Migrações e a dispersão espacial da população nas regiões de Influência das
principais metrópoles Brasileiras
Introdução
Uma das questões de interesse dos estudos regionais refere-se ao suposto
processo de desconcentração espacial da população e das atividades econômicas.
Afora as recorrentes controvérsias, que resultaram na difusão de expressões
como "reversão da polarização", "desconcentração concentrada", "desenvolvimento
poligonal", há pelo menos um relativo consenso acerca das evidências empíricas
de queda no ímpeto de crescimento populacional dos grandes centros
metropolitanos brasileiros nas últimas décadas do século passado. Embora os
processos de urbanização e metropolização no Brasil sejam recentes, os dados
referentes aos dois últimos Censos Demográficos parecem confirmar uma tendência
de dispersão espacial da população, mesmo que os principais centros
metropolitanos tenham mantido sua expressão demográfica regional e continuado a
atrair expressivos contingentes populacionais.
Além das contribuições da economia regional, esse debate requer ainda novas
evidências sobre os efeitos da distribuição espacial da população, notadamente
no que se refere aos movimentos migratórios. No âmbito da Geografia, são raros
os trabalhos sobre migrações internas, principalmente aqueles que utilizam
informações censitárias para estimar os movimentos espaciais da população. A
análise espacial dos fluxos migratórios permite reconhecer dimensões ainda
pouco exploradas na abordagem convencional nos estudos sobre o processo de
desconcentração ou dispersão espacial da população, praticamente restrita à
Demografia e à Economia. É por essa lacuna que o presente trabalho pretende
trilhar.
O objetivo principal é avaliar a atual magnitude da dispersão espacial da
população brasileira, tendo como recorte espacial de análise as Regiões de
Influência das principais metrópoles do país, estabelecidas pelo IBGE. Diante
desse propósito, algumas questões podem ser exploradas: as evidências trazidas
pelos dados censitários das últimas duas décadas demonstraram uma dispersão
espacial a partir dos principais aglomerados metropolitanos? Haveria um
rearranjo dos fluxos migratórios no interior das Regiões de Influência das
principais cidades brasileiras? Seria a dispersão espacial evidenciada pela
intensificação e difusão da emigração metropolitana? Ou essa dispersão é muito
incipiente, estando ainda restrita às periferias imediatas das metrópoles?
No levantamento das evidências empíricas, foram utilizadas as bases referentes
aos dois últimos Censos Demográficos, o que possibilitou identificar os
movimentos migratórios intermunicipais. O pressuposto principal é de que essa
dispersão se materializa pelo crescimento no volume dos fluxos de população
migrante das Regiões Metropolitanas (centro dispersor) para os demais
municípios de cada uma das Regiões de Influência, considerada a distância
envolvida nos vetores migratórios.
Cabe, contudo, expor algumas considerações iniciais. Uma primeira refere-se à
adoção da Região Metropolitana (RM) como centro de dispersão. Ainda que outras
pesquisas tenham considerado o núcleo e a periferia entidades distintas e
separadas, optou-se em manter a unidade dessas regiões, tendo em vista tratar-
se, em geral, de espaços com razoável contiguidade física e forte nível de
interdependência, tanto econômica quanto social e política. Mesmo que existam
diferenças quando comparadas as diversas Regiões Metropolitanas no Brasil,
resultado de critérios distintos na delimitação e definição dos municípios que
integram cada uma delas, parece pouco razoável não considerar as RMs em sua
integralidade. Veja os exemplos de São Paulo/Guarulhos, Rio de Janeiro/Niterói,
Belo Horizonte/Contagem, etc. Embora sejam unidades políticas e administrativas
distintas, são espaços altamente articulados, cujas inter-relações justificaram
o próprio estabelecimento das Regiões Metropolitanas.
Outro ponto diz respeito à não adoção de um único núcleo polarizador. Em
estudos anteriores, foi comum a utilização de São Paulo, seja o município, RM
ou Estado, como centro aglutinador, a partir do qual era avaliada a suposta
desconcentração espacial. Contudo, parece pouco plausível supor que a
aceleração do crescimento demográfico das Regiões Metropolitanas de Belo
Horizonte, Curitiba, Recife e Salvador, por exemplo, possa representar um
quadro de desconcentração espacial da população brasileira. Além do mais, São
Paulo e região mantiveram sua relevância demográfica e econômica e ainda
exercem forte influência em grande parte do território nacional. A análise
centrada nas Regiões de Influência das principais Regiões Metropolitanas do
país pode conduzir a resultados mais consistentes e coerentes com a realidade
atual. Mais que uma ampliação de escala, essa abordagem regional permite
identificar processos espaciais que ocorrem em níveis hierárquicos inferiores,
mais próximos das relações que se estabelecem entre os centros regionais e os
demais municípios de sua área de influência.1
Ainda que não seja objetivo deste trabalho investigar os fatores sociais,
políticos ou econômicos determinantes da dispersão espacial, a produção e
divulgação de indicadores específicos podem ser úteis à elaboração e proposição
de políticas públicas necessárias à redução das desigualdades regionais no
país. Em várias circunstâncias, a redistribuição da população deixa de ser uma
mera consequência de determinados processos espaciais, tornando-se catalisadora
de profundas mudanças na realidade regional, a exemplo do papel da migração na
dinamização de São Paulo ou do Centro-Oeste brasileiro.
Reversão da polarização, desconcentração concentrada e desenvolvimento
poligonal
Uma obra de referência na discussão sobre o processo de reversão da polarização
foi elaborada por Richardson (1980). Para esse autor, o crescimento continuado
da concentração das atividades econômicas não leva a um perpétuo aumento da
eficiência. Os benefícios marginais derivados da escala urbana e da
concentração produtiva tendem a diminuir a partir de certo tamanho de
população. Os custos médios de prover infraestrutura física, serviços públicos
e administração governamental local aumentam em termos per capita com o
crescimento da cidade. A relação custo-benefício altera-se a favor de custos
crescentes. Para Richardson, o ponto de inflexão médio e os custos sociais
marginais refletem o começo de crescentes deseconomias de aglomeração, que
ocorrem em função do incremento da congestão e contaminação (em conjunto com os
fatores sociais tais como aumento da criminalidade e da marginalidade), da
elevação no preço médio da terra (que passa a sofrer concorrência entre usos
alternativos de solo) e do trabalho (aumento do custo de vida devido aos custos
crescentes de transporte e habitação, explicados em parte pelas altas do preço
da terra).
Para Redwood III (1984), as deseconomias caracterizam-se pela mudança de
tendência de polarização espacial na economia nacional, a partir da qual
ocorreria a dispersão para fora da região central. Esse processo acontece a
partir de uma sequência de fases: no início haveria um processo bem definido de
concentração econômica, quando se estabelecem um centro e uma periferia; em
sequência ocorreriam transformações estruturais na área central, em que os
núcleos adjacentes passariam a apresentar crescimento mais acelerado do que o
centro; o terceiro estágio marcaria o início do processo de reversão da
polarização, quando haveria uma dispersão ampliada; na sequência a dispersão
também atingiria os centros secundários; e finalmente, a área central começaria
a perder população.2 O crescimento demográfico e econômico das cidades
secundárias reflete uma combinação de diversos fatores, que, em várias
circunstâncias, exigem a intervenção pública na economia local (REDWOOD III,
1984).
Richardson, todavia, para além da expansão das cidades secundárias no entorno
do core metropolitano, afirma que a difusão do crescimento inter-regional é uma
condição inerente ao processo de reversão da polarização.3 De acordo com esse
autor, a
Reversão da Polarização [RP] pode ser definida como o ponto de
inversão, quando as tendências de polarização espacial na economia
nacional dão lugar a um processo de dispersão espacial fora da região
central em outras regiões do sistema. [...] Esse processo de
dispersão inter-regional é a principal característica da RP.
(RICHARDSON, 1980, p.67-68, tradução nossa).
Talvez seja exatamente essa dispersão inter-regional o principal aspecto
controverso sobre a ocorrência da reversão da polarização no Brasil. No âmbito
da análise regional, há várias tentativas de aplicação desses modelos para o
caso brasileiro, cujas particularidades estruturais e setoriais vão oferecer
dificuldades adicionais à interpretação desse fenômeno.
Um dos primeiros trabalhos que avaliou a possível reversão da polarização no
Brasil foi realizado por Townroe e Keen (1984). Os autores consideram que esse
processo verifica-se a partir do ponto em que a concentração da população
urbana na região central começa a declinar, de modo que a razão entre a
população da maior cidade e a população total do Estado começa a decrescer.
Townroe e Keen calculam quatro índices de reversão da polarização: porcentagem
da população urbana localizada na área metropolitana; mudança na porcentagem da
população urbana localizada na área metropolitana; porcentagem do crescimento
da população urbana absorvido pela área metropolitana; e diferença da taxa
média anual de crescimento populacional entre a área metropolitana e o restante
do Estado. Esses autores ainda sugerem certa dualidade dos fatores que levam à
concentração das atividades econômicas, representados pelo papel concentrador
de determinadas forças sociais e econômicas, que a partir de um ponto passariam
a atuar na direção oposta: da desconcentração. A transição demográfica, os
graus de desigualdade social e econômica, os padrões de desenvolvimento rural e
as formas institucionais e sociais de difusão de informações e inovações podem
incrementar ou não a concentração na distribuição da população urbana.
Redwood III (1984) também apresentou evidências sobre o caso brasileiro. Com a
constatação da perda da participação do Estado de São Paulo a partir do final
da década de 1950, o autor acredita que estaria em curso um processo de
desconcentração das principais áreas metropolitanas, favorecendo os centros
secundários mais próximos. Ao trabalhar com as principais tendências
demográficas e a localização da atividade industrial, foram encontradas
evidências de que os processos de suburbanização, descentralização urbana e
reversão da polarização se difundiam em todo o sistema urbano (REDWOOD III,
1984).4
É essencial, na interpretação de Redwood III, a atenção dirigida às
necessidades das cidades secundárias, que cumprem papel fundamental na
eficiência econômica e no desenvolvimento regional. No exame do desenvolvimento
econômico regional, o autor sugere que certos tipos de atividade industrial
tendem a naturalmente se localizar nessas cidades. As indústrias de bens
intermediários baseadas em recursos naturais (química, plásticos, madeira,
papel e metalurgia, incluindo aço) podem estar localizadas próximas de grandes
cidades, de modo a reduzir custos de transportes, valendo-se da proximidade dos
mercados. Outro grupo de indústrias se dirige às cidades secundárias para se
servir dos mercados locais protegidos da concorrência externa, dados os custos
de transportes relativamente altos. Alguns serviços de maior magnitude e mais
especializados, como universidades, hospitais e algumas atividades comerciais,
procuram se instalar em centros médios.
Ainda que possam parecer bastante atraentes, as proposições sobre o possível
processo de reversão da polarização no Brasil sofreram inúmeras críticas. As
controvérsias vão desde as evidências empíricas, até o tipo de variáveis e a
metodologia utilizada. Azzoni (1986), por exemplo, critica o fato de o tamanho
da cidade ser considerado indicador de economias aglomerativas. Ao admitir que
as vantagens aglomerativas estão presentes no ambiente urbano, a exemplo da
linha de polarização psicológica e do transporte de ideias, é imprescindível
considerar a região capaz de gerar um campo de atração sobre novos
investimentos. A ideia essencial é que a atração regional transcende o ambiente
urbano, embora os custos locacionais sejam essencialmente urbanos. Para Azzoni,
é no mínimo apressada a suposição de que haveria um processo de reversão da
polarização no Brasil. Pelo contrário,
as evidências indicam que, longe de constituir-se um sinal de
reversão da polarização, o fenômeno observado em São Paulo estaria
mais próximo de um espraiamento da indústria dentro da área mais
industrializado do país, em um processo do tipo "desconcentração
concentrada". Seria aproximadamente um tipo de suburbanização das
atividades industriais em âmbito mais abrangente, o que é possível
pelas oportunidades abertas pelo desenvolvimento tecnológico, em um
sentido amplo, para separação das atividades produtivas das
atividades de comando empresarial. (AZZONI, 1986, p.126).
Azzoni acredita que a Região Metropolitana de São Paulo não deve ser
considerada referência para análise das alterações espaciais no Estado
paulista, mas sim a ação de um campo aglomerativo que inclui um conjunto de
cidades, num raio de aproximadamente 150 km da Região Metropolitana. Segundo o
autor, esse campo exerce uma forte força de atração sobre os investimentos
industriais e, consequentemente, sobre a população. À medida que aparecem novos
avanços tecnológicos, esse campo aglomerativo amplia-se e reduz o próprio poder
de atração do núcleo central.
Para Diniz (1993), o "espraiamento" industrial brasileiro não ocorreu apenas
dentro do limitado raio de 150 km da área metropolitana de São Paulo. Após a
incontestável concentração econômica e demo-gráfica verificada até final da
década de 1960, iniciou-se, em um primeiro momento, o processo de reversão
dessa polarização. Entretanto, o processo de desconcentração não teria ocorrido
de modo ampliado, mas sim em espaços seletivos bem equipados e ricos em
externalidades no país, refletindo, sobretudo, o espraiamento para o interior
de determinados Estados. Em uma segunda fase, ocorreria a relativa
reconcentração no polígono definido pela região formada por Belo Horizonte-
Uberlândia-Londrina/ Maringá-Porto Alegre-Florianóplis-São José dos Campos-Belo
Horizonte.
Ao contestar alguns dos pressupostos e os resultados apresentados por Azzoni,
Diniz (1993) incorpora uma série de outros aspectos, além das economias de
aglomeração. Desses aspectos, destacam-se: a distribuição espacial dos recursos
naturais; o papel do Estado; o processo de unificação do mercado nacional e
suas implicações para a concorrência intercapitalista e as estruturas
produtivas regionais; as economias de aglomeração; e a concentração regional da
pesquisa e renda, que cria obstáculos à desconcentração regional da indústria.
Ao avaliar o processo recente de desenvolvimento industrial e desconcentração
econômica, o autor reforça essa dualidade, afirmando que o Brasil
verdadeiramente dinâmico está restrito a um "polígono" que abrange o Sul e
parte do Sudeste do país, estendendo-se de Belo Horizonte a Porto Alegre,
ficando de fora o Rio de Janeiro e a maior parte do território brasileiro.
Nesse espaço,
é mais apropriado considerar o Brasil como um caso de desenvolvimento
poligonal, onde um número limitado de novos pólos de crescimento ou
regiões tem capturado a maior parte das novas atividades econômicas.
O resultado está longe de ser uma verdadeira desconcentração,
especialmente porque os novos centros estão no próprio Estado de São
Paulo ou relativamente próximos dele. (DINIZ, 1993, p.35).
Diniz reforça a abrangência espacial restrita da suposta reversão da
polarização para o caso brasileiro. De acordo com o autor,
não parece que esta tendência de reversão em sentido amplo continuará
até o final do século. Ao contrário, a grande ênfase em indústrias de
alta tecnologia e o relativo declínio e fracasso das políticas
regionais e do investimento estatal abrem uma terceira possibilidade.
Nesta o processo de desconcentração será enfraquecido e o crescimento
tenderá a se circunscrever ao estado de São Paulo e ao grande
polígono em torno dele. Estamos chamando este processo de aglomeração
poligonal. (DINIZ, 1993, p.54).
As conclusões de Diniz (1993) introduzem a ideia de que o resto do país ficaria
à margem dos efeitos cumulativos do desenvolvimento do core paulista. Contudo,
o autor não trabalha com uma temporalidade prospectiva de longa duração e,
assim, não vislumbra outras possibilidades de desenvolvimento econômico para o
resto do país fora do padrão técnico-moderno prefigurado pelas sociedades de
consumo dos países desenvolvidos, o qual, evidentemente, se encontra presente
nos grandes centros urbanos do país (MATOS, 2003).
Nesse nível de análise, as redes geográficas e particularmente as redes urbanas
mostram-se mais eficientes à análise econômico-espacial do que as visões duais
do território brasileiro, presentes em recortes espaciais como o do polígono do
desenvolvimento de Diniz, que se ressente da ausência da noção moderna de rede
geográfica. As redes podem expressar dimensões abstratas, mas comumente
traduzem materialidades espaciais. São espaços e subespaços em movimento;
lugares articulados por fluxos multivariados; fluxos de pessoas, capitais,
informações, ideias e culturas. As redes mais importantes estão carregadas de
técnica e história social, sendo, portanto, construções dinâmicas relativamente
duráveis. As redes urbanas, por exemplo, são depositárias de estruturas sociais
pretéritas e futuras, tradicionais ou modernas, que dão forma e sentido à vida
de milhares de pessoas, famílias e instituições.5
Matos (1995b) também acredita que importantes mudanças no padrão de
distribuição espacial da população estão em curso, sem se conhecer, no entanto,
qual é o verdadeiro alcance desse fenômeno, e se as explicações existentes
abrangem todos os casos. É seguro afirmar que as pessoas, tanto quanto as
atividades, reagem aos impactos das deseconomias de aglomeração buscando
localizações alternativas.
A migração pode responder claramente aos fatores de expulsão do meio urbano
(notadamente aos custos de moradia e à escassez de emprego), mas pode também se
associar a outro grupo de causas, não econômicas, relacionadas à melhoria da
qualidade de vida e/ou busca de amenidades, e ao retorno às localidades de
origem após a aposentadoria. É indiscutível, portanto, que boa parte da
expansão da urbanização do país nas últimas décadas deriva dos efeitos
multiplicadores de espraiamento da concentração urbana e industrial do Sudeste.
Esse processo estimulou o adensamento da rede urbana e os vínculos de
complementaridade entre as centralidades.
A suposição de que a realidade brasileira possa se enquadrar no modelo
analítico da reversão da polarização, ou mesmo em uma mudança de tendência
demográfica de longo prazo, ainda é prematura. Acrescenta-se o fato de as
mudanças recentes na distribuição da população e na estrutura econômica
nacional terem ocorrido de forma bastante acelerada, diferente do que aconteceu
em boa parte dos países desenvolvidos. Dessa forma, como salienta Matos
(1995b), não parece plausível afirmar categoricamente sobre um amplo processo
de reversão da polarização ou de desconcentração espacial. É bem provável que o
país esteja passando por um ciclo de descompressão do crescimento urbano
central, no qual os movimentos migratórios internos assumem importante papel
explicativo.
Fluxos migratórios e a dispersão espacial da população
É importante destacar que a relação entre a migração e a estruturação do espaço
não é tema novo na literatura. Quando Ravenstein (1980) formulou suas teses
sobre os movimentos migratórios, apresentava-se explicitamente a relação entre
as atividades econômicas e os deslocamentos espaciais da população. As
principais regularidades encontradas pelo autor compreendiam a distância, os
movimentos por etapas, a configuração das correntes e contracorrentes, a
predominância da migração feminina e também o fato de que as migrações tendiam
a gerar movimentos sucessivos a partir de áreas próximas a um centro industrial
ou comercial.6
Quase um século mais tarde, Lee (1980) retomou as formulações de Ravestein,
incorporando informações a respeito dos movimentos internos nas sociedades de
capitalismo tardio. Na interpretação desse autor, a decisão de migrar está
vinculada a uma decisão racional entre os chamados fatores positivos e
negativos nas áreas de origem e destino. Lee também acredita que a decisão de
migrar nunca é completamente racional. Dessa forma, é natural que pessoas
distintas sejam afetadas de maneira diferente por uma série de obstáculos ou
incentivos à possibilidade de migrar.
Singer (1973), contudo, considera a migração um reflexo da estrutura e dos
mecanismos de desenvolvimento do sistema capitalista, cujo motor principal é o
acirramento das desigualdades regionais. Para o autor:
É claro que qualquer processo de industrialização implica uma ampla
transferência de atividades (e, portanto, de pessoas) do campo às
cidades. Mas, nos moldes capitalistas, tal transferência tende a se
dar a favor de apenas algumas regiões em cada país, esvaziando as
demais. Tais desequilíbrios regionais são bem conhecidos e se agravam
na medida em que as decisões locacionais são tomadas tendo por
critério apenas a perspectiva da empresa privada. (SINGER, 1973, p.
222).
Ao analisar a migração, Singer identifica os chamados "fatores de atração" e os
"fatores de expulsão". Os primeiros referem-se à necessidade de mão de obra
decorrente do crescimento da produção industrial e da expansão do setor de
serviços urbanos, que funcionam como forças de concentração espacial. Os
fatores de expulsão podem ser divididos em: "fatores de mudança", decorrentes
da penetração do capitalismo no campo e da adoção de um sistema poupador de mão
de obra; e os "fatores de estagnação", associados à pressão demográfica sobre a
disponibilidade de terras. Para Singer, a distinção entre áreas de emigração
(sujeitas aos fatores de mudança) e de estagnação permite visualizar melhor
suas consequências. As regiões de mudança perdem população, mas a produtividade
aumenta, o que permite, pelo menos em princípio, uma melhora nas condições de
vida locais. Já as áreas de estagnação apresentam deterioração da qualidade de
vida, funcionando às vezes como "viveiros de mão de obra" para os
latifundiários e as grandes empresas agrícolas.
Nessa mesma perspectiva estruturalista, há, tanto na economia como na
demografia, vários autores que expressam a migração como mobilidade,
estreitamente vinculada à criação, expansão e articulação dos mercados de
trabalho do país. O desenvolvimento desigual do sistema capitalista faz com que
a população se distribua seguindo a mesma lógica de intensificação dos espaços
econômicos, formando grandes reservatórios de mão de obra. Apesar de seu
mérito, boa parte dessas teses responde apenas parcialmente às causas mais
dinâmicas e específicas da migração, não vinculada apenas às necessidades
estruturais do sistema capitalista. Além disso, tais formulações, em geral,
ignoram as vantagens comparativas e as potencialidades externas que têm
transformado os espaços de destino. Poucos avaliam o peso da migração de origem
urbana, e quase nunca consideram a migração de retorno (MATOS, 1995b). Também
investem de modo insuficiente no entendimento dos efeitos positivos que a
migração pode gerar na dinamização das regiões de destino, no que diz respeito
à oferta de mão de obra qualificada, a certas possibilidades de novos
investimentos e de intercâmbio técnico, por exemplo. Nesse sentido, mais que um
indicador de concentração ou dispersão das atividades econômicas, a migração
reflete processos sociais mais amplos, cujas causas e consequências vão além
dos aspectos estruturais da economia.7
Em face das recorrentes controvérsias sobre o processo de dispersão espacial da
população, associado à ideia de reversão da polarização e/ou de desconcentração
espacial, alguns pontos dessas definições devem ser destacados no
desenvolvimento de determinados pressupostos e hipóteses deste trabalho. Se o
modo como são organizados os elementos do espaço pode ser visto como um
resultado histórico da atuação dos atores sociais, os fluxos de informação,
capitais e pessoas, por exemplo, permitem e alimentam o dinamismo das formas e
funções dos elementos que compõem e caracterizam o espaço. Para Santos (1997),
a necessidade de fluidez é uma das mais importantes características do mundo
atual que é, ao mesmo tempo, causa, condição e resultado.
Essa condição de fluidez é particularmente relevante aos estudos sobre as
migrações internas, que por definição envolvem o movimento de populações no
espaço, em determinado intervalo ou em pontos definidos no tempo. São, por
essência, fluxos que se manifestam e materializam no espaço. Esses contingentes
de migrantes que se deslocam no espaço são não apenas resultado de uma
realidade social e/ou condição econômica momentânea, mas também causa para
outros fluxos, envolvendo, por exemplo, investimento, tecnologia e experiência
profissional. Se a análise dos fluxos migratórios é recorrente no estudo
demográfico, são raros os trabalhos que incorporam diretamente a dimensão
distância como elemento efetivo da distribuição espacial da população.
Embora Ravenstein (1980) já tivesse indicado a predominância dos movimentos de
curta distância e a ocorrência do que denominou de correntes migratórias
contrárias e o estabelecimento de etapas de migração, várias possibilidades de
análise extraídas a partir da variável distância ainda são pouco exploradas.8
As Regiões de Influência das Cidades (Regics) do IBGE
De acordo com o próprio IBGE, a delimitação das Regiões de Influência das
Cidades (Regics) dá continuidade à tradição de estudar a rede urbana brasileira
e visa construir um quadro nacional, apontando as permanências e as
modificações registra-das. Os estudos anteriores, que definiram os níveis da
hierarquia urbana e estabeleceram a delimitação das regiões de influência das
cidades brasileiras, foram realizados pelo IBGE, em 1966, 1978 e 1993, a partir
de questionários que investigaram a intensidade dos fluxos de consumidores em
busca de bens e serviços. A atualização, realizada em 2007 e divulgada em 2008,
retoma a concepção utilizada nos primeiros estudos elaborados pelo IBGE, que
resultaram na divisão do Brasil em regiões funcionais urbanas de 1972. Nessa
proposta foi inicialmente estabelecida uma classificação hierárquica dos
centros metropolitanos do país. Em seguida, foram delimitadas suas áreas de
atuação, denominadas Regiões de Influência (RI). Nesse estudo privilegia-se a
função de gestão do território, como sugerido por Corrêa (1995), segundo o qual
o centro de gestão do território "é aquela cidade onde se localizam, de um
lado, os diversos órgãos do Estado e, de outro, as sedes de empresas cujas
decisões afetam direta ou indiretamente um dado espaço que passa a ficar sob o
controle da cidade através das empresas nela sediadas."
Duas etapas metodológicas são centrais nessa nova Regic: a definição
hierárquica dos centros de gestão do território; e a delimitação de sua região
de influência. De modo simplificado, a classificação de hierarquia na rede de
cidades leva em conta dois níveis de centralidade: a gestão federal, avaliada a
partir da existência de órgãos dos Poderes Executivo e Judiciário federais; e a
gestão empresarial, bem como a presença de diferentes equipamentos e serviços
(comércio e serviços, instituições financeiras, ensino superior, saúde,
Internet, redes de televisão aberta e conexões aéreas). Classificados em seis
níveis de hierarquia, conforme sua posição no âmbito da gestão federal e
empresarial, integram o conjunto final 711 centros de gestão do território,
como representado na Figura_1.
A intensidade das ligações entre as cidades permitiu estabelecer suas áreas de
influência e a articulação das redes no território. Para investigar a
articulação dos centros de gestão, foram considerados os eixos de gestão
pública e de gestão empresarial, complementados pelos serviços de saúde. As
áreas de influência dos centros foram delineadas a partir da intensidade das
ligações entre as cidades, com base em dados secundários e informações obtidas
por questionário específico da pesquisa, possibilitando identificar 12 redes de
primeiro nível.
Afora o mérito na delimitação regional proposta pelo IBGE, nesse trabalho foram
implementadas algumas adaptações metodológicas necessárias para a definição das
unidades espaciais de análise. Uma delas refere-se à inclusão da rede de
influência de Uberaba na Regic de São Paulo e não de Belo Horizonte. Essa
modificação se justifica pela descontinuidade espacial gerada na conformação do
limite da Regic proposta pelo IBGE, que separava as áreas de influência de
Uberlândia e Uberaba.
Outra alteração foi a fusão das Regics de Brasília e Goiânia, que representam
espaços altamente articulados social e economicamente. Em função de sua posição
peculiar e da consequente sobrevalorização das medidas de distância e
implicações nos modelos propostos, também foi excluído da base Fernando de
Noronha, o que reduziu o total de municípios para 5.506. A reconfiguração das
RIs está representada na Figura_2, que identifica as 11 divisões regionais que
compõem o primeiro nível hierárquico estabelecido nas Regics 2007 (Regiões
Metropolitanas).
Em posição hierárquica superior na rede de influência destaca-se a Regic de São
Paulo, polarizada pela Grande Metrópole Nacional, envolvendo, além do próprio
Estado de São Paulo, o sul de Minas Gerais, o Triângulo Mineiro e o Estado de
Mato Grosso do Sul. Com base nos dados do Censo Demográfico e na divisão
política administrativa de 2000, essa Regic compreende um conjunto de 847
municípios, que representam 15,38% do total e abrigam 24,56% dos residentes no
território nacional.
Esse recorte espacial das Regiões de Influência elaborado pelo IBGE (2008),
sobreposto à divisão político-administrativa de 2000, que compreendia um total
de 5.507 municípios (exceto Fernando de Noronha), serviu de base para as
tabulações e análise de dados. Mais que isso, essa regionalização permitiu
avaliar a suposta dispersão espacial da população no interior das Regiões de
Influência, tendo como ponto de inflexão as respectivas Regiões de Influência.
Essa atualização metodológica, ainda que possa suscitar ressalvas e limitações,
oferece um retrato mais próximo das relações de interdependência que se
estabelecem no espaço, onde os volumes e fluxos da população são especialmente
relevantes.
Os fluxos migratórios nas Regics metropolitanas: algumas evidências empíricas
Um dos sinais de dispersão espacial da população brasileira pode ser
identificado pelos fluxos migratórios intermunicipais, a partir da avaliação
das entradas e saídas de população nas principais regiões metropolitanas do
país. Foram considerados os fluxos migratórios de Data Fixa,9 compreendidos nos
períodos 1986-1991 e 1995-2000, que envolviam os imigrantes ou emigrantes em
cada uma das RMs, divididos entre os fluxos inter e intrarregionais. Em uma
primeira aproximação, quando analisadas as trocas de população entre as RMs e
as demais Regics metropolitanas, denominadas de fluxos inter-Regics, pelo menos
dois grupos regionais podem ser identificados (Tabela_1). Um deles compreende a
dinâmica observada na Região de Influência de São Paulo (Risp). Quando
comparados os dois quinquênios, a RMSP destacava-se como a principal área de
atração de população. Em cada um desses períodos, cerca de 600 mil imigrantes,
vindos das diversas regiões do país, encaminharam-se para esta região. Contudo,
nota-se também um expressivo aumento no número de emigrantes: no período 1995-
2000, mais de 373 mil deixaram a RMSP, enquanto no quinquênio anterior esse
volume correspondeu a pouco menos de 273 mil, significando um incremento de
mais de 100 mil pessoas nessa corrente migratória. Ainda que esse volume tenha
relação direta com o estoque da população residente em cada um dos
levantamentos censitários e, por consequência, com o crescimento demográfico
verificado nesse intervalo, a diferença entre as entradas e saídas de
população, nos dois quinquênios, ainda indicava um saldo migratório bruto
positivo, o que dava sustentação aos níveis de crescimento demográfico
positivos, ainda que baixos.
Em situação oposta destacavam-se as grandes regiões metropolitanas do Nordeste
brasileiro, que mantinham um alto saldo migratório negativo, resultante de uma
emigração elevada. Esse quadro, quando comparado aos saldos migratórios da
metrópole paulista, em boa medida, reflete as trocas diretas de população,
ainda marcadas pelo histórico fluxo de migrantes que se deslocavam das RMs de
Fortaleza, Recife e Salvador para o Sudeste, destacadamente para a RMSP. Cada
uma das Regiões Metropolitanas de Fortaleza, Recife e Salvador perdeu mais de
400 mil migrantes no quinquênio 1995-2000. Nesse mesmo período, essas RMs
ostentavam saldo migratório negativo em torno de 200 mil pessoas. As Regiões
Metropolitanas de Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre também apresentaram
saldos negativos no quinquênio 1995-2000, porém, os valores foram menos
expressivos e inferiores àqueles verificados no período anterior, fruto, em boa
medida, da redução no volume da emigração.
No que se refere aos fluxos migratórios no interior da mesma Regic, que
envolvem mais diretamente os propósitos desse trabalho, o quadro é distinto.
Nos dois quinquênios avaliados, o saldo da RMSP manteve-se negativo e
consideravelmente elevado, resultado direto do sensível crescimento no volume
de emigrantes. Como pode ser observado na Tabela_2, no intervalo 19861991 cerca
de 410 mil pessoas emigraram da RMSP para sua Região de Influência. Em 1995-
2000, o volume desse fluxo atingia mais de meio milhão de migrantes. Nesse
mesmo período, o número de imigrantes na RMSP foi inferior a 150 mil. Por outro
lado, com exceção das RMs do Rio de Janeiro e de Brasília, que também exibiam
saldos negativos, as demais RMs analisadas apresentavam saldo positivo nos dois
períodos. No entanto, mesmo que essas regiões funcionassem como núcleos de
atração de população em suas respectivas Regiões de Influência, o número
absoluto de imigrantes foi reduzido quando comparados os dois quinquênios.
Muito mais relevante, entretanto, foi o crescimento na emigração metropolitana,
observado em todas as Regics.
Novamente, a notoriedade dos fluxos migratórios na Regic de São Paulo chama
atenção. De 1995 a 2000, como resultado das trocas de migrantes com a RMSP,
foram verificados ganhos de população em grande parte dos municípios de sua
Região de Influência. Como representado na Figuras_3, de um total de 808
municípios que integravam a Região de Influência de São Paulo (Risp), mais de
89% (722) exibiram saldo positivo. No quinquênio anterior eram 626 municípios
nessa condição. Em apenas alguns municípios localizados no Triângulo Mineiro e
ao sul de Mato Grosso do Sul foram observados saldos migratórios negativos. No
entanto, mesmo nesses espaços, bastante diferenciados geograficamente, com
características físicas peculiares, como relevo, clima, hidrografia, etc., os
vínculos com a metrópole paulista também configuram campos de atração de
população.
Quando avaliados os vetores migratórios que representam os deslocamentos
espaciais da população, nota-se um aumento generalizado no número de municípios
que receberam emigrantes das respectivas regiões metropolitanas. Mesmo que boa
parte do crescimento no número seja consequência direta do aumento de
municípios emancipados entre os dois Censos, a intensificação da emigração
procedente das RMs (número de vetores e volume de migrantes) sugere um
rearranjo na dinâmica migratória regional do país. O caso da RM de São Paulo,
cujos volumes são mais expressivos, novamente deve ser mencionado. No período
1995-2000, 788 municípios da Risp receberam emigrados da RM, enquanto no
intervalo anterior eram 702. Em alguns casos, como na Regic de Porto Alegre, o
crescimento no número de vetores foi ainda mais significativo, elevando-se de
387, em 1986-1991, para 510 municípios, em 1995-2000.
Mesmo que o aumento na frequência de vetores de emigração das RMs para suas
respectivas Regiões de Influência pudesse confirmar uma nítida dispersão
espacial da população, os valores referentes à distância média ponderada não
corroboram de imediato essa tendência.10 Excluídos os casos do Rio de Janeiro,
Manaus, Salvador e Curitiba, na maior parte das Regics verificou-se redução na
distância dos fluxos migratórios procedentes das respectivas RMs nos
quinquênios 1986-1991 e 1995-2000. Também cabe destacar os casos do Rio de
Janeiro e Manaus, que exibiam os valores de distância mais elevados (todos com
média superior a 300 km). Mesmo que os valores referentes às distâncias médias
permanecessem elevados no caso da RMSP, foi observada pequena redução quando
comparados os dois períodos (372,79 km em 1986-1991 e 366,77 km em 1995-2000).
Algumas observações devem ser consideradas na interpretação desses indicadores,
notadamente nos casos de redução dos escores relativos à distância.11 A análise
de dados, discriminados em três Regiões de Influência (RI-1, RI-2 e RI-3),12
conforme tercis de distância em relação ao núcleo metropolitano, em vários
casos, indica aumento no volume da população migrante que se dirigiu às áreas
mais próximas da Região Metropolitana, o que alimentou a redução das médias de
distância dos movimentos migratórios. Em todas as Regics, nos dois quinquênios
estudados, mais da metade dos emigrados das RMs encaminhou-se para a sub-região
RI-1. Em Brasília e Fortaleza, por exemplo, a proporção de emigrantes que se
dirigiram para a RI-1, nos dois quinquênios, foi superior a 90%.
Tabela_3
Ainda que fosse esperado um maior volume de migrantes com destino a essa RI-1,
tendo em vista a predominância da migração de curta distância, como já descrita
por Ravenstein (1980), acrescenta-se o fato de também ter ocorrido, em todas as
Regics, exceto as de Belo Horizonte e Manaus, um crescimento absoluto e
relativo no número de imigrantes procedentes das RMs.13 Na RMRJ, em 1995-2000,
dos 135.482 emigrados, 85.456 dirigiram-se para a RI-1, o que correspondia a
63,08% do total. No quinquênio anterior, essa proporção era de 52,68%. No caso
de São Paulo, os migrantes que tiveram como destino a RI-1 passaram de 62,84%,
em 1986-1991, para 68,19%, em 1995-2000, o que perfaz 347.957 pessoas de um
universo de 510.260 emigrantes da RM com destino a toda a RI, nesse último
quinquênio.14
A Regic de São Paulo é emblemática não apenas pelo volume expressivo do
contingente envolvido, mas também pela consolidação de uma rede de cidades de
médio e grande portes, fortemente vinculada à Região Metropolitana, onde os
fluxos migratórios conferem a materialidade densa da rede. Como pode ser
observado na Figura_3, boa parte dos municípios que mais receberam emigrados da
RMSP pertencia à RI-1, definida pelo limite de 240,32 km. Em 1995-2000, dos 18
municípios com mais de 5 mil imigrantes procedentes da RMSP, 14 localizavam-se
na RI-115 (Figura_4): Atibaia, Campinas, Hortolândia, Indaiatuba, Itanhaém,
Jundiaí, Mongaguá, Peruíbe, Praia Grande, Santos, São José dos Campos, São
Vicente, Sorocaba e Sumaré. Desse grupo, Praia Grande, Campinas, Sorocaba e São
José dos Campos foram aqueles que mais atraíram população, todos com mais de 10
mil imigrantes. Em vários aspectos, a intensificação da emigração metropolitana
sugere a alusão a uma das fases do modelo apresentado por Richardson (1980),
quando da redistribuição da população ao longo do sistema urbano, refletindo as
vantagens relativas das cidades secundárias. São exatamente essas cidades
secundárias, apontadas por Redwood III (1984), que cumprem função crucial na
eficiência econômica e no desenvolvimento regional.
Considerações finais
Ainda existem inúmeras incertezas acerca de determinados padrões de
distribuição espacial da população brasileira. A crença na suposta reversão da
polarização, ou mesmo de desconcentração espacial, como sugerida por
determinados autores e proposta nos modelos clássicos da economia regional, tem
se mostrado inapropriada à análise do caso brasileiro. Contudo, a progressiva
queda relativa no peso econômico e demo-gráfico dos principais centros urbanos
do país, bem como a desaceleração no ritmo de crescimento populacional das
principais Regiões Metropolitanas, requer um maior aprofundamento na avaliação
de novas tendências e padrões na distribuição espacial da população brasileira.
As últimas três décadas do século passado são centrais na análise da dinâmica
demográfica brasileira. Se a progressiva queda nas taxas de fecundidade foi
responsável direta pela forte desaceleração no ritmo de crescimento demográfico
do país, as migrações internas foram fundamentais no processo de redistribuição
espacial da população. A partir da década de 1970, acumulam-se evidências
acerca da redução do peso relativo das metrópoles. Mesmo que as metrópoles e
suas Regiões de Influência continuem atraindo expressivos contingentes, a
intensificação nos fluxos de emigrantes tem refletido diretamente no
crescimento demográfico de vários núcleos urbanos fora das principais regiões
metropolitanas brasileiras, tornando mais densa a rede de cidades em cada uma
de suas Regiões de Influência.
Os resultados obtidos nesta pesquisa não confirmam a integralidade da reversão
da polarização nos termos de Richardson (1980), nem a suposta desconcentração
econômico-demográfica destacada por Redwood III (1984), entre outros, mas
oferecem sinais de dispersão espacial da população, já proeminente em
determinados casos, como na Região de Influência de São Paulo.
Mesmo que as maiores regiões metropolitanas brasileiras tenham mantido sua
centralidade regional, o que torna equivocado falar em desconcentração
absoluta, o crescimento demográfico acelerado de vários pontos na rede urbana
brasileira que têm se destacado na atração de migrantes indica uma
redistribuição espacial da população no interior das Regiões de Influência das
principais metrópoles do país.
No caso da Região de Influência de São Paulo, que se mantém como principal
centro de atração de imigrantes do país, os efeitos dessa dispersão espacial da
população mostram-se mais consolidados, sobretudo no interior da rede de
cidades mais próximas à capital. A denominada Região de Influência 1 (RI-1)
compreende muitos municípios que têm atraído um crescente número de pessoas que
deixaram a RMSP. O volume desses fluxos direcionados para os principais polos
de atração nessa região foi tão expressivo que reduziu os valores de distância
ponderada, o que sugere tratar-se de uma forma de dispersão polinucleada(LOBO,
2009), por onde se observam claros sinais de expansão no interior da Região de
Influência, para além dos modestos 150 km do campo aglomerativo de Azzoni
(1986).
Essas evidências, ainda que circunscritas aos fluxos migratórios ocorridos nas
décadas de 1980 e 1990, dada a conjuntura econômica e condições sociais
específicas, sugerem a necessidade de revisão dos conceitos de centro e
periferia, tal como tradicionalmente empregado na literatura. A centralidade
regional restrita ao core metropolitano já não é suficiente à compreensão
adequada da organização do espaço regional. Uma revisão conceitual pode
facilitar um melhor entendimento da possível dispersão espacial. Conceitos
tradicionalmente aplicados na análise urbana, como dispersão urbana,
conurbação, megalópole, adaptados à análise regional, devem ser requalificados
diante das formações em rede.
Outra conclusão deste trabalho refere-se à necessidade de se explorarem as
ferramentas oferecidas pela análise espacial, ainda pouco utilizadas na
Economia, na Demografia ou mesmo na Geografia. Os indicadores elaborados e
expostos, tendo como base a variável distância, são exemplos das possibilidades
oferecidas às pesquisas nas áreas de Ciências Humanas e Ambientais. Acrescenta-
se, a essas potencialidades, uma das vocações da Geografia: os estudos
regionais. O recorte espacial oferecido pelas Regiões de Influência das
Cidades, proposto pelo IBGE, ainda que possa ser criticado e contestado em
relação aos conceitos e elementos metodológicos utilizados, permite uma análise
diferenciada das tradicionais abordagens desenvolvidas pela Economia.
Também deve ser destacada a importância, notadamente para a Geografia da
População e os estudos sobre migrações, de se explorarem as bases de dados
extraídas de fontes como o Censo Demográfico, já recorrentemente utilizado pela
Demografia. Essa possibilidade ganha relevância tendo em vista a aproximação do
Censo de 2010. Novas evidências podem ser trazidas à luz, confirmando ou não
determinadas tendências ou indícios observados nesse trabalho, que reúne
evidências empíricas relativas às duas últimas décadas do século passado.