Tábuas de mortalidade dos aposentados por invalidez pelo Regime Geral da
Previdência Social - 1999-2002
Introdução
A Previdência Social brasileira define invalidez como a incapacidade do
segurado para o trabalho, resultante de doença ou lesão, e insuscetível de
reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência
(BRASIL, 1999). Com a invalidez, o trabalhador tem redução da sua renda, devido
à impossibilidade de trabalhar, ao mesmo tempo em que aumentam suas despesas
com os gastos decorrentes do processo de doença. Além disso, a invalidez tem
conseqüências danosas sobre o bem-estar do indivíduo e de sua família, as quais
dependem do tipo de doença ou lesão que resultou na invalidez, da sua gravidade
e das restrições para realização das atividades da vida diária.
O trabalhador pode se proteger da perda de renda decorrente da invalidez por
meio da realização de um plano de previdência ou de seguro com cobertura para
este evento. No Brasil, todos os segurados da Previdência Social estão cobertos
contra o risco de perda de renda devido à invalidez, através do benefício de
aposentadoria por invalidez.
O tratamento atuarial de um plano de previdência requer que se conheça como os
segurados transitam entre os estados de atividade, aposentadoria e morte. No
caso de um plano de previdência com cobertura contra o risco da perda de renda
devido à invalidez, para o cálculo de prêmios, de reservas matemáticas e de
outros parâmetros atuariais de interesse, bem como para realização de projeções
de beneficiários e custos futuros com invalidez, é necessário que se conheçam
as probabilidades de transição de um segurado entre os estados de atividade,
invalidez e morte, as quais são, geralmente, apresentadas na forma de tábuas de
vida. No caso de benefícios de aposentadorias por invalidez, além da tábua de
mortalidade dos ativos, outras duas são de interesse: a tábua de entrada em
invalidez, que descreve como ocorrem as transições da atividade para a
invalidez; e a de mortalidade dos inválidos, que descreve como ocorrem as
transições da invalidez para a morte. As tábuas de entrada em invalidez e as
tábuas de mortalidade de inválidos, atualmente utilizadas no Brasil para
realização de cálculos atuariais e de projeções ou simulações sobre os regimes
de previdência, refletem experiências de outras populações ou experiências
antigas de alguns setores de atividade da população brasileira. Evidências
disso são as tábuas, definidas como parâmetros para avaliação atuarial, pela
legislação referente aos planos de previdência complementar aberta (CNSP, 2002)
e pela legislação referente ao Regime Próprio da Previdência Social dos
Servidores Públicos (MPAS, 1999), que estabelecem a tábua Álvaro Vindas como
limite mínimo para as probabilidades de entrada em invalidez e a tabua IAPC
como limite máximo para as probabilidades de morte de inválidos. A primeira foi
construída em 1957 e refere-se à experiência dos segurados da "Cajá
Costaricence de Seguro Social", enquanto a IAPC corresponde à experiência do
extinto Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários.
Apesar da importância dos estudos sobre invalidez, principalmente para as áreas
de seguro e previdência, há carência de análises sobre este tema no Brasil e
também em outros países. Merino et al. (2003) chamam atenção para a falta de
estudos nesta área e para a demanda, cada vez maior, de trabalhos sobre este
tema na Espanha. Além da importância para as áreas de seguro e previdência,
estes autores observam que, com a crescente preocupação dos agentes sociais com
a provisão social, é necessário desenvolver técnicas para avaliar os custos
futuros com invalidez e incapacidade.
Segundo Benjamin e Pollard (1980), a mortalidade dos aposentados por invalidez
nos primeiros anos de invalidez é superior à daqueles com mesma idade que se
aposentaram por invalidez há mais tempo. Isto acontece porque os indivíduos com
piores condições de saúde tendem a morrer nos primeiros anos de invalidez. Este
efeito seletivo tende a desaparecer com o aumento da duração da invalidez.
As tábuas de mortalidade clássicas consideram que as probabilidades de morte
para um grupo homogêneo de pessoas dependem somente da idade alcançada por
elas. No caso dos aposentados por invalidez, as probabilidades de morte
dependem da idade de entrada na invalidez e à duração da mesma. Na literatura
atuarial, tábuas de mortalidade construídas a partir dessas probabilidades são
chamadas de tábuas seletas de mortalidade (BOWERS et al., 1997).
Diante da carência e da importância dos estudos sobre invalidez, o objetivo
principal deste trabalho é analisar a mortalidade dos aposentados por invalidez
do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), que rege a previdência básica,
universal e compulsória, de natureza pública, dos trabalhadores do setor
privado. Para tanto, foram construídas tábuas seletas de mortalidade para
homens e mulheres.
Na elaboração das tábuas seletas de mortalidade, foram utilizados os microdados
de todos os beneficiários de aposentadoria por invalidez, de clientela urbana,
cujos benefícios estiveram ativos entre 01/01/1999 e 31/12/2002. Este período
foi escolhido por referir-se à experiência recente dos segurados do RGPS e com
objetivo de minimizar os efeitos que as mudanças nas regras de concessão de
benefícios, introduzidas pela Ementa Constitucional n. 20, de 16/12/1998
(BRASIL, 1998a), possam ter causado sobre as transições dos segurados entre os
estados de atividade, invalidez e morte. Os benefícios rurais não foram
considerados neste estudo, devido à grande quantidade de beneficiários rurais
com sexo ignorado. Até abril de 1992, esta informação não era coletada pelos
postos de benefícios para os beneficiários rurais (AEPS, 2003, p. 266).
Material e métodos
Na primeira parte desta seção, descrevem-se os dados utilizados neste estudo e
suas limitações. A seguir são apresentados os métodos empregados na construção
das tábuas seletas de mortalidade para os segurados do RGPS, o que inclui:
definir o que são tábuas seletas de mortalidade e como construí-las; descrever
como foram calculadas as taxas de mortalidade, por idade alcançada do segurado
e duração da invalidez; e descrever os métodos de graduação utilizados para
suavização das taxas de mortalidade.
Os dados disponíveis e suas limitações
Entre os 2.362.835 beneficiários de aposentadoria por invalidez, de clientela
urbana, que estiveram ativos por algum momento no período de estudo, 8.700
(0,37%) foram excluídos da análise porque não apresentavam informações sobre as
datas de nascimento ou os dados existentes eram inconsistentes com as datas de
início e/ou de cessação de benefícios. Dos 2.354.135 beneficiários restantes,
328.723 apresentavam data de cessação dos benefícios, dos quais 68,24% eram
homens, 28,72% mulheres e 3,05% estavam registrados como sexo ignorado.
Entretanto, o fato de um benefício apresentar data de cessação no período de
estudo não é suficiente para considerá-lo cessado por óbito ou por outro
motivo, podendo ter sido suspenso. A suspensão ocorre quando há suspeita de
irregularidade nas condições que levaram à sua concessão e manutenção, ou
quando há suspeita de morte do beneficiário. Dos benefícios com data de
cessação no período de estudo, 94,09% encontravam-se efetivamente cessados e
5,91% suspensos, sendo que, desses últimos, 94,47% foram suspensos pelo Sistema
Informatizado de Controle de Óbitos (Sisobi), que capta informação dos
Cartórios de Registro Civil. Esses são obrigados por lei (artigo 68 da Lei
8.212, de julho de 1991, com redação dada pela Lei 8.870, de 15 de abril de
1994), a fornecer à Previdência Social, até o dia 10 de cada mês, o registro
dos óbitos ocorridos no mês anterior (BRASIL, 1998b). A Dataprev (Empresa de
Processamento de Dados da Previdência Social) identifica os beneficiários
mortos, a partir da comparação das informações de sua base de dados de
beneficiários com aquelas enviadas pelos cartórios, referentes ao nome do
falecido, nome da mãe, sexo, data e local de nascimento, etc. O benefício é
considerado suspenso pelo Sisobi quando, embora haja evidências do óbito do
beneficiário, essas não são suficientes para considerá-lo cessado.
Além do óbito, há outros motivos para cessação dos benefícios de aposentadoria
por invalidez. Na base de dados disponibilizados para este trabalho, a variável
motivo de cessação apresenta as seguintes categorias: óbito; recuperação da
capacidade de trabalho ou volta voluntária ao trabalho; concessão de outra
espécie ou transformação; e outros motivos. Na Tabela_1, são apresentados os
motivos de cessação dos benefícios, no período 1999-2002. De todos os
benefícios cessados, 49 não apresentavam informação sobre o motivo.
Observa-se, na Tabela_1, que uma parte expressiva dos benefícios cessados,
principalmente para as mulheres, foi classificada na categoria outros motivos.
Uma tabulação destes benefícios, segundo os motivos de cessação que compõem
esta categoria, foi solicitada ao Dataprev. Assim, verificou-se que 99,53% dos
benefícios de aposentadorias por invalidez, urbanos e rurais, classificados
como cessados por outros motivos, o foram por estarem suspensos há mais seis
meses. Além disso, a idade dos beneficiários na data de cessação era superior a
70 anos para mais de 70% destes benefícios, indicando que foram provavelmente
cessados por morte. Então, assumiu-se, no cálculo das taxas de mortalidade, que
estes benefícios foram cessados por óbito.
Dos 19.341 benefícios suspensos pelo Sisobi no período de estudo, de 01/01/1999
a 31/12/2002, 18.241 (94,47%) continuavam nessa situação, na data da extração
dos dados, em abril de 2004, portanto, há mais de um ano. Por este motivo, tais
benefícios foram considerados cessados no cálculo das taxas de mortalidade dos
aposentados por invalidez. Os benefícios suspensos pelo Sisobi foram
considerados cessados por óbito e os demais por outros motivos. Deste modo,
somando-se os benefícios cessados por óbito e por outros motivos com aqueles
suspensos pelo Sisobi, verifica-se que 98,8% do total de benefícios com data de
cessação entre 01/01/1999 e 31/12/2002 foram considerados cessados por morte.
Para os sexos masculino e feminino, estas porcentagens correspondem a,
respectivamente, 98,9% e 98,5%.
O fato de os benefícios suspensos pelo Sisobi e os cessados por outros motivos
terem sido considerados cessados por morte pode resultar na sobre-estimação das
taxas de mortalidade, principalmente para as mulheres, para as quais o motivo
outros corresponde a mais do que o dobro daquele para os homens (15,72% contra
6,52%).
Como as cessações das aposentadorias por invalidez podem ocorrer por vários
motivos, o modelo adequado para descrevê-las seria o de múltiplos decrementos.
Entretanto, os números de cessações atribuídas às causas diferentes do óbito
são muito pequenos (2.439 para os homens e 1.435 para as mulheres), o que
dificulta a estimação das taxas de cessação por estas causas, para cada idade
simples e duração do benefício de aposentadoria por invalidez. Por esse motivo,
apenas o decremento de morte foi considerado.
Tábuas seletas e últimas de mortalidade
A tábua de mortalidade é um instrumento que sintetiza de forma ordenada toda a
informação da variável aleatória T: o tempo de vida de um indivíduo para uma
população homogênea. As probabilidades tqx = P(T< x + t | T > x) são
condicionais à sobrevivência do indivíduo à idade x. Sob o pressuposto de que a
população de interesse é homogênea quanto à sua experiência de mortalidade,
nenhuma variável referente à história dos sobreviventes à idade x é considerada
na determinação de suas probabilidades de sobrevivência e morte futuras.
Nas situações em que se tem conhecimento de que alguma característica do
indivíduo à idade x possa afetar sua sobrevivência, o pressuposto acima será
inadequado para a realização de afirmações probabilísticas sobre sua
sobrevivência. Os modelos de tábuas seletas de mortalidade consideram a
história de invalidez dos indivíduos sobreviventes à idade x, através da idade
de entrada em invalidez e da duração da invalidez, assumindo que as
probabilidades de morte dependem destas duas quantidades. Enquanto no modelo
clássico de tábua de mortalidade a sobrevivência dos indivíduos é considerada
desde o seu nascimento, nas tábuas seletas interessa a sobrevivência a partir
da invalidez. Para cada idade de entrada em invalidez, chamada na literatura
atuarial de idade de seleção, uma tábua de mortalidade pode ser construída,
tendo a idade de entrada em invalidez como idade inicial. Então, para uma idade
fixa de entrada em invalidez, as probabilidades de morte dependem do tempo de
duração da invalidez. Os diferenciais de mortalidade tendem a diminuir com o
aumento da duração da invalidez. O espaço de tempo no qual o efeito da duração
é importante é chamado de período de seleção. Para um período de seleção de D
anos, probabilidades de mortalidade são calculadas para categorias de duração
0, ...., D-1, em cada grupo etário. As categorias de duração 0,..., D-
1 referem-se aos benefícios com durações, em anos completos, desde a entrada em
invalidez, isto é, com durações pertencentes aos intervalos [0,1),...,[D-1,D).
Para durações maiores ou iguais a D, as probabilidades de mortalidade são
consideradas função somente da idade alcançada pelo segurado.
Seja [x] a idade de seleção, dada pela idade do segurado na data de início do
benefício de aposentadoria por invalidez, que foi considerada a idade de
entrada em invalidez. Seja tq[x]+z a probabilidade de o indivíduo morrer entre
as idades x + z e x + z + t, uma vez que ele ficou inválido na idade x e
encontra-se nessa situação há z anos. As probabilidades tq[x]+z e cada uma das
funções da tábua de mortalidade dependem agora de duas variáveis: a idade de
entrada em invalidez; e a duração da invalidez. Estas funções podem ser
organizadas num arranjo bi-dimensional em [x] e z, chamado na literatura
atuarial de tábua seleta de mortalidade.
O desenho esquemático apresentado em Bowers et al. (1997) e reproduzido na
Figura_1 ajuda a entender a idéia da tábua seleta de mortalidade. Considere uma
pessoa que ficou inválida aos 30 anos. A probabilidade dela morrer no primeiro
ano de invalidez é 1q[30]+0, de morrer no segundo ano de invalidez é 1q[30]+1 e
assim por diante. Estas probabilidades estão representadas na primeira linha da
Figura_1. A segunda linha contém as probabilidades de morte para uma pessoa que
se tornou inválida aos 31 anos.
O impacto da duração da invalidez sobre as distribuições do tempo de
sobrevivência futuro de pessoas com mesma idade deve diminuir com o aumento da
duração da invalidez, de tal modo que, além do período de seleção, D, pode-se
assumir que as probabilidades de morte dependem somente da idade alcançada pelo
grupo de sobreviventes, isto é:
No exemplo da Figura_1, no qual o período de seleção é de 15 anos, a
probabilidade de uma pessoa com 45 anos de idade, que ficou inválida antes dos
30 anos, morrer no próximo ano é considerada a mesma, independente da invalidez
ter acontecido aos 29 anos, aos 28 anos ou em idades ainda menores.
Considerado que o efeito da duração da invalidez não é importante após o
período de seleção, o arranjo bi-dimensional descrito na Figura_1 pode ser
truncado ao fim do período de seleção, resultando num conjunto de tabelas de
mortalidade, chamado de tábuas seletas e última ("select and ultimate tables").
O arranjo resultante continua tendo um conjunto de tabelas de mortalidade, uma
para cada idade de entrada em invalidez.
As probabilidades de mortes para durações além do período de seleção são
expressas como função, somente, da idade do segurado. Por exemplo, para um
período de seleção de 15 anos, as probabilidades de morte q[30]+16 e q[29]+17
são ambas expressas como q46. A tábua de mortalidade gerada a partir das
probabilidades de morte calculadas para os sobreviventes ao período de seleção
é chamada de tabela última ("ultimate table"). Na Figura_1, esta tabela
corresponde àquela gerada pelas probabilidades de morte q45, q46, q47,....,
chamadas de probabilidades de morte últimas ("ultimate").
Segundo Bowers et al. (1997), as probabilidades últimas de morte, para cada
idade [x] + D, podem ser estimadas considerando as informações sobre o número
de mortes e a exposição ao risco associadas a todas as idades de seleção
menores do que [x] e durações maiores do que D, que resultem numa idade
alcançada x = [x] + D. Por exemplo, considerando um período de seleção de 15
anos e a idade de 20 anos como a menor idade possível para entrada em
invalidez, os dados referentes às combinações de idade de seleção e duração (
[20],20), ([21],19), ([22],18), ([23],17), ([24],16) e ([25],15) podem ser
utilizados para estimar q40. A estimativa obtida para q40 será uma média
ponderada das estimativas de mortalidade para as diferentes idades de seleção.
As estimativas das probabilidades foram obtidas em função das taxas centrais de
mortalidade, tmx, assumindo que o número de sobreviventes à idade x varia
linearmente com a idade, como . A partir
dos valores de tqx, todas as outras funções da tábua de mortalidade são
obtidas.
Obtenção das taxas seletas e últimas de mortalidade
Conhecidas as histórias de nascimento, invalidez e morte dos beneficiários de
aposentadoria por invalidez, cujos benefícios estiveram ativos no período de
estudo, estimativas das intensidades de mortalidade foram obtidas através do
método da máxima verossimilhança.
Considere, inicialmente, a situação em que as intensidades de transição são
funções somente da idade do beneficiário. Suponha-se que M mortes são
observadas entre as idades x e x +1, para um grupo de N beneficiários de
aposentadoria por invalidez, cujos benefícios estiveram ativos durante o
período de observação, que, neste estudo, vai de 01/01/1999 a 31/12/2002.
Suponha-se que, no intervalo de idade [x, x+1), o beneficiário é observado
entre as idades x+ti, 0 < ti < 1 e x+ui, ti < ui < 1. Sob o pressuposto de que,
entre as idades x e x +1, a taxa instantânea de mortalidade,
, é constante, o estimador de máxima verossimilhança de
m é
No numerador, tem-se o número de mortes ocorridas entre as idades x e x + 1 e,
no denominador, a soma dos tempos de exposição ao risco para todos os
beneficiários entre as idades x e x + 1. O estimador de máxima verossimilhança,
<formula/>, é também obtido quando a variável
aleatória M, número de transições da invalidez para morte, segue uma
distribuição Poisson com intensidade de transição m e média e variância [/img/
revistas/rbepop/v24n1/06s04.gif].
Para durações de invalidez menores do que D, as intensidades de transição
dependem da idade do beneficiário e do tempo de duração da invalidez. Neste
caso, o estimador de m é obtido assumindo que é constante na região [ x, x + 1)
x [ z, z + 1), onde z é a duração da invalidez. O estimador resultante tem a
mesma forma daquele obtido acima, com a diferença de que M é o número de mortes
e <formula/> é o tempo total de exposição ao risco
observados na região [x, x+1)x[z,z+1).
Para estimar as taxas de mortalidade dos inválidos, por idade e duração, são
necessárias as datas de nascimento, de início e de cessação de benefício. Estas
datas foram disponibilizadas de forma incompleta pelo MPS/Dataprev. As de
nascimentos restringiram-se ao ano e as datas de início e cessação de
benefícios, aos meses e anos de ocorrência destes eventos. Para solucionar este
problema, adotou-se o procedimento utilizado por Zayats (1999 e 2005), que, ao
construir tábuas seletas de mortalidade para os beneficiários de seguro-
incapacidade da "Social Security American" (SSA), fez os dias e meses de
nascimento coincidirem com os dias e meses de início de benefício. Nos
trabalhos de Zayatz, isto foi feito para facilitar o cálculo dos tempos de
exposição ao risco de cessação dos benefícios dentro de cada região [x, x+1)x
[z,z+1), pois, desta forma, os aniversários dos benefícios e beneficiários
coincidem. Dada a ausência de informação sobre os dias das ocorrências dos
eventos nascimento, início e cessação de benefícios, estes eventos foram
alocados ao 15º dia dos respectivos meses de suas ocorrências.
Os tempos de exposição de cada beneficiário dentro de cada região [x, x+1)x
[z,z+1) foram obtidos como no exemplo seguinte. Considere um beneficiário que
nasceu em 1950, ficou inválido em maio 1995 e teve o benefício cessado em
setembro de 2002. O tempo de observação para este beneficiário, neste estudo,
começa em de 01 de janeiro de 1999 e termina em 15 de setembro de 2002. Então,
para este beneficiário, tem-se que:
- nascimento: 15 de maio de 1950;
- início de benefício: 15 de maio de 1995;
- idade na DIB: 45 anos;
- início do período de observação: 01 de janeiro de 1999;
- idade no início do período de observação: 48,63 anos;
- idade em anos completos no início do período de observação: 48
anos.
- duração do benefício no início da observação: 3,64 anos;
- duração em anos completos no início do período de observação: 3
anos;
- fim do período de observação: 15 de setembro de 2002;
- idade no fim do período de observação: 52,35 anos;
- idade em anos completos no fim da observação: 52 anos.
Os tempos de exposição ao risco de morte deste beneficiário, para as
combinações de idades e duração observadas, entre 01/01/1999 e 31/12/2002, são
apresentados na Tabela_2.
Os tempos de exposição e o número de óbitos foram calculados para cada
combinação de idade simples e duração, a partir das informações de todos os
beneficiários cujos benefícios estiveram ativos no período de estudo. Isto foi
feito, separadamente, para cada sexo. Os tempos pessoas-ano de exposição e o
número de mortes para os beneficiários com sexo ignorado foram distribuídos
proporcionalmente entre os sexos masculino e feminino, a partir das
distribuições destas quantidades, por idade simples e duração, observadas para
cada sexo.
Obtidos os números de mortes e a soma dos tempos pessoas-ano de exposição ao
risco de mortalidade, para cada combinação de idade alcançada pelo beneficiário
e duração do benefício de aposentadoria por invalidez, foram calculadas
estimativas das taxas de mortalidade, usando os estimadores de máxima
verossimilhança.
Graduação das taxas de mortalidade
Graduação é o processo pelo qual as taxas ou probabilidades de morte, ou de
outro decremento de interesse, são suavizadas. É esperado que, comparadas às
taxas brutas de mortalidade, as taxas suavizadas reflitam, mais proximamente, a
variação existente nas verdadeiras e desconhecidas taxas de mortalidade. A
graduação assegura que o modelo de sobrevivência resultante apresente grau de
suavidade, de modo que as funções calculadas a partir dele, tais como as
quantidades atuariais de prêmios e reservas matemáticas, também compartilhem
esta propriedade (HABERMAN e PITTACO, 2000).
Os dados usados para graduar as intensidades de morte dos aposentados por
invalidez consistem num conjunto de n pares ordenados (iu ,eu), definidos sob
um arranjo de células indexadas por u. As quantidades iu e eu são,
respectivamente, o número de mortes e o tempo total de exposição ao risco
observados para a célula u. Nos casos em que a mortalidade depende da idade
alcançada pelo segurado e da duração da invalidez, cada célula u corresponde a
uma região [x, x+1)x[z,z+1) e (iu ,eu) = (ix,z ,ex,z), onde x é a idade
alcançada pelo segura do e z, a duração da invalidez. Nos casos em que a
mortalidade depende somente da idade alcançada, as células u referem-se aos
intervalos etários [x, x+1) e (iu ,eu) = (ix ,ex). Os valores de (iu ,eu) foram
obtidos como descrito anteriormente, na seção Tábuas seletas e últimas de
mortalidade.
Embora os segurados do RGPS estejam expostos ao risco de invalidez desde a sua
filiação no sistema, o que pode acontecer a partir dos 15 anos, neste estudo
foram considerados somente os dados obtidos para idades de entrada em invalidez
entre 20 e 70 anos. Para o período de estudo, há poucos casos de invalidez
antes dos 20 anos. A idéia inicial era considerar, como limites máximos para
concessão de aposentadoria por invalidez, as idades mínimas exigidas para
concessão de aposentadorias por idade aos trabalhadores urbanos: de 60 anos,
para as mulheres; e 65 anos, para os homens. Entretanto, há um contingente
expressivo de aposentadorias por invalidez concedidas após estas idades,
principalmente para as mulheres. Assim, na construção das tábuas de
mortalidade, 70 anos foram estabelecidos como a idade máxima de entrada em
aposentadoria por invalidez.
Para objetivos da modelagem, os dados de cada célula (ix,z ,ex,z) foram
alocados aos pontos médios dos intervalos de idade alcançada [x, x+1) e duração
[z,z+1). Por exemplo, os valores observados de (ix,z ,ex,z) para a região [30
,31) x [3,4) foram alocados aos pontos médios 30,5 anos e 3,5 anos.
Procedimento semelhante foi adotado por Renshaw e Haberman (1995).
Para graduar as intensidades de mortalidade dos inválidos, foram utilizados
modelos de Poisson. Suponha-se que as quantidades iu, u = 1,....n, são
variáveis aleatórias independentes, com distribuição de Poisson, com média E
(iu) = lu = eumu, onde mu é o tempo pessoas-ano de exposição ao risco de morte
observado para a célula u e mu corresponde à intensidade de mortalidade que se
deseja estimar.
O logaritmo do número esperado de mortes, lu, pode ser escrito como:
com ln(eu) assumido conhecido e considerado termo "offset" do modelo, isto é,
uma variável independente com coeficiente conhecido igual a 1. O logaritmo da
intensidade de mortalidade é modelado como [/img/revistas/rbepop/v24n1/
06s06.gif]. As quantidades hi(u) são as p variáveis explicativas definidas como
funções u = (x,z), nos modelos para as mortes ocorrendo dentro do período de
seleção, e como função de u = x, nos modelos para o número de mortes ocorrendo
além do período de seleção. No primeiro modelo, as variáveis hi(u) foram
expressas como polinômios ortogonais (DRAPER e SMITH, 1998) para idade e o
logaritmo da duração do benefício, e como termos de interação entre esses dois
polinômios. A transformação logarítmica para a variável duração da invalidez
mostrou-se apropriada, tendo em vista que as diferenças entre as intensidades
de mortalidade tendem a diminuir com o aumento da duração. No modelo das mortes
ocorrendo além do período de seleção, foi considerado um polinômio ortogonal
para idade alcançada pelo segurado.
O modelo de Poisson pertence à classe dos modelos lineares generalizados, para
os quais os estimadores de máxima verossimilhança dos parâmetros do modelo
podem ser obtidos pelo método iterativo de mínimos quadrados ponderados. Mais
detalhes podem ser obtidos em McCullagh e Nelder (1989) e Cameron e Triverdi
(1998). Os resíduos de Pearson <formula/>, com [/
img/revistas/rbepop/v24n1/06s08.gif] uma estimativa da variância de iu, foram
utilizados para detectar a falta de ajuste do modelo.
Depois de ajustados os modelos para as mortes ocorrendo dentro e fora do
período de seleção, estimativas das taxas de mortalidade dos aposentados por
invalidez foram obtidas como <formula/> A partir
destas estimativas, tábuas seletas e últimas de mortalidade foram construídas
para homens e mulheres.
Considerou-se como último grupo etário das tábuas de vida o intervalo 100 anos
e mais. O número de anos vividos a partir da idade 100, L100+, foi calculado
dividindo o número de sobreviventes nesta idade pela taxa de mortalidade m100+,
calculada como a média das taxas de mortalidade obtidas para as idades maiores
ou igual a 100 anos, ponderadas pelo número de sobreviventes na idade x, isto
é, <formula/>.
Resultados
Os tempos pessoas-ano de exposição ao risco de morte, os números de mortes
observados e as taxas de mortalidade estimadas para os aposentados por
invalidez do RGPS, cujos benefícios iniciaram dos 20 aos 70 anos e estiveram
ativos por algum instante entre 01/01/1999 e 31/12/2002, foram calculados por
idade de início e duração do benefício, para cada sexo. Os benefícios com
durações maiores ou iguais a 25 anos foram agregados numa única categoria de
duração. O total dos tempos pessoas-ano de exposição ao risco de morte
utilizado na estimação das taxas de mortalidade dos beneficiários foi de
4.612.349,61, para homens, e 3.006.045,42, para as mulheres, e o total de
mortes correspondeu, respectivamente, a 227.821 e 94.422.
As taxas de mortalidade foram graduadas através do ajuste de modelos de
Poisson. Para cada sexo, dois modelos foram ajustados. O primeiro, denominado
Modelo Idade e Duração, para as mortes ocorrendo dentro do período de seleção,
no qual as taxas de mortalidade dependem da idade alcançada pelo beneficiário e
da duração do benefício. O segundo, chamado de Modelo Idade, para as mortes
ocorrendo além do período de seleção, no qual as taxas de mortalidade dependem
somente da idade alcançada pelo beneficiário. Períodos de seleção de 20 e 25
anos, respectivamente, foram considerados para homens e mulheres. Os períodos
de seleção foram escolhidos de modo que a transição entre as estimativas
graduadas das taxas de mortalidade referentes ao último ano do período de
seleção e as estimativas das taxas últimas ocorressem de forma suave.
Para o sexo masculino, o Modelo Idade e Duração ajustado tem como preditores
lineares um polinômio de quinto grau para a idade alcançada pelo segurado, um
polinômio de terceiro grau para logaritmo da duração e interações entre os
termos de ordem menor ou igual a quatro do primeiro polinômio com os termos do
segundo polinômio. Para o sexo feminino, o modelo ajustado tem como preditores
lineares um polinômio de quarto grau para idade alcançada, um polinômio de
terceiro grau para o logaritmo de duração e termos de interação entre eles.
Para cada sexo, o modelo idade ajustado tem como preditor linear um polinômio
de terceiro grau para idade alcançada pelo beneficiário.
Nos Gráficos_1 e 2 são apresentadas as taxas de mortalidade estimadas pelo
Modelo Idade e Duração e pelo Modelo Idade, segundo idade alcançada, para
algumas durações, respectivamente, para homens e mulheres.
Nota-se, nos Gráficos_1 e 2, que o efeito da duração da invalidez sobre a
mortalidade é maior nos primeiros anos de duração do benefício e tende a
diminuir com a idade. O maior impacto é observado entre as duas primeiras
durações. Para idades superiores a 70 anos, as taxas de mortalidade são muito
parecidas, independentes de duração. De certa forma isto é esperado, pois,
sendo a morte um evento certo, a heterogeneidade nas probabilidades de morte
dos sobreviventes deve diminuir, quanto mais próxima estiver a idade máxima
para a vida humana.
No Gráfico_1, observa-se que as taxas de mortalidade graduadas para durações
maiores ou iguais aos 20 anos são menores do que aquelas obtidas para algumas
durações menores, para idades inferiores ou igual a 60 anos. O esperado seria
que estas taxas fossem tão pequenas quanto aquelas calculadas para a duração
igual a 19,5 anos. Uma das explicações para isso pode ser a pior qualidade das
informações para os benefícios mais antigos, isto é, com maiores durações. Por
esse motivo, para construção da tábua de vida para o sexo masculino, as taxas
de mortalidade para estas idades e duração 20 anos e mais foram consideradas
iguais àquelas obtidas para duração igual a 19,5 anos. No Gráfico_2 alguns
pontos merecem destaque. Primeiro, as taxas de mortalidade das mulheres no
primeiro ano de recebimento do benefício de aposentadoria por invalidez
diminuem à medida que aumenta a idade alcançada, mesmo nas mais avançadas. Isto
é explicado, em parte, pelo fato de que, no primeiro ano de benefício,
praticamente 50% das mortes ocorrem entre os aposentados por neoplasias, que é
uma importante causa de invalidez nas idades mais jovens. Segundo, para as
idades acima de 60 anos (a idade mínima para concessão de aposentadoria por
idade), existe um efeito seletivo da duração, ao contrário do esperado (Gráfico
2). Parcela significativa das aposentadorias por invalidez ocorre, entre as
mulheres, depois dos 60 anos, quando há maior incidência de concessão de
benefícios por doenças ósseo-musculares, para as quais menores taxas de
mortalidade são esperadas.
A partir das taxas suavizadas, tábuas seletas e últimas de mortalidade foram
construídas para cada sexo. A última idade alcançada considerada nos Modelos
Idade foi 95 anos, para homens e mulheres. Taxas de mortalidade para idades
além dos 95 anos dependem somente da idade alcançada pelo beneficiário. Elas
foram obtidas assumindo que aos 120 anos as taxas de mortalidade de homens e
mulheres são iguais a 1, e interpolando linearmente os logaritmos das taxas de
mortalidade das idades 95 e 120 anos.
As probabilidades de morte q[x]+z, para homens e mulheres, são apresentadas nas
Tabelas_3 e 4 e as esperanças de vida, e[x]+z, nas Tabelas_5 e 6. Nestas
tabelas, as diagonais em negrito correspondem a uma mesma idade alcançada e
diferentes durações. Por exemplo, na Tabela_4, referente aos homens, os valores
na primeira diagonal em negrito, de cima para baixo, correspondem às
probabilidades de os aposentados por invalidez, que alcançaram 30 anos,
morrerem no próximo ano, para diferentes durações do benefício. A probabilidade
de morte, para um segurado que se aposentou aos 30 anos, é igual a 0,331,
enquanto para um aposentado com 30 anos, que sobreviveu ao primeiro ano de
benefício, é igual a 0,0219. Estas probabilidades continuam declinando com o
aumento da duração, de tal modo que a probabilidade de um aposentado com 30
anos e duração de benefício igual a dez anos morrer no próximo ano é igual a
0,0158.
Para os aposentados por invalidez até os 30 anos, as esperanças de vida para
duração igual a 0 foram menores do que aquelas observadas para a duração igual
a 1, reflexo da maior diferença observada entre as probabilidades de morte para
estas duas durações nas idades mais jovens. Nota-se, também nas Tabelas_5 e 6,
que o efeito da duração sobre as esperanças de vida diminui conforme aumenta a
idade alcançada.
Considerações finais
Neste estudo, procurou-se retratar o processo de mortalidade dos aposentados
por invalidez, de clientela urbana, do Regime Geral da Previdência Social. Com
este objetivo foram construídas tábuas seletas e últimas de mortalidade para
cada sexo, a partir dos registros administrativos da Dataprev, relativos a
todos os beneficiários de aposentadoria por invalidez, cujos benefícios
estiveram ativos entre 01/01/1999 e 31/12/2002.
Com exceção das idades muito jovens de entrada em invalidez, as mulheres
apresentam, nos primeiros anos de aposentadoria, probabilidades de morte
menores do que os homens, o que indica que os homens aposentam-se em condições
de saúde mais precárias do que as mulheres.
Como observa Vallin (2005), "a mulher, mais propensa à moderação, exercendo
atividades menos nocivas e de maneira provavelmente mais respeitadora de sua
saúde, mais inclinada a cuidar de seus corpos e preservar suas vidas, as
mulheres souberam naturalmente tirar melhor proveito dos progressos médico e
social".Isto, provavelmente, contribui para que elas se aposentem por invalidez
em melhores condições de saúde e também para que, uma vez aposentadas por
invalidez, vivam em média mais tempo do que os homens.
Muito pouco se conhece sobre a mortalidade da população brasileira e menos
ainda a respeito da mortalidade dos aposentados por invalidez. Espera-se que os
resultados obtidos sejam úteis para compreender estes processos e também para a
Previdência Social na realização de projeções de beneficiários e de gastos
futuros com aposentadorias por invalidez.