, faz-se uma breve revisão de literatura, contemplando os principais
tópicos relacionados ao tema central desse trabalho, seguida pelos aspectos
metodológicos empregados, resultados encontrados, discussão e considerações
finais.
Determinantes de arranjos familiares que incluem idosos
O efeito acumulado de eventos socioeconômicos e demográficos e também de saúde,
ocorridos em etapas anteriores do ciclo de vida, reflete a situação familiar
dos idosos. O tamanho da prole, a mortalidade diferencial, o celibato, a
viuvez, as separações, os recasamentos e as migrações vão conformando, ao longo
do tempo, tipos distintos de arranjos familiares ou domésticos, que, com o
avanço da idade, adquirem características específicas, podendo colocar o idoso,
do ponto de vista emocional e material, em situação de segurança ou
vulnerabilidade. Morar sozinho ou com parentes pode ser resultado de desenlaces
ou celibato, da não existência de prole, do falecimento dos filhos, ou ainda da
decisão de não viver com os filhos ou com qualquer outra pessoa, caso tenha
recursos para tanto (BERQUÓ, 1996).
Ao analisar os dados da Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD) de
1998, Romero (2002) destaca que os arranjos familiares dos idosos, assim como a
condição que ocupam no domicílio, são distintos entre os sexos. Segundo a
autora, a maioria dos homens idosos mora com seu cônjuge (80,9%) e apenas 8,7%
residem sozinhos. Já as mulheres distribuem-se em diversas opções: 46% vivem
com seu cônjuge; 23,5% com os filhos e sem o cônjuge; 13,7% com um parente
apenas; e 16,7% moram sozinhas. No total de idosos, 13,7% residem sós.
A maior longevidade feminina, presente em todas as sociedades modernas, aumenta
a possibilidade de a idosa vir a ficar sozinha, muitas vezes carente de
cuidados e dependente de novos arranjos domésticos e institucionais de suporte.
No caso do Brasil, os cuidados aos idosos são prestados predominantemente por
suas famílias e, na falta destas, por amigos e vizinhos. Há evidências de que
existe relação entre o número de filhos e a possibilidade de os pais serem
assistidos por eles (AQUINO; CABRAL, 2002).
Saad (2003), empregando dados do Projeto Sabe, analisou os fatores
determinantes dos arranjos domiciliares de idosos não-casados do município de
São Paulo, em 2000, utilizando uma regressão logística multinomial com variável
resposta de quatro categorias ("morando sós", "com filhos não-casados", "com
filhos casados" e "com outros parentes/não-parentes"). O nível educacional
mostrou-se inversamente associado à probabilidade de co-residência com filhos,
particularmente os casados, indicando uma preferência por um arranjo domiciliar
independente (morar só). Se, por um lado, o fato de o idoso receber algum
rendimento não-familiar não influenciou sua estrutura familiar, por outro, se
comparado com a situação de morar sozinho, viver com filhos ou com outros
parentes/não-parentes aumentou significativamente as chances de residir em
domicílios mais bem equipados, ou seja, com maior número de bens. Além disso, o
autor observou que um número maior de filhos aumentou significativamente a
probabilidade de morar com eles, sejam casados ou não, mas não afetou de
maneira significativa a probabilidade de co-residir com outros parentes/não-
parentes, quando comparados aos idosos que moram sós. No caso das variáveis de
saúde, tanto o número de doenças declaradas quanto a dificuldade em realizar as
atividades instrumentais da vida diária tiveram pouca influência sobre seus
arranjos domiciliares.
Segundo Romero (2002), os estudos enfatizam os dois lados da relação arranjos
familiares de idosos e saúde/riscos de morte. Por um lado, pode-se dizer que
existe uma reciprocidade entre a saúde dos idosos e a estrutura e conformação
das relações sociais e familiares, já que a deterioração da saúde pode levar à
redefinição dos arranjos familiares, assim como de certas estruturas
domiciliares. Por outro lado, o tipo e as características da rede social e
familiar podem levar a diferentes riscos de doenças e morte. Assim, a saúde do
idoso pode determinar o tipo de arranjo familiar e, ao mesmo tempo, o arranjo
familiar pode ser determinante da saúde/risco de morte para os idosos.
Entretanto, a autora argumenta que não há certeza de que uma determinada
combinação de suporte e estrutura familiar favoreça mais a saúde dos idosos.
A necessidade de auxílio, seja físico, afetivo ou financeiro, faz com que
muitos idosos deixem de viver de forma independente para irem morar com suas
famílias. Essa opção muitas vezes pode significar mais uma necessidade do que
propriamente uma escolha. De acordo com Varley e Blasco (2001), nem todos os
idosos, necessariamente, querem viver com seus familiares. Em um estudo com
idosas mexicanas chefes de domicílio, as autoras verificaram que mais de dois
terços delas prefeririam continuar vivendo em suas próprias casas, quando
fossem mais velhas, sendo que, destas, 11% escolheriam viver sozinhas, em sua
residência. Quando questionadas sobre a preferência por morarem sozinhas, as
idosas se mostraram preocupadas com a possibilidade de ser uma "carga" para
seus filhos, genros e noras, ou mesmo ser incomodadas por esses.
Conforme Aquino e Cabral (2002), é prematuro considerar a tendência de aumento
de idosos morando sozinhos como um enfraquecimento dos laços familiares. Para
as autoras, é preciso levar em conta, por exemplo, que atualmente há uma maior
facilidade de comunicação e locomoção, que os idosos apresentam melhores
condições de saúde que anteriormente e que a independência é mais valorizada.
Ao mesmo tempo, está ocorrendo uma perda gradativa da centralidade da família,
que deixa de ser uma instituição única e completa em si mesma, apresentandose,
cada vez mais, como parte da rede de relações sociais.
Diante do crescente número de idosos vivendo sós, Kramarow (1995) sugere
possíveis explicações, associadas a aspectos demográficos, culturais e
econômicos. Baseando-se no argumento demográfico, o autor dá o exemplo da queda
da fecundidade, que provoca a redução do número de filhos e, conseqüentemente,
diminui as alternativas de moradia para os idosos. Já o fator cultural refere-
se às mudanças nos valores, tais como a adoção de padrões individualistas em
detrimento das obrigações familiares, enquanto o aspecto econômico está
relacionado ao fato de a privacidade ser um bem desejado por todos, jovens e
idosos, sendo que, atualmente, as pessoas têm mais recursos do que no passado
para exercer suas preferências.
A importância da renda na definição dos arranjos domiciliares que incluem
idosos
A independência financeira e as possíveis melhoras na saúde podem possibilitar
aos idosos a opção por viverem sós (GRUNDY; TOMASSINI, 2002). No entanto,
quando os problemas de saúde causam dependências e os idosos não têm condições
financeiras para escolher onde e com quem viver, a co-residência ou mesmo a
internação em instituições de longa permanência podem se tornar inevitáveis.
Para Saad (2004), a co-residência pode ser considerada um elemento importante
no processo de transferências intrafamiliares de apoio, no contexto brasileiro
e latino-americano, afinal uma parcela substancial das transferências se dá
entre os membros do mesmo domicílio. Segundo o autor, a co-residência, mais do
que a quantidade de filhos, é um dos fatores primordiais para garantir alguma
forma de ajuda nas atividades funcionais do dia-a-dia. Na análise com dados do
projeto Sabe, para os municípios de São Paulo, Buenos Aires, Montevidéu e
Cidade do México, o autor observou que a probabilidade de receber auxílio
funcional entre os idosos que moram sozinhos é 63% menor do que para aqueles
que co-residem com uma pessoa. Ademais, a coabitação tende a aumentar
significativamente o fluxo de ajuda financeira, sendo que a probabilidade de os
idosos receberem e prestarem ajuda financeira é bastante baixa entre os que
moram sozinhos.
Yazaki (1992) analisou os arranjos domiciliares e o suporte familiar oferecido
a 66 idosos do município de São Paulo, pertencentes a arranjos de duas ou três
gerações, segundo a renda. A autora destaca que, de modo geral, o motivo que
desencadeia os arranjos multigeracionais é a falta de autonomia econômica e/ou
física dos idosos, embora tenham sido observados problemas econômicos por parte
dos filhos, fazendo com que ambos se beneficiem desse tipo de arranjo. Para
Camarano e El Ghaouri (2003), a co-residência pode ser considerada uma
estratégia das famílias para beneficiar tanto as gerações mais velhas como as
mais jovens e, no caso do Brasil, pode significar melhora nas condições de
vida.
Analisando os domicílios com idosos no município de Belo Horizonte, em 1991,
Ferreira (2001) observa que as probabilidades de ocorrência de domicílios de
menor estrutura, como os unipessoais, aumentam à medida que cresce a renda. De
acordo com o autor, quando ocorre um aumento dos rendimentos domiciliares,
existe uma tendência à valorização da privacidade, reduzindo as chances de
ocorrência dos domicílios com algum tipo de extensão, mesmo isolando o fato de
o domicílio se localizar em uma favela. Segundo ele, foi confirmada a hipótese
de que a privacidade é um bem superior, cuja demanda mais que compensa os
ganhos de economia de escala provenientes do consumo e dos ganhos da produção
doméstica, ao acrescentar novos membros, reprimindo o efeito desses dois
aspectos.
Para Kinsella e Velkoff (2001), a melhoria nas condições financeiras pode
permitir que uma grande proporção de idosos esteja apta a viver sozinha,
exercendo sua escolha por independência, e, ao mesmo tempo, mantendo contato
com a família e redes de apoio. Nesse caso, os idosos, mesmo quando não residem
na mesma unidade doméstica, podem receber apoio e fazer parte do sistema de
intercâmbio entre os membros da família (MONTES DE OCA, 2001).
Um estudo realizado por McGarry e Schoeni (2000) mostra que o crescimento dos
benefícios é o principal fator associado ao aumento do número de idosas que
viviam sozinhas nos Estados Unidos, no século XX, explicando 47% das mudanças
ocorridas entre 1940 e 1990. Nesse caso, o crescimento da renda se deu
principalmente pela ampliação da cobertura de seguridade social. Além da renda,
outros fatores, como a melhoria da escolaridade, também explicam as mudanças
nos arranjos domiciliares. Segundo Kramarow (1995), as transformações
culturais, o aumento da renda e a queda da fecundidade são os responsáveis pelo
crescimento do número de idosos morando sozinhos nos Estados Unidos, de 1910 a
1990.
O conjunto dessas considerações, com base em resultados de outros estudos,
serve para reforçar a importância de se analisarem os determinantes ou os
fatores associados aos arranjos familiares que incluem pessoas idosas, uma vez
que esses podem influenciar diretamente sua qualidade de vida. Afinal, é nessa
fase que tendem a surgir dificuldades físicas, afetivas e financeiras. Mesmo
não representando a maioria entre arranjos familiares de idosos no Brasil, tem
crescido consideravelmente o percentual daqueles que vivem sozinhos. A
realidade desses idosos deve ser considerada tanto por investigadores como por
aqueles que são responsáveis pelas políticas públicas, pois esse segmento
populacional específico, fragilizado ou não, requer apoio para seguir vivendo
os anos que lhe restam, de forma independente ou assistida, com dignidade e
bem-estar.
Metodologia
As informações utilizadas neste estudo são oriundas da base de dados do Projeto
Sabe, desenvolvido pela Organização Pan-americana de Saúde, com o objetivo de
produzir um banco de dados comparável entre os países participantes para
avaliar as condições de saúde, assim como seus determinantes socioeconômicos. A
pesquisa possui uma amostra representativa dos idosos de 60 anos e mais dos
municípios selecionados e inclui, em alguns casos, os cônjuges sobreviventes. A
base contém informações sobre: características demográficas básicas e da
família; auto-relato de saúde e doenças crônicas; medidas antropométricas de
incapacidade funcional, depressão e estado cognitivo; uso e acesso a serviços
de saúde; transferências familiares e institucionais; força de trabalho e
aposentadoria (Palloni e Peláez, 2003).
O Projeto Sabe coletou informações de idosos de sete países da América Latina e
do Caribe: Argentina, Barbados, Brasil, Chile, Cuba, México e Uruguai. No
Brasil, a área de investigação circunscreveu-se ao município de São Paulo e
foram realizadas entrevistas com 2.143 idosos, entre janeiro de 2000 e março de
2001, por meio de pesquisa domiciliar, não incluindo indivíduos
institucionalizados (Lebrão e Duarte, 2003).
Para estimar a associação entre morar sozinho e as variáveis demográficas,
socioeconômicas e de saúde, foi realizada uma análise de regressão logística
binária múltipla.
A variável dependente é "morar sozinho" e as independentes foram classificadas
em três grupos: demográfico (sexo, idade, estado conjugal, ter filho(a) vivo
(a)); saúde (autopercepção da saúde, capacidade funcional e doenças crônicas);
socioeconômico (educação e renda, a principal variável independente que se
deseja analisar).
Da amostra de 2.143 indivíduos, foram excluídos os casados (1.121) e os que não
responderam às perguntas sobre estado conjugal (1) e autopercepção de saúde
(2), sendo a amostra considerada neste estudo de 1.019 idosos. A exclusão dos
idosos casados justifica-se pelo fato de que esses, na quase totalidade dos
casos, não estão expostos ao risco de morar sozinho. A inclusão, portanto,
poderia alterar os resultados que seriam influenciados pela simples existência
de um cônjuge.
Como destacado anteriormente, foram considerados idosos os indivíduos de idade
igual ou superior a 60 anos, agrupados segundo duas faixas etárias 60 a 74 anos
e 75 anos e mais e três categorias refeentes ao estado conjugal: solteiros,
viúvos e separados ou divorciados.
A variável ter filho(a) vivo(a) foi construída com base nas informações das
pessoas do domicílio e nos filhos que moram em outra residência. Ela foi
dicotomizada em "sim" e "não", sendo que, em caso afirmativo, estão incluídos
os filhos que moram dentro ou fora do domicílio.
A autopercepção da saúde foi dicotomizada em boa, pela combinação das
categorias excelente, muito boa e boa, e ruim, pela associação das categorias
regular e ruim. Para avaliar a capacidade funcional, foram empregadas
informações das atividades de vida diária (AVD): atravessar um quarto
caminhando; alimentar-se; deitar e levantar da cama; usar o vaso sanitário;
vestir e despir-se; tomar banho. O idoso foi classificado como livre de
incapacidade funcional, caso não relatasse dificuldade para realizar qualquer
AVD, e com incapacidade funcional, se apresentasse dificuldade em pelo menos
uma das atividades cotidianas. Quanto às doenças crônicas, os idosos foram
classificados em relação ao número total dessas em três categorias: nenhuma,
uma e duas ou mais. As doenças crônicas consideradas foram: hipertensão,
artrite/reumatismo, doença cardiovascular, diabetes, asma/bronquite/enfisema,
embolia/acidente vascular cerebral e câncer.
Em relação à educação, as variáveis estudadas correspondem a: sem instrução, um
a quatro anos de estudo e cinco anos e mais de estudo. Para construir a renda
mensal do idoso, foram utilizadas informações de rendimento do trabalho,
aposentadoria ou pensão, ajuda de familiares, aluguel ou aplicações bancárias,
ajuda do bem-estar-social e rendimentos de outras fontes.
A renda total foi dividida pelo valor do salário mínimo vigente em abril de
2000 (R$151,00), sendo posteriormente estabelecidos três grupos de renda: menor
que um salário mínimo, um a três salários mínimos e três salários mínimos ou
mais.
Para garantir o maior número possível de casos em cada categoria e possibilitar
inferências robustas, foram feitos alguns ajustes ao se construírem as
variáveis educação, renda, doenças crônicas e capacidade funcional. Em relação
à primeira, os idosos que não informaram o número de anos de estudo foram
incluídos no grupo sem instrução, tendo como pressuposto que esses não
estudaram. Para construir a renda mensal do idoso, aqueles que não sabiam ou
não indicaram a renda em determinada categoria de rendimento foram
classificados como renda zero naquela categoria analisada. As doenças crônicas
e a capacidade funcional foram estimadas com base nas respostas afirmativas de
estar ciente da doença investigada ou relatar dificuldade para realizar a AVD,
respectivamente.
Como os idosos com mais de 75 anos foram sobreamostrados (LEBRÃO; DUARTE,
2003), expandiu-se a amostra para que os dados pudessem refletir a realidade da
população do município de São Paulo em termos quantitativos. Assim, foram
utilizados os pesos existentes na própria base de dados.
As análises dos dados foram realizadas utilizando o pacote estatístico SPSS,
versão 13. Conforme já ressaltado, para estimar a associação entre morar
sozinho e cada variável demográfica, de saúde e socioeconômica, foi realizada
uma análise de regressão logística binária múltipla. Os resultados dos modelos
foram apresentados como razões de chance (odds ratio), que medem a força da
associação entre um determinado fator e a variável dependente. A razão de
chance inferior a um significa que a variável atua reduzindo o risco de morar
sozinho. Por sua vez, quando a razão de chance é superior a um, a variável está
atuando como um fator de risco para morar sozinho. Foram considerados
significativos os resultados em um nível de significância de 5%.
Tendo em vista o foco deste trabalho, que é a relação entre renda e o tipo de
arranjo domiciliar dos idosos, optou-se por construir dois modelos, sendo que,
no primeiro, apenas a variável renda foi incluída e, no segundo, foram
consideradas, além da renda, as demais variáveis selecionadas. O objetivo foi
observar se renda se mantinha como uma variável significativamente preditora
(ou associada) dos arranjos domiciliares que incluem idosos, mesmo após a
inclusão de outras variáveis no modelo.
Resultados
Inicialmente, faz-se uma análise descritiva da amostra, segundo algumas
características demográficas, socioeconômicas e de saúde. Em seguida, são
apresentados os resultados dos modelos oriundos da análise com base na
regressão logística.
Descrição da amostra
De acordo com os dados analisados, dos 1.019 idosos não-casados que compõem a
amostra, 30,3% viviam sozinhos. A Tabela_1 apresenta a distribuição relativa
das características demográficas, socioeconômicas e de saúde dos idosos
paulistanos selecionados para a amostra, segundo o arranjo domiciliar.
A análise das características socioeconômicas mostra que os idosos que viviam
sozinhos apresentavam melhores níveis de renda e escolaridade. Por exemplo,
entre os que moravam sós, 41,8% tinham renda superior a três salários mínimos,
contra apenas 28,9% dos que residiam acompanhados.
Apesar das diferenças entre a magnitude dos percentuais, os idosos que moravam
sozinhos e acompanhados se distribuíam de forma semelhante em relação às
características demográficas. A amostra selecionada era composta,
predominantemente, por idosos de 60 a 74 anos (68,4%), do sexo feminino (80,1%)
e viúvos (68,7%). Ademais, apenas 12,5% dos idosos que moravam com outras
pessoas não tinham filhos vivos, ao passo que entre os que viviam sós esse
percentual chegou a 22,5%.
Quanto às características de saúde, nota-se que uma maior proporção de idosos
que viviam sozinhos percebeu sua saúde como boa, diferentemente dos que
residiam acompanhados. Além disso, considerando a incapacidade funcional e o
número de doenças crônicas, aqueles que viviam com outras pessoas apresentaram
piores condições de saúde.
Determinantes de morar sozinho para os idosos paulistanos
A interpretação substantiva, neste estudo, está apresentada em razões de
chances (odds ratio) (Tabela_2).
No Modelo 1, incluíram-se as variáveis indicadoras de renda como independentes
isoladamente. Observou-se a associação entre renda e morar sozinho, de forma
significativa, sendo que essa altera a chance de viver sozinho. Considerando a
faixa inferior a um salário mínimo como categoria de referência, observa-se
que, entre idosos com renda de 1 a 3 salários mínimos, a chance de viver
sozinho é 23% maior do que para os mais pobres, e, no caso daqueles com três
salários mínimos e mais, corresponde a 2,1 vezes a chance dos primeiros. Assim,
entre os idosos residentes no município de São Paulo, em 2000, nota-se que
aqueles com renda inferior a um salário mínimo apresentam chances de morarem
sozinhos bastante reduzidas, em comparação às demais faixas de renda.
Ao controlar por educação e pelas variáveis demográficas e de saúde (Modelo 2),
o efeito da renda na condição de morar sozinho aumenta um pouco, principalmente
na categoria de renda intermediária, com renda permanecendo significativamente
associada às chances de morar sozinho. De acordo com os resultados encontrados
nos dois modelos, as chances de o idoso morar sozinho crescem à medida que
aumenta a renda.
Os resultados do Modelo 2 mostram que, assim como observado para renda, as
chances de morar sozinho entre os idosos não-casados crescem ao elevar o nível
de escolaridade. Ter 75 anos e mais aumenta em 57% a chance de morar sozinho,
em comparação aos idosos mais jovens. As mulheres apresentam uma chance 15%
menor de viverem sozinhas do que a dos homens. Considerando a categoria viúvo
como referência, verifica-se que, para os separados e os solteiros, são menores
as chances de morar sozinho. Para os idosos que não têm filhos, as chances de
morarem sozinhos são superiores em aproximadamente 60%. Apresentar duas e mais
doenças crônicas, autopercepção de saúde ruim e incapacidade funcional diminui
a chance de o idoso paulistano viver só, em relação aos que apresentam nenhuma
doença crônica, autopercepção de saúde boa e são livres de incapacidade
funcional, respectivamente.
Discussão e considerações finais
Apesar de atualmente o número de domicílios unipessoais não ser expressivo em
relação aos demais arranjos domiciliares de idosos, cresce, ao longo dos anos,
o número de idosos brasileiros morando sozinhos. De acordo com o IBGE (2003), a
proporção de famílias unipessoais no Brasil aumentou de 7,3%, em 1992, para
8,6%, em 1999, e 9,2%, em 2001. No que diz respeito especificamente aos idosos
morando sozinhos, o percentual passou de 10,4% para 12,6%, entre 1999 e 2001.
Alguns fatores que reforçam essa tendência são a redução do número de filhos, o
aumento de divórcios, as mudanças de estilo de vida, o individualismo, a
melhoria nas condições de saúde da população idosa e a maior longevidade.
Diante do crescimento do número de idosos que vivem sós, este estudo teve como
objetivo principal analisar a associação entre renda e morar sozinho, para
idosos do município de São Paulo, em 2000. Observou-se que, mesmo após
controlar por determinantes demográficos (sexo, idade, estado conjugal, ter
filho(a) vivo(a)), socioeconômicos (educação) e de saúde (número de doenças
crônicas, autopercepção de saúde e capacidade funcional), a chance de morar
sozinho continuou elevada para as categorias de rendimento de 1 a 3 salários
mínimos e três ou mais salários mínimos em relação àquela de menos de um
salário mínimo.
Quanto aos demais fatores analisados, verificouse que idade igual ou superior a
75 anos e ausência de filhos aumentam o risco de morar sozinho. Além disso,
apesar de serem maioria entre os idosos não-casados que vivem sozinhos, os
resultados apontam menores chances entre as mulheres de morarem sozinhas.
Quanto ao estado conjugal, entre os viúvos, as probabilidades de viverem
sozinhos são maiores, em relação às demais categorias.
Pode-se observar que, entre aqueles que têm pelo menos um filho vivo, de
qualquer sexo, mesmo que esse more fora de casa, as chances de morar sozinho
diminuem. No entanto, é importante destacar que, apesar da literatura indicar
que são eles os principais provedores de ajuda, não existe qualquer garantia de
que sua existência implique que o apoio ou mesmo convivência na mesma
residência irá ocorrer. Sabe-se que, com a queda da fecundidade, com
conseqüente redução no número de filhos, o cenário será bastante diferente do
vivido pelos idosos do município de São Paulo em 2000, ou seja, pode-se esperar
que as chances de os idosos viverem sozinhos tendam a aumentar. Adicionalmente,
a redução da mortalidade nas idades mais avançadas pode provocar um crescimento
no número de idosos vivendo sozinhos, uma vez que, para os mais velhos, as
chances de morar só são maiores.
Segundo Grundy (2001), as evidências empíricas têm demonstrado que os idosos
que vivem sozinhos tendem a relatar melhores condições de saúde, exceto para
algumas morbidades psiquiátricas em homens. Da mesma forma, o presente estudo
demonstrou que melhores condições de saúde tendem a aumentar as chances de o
idoso morar só. Em relação à autopercepção de saúde e capacidade funcional, as
condições desfavoráveis diminuem a chance de morar sozinho. É importante
salientar que, no caso da capacidade funcional, utilizou-se como medida a
dificuldade de realizar as atividades da vida cotidiana e não a necessidade de
ajuda para desempenhá-las. Acredita-se que o uso da medida de dependência como
indicador de capacidade funcional pode alterar os resultados, uma vez que, para
os dependentes de ajuda, a possibilidade de viver sem outra pessoa seria pouco
provável. Quanto ao número de doenças crônicas, para aqueles que relataram duas
ou mais, as chances de morarem sozinhos são 31% menores do que para os que não
mencionaram nenhuma, resultado que era esperado, uma vez que a presença de
doença crônica interfere diretamente na saúde do indivíduo. No entanto, como
pondera Silvestre (2002), a presença de uma ou mais enfermidades crônicas não
significa que o idoso não possa conservar sua autonomia e realizar suas
atividades de maneira independente. Segundo o autor, a maioria dos idosos
brasileiros é capaz de se auto-determinar e organizar-se sem a necessidade de
ajuda, mesmo sendo portadores dessas doenças. De qualquer forma, é importante
considerar que se trata de autodeclaração ou morbidade referida, e que não há
informação sobre a gravidade da doença.
Entre os idosos com elevados níveis de renda e educação, as chances de viverem
sozinhos são maiores. Assim, conforme discutido na revisão de literatura do
presente estudo, há uma tendência de valorização da privacidade e de escolha
por independência por parte dos idosos de níveis socioeconômicos superiores.
Além disso, pessoas de classes socioeconômicas mais elevadas podem ter maior
facilidade em exercer sua escolha, seja na compra de bens de consumo que
facilitem o seu dia-a-dia, seja no acesso ao cuidado com a saúde. Como coloca
Alves (2004), os estudos têm demonstrado que a baixa renda dos idosos atua
negativamente no comportamento saudável, no ambiente domiciliar, no acesso aos
serviços e aos cuidados de saúde, mesmo se esses são disponibilizados
adequadamente e, finalmente, nos recursos materiais.
Um estudo desenvolvido nos Estados Unidos, por Krause e Borawisk-Clark (1995),
citado por Rosa (2004), encontrou que, quanto menores a renda e o nível
educacional dos idosos, menor será seu contato com amigos e familiares, menos
apoio eles provêem para os outros e menos satisfeitos estão com o apoio
recebido. Nesse caso, os idosos de classe socioeconômica mais elevada aderem
mais às normas de reciprocidade, o que facilitaria uma manutenção de equilíbrio
nas trocas sociais. No caso do Brasil, não se pode inferir que este tipo de
comportamento ocorra ou não. Entretanto, deve-se considerar que, para que uma
pessoa viva sozinha, as relações de troca ou mesmo o suporte são essenciais. O
que pode ocorrer, muitas vezes, de acordo com Montes de Oca (2001), é que,
apesar de o apoio ser necessário, as condições do próprio idoso, sua família, a
organização doméstica, o número de filhos, sua situação econômica, nível de
renda, entre outros podem incidir de formas distintas para que a ajuda não
apareça.
Caldas (2003) coloca que, apesar de o idoso brasileiro nos estratos mais pobres
contribuir com sua renda para o sustento da família, nem sempre ele recebe o
respaldo de que necessita, tanto por insuficiência de recursos quanto pelas
dificuldades da família no cuidado, assim como por necessidades materiais,
emocionais ou de informação. Dessa forma, participar das relações de troca com
seus familiares, seja com dinheiro ou no cuidado dos netos, não dá garantia ao
idoso de que a família terá recursos para apoiá-lo.
Entendendo que viver sozinho pode ser uma escolha do idoso, de um modo geral,
nota-se que uma saúde física comprometida e níveis baixos de renda e educação
diminuem a chance de o indivíduo exercer essa opção. Assim, ao pensar na
preferência por morar sozinho, pode-se supor que o idoso, para exercer seu
direito de escolha, teria que possuir melhores condições de saúde, renda e
educação.
De acordo com Grundy (2001), para que o idoso exerça sua preferência por viver
sozinho, são necessárias boas condições de saúde e um bom sistema de suporte.
Sabe-se que a educação proporciona ao indivíduo melhores oportunidades e, por
conseqüência, maior acesso a serviços de saúde, informação e cuidado. Assim, os
investimentos em educação são formas de promover saúde da população e devem ser
alvo constante de políticas públicas.
A influência da renda na "opção" por morar sozinho se mantém mesmo quando
outras variáveis sociodemográficas e de condições de saúde são incluídas no
modelo. Neste caso, a chance de o idoso morar sozinho aumenta à medida que há
também elevação no seu nível de renda, medido em termos de salário mínimo. Em
princípio, poder-se-ia questionar até que ponto este seria um resultado
"lógico", uma vez que os grupos de maior renda tendem a ter não apenas
condições econômicas mais compatíveis com os custos envolvidos na sustentação
de uma unidade domiciliar única, mas também uma família menos numerosa, o que
reduziria a chance de dividir a moradia com algum filho.
É certo que se trata de um resultado esperado, em face da relação negativa
entre renda e fecundidade, que constitui forte preditora do tamanho da família,
e entre renda e condições econômicas de manter um domicílio único. Mesmo a
inclusão de variáveis sociodemográficas e de condições de saúde não torna o
efeito da renda sobre a condição de o idoso morar sozinho menos significativo,
havendo inclusive um modesto aumento no tamanho do efeito para as duas
categorias de renda.
Por outro lado, é também importante ressaltar que não há informação sobre as
condições materiais dos domicílios ocupados pelos idosos que moram sozinhos, o
que constituiria um forte indicador das condições socioambientais às quais eles
estão expostos. Isto posto, alarga-se a avenida por onde passa a carência de
políticas públicas direcionadas a garantir aos idosos condições adequadas de
sobrevivência, especialmente considerando-se que as futuras gerações de idosos
no Brasil contarão com proporções crescentes de pessoas que, durante as fases
anteriores do ciclo de vida, estiveram expostas a condições adversas de
subsistência. A universalização dos serviços de saúde, ainda que precários, e a
melhoria na tecnologia de combate às doenças crônicas, mesmo considerando que
seu acesso é menor para segmentos de população mais vulneráveis do ponto de
vista socioeconômico, são fatores que apontam na direção da necessidade de
políticas específicas para o segmento de população idosa, incluindo aquelas que
possibilitem maior assistência social aos idosos que moram sozinhos e carecem
de condições adequadas de subsistência.
Deixando de lado a questão das preferências e pensando que morar sozinho pode
ser, na realidade, uma questão de necessidade ou até mesmo de abandono, é
preciso pensar as políticas de apoio a esta população, principalmente para os
idosos de classes socioeconômicas inferiores. Assim, como destaca Ferreira
(2001), os domicílios unipessoais de idosos de baixa renda, normalmente,
abrigam pessoas com idades mais avançadas que não têm, muitas vezes, ajuda de
familiares ou a renda necessária para se manterem. Além disso, como ressalta o
autor, muitos desses domicílios são formados por idosas viúvas ou separadas
que, muitas vezes, não dispõem das rendas de aposentadoria e, portanto, devem
ser alvos, mais específicos, das políticas públicas assistenciais.
É importante considerar que as condições de vida do idoso são um acumulado de
experiências passadas, dos cuidados com a saúde, das condições de moradia,
educação, alimentação e higiene, das oportunidades perdidas ou aproveitadas.
Assim, se as políticas, por um lado, devem zelar pela qualidade de vida dos
idosos atuais, garantindo que eles vivam os anos que lhes restam com dignidade
e possam exercer suas preferências, por outro, devem se preocupar com seus
filhos e netos, garantindo que eles tenham condições de dar suporte aos idosos
nos momentos necessários e para que, quando chegarem à velhice, apresentem boas
condições de saúde e possam preservar sua autonomia.
Seja por opção ou por necessidade, idosos vivendo sozinhos podem se tornar cada
vez mais comuns na sociedade brasileira e cabe a essa, juntamente com o Estado
e a família, dar o suporte necessário para que este tipo de arranjo domiciliar
não se torne um risco para a saúde e a qualidade de vida dessas pessoas.
Finalmente, para que esses objetivos sejam alcançados, é necessário considerar
os diferenciais demográficos, socioeconômicos e de saúde na abordagem da
população idosa que vive sozinha.