Background familiar versus perfil escolar do município: qual possui maior
impacto no resultado educacional dos alunos brasileiros?
Introdução
Na trajetória escolar das pessoas, vários fatores podem influenciar seu
sucesso, entre os quais se destacam aqueles relacionados ao ambiente familiar e
a disponibilidade e qualidade da infra-estrutura da escola e seus professores.
O impacto da família refere-se, principalmente, à sua influência sobre a
demanda educacional. De acordo com Silva e Hasenbalg (2001), existem três
dimensões importantes com relação à estrutura familiar que afetam o desempenho
do aluno na escola: o capital econômico, ou seja, os recursos financeiros
disponíveis para os gastos educacionais dos filhos; o capital cultural da
família ou recursos educacionais, que podem propiciar um ambiente mais adequado
ao aprendizado; e a estrutura dos arranjos familiares, que pode facilitar ou
prejudicar a ação dos indivíduos dentro da estrutura social.
Já os fatores escolares estão relacionados à oferta escolar, em termos tanto da
sua disponibilidade quanto da sua qualidade, e eus efeitos seriam de minimizar
o impacto da família no resultado educacional do indivíduo.
O debate sobre o impacto da família e da escola no resultado educacional já
está bem adiantado nos países desenvolvidos, mas longe de se chegar a um
consenso. Um dos primeiros estudos a abordar essa questão foi o Relatório de
Coleman (COLEMAN et al., 1966), que concluiu que nos Estados Unidos os fatores
de background familiar são mais importantes do que os escolares na determinação
do desempenho educacional da criança. Esse trabalho deu subsídio a vários
outros que estenderam a análise para outros indicadores educacionais (HANUSHEK,
1998 e 2002; KRUEGER, 1998 e 2000; LEE; BARRO, 1997). Esses estudos tanto
confirmaram os achados de Coleman como discordaram. Grande parte da
controvérsia é devida à utilização de diferentes metodologias e tratamento das
variáveis.
Nos países em desenvolvimento, esse debate ainda é recente, mas a maioria con-
corda com o grande impacto dos fatores familiares, porém, os efeitos da escola
e dos professores não podem ser desprezados (BUCHMANN; HANNUM, 2001). O maior
impacto da qualidade da escola e dos professores nos países em desenvolvimento,
quando comparados àqueles desenvolvidos, pode estar refletindo a maior
variabilidade dos recursos escolares nos primeiros, bem como a maior
vulnerabilidade das famílias.
No Brasil, muitos estudos sobre os determinantes educacionais têm enfocado
principalmente o papel da família na educação dos filhos (SILVA; HASENBALG,
2001; FERNANDES, 2002; BARROS; LAM, 1996), mostrando que os fatores de
backgroundfamiliar, principalmente a educação dos pais, possuem grande
influência no resultado educacional. Esse tipo de análise é importante para o
entendimento da educação, sobretudo em termos da estratificação educacional,
uma vez que demonstra que pais pobres e com nível educacional mais baixo
geralmente transferem baixa escolaridade para os filhos.
Já os estudos que incluem, além dos fatores familiares, aqueles relacionados à
escola e ao ambiente comunitário (BARROS et al. 2001; RIOS-NETO; CÉZAR; RIANI,
2001) mostram que, apesar do importante impacto da família, os fatores
relacionados à escola e à comunidade também provocam grande efeito no resultado
educacional. Essa análise também é relevante, pois, além de auxiliar na
formulação de políticas públicas educacionais mais eficazes, possibilita
verificar até que ponto os fatores escolares minimizam a influência da família
no resultado educacional do indivíduo.
Assim, o objetivo desse artigo é investigar os determinantes do resultado
educacional nos níveis de ensino fundamental e médio no Brasil, considerando
fatores relacionados ao background familiar e a estrutura escolar dos
municípios. Essa análise é importante por examinar quais fatores do perfil
escolar dos municípios podem diminuir a importância do ambiente familiar,
reduzindo, dessa forma, a estratificação educacional, ou seja, a relação entre
a trajetória escolar do indivíduo e sua origem social.
Para tanto, utilizou-se como pano de fundo a abordagem da Função de Produção
Educacional (FPE), que analisa como os diversos insumos do processo de educação
podem afetar os resultados educacionais de um indivíduo, sendo relevante por
guiar a escolha dos principais determinantes educacionais.
De acordo com essa abordagem, os insumos educacionais podem ser divididos em
três conjuntos de fatores. O primeiro incorpora os fatores relacionados à
família, que, como já mencionado, alteram a demanda por educação, como, por
exemplo, os recursos, a estrutura e o nível socioeconômico familiar. O segundo
agrupa aqueles associados à escola, como infra-estrutura, nível educacional dos
professores, tamanho de classes e organização escolar. E, por fim, o terceiro
engloba fatores relacionados à comunidade, como estoque de capital e recursos,
os quais, juntamente com o anterior, alteram a oferta educacional. A FPE foi
especificada utilizando a modelagem hierárquica, que proporciona uma melhor
obtenção das estimativas para os parâmetros, já que lida com a quebra de alguns
pressupostos dos modelos clássicos.1
Outra vantagem dos modelos hierárquicos, que será importante nesse artigo,
refere-se à possibilidade de analisar a interação entre os fatores de
background familiar e as variáveis da rede escolar dos municípios. Pode-se
observar, por exemplo, se a melhora na qualidade dos serviços educacionais
ofertados em um município tem maior impacto nos filhos de mães menos
escolarizadas do que naqueles cujas mães possuem maior escolaridade.
Como resultado educacional, considerou-se a probabilidade de o aluno estar
cursando determinada série na idade correta, tanto no ensino fundamental quanto
no médio. Através dessa probabilidade, tentou-se captar a eficiência e o
rendimento do sistema escolar, que estão relacionados com a repetência e/ou
entrada tardia no sistema de ensino. Segundo dados do Censo Demográfico de
2000, no Brasil, a distorção entre a idade e a série adequada cursada é
bastante alta nos dois níveis de ensino. No caso do fundamental, 54% das
matrículas correspondiam a alunos com idade superior à considerada adequada
para a série. No nível médio o quadro é ainda pior, pois 66% dos alunos
matriculados possuíam idade superior àquela considerada adequada.
Aspectos metodológicos
Da mesma forma como em alguns trabalhos anteriores (RIANI, 2007; HANUSHEK,
2002; KRUEGER, 1999), a Função de Produção Educacional (FPE) foi utilizada como
ponto de partida para analisar o impacto de alguns insumos escolares no
resultado educacional. A FPE foi estimada por meio de modelo logístico
hierárquico de dois níveis, em que o primeiro nível considera o indivíduo e o
segundo, o município.
Esse modelo pode ser descrito da seguinte forma:2
Nível 1:
Nível 2:
[/img/revistas/rbepop/v25n2/a04form02.jpg]
Em que:
πijé a probabilidade de sucesso para o indivíduo i;
i = 1, 2, ..., nj unidades de nível 1, que nesse caso são os
indivíduos;
j = 1, 2, ..., J unidades de nível 2, que são os municípios;
β0j eβ1j os coeficientes do intercepto e da variável independente do
nível 1, assumidos aleatórios;
γ00 eγ10 são os parâmetros da parte fixa do modelo, comum a todos os
indivíduos;
eijé o efeito aleatório associado ao nível 1, ou seja, a quantidade
aleatória para o ith indivíduo na jth unidade;
u0j e u1j são os efeitos aleatórios do nível 2;
X1ij é o vetor de variáveis independentes do nível 1;
Wj é o vetor de variáveis independentes medidas no nível 2.
Como pode ser visto nas equações anteriores, o intercepto e a inclinação não
são os mesmos para todas as unidades de nível 2. A variação pode se dar pelo
efeito de alguma variável explicativa de nível 2 e por componente aleatório.
Cabe ressaltar que, no Brasil, os trabalhos clássicos que utilizam os modelos
hierárquicos para a análise escolar consideram no primeiro nível o aluno e, no
segundo, a escola (FLETCHER, 1998; ALBERNAZ et al., 2002; CÉSAR; SOARES, 2001;
FERRÃO, et al., 2001; BARBOSA; FERNANDES, 2001). Esses estudos utilizam a base
de dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica - Saeb e estão voltados
para o estudo dos fatores associados ao desempenho escolar dos alunos. A
despeito da importância desse foco, já que os resultados do Saeb indicam que a
qualidade do ensino é baixa, o interesse do presente artigo é complementar
esses estudos, analisando outro grande problema do ensino brasileiro, que é a
alta distorção idade/série, conseqüência de uma alta repetência e/ou entrada
tardia na escola.
Diferente dos trabalhos citados anteriormente, nesse artigo a unidade de nível
2 corresponde aos municípios. Dessa forma, os fatores de insumos escolares e de
professores foram agrupados por município. Em outras palavras, os insumos
escolares são representados por aqueles que caracterizam a rede escolar do
município e o objetivo passa a ser a rede de ensino eficaz. Assim busca-se
saber como o perfil da oferta escolar dos municípios determina o resultado
educacional do estudante.
Os municípios brasileiros possuem um perfil escolar bastante heterogêneo:
alguns possuem a maioria dos estabelecimentos com boa qualidade da infra-
estrutura e dos recursos humanos escolares, bem como grande oferta em todos os
níveis de ensino, enquanto outros têm uma rede escolar bastante precária, com
baixa qualidade no que se refere à infra-estrutura e aos recursos humanos
escolares, além de grande restrição de oferta - alguns nem sequer oferecem a
segunda metade do ensino fundamental e o ensino médio. Dessa forma, é
importante saber se a rede escolar do município faz diferença para o resultado
educacional dos estudantes.
Tratamento das variáveis e base de dados
Considerou-se como resultado educacional a eficiência do aluno na escola
captada pela probabilidade de o aluno freqüentar a escola na idade correta, que
expressa o grau de repetência e a entrada tardia no sistema de ensino. Como no
modelo logístico hierárquico, as variáveis dependentes são medidas no nível 1,
ou seja, o indivíduo. Essa probabilidade foi modelada utilizando as seguintes
categorias como variável resposta: "1", para o aluno que esteja cursando a
série adequada à sua idade; e "0", caso contrário. Como se pretende analisar os
ensinos fundamental e médio, foram utilizadas duas amostras diferentes de
acordo com a idade adequada de cursar cada nível de ensino. Dessa forma, para o
fundamental, foram considerados os alunos de 7 a 14 anos e, para o ensino
médio, aqueles de 15 a 17 anos de idade.
Conforme já mencionado, as variáveis independentes foram selecionadas tendo
como pano de fundo a FPE. Como esse trabalho considera o aluno no primeiro
nível do modelo hierárquico, as variáveis independentes nesse nível estão
relacionadas aos atributos pessoais (idade, sexo, cor e situação de domicílio)
e ao backgroundfamiliar dos alunos.
A idade do aluno foi medida de forma contínua (anos completos de idade) e sua
inclusão é importante, pois vários estudos demonstram que existe uma relação
negativa entre a idade e a repetência, ou seja, quanto mais velha a criança
maior a probabilidade de freqüentar séries abaixo da adequada para a sua idade.
O sexo também foi considerado para controlar as possíveis diferenças em relação
ao gênero. Portanto, foi incluída uma variável categórica, sendo "1", para os
homens, e "0", para as mulheres. Espera-se que o sinal dessa variável seja
negativo, ou seja, que os homens tenham uma pior performance em relação às
mulheres, já que a maioria dos estudos mostra que as mulheres jovens apresentam
resultados educacionais superiores aos dos homens.
Outro fator de controle muito importante é a cor do indivíduo. A relevância
dessa variável para o caso brasileiro é analisada em vários estudos de
estratificação social (FERNADES, 2001; SILVA; HASENBALG, 2001), que encontraram
um forte efeito da cor sobre as transições escolares. Os resultados mostram que
os negros (cor preta ou parda) possuem desvantagem educacional em relação aos
brancos, mesmo depois de se controlar por variáveis socioeconômicas. Tal fato
pode estar refletindo fatores discriminatórios ou culturais. Dessa forma, a
variável cor foi considerada nas regressões de forma categórica, sendo "1" para
brancos e amarelos e "0" para pretos e pardos (ou negros).
A situação de residência do indivíduo, morador da zona rural ou urbana, foi
outra variável controle, codificada da seguinte forma: "1", se a pessoa for
moradora da área urbana; e "0", caso contrário. Essa variável tentou captar os
diferenciais urbano/rural no desempenho do sistema escolar.
Como o presente trabalho propõe analisar o impacto do background familiar
versus o perfil escolar dos municípios, as variáveis relacionadas ao ambiente
familiar são extremamente importantes. Tendo como base estudos anteriores sobre
os determinantes educacionais,3 consideraram-se as seguintes variáveis de
background familiar:
escolaridade da mãe- foi medida em termos dos anos de estudo
completo da mãe, variando de 0 a 16 anos de estudo. De acordo com
Silva e Hasenbalg (2001), essa variável representa o "capital
cultural" familiar, sendo que a hipótese é de que crianças
pertencentes a famílias com baixo capital cultural (nesse caso mães
com baixa escolaridade) apresentam pior desempenho na escola, com
maiores chances de evasão e de repetência. Alguns estudos utilizam a
educação do chefe ou dos pais separadamente, porém, a escolha da
escolaridade da mãe deveu-se ao fato desta ser mais importante na
determinação do resultado educacional dos filhos do que a do pai,
como mostra vários trabalhos, entre os quais os de Lam e Barros
(1995) e Rios-Neto, Cesar e Riani (2001);
categoria de ocupação do chefe- foi utilizada a agregação de
ocupação proposta por Silva (1973 e 1985), que busca uma
homogeneização das categorias ocupacionais e leva em conta o nível
educacional exigido para o exercício de cada ocupação, o tipo de
especialização de suas funções e o nível de rendimento,
estratificando-os em três níveis ocupacionais: nível superior e
gerencial; nível médio; e nível manual. Para não perder informação
das famílias cujos chefes não estão ocupados, criouse uma quarta
categoria para os inativos, ou seja, os desempregados ou aposentados.
Nas regressões, a categoria de referência foi a de nível manual. A
categoria de ocupação do chefe é indicadora tanto do "capital
econômico" quanto do "capital cultural" da família, já que expressa
tanto o nível de rendimento de cada ocupação como o de instrução.
Pode-se supor também que há uma correlação dessas variáveis com a
educação paterna, uma vez que a maioria das famílias é chefiada por
homens;
chefia feminina- foi incluída como variável dicotômica, sendo "1"
para os domicílios chefiados por mulher e "0", caso contrário.
Segundo Silva e Hasenbalg (2001), essa variável está relacionada com
o "capital social" e reflete o fato de a família ser quebrada ou não,
já que a maioria das famílias chefiadas por mulheres é monoparental;
família convivente- também foi medida de forma dicotômica,
assumindo os seguintes valores: "1" para famílias que convivem com
outras no mesmo domicílio e "0", caso contrário. Pode-se dizer que
essa variável também reflete o "capital social", pois está
relacionada com os aspectos da estrutura familiar, como, por exemplo,
o caso de filhos de mães solteiras que moram com os avós. Ela também
foi incluída como forma de controlar o fato de outras pessoas adultas
pertencentes a outra família, mas que convivem no mesmo domicílio,
interferirem na educação do indivíduo, seja por possuir maior nível
educacional, seja por ter maior renda.
Cabe ressaltar que algumas variáveis de background familiar, reconhecidamente
importantes para o desempenho escolar do indivíduo, como é o caso da renda
familiar per capita e do número de filhos na família, foram omitidas na
análise. Optou-se por essa omissão por elas estarem sujeitas a possíveis vieses
de simultaneidade, o que requer uma discussão teórica mais aprofundada. Somado
a isso, a educação materna e a categoria de ocupação do chefe podem possuir uma
forte correlação com essas variáveis.
As variáveis explicativas incluídas no segundo nível tiveram a finalidade de
captar as condições de oferta escolar do município e as características
municipais que possam influenciar o desempenho escolar dos indivíduos. Os
fatores da rede escolar do município estão relacionados à qualidade,
disponibilidade e distribuição dos serviços educacionais.
Para medir a qualidade dos serviços educacionais, foram considerados dois
conjuntos de insumos, um ligado à qualidade dos recursos humanos e outro à
qualidade da infra-estrutura das escolas. Com relação ao primeiro, foram
utilizadas três variáveis: média de horas-aula diária; média de alunos por
turma; e percentual de docentes com curso superior. Para a qualidade da
infraestrutura das escolas, foi feita uma análise fatorial por componentes
principais do percentual de alunos no município beneficiados por
estabelecimentos com quadras de esporte, bibliotecas, laboratório de
informática e laboratório de ciências. Esse índice foi chamado de fator de
infra-estrutura.
Com relação à disponibilidade e distribuição dos serviços educacionais, foram
consideradas a restrição de oferta, medida em termos da razão entre o número de
professores em cada nível de ensino e a população em idade adequada de cursar
determinado nível de ensino, a distribuição das matrículas segundo tamanho dos
estabelecimentos,4 a distribuição das matrículas segundo dependência
administrativa5 e a organização do ensino em ciclos,6 captada pelo número de
matrículas em escolas com ciclos sobre o total de matrículas do município.
Para os fatores comunitários, foram incluídas a educação média da população
adulta, considerada como capital social do município, e variáveis categóricas
controlando o tamanho da população. Tanto as variáveis referentes ao perfil
escolar quanto as comunitárias foram medidas no âmbito do município (nível 2).
Todas as informações foram retiradas do Censo Demográfico de 2000 (IBGE) e do
Censo Escolar de 2000 (Inep). Da primeira base, foram extraídos os dados sobre
o indivíduo e sua família e, da segunda, aqueles relacionados à escola.
Determinantes da probabilidade de cursar a escola na idade correta
Para essa análise, foram estimados dois modelos de regressão. O modelo 1 é o
nãocondicional, ou seja, não possui covariável de nível 2. No modelo 2 foram
incluídas as covariáveis de nível 2 para determinar os coeficientes aleatórios
do intercepto e da educação materna.
A opção de considerar a educação materna como tendo efeito aleatório baseou-se
no artigo de Rios-Neto, César e Riani (2001), que testa o efeito aleatório de
algumas variáveis do nível micro e cujos resultados apontam para uma variância
aleatória do coeficiente ligado à educação da mãe. Assim, para os modelos de
regressões, tanto o intercepto quanto a inclinação não são os mesmos para os
municípios. A vantagem de considerar que há variação no coeficiente da educação
materna é a possibilidade de se analisar sua interação com as variáveis
independentes do nível 2 na probabilidade de cursar a escola na idade adequada.
Dessa forma, além de avaliar a importância da educação materna, verificou-se
até que ponto seu efeito pode ser diminuído pela melhora na rede escolar dos
municípios.
Com a estimação do modelo nãocondicional, é possível obter a repartição da
variância entre os diferentes níveis. Somado a isso, com a comparação dos
modelos 1 e 2, pode-se verificar a contribuição das variáveis contextuais para
a redução da variabilidade não-condicional do intercepto e da inclinação.7
Os resultados das regressões para os ensinos fundamental e médio encontramse
nas Tabelas_1 e 2. A análise do efeito aleatório do modelo 1 para os dois
níveis de ensino mostra que é aceitável a hipótese de considerar o intercepto e
a educação materna como tendo efeitos aleatórios, já que eles foram
significativos, ressaltando-se que, para a educação materna, o componente da
variância é pequeno. Comparando-se os dois níveis de ensino, percebe-se que o
efeito aleatório é maior para o ensino médio do que para o fundamental, no que
se refere tanto ao intercepto quanto à educação materna. Quando todas as
variáveis de nível 2 são incluídas (modelo 2), a variabilidade do intercepto é
explicada em mais de 80% nos dois níveis de ensino, enquanto a variabilidade do
coeficiente da educação materna é explicada mais no nível médio (74,44%) do que
no fundamental (48,28%).
[/img/revistas/rbepop/v25n2/a04tab01.jpg]
[/img/revistas/rbepop/v25n2/a04tab02.jpg]
Após a análise do efeito aleatório, considera-se o resultado do efeito fixo.
Levando-se em conta primeiramente as variáveis referentes aos atributos
individuais, que tiveram a principal função de controle nas regressões, os
resultados coincidem com o esperado para as duas amostras: impacto negativo, na
probabilidade de cursar a escola na idade correta, para a idade e alunos do
sexo masculino, e positivo, para alunos situados em áreas urbanas e de cor
branca ou amarela.
Cabe destacar que o impacto negativo para alunos do sexo masculino é bastante
significativo, principalmente para o ensino médio, o que sugere estudos mais
aprofundados sobre os fatores que levam homens a atrasarem seus estudos mais do
que as mulheres.
Da mesma forma, destaca-se o expressivo impacto para a situação de domicílio do
aluno, o que pode estar relacionado com a estrutura do mercado de trabalho
diferenciada entre os setores rural/urbano.
Os resultados mostram que as variáveis de background familiar possuem
significativa relação com a probabilidade de o aluno cursar a escola na idade
correta, sugerindo uma estratificação educacional. Os principais resultados
são:
forte impacto positivo da educação materna, o que corrobora estudos
anteriores. Em outras palavras, filhos de mães mais escolarizadas
possuem menor distorção idade/série;
impacto negativo para domicílios chefiados por mulheres. Como a
maior parte das famílias chefiadas por mulheres no Brasil é
monoparental e, por sua vez, essas mulheres chefes estão na sua
maioria no mercado de trabalho, tal fato pode estar relacionado com a
perda de tempo no auxílio às atividades escolares dos seus filhos;
a probabilidade de o aluno cursar a escola na idade correta aumenta
com o status da categoria de ocupação do chefe da família;
família convivente possui um efeito pequeno, não sendo
significativo para o ensino fundamental e negativo para o médio.
Comparando os efeitos diferenciados nos ensinos fundamental e médio, observase
que o impacto tanto dos atributos individuais (exceto idade) quanto do
backgroundfamiliar é bem maior para o ensino médio.
Para as variáveis de nível 2, são feitas duas análises: uma referente ao
impacto direto no intercepto; e outra sobre o efeito substituição entre
educação da mãe e as variáveis de nível 2. Na primeira análise, detecta-se o
efeito das variáveis contextuais na probabilidade média de freqüentar a escola
na idade correta. Na segunda, é possível perceber até que ponto o efeito da
educação materna pode ser minimizado pelos fatores municipais.
O impacto direto dos fatores da rede escolar do município mostrou-se importante
na probabilidade de cursar a escola na série adequada, para os dois níveis de
ensino. Para melhor visualizar o efeito desses fatores, os Gráficos_1 e 2
apresentam o valor predito segundo simulações de mudanças nas variáveis de rede
escolar, utilizando os coeficientes do modelo 2. Considerou-se a variação da
média mais e menos o desvio padrão de cada variável.
[/img/revistas/rbepop/v25n2/a04grf01.jpg]
[/img/revistas/rbepop/v25n2/a04grf02.jpg]
Para o ensino fundamental, percebe-se que as variáveis relacionadas à qualidade
dos serviços educacionais são os fatores com maior impacto. Entre estas,
destacam-se o grande efeito da proporção de professores com curso superior -
variável de qualidade dos recursos humanos - e o fator de infra-estrutura -
medida proxy da qualidade da infra-estrutura média das escolas do município.
Com relação às outras variáveis da rede escolar do município, os principais
resultados no ensino fundamental são: pequeno impacto das variáveis de
nucleação; efeito negativo para a porcentagem de matrículas municipais entre as
públicas, sendo possível inferir que a municipalização do ensino pode não ser
acompanhada de uma boa eficiência do ensino; e coeficiente negativo e
significativo apenas a 3% para a razão professor/população de 7 a 14 anos.
No caso do ensino médio (Gráfico_2), entre os fatores relacionados ao perfil
das escolas do município, destaca-se o significativo impacto do fator de infra-
estrutura. Verifica-se também que as variáveis de nucleação e restrição de
oferta são mais importantes nesse nível de ensino do que no fundamental.
Cabe destacar que a melhora simultânea dos fatores de qualidade da rede escolar
do município provoca um significativo aumento da freqüência na idade correta
nos dois níveis de ensino, como pode ser visto nos Gráficos_1 e 2. Tal fato
evidencia a importância de políticas públicas que estimulem a melhoria do
perfil escolar dos municípios.
Os resultados das regressões mostram que tanto os fatores de background
familiar quanto aqueles relacionados à estrutura escolar dos municípios são
importantes na determinação da probabilidade de cursar a escola na idade
correta, para os dois níveis de ensino. Para melhor comparar os efeitos de
ambos fatores, a Tabela_3 contém as variações no valor predito decorrentes de
mudanças desses fatores (considerou como variação a média mais e menos o desvio
padrão de cada variável). Verifica-se que a educação materna realmente é o mais
importante determinante da probabilidade de o aluno cursar a série na idade
adequada. O aumento de um desvio padrão em relação à média na educação materna
acresce em 24,25% a probabilidade de as crianças de 7 a 14 anos freqüentarem a
escola na idade correta e em 81,30% para os jovens de 15 a 17 anos.
[/img/revistas/rbepop/v25n2/a04tab03.jpg]
Observa-se, porém, que os fatores de rede escolar dos municípios apresentam
impacto maior do que as demais variáveis de ambiente familiar e bastante
significativo quando considera uma melhora simultânea nos fatores de qualidade
dos serviços educacionais. Tal resultado traz implicações importantes para a
política educacional, pois demonstra que, de certa forma, o contexto pode
minimizar o papel da família sobre a eficiência do aluno. Cabe destacar que a
maior variação no ensino médio em relação ao fundamental pode ser devida ao
fato de o primeiro apresentar uma menor proporção de pessoas cursando a série
adequada à sua idade, já que apenas 24% da amostra dos estudantes de 15 a 17
anos estava na série adequada, ao passo que para a amostra de 7 a 14 anos esse
percentual era de 42%.
Passando para a outra análise, referente ao efeito das variáveis agregadas no
intercepto da educação materna, observa-se que, nos dois níveis de ensino,
ocorre um efeito substituição entre essa variável e as relacionadas ao perfil
escolar do município.
No ensino fundamental, esse efeito substituição é verificado para a porcentagem
de professores com curso superior, alunos por turma e fator de infra-estrutura,
ou seja, para a maioria dos fatores de qualidade escolar do município. Os
coeficientes dessas variáveis são negativos e significativos no coeficiente da
educação materna (para a média de alunos por turma o coeficiente é positivo).
Em outras palavras, pode-se dizer que esses fatores são substitutos da educação
materna. Assim, filhos de mães com baixa escolaridade são mais beneficiados
pela melhora da qualidade da rede de ensino dos municípios do que aqueles cujas
mães são mais escolarizadas, o que sugere que a melhoria dos fatores referentes
ao perfil escolar do município tem um importante papel na diminuição das
desigualdades educacionais entre os alunos de origens socioeconômicas
diferentes.
Com o objetivo de melhor visualizar o efeito substituição mencionado, são
apresentados, nos Gráficos_3_a_6, exercícios de simulação que mostram o impacto
de uma variação simultânea da educação da mãe e dos fatores mais relevantes da
rede escolar do município.
[/img/revistas/rbepop/v25n2/a04grf03.jpg]
[/img/revistas/rbepop/v25n2/a04grf04.jpg]
[/img/revistas/rbepop/v25n2/a04grf05.jpg]
[/img/revistas/rbepop/v25n2/a04grf06.jpg]
No Gráfico_3, a visualização do efeito substituição entre a educação da mãe e a
porcentagem de professores com curso superior é evidente. A linha do meio
representa a educação da mãe na média, a superior quando a educação da mãe é
três anos a mais do que a média e a inferior, três anos a menos. Considerando o
início da curva, em que a porcentagem de professores com curso superior no
município é igual a zero, o aumento da educação materna provoca um grande
crescimento (24,5%) na probabilidade de freqüentar a escola na idade adequada
para as crianças de 7 a 14 anos. Por outro lado, uma diminuição reduz a
probabilidade em 21,6%. À medida que o percentual de professores com curso
superior aumenta, o impacto da educação materna diminui. Dessa forma, quando o
percentual de professores com curso superior é de 100%, um aumento de três anos
na média da educação materna eleva a probabilidade em 8,35%, enquanto a
diminuição de três anos reduz em 8,20% essa probabilidade. Pode-se dizer,
portanto, que o impacto da educação da mãe na probabilidade de cursar a série
na idade adequada no ensino fundamental decresce à medida que aumenta o
porcentual de professores com curso superior no município.
Da mesma forma, os Gráficos_4 e 5 mostram o efeito substituição entre a
educação materna e o número médio de alunos por turma e o fator de infra-
estrutura do município, porém de maneira menos acentuada. Variações na educação
materna possuem menor efeito em turmas pequenas, aumentando à medida que cresce
o número de alunos por turma. No caso do fator de infra-estrutura, quanto maior
a qualidade da infra-estrutura dos municípios, com aumento na porcentagem de
matrículas em escolas com bibliotecas, quadras de esportes, laboratórios de
informática e ciências, menor é o efeito da educação materna sobre a
probabilidade de o filho freqüentar a escola na idade adequada.
O Gráfico_6 mostra a variação simultânea nos três fatores de qualidade da rede
de ensino (infra-estrutura, porcentagem de professores com curso superior e
média de alunos por turma). As escalas do eixo das abscissas representam a
melhoria dos três fatores, correspondentes às escalas dos três gráficos
anteriores. Assim, a escala 1 representa um município com nenhum professor com
curso superior, média de 80 alunos por turma e fator de infra-estrutura escolar
igual a -1,3. No outro extremo, a escala 8 representa todos os professores com
curso superior, média de alunos por turma igual a 10 e fator de infra-estrutura
de 3,6.
Observa-se que uma variação simultânea nos três fatores de qualidade escolar
possui grande efeito substituição com a educação materna. Em uma rede de ensino
com alta qualidade de recursos humanos e de infra-estrutura, ou seja, salas
pequenas, todos os professores com ensino superior e todas as escolas com
quadras, bibliotecas e laboratórios de ciências e informática, a probabilidade
de o aluno freqüentar a escola na idade correta não difere quanto ao nível
educacional da mãe. Nesse caso, tem-se uma situação em que as oportunidades
educacionais não dependem da origem social do aluno, ou seja, uma sociedade com
alta mobilidade social.
Para o ensino médio, o efeito substituição entre as varáveis relacionadas à
rede escolar do município e a educação materna também ocorre e para as mesmas
variáveis do caso anterior, porém, de forma bem mais sutil, não sendo possível
visualizar graficamente esse efeito. Entretanto, quando se consideram
municípios com 0% de professores com curso superior, um aumento de educação
materna de três anos em relação à média eleva em 66,53% a probabilidade de os
alunos de 15 a 17 anos cursarem a escola na idade correta. No outro extremo,
considerando um valor de 100% para a porcentagem de professores com curso
superior, um mesmo aumento na educação materna provoca um crescimento menor
(50,39%). O mesmo ocorre para o número de alunos por turma e para o fator de
infraestrutura, ou seja, o impacto da educação materna é minimizado pela
melhora desses fatores.
Com base no que foi exposto, pode-se dizer que a melhora do perfil escolar dos
municípios possui dois efeitos: aumenta a probabilidade de o aluno freqüentar a
escola na idade correta, para os dois níveis de ensino; e diminui a importância
dos fatores relacionados ao ambiente familiar do aluno (no caso, educação da
mãe), reduzindo a desigualdade intergeracional.
Conclusão
Esse artigo procurou estudar os determinantes da probabilidade de o aluno
cursar a série na idade correta, nos ensinos fundamental e médio, utilizando a
modelagem hierárquica. Os resultados evidenciaram a grande importância da
educação materna nos indicadores educacionais, o que demonstra a alta
estratificação educacional existente no Brasil, pois a trajetória escolar do
aluno está bastante relacionada com a sua origem social. Em termos de políticas
públicas, é importante conhecer os fatores que podem minimizar a importância da
origem social do aluno, a fim de tornar o sistema mais igualitário. Nesse
sentido, os resultados mostraram dois pontos importantes. Primeiro, verificou-
se que os fatores relacionados à rede escolar dos municípios, principalmente os
de qualidade dos recursos humanos e infra-estrutura dos serviços educacionais,
aumentam a probabilidade média de freqüentar a escola na idade correta, ou
seja, melhora os indicadores de eficiência do sistema de ensino.
Segundo, constatou-se a existência de um efeito substituição entre a educação
materna e os fatores de qualidade da rede escolar dos municípios, de tal forma
que uma melhora simultânea nesses fatores torna as oportunidades educacionais
igualitárias para os alunos. Em outras palavras, pode-se dizer que o sucesso
educacional, entendido aqui como a probabilidade de freqüentar a escola na
idade correta, passa a não depender da origem social do aluno.
Em síntese, os resultados da análise hierárquica corroboram a hipótese de que a
melhora da rede escolar dos municípios constitui um importante fator de
diminuição da estratificação educacional, seja pelo seu efeito direto no
aumento médio das probabilidades estudadas, seja por diminuir a importância dos
fatores relacionados ao ambiente familiar do aluno (no caso, escolaridade da
mãe), reduzindo a desigualdade intergeracional.