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BrBRHUAp0102-30982012000100010

BrBRHUAp0102-30982012000100010

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioHumanities
Great areaApplied Social Sciences
ISSN0102-3098
ano2012
Issue0001
Article number00010

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Vulnerabilidades ocupacionais e percepção de saúde em trabalhadores do SUS

Introdução Sabe-se que os indivíduos morrem mais jovens ou têm pior saúde de acordo com suas condições de vida e de trabalho, ou dependendo do patrimônio cultural e material de suas famílias. As aclarações sobre as persistentes diferenças na distribuição populacional da morbidade e mortalidade, confirmadas para doenças crônicas e causas de morte, explicam o foco nas dimensões sociais das desigualdades em saúde, as quais comumente seguem um gradiente de desvantagem para os grupos mais vulneráveis socialmente (MARMOT, 2005).

A magnitude das desigualdades em saúde pode variar entre os diferentes grupos ocupacionais, devido às diferenças de condições de emprego e de trabalho (LAHELMA et al., 2009; BENAVIDES et al., 2000). Estatuto do emprego e qualidade do trabalho exercem fortes efeitos sobre a saúde dos adultos. Está bem fundamentado que tais efeitos não se referem estritamente à dimensão material, incluindo também os fatores psicossociais dos ambientes (SIEGRIST; MARMOT, 2004).

Inserção vulnerável no mercado de trabalho compreende as situações de fraca ou nenhuma proteção social, baixo nível de renda, baixa escolaridade, emprego temporário ou ausência de vínculo, jornadas extensas, exposição às elevadas cargas físicas e psicossociais das tarefas, trabalho envolvendo periculosidade e o trabalho sem sentido.

Os trabalhadores da saúde (TS) estão duplamente envolvidos na problemática das desigualdades em saúde: como cidadãos, estão mais ou menos vulneráveis, dependendo de sua inserção ocupacional e situação socioeconômica (SMITH, et al., 2007); e, como trabalhadores, as condições que eles encontram para trabalhar coincidem com a qualidade dos serviços prestados às populações (OMS, 2008; D'AVILA et al., 2010; TARNOW-MORDI et al., 2000).

Estudos recentes indicam aumento da proporção de TS insatisfeitos que abandonaram seus postos ou continuaram trabalhando apesar da insatisfação com a diminuição da autonomia, o aumento da pressão tanto da hierarquia quanto dos pacientes, o excesso de tarefas burocráticas, o fraco reconhecimento social, as condições inadequadas de trabalho e os baixos salários (KAUR et al., 2009; WADA et al., 2009; WALLACE et al., 2009).

Mundialmente, as reformas sanitárias em curso objetivam ampliar o acesso aos serviços e controlar os custos da assistência. Disponibilidade e qualidade dos recursos humanos são consideradas fatores-chave para o desempenho das organizações e sistemas de saúde (MARCHAL; KEGELS, 2003). Entretanto, as medidas para controlar os custos da assistência, com frequência, entram em conflito com os requisitos necessários para proporcionar um nível adequado de cuidado a ser prestado (MAWN et al., 2010). Paralelamente, no Brasil, as reformas sanitárias se apoiaram fortemente no trabalho precário (BUCHAN et al., 2011).

A saúde dos profissionais do SUS, anteriormente amparada por legislação genérica de saúde do trabalhador, é objeto de uma Portaria do Ministério da Saúde (BRASIL, 2011), publicada em 2011, que estabelece as diretrizes da Política Nacional de Promoção da Saúde do Trabalhador do Sistema Único de Saúde (SUS). Trata-se de um reconhecimento das especificidades do trabalho no SUS e da necessidade de adequações dos ambientes sanitários, visando a proteção dos profissionais implicados na assistência aos usuários. As exigências dos cidadãos e o próprio SUS, ao buscarem aumento da eficiência e da equidade, requisitam um trabalhador capaz de dominar uma gama de conhecimentos e habilidades, bem como ter uma visão geral do contexto e um forte compromisso social.

Os princípios e diretrizes a serem observados na elaboração dos planos, programas, projetos e ações de saúde voltados à população trabalhadora do SUS incluem, entre outros, a valorização dos trabalhadores, o que pressupõe reconhecer o papel fundamental do trabalhador na atenção integral à saúde da população, garantindo políticas e ações que permitam o crescimento pessoal e profissional do trabalhador e estimulem relações e condições de trabalho adequadas.

No Brasil, de acordo com dados do CNES de 2008 e 2009, havia aproximadamente 2 milhões de profissionais, incluindo médicos, odontólogos, farmacêuticos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem. A partir de dados da Rais de 2008, foram estimados 2,5 milhões de empregos formais privados e da administração pública, vinculados à saúde humana, núcleo do setor saúde (BRASIL, 2009).

Considerando-se o macrossetor saúde, em que se incluem atividades de assistência social, psicossocial, regulação, ensino, pesquisa, atividades de saneamento, entre outros, são 4 milhões de vínculos, atingindo 10% do total da economia (BRASIL, 2009).

Em Belo Horizonte, houve aumento do quadro de trabalhadores não efetivos, cujos direitos contratuais e proteção trabalhista não foram contemplados para uma parcela deles (COELHO et al., 2009). Dados do Ministério da Saúde assumem que aproximadamente 800 mil trabalhadores da saúde estavam em situação de emprego precário em 2006, equivalendo a quase 40% da força de trabalho do setor (BRASIL, 2006).

Em suma, o Sistema Único de Saúde (SUS) não escapou da realidade da precarização do trabalho no país (CONASEMS, 2007). No entanto, medidas vêm sendo tomadas com o objetivo de reverter o quadro. Políticas específicas visam promover relações estáveis de trabalho, garantia dos direitos do trabalhador e erradicação progressiva dos vínculos precários do trabalho existentes no setor (MACHADO; KOSTER, 2011). Quanto a Belo Horizonte, várias medidas têm sido adotadas no sentido de minimizar o quadro de precarização do trabalho e do emprego no SUS-BH, tais como realização de concursos públicos para provimento de cargos da saúde de 2002 a 2006 e estabelecimento de um Plano de Cargos e Carreiras da Saúde (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2007).

A Secretaria Municipal de Saúde (SMSA) de Belo Horizonte implantou, em 2002, a Estratégia Saúde da Família (ESF), com o objetivo de impulsionar a reorientação do modelo assistencial, com ênfase na Atenção Primária à Saúde (APS).

Avaliações sobre o desempenho do modelo assistencial implantado demonstram que o município tem avançado nos atributos essenciais da APS. Apesar dos avanços, ainda existem desafios a serem superados, particularmente no que se refere à gestão do trabalho (SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE BELO HORIZONTE, 2008; LOPES; MATOS, 2010).

A abordagem das articulações entre as características dos indivíduos e das ocupações é impregnada de contingências e de relações não lineares; por isso, os estudos que focalizam as associações entre emprego e situação de saúde enfrentam limites quanto ao dimensionamento insuficiente das condições de trabalho, entre outros. Impasses e dilemas metodológicos permeiam os projetos investigativos, indicando os limites das abordagens unifatoriais. Medidas multidimensionais e que possam resumir informações em um número determinado de grupos são necessárias para identificar as vulnerabilidades em que se encontram os TS.

A elaboração de uma tipologia de precariedade nos vínculos de trabalho busca contribuir para a construção de indicadores que considerem outras dimensões, além daquelas tradicionais como tipo de vínculo, jornada e rendimento de trabalho. Outros aspectos do local de trabalho, assim como de alocação de tempo em atividades e tarefas fora do ambiente laboral, afetam a inserção dos indivíduos no mercado de trabalho. Considerando, portanto, a flexibilidade do método e a relativamente grande disponibilidade de informações acerca do indivíduo e de seu desempenho socioeconômico, a presente investigação recorreu ao método Grade of Membership (GoM), que possibilita operacionalizar o conceito de vulnerabilidade social, ao analisar a presença de múltiplas condições de trabalho e emprego em uma população com grande variabilidade e diversidade quanto aos aspectos de interesse. Além disso, por meio de tal abordagem, é possível identificar os perfis e contribuir para a formulação de ações e políticas específicas que atendam à peculiaridade dos grupos.

Metodologia Banco de dados O presente estudo incluiu 1.808 trabalhadores da rede municipal de saúde de Belo Horizonte que participaram de um inquérito epidemiológico em 2009. Foram considerados elegíveis todos os profissionais vinculados ao serviço público municipal de saúde, independente do vínculo empregatício (permanente, temporário, estágio), em efetivo exercício profissional na unidade sorteada. Os questionários não identificavam os respondentes, preservando a confidencialidade dos dados obtidos. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (parecer 542/07). Termo de consentimento livre e esclarecido foi requerido de todos os participantes do estudo.

A amostra foi composta por indivíduos sorteados por procedimento aleatório e estratificada segundo distrito sanitário, nível de complexidade da assistência (centros de saúde, especialidades, urgência e gerências distritais) e ocupação.

Foram substituídos, respeitando-se a função ou cargo, nível de assistência e área geográfica, aqueles que não se encontravam no serviço por motivo de férias, transferência, aposentadoria ou morte.

Para o cálculo da amostra, considerou-se o universo de 13.602 trabalhadores da saúde na época da coleta de dados. Foi estimada uma amostra de 1.495 trabalhadores, com base na prevalência de 34,2% de exposição a riscos biológicos (evento de interesse de maior prevalência no segmento estudado), nível de confiança de 95% e erro de delineamento de 3%, sendo ampliada para 1.794 pessoas, considerando uma possível perda de 20%.

O preenchimento do questionário foi conduzido por um entrevistador treinado, que se dirigiu à unidade do participante após contato e confirmação da presença do entrevistado. Foram realizadas até três tentativas no intuito de localizar o trabalhador sorteado. Considerou-se perda quando o trabalhador não foi encontrado na terceira tentativa.

A composição final da amostra indica que as mulheres representaram a maioria da população estudada (71,6%); 31,8% tinham até 34 anos, sendo que, no total, a variação foi de 16 a 73 anos; a média de idade foi 40,8 ± 11,1 anos; 54,4% declararam viver com um companheiro; 54,2% tinham ensino médio, técnico ou superior incompleto; e 53,6% dos TS estudados estavam no serviço público menos de dez anos. A jornada semanal de trabalho na unidade era de 40 a 44 horas para 53,4% dos respondentes e cerca de 38,0% relataram ter outro emprego.

Variáveis selecionadas Diferentes dimensões do trabalho e da saúde dos trabalhadores foram avaliadas: características sociodemográficas; hábitos de vida; situações de saúde; características do emprego; aspectos psicossociais do trabalho; e trabalho doméstico.

Os transtornos mentais comuns (TMC) foram avaliados de acordo com escores obtidos no Self Reporting Questionnaire (SRQ-20), que é um instrumento desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para avaliar morbidade psíquica em países em desenvolvimento, cujo resultado identifica nível de suspeição de TMC (SANTOS et al., 2009). É composto por 20 questões, com respostas dicotômicas (sim ou não), incluindo sintomas emocionais e físicos associados a quadros psiquiátricos. Definiu-se o ponto de corte para classificação de suspeitos de TMC em sete ou mais respostas positivas, procedimento adotado em outros estudos (ARAÚJO et al., 2003a e 2005).

os aspectos psicossociais do trabalho foram avaliados pelo Job Content Questionnaire (JCQ). Trata-se de um instrumento baseado no Modelo Demanda- Controle (KARASEK; THEÖRELL, 1990; ARAÚJO; KARASEK, 2008; ARAÚJO, 2003b), que privilegia duas dimensões psicossociais: o controle sobre o trabalho e a demanda psicológica advinda do trabalho. A partir da combinação dessas duas dimensões, o modelo distingue situações de trabalho específicas que, por sua vez, estruturam riscos diferenciados à saúde (ARAÚJO, 2003b).

O Manual do JCQ (www.JCQCenter.org) foi utilizado para a construção dos escores de demanda psicológica (incluindo questões relacionadas ao ritmo de trabalho, tempo para a realização das tarefas, tarefas conflitantes, volume excessivo de trabalho) e de controle sobre o próprio trabalho, incluindo duas subescalas: uso de habilidades (avaliando aprendizagem de coisas novas, criatividade, desenvolvimento de habilidades especiais, possibilidade de realização de diferentes tarefas); e autoridade decisória (liberdade para decidir como realizar as tarefas, possibilidade de tomada de decisões) (ARAÚJO, 2003b).

Para a análise, os escores de demanda psicológica e de controle foram dicotomizados com base na mediana da distribuição de cada uma dessas variáveis: os valores iguais ou abaixo da mediana foram categorizados como baixa demanda ou baixo controle; e os acima, como alta demanda ou alto controle.

A partir da combinação entre níveis de demanda e controle, foram constituídos os quatro grupos previstos no Modelo Demanda-Controle: baixa exigência (combinação de baixa demanda e alto controle); trabalho passivo (baixa demanda e baixo controle); trabalho ativo (alta demanda e alto controle); e alta exigência (alta demanda e baixo controle) (KARASEK; THEÖRELL, 1990; SOUZA et al. 2010).

Para a mensuração da variável sobrecarga doméstica, considerou-se a realização de quatro tarefas domésticas básicas - cozinhar, limpar, lavar e passar -, conforme indicador proposto por Thierney et al. (1990), ponderada pelo número de potenciais beneficiários do trabalho doméstico (número de pessoas no domicílio). A sobrecarga doméstica foi, portanto, avaliada a partir do somatório das tarefas domésticas, ponderado pelo número de moradores, exceto a própria entrevistada (S lavar+passar+limpar+cozinhar) x (M-1) (ARAÚJO et al., 2005). Para fins de análise, o escore de sobrecarga doméstica foi dicotomizado com base nos tercis da distribuição obtida: baixa sobrecarga (correspondeu aos valores iguais ou abaixo do segundo tercil); e alta sobrecarga (valores acima do segundo tercil).

Compatibilidade entre escolaridade e cargo foi outra variável escolhida. Foram considerados compatíveis os empregos nos quais os trabalhadores se encontravam em cargos adequados ao seu nível de escolaridade. Subqualificados foram aqueles que ocupavam cargos que exigiam maior nível de escolaridade do que o reportado pelo entrevistado-trabalhador, enquanto sobrequalificados foram aqueles que tinham escolaridade superior à exigida pelo cargo. A construção dessa variável foi facilitada pelo fato de os cargos estarem descritos conforme habilidades educacionais reque-ridas pelo posto de trabalho.

Para a construção de tipologias de perfis utilizando-se o método GoM, foram analisadas as seguintes variáveis: informações sociodemográficas (sexo, idade, cor); hábitos de vida (participação em atividades de lazer, sociais e culturais, prática e frequência de atividades físicas); condições de saúde (relato de depressão e ansiedade, presença de transtorno mental comum -TMC, distúrbios de sono, estado vacinal contra hepatite B); características do emprego (treinamento, tipo de vínculo, jornada de trabalho, outros empregos, relação escolaridade e nível da ocupação, renda); aspectos psicossociais do trabalho e demandas e controle sobre as tarefas; e trabalho doméstico (atividades realizadas e sobrecarga doméstica).

Método GoM O método Grade of Membership (GoM) - Grau de Pertencimento - pertence à teoria de conjuntos nebulosos (fuzzy sets), a qual não pressupõe a dicotomia fundamental de a teoria clássica pertencer ou não a apenas um conjunto. Em conjuntos nebulosos, opera-se com a possibilidade de um elemento pertencer a mais de um conjunto. O método identifica, entre os indivíduos da base de dados, dois ou mais perfis de referência (ou perfis extremos), de acordo com suas características próprias descritas pelas variáveis. Identifica também os graus de pertencimento dos indivíduos a cada perfil extremo, sendo de 100%, se o indivíduo tiver todas as características do perfil, de 0%, caso contrário, e entre 100% e 0%, quando o indivíduo possuir características de mais de um perfil extremo.

Com base em cinco hipóteses, o modelo de probabilidade para a construção do procedimento de estimação de máxima verossimilhança é formulado. O modelo de probabilidade, para uma amostra aleatória, é o produto do modelo multinomial com a probabilidade de cada indivíduo segundo determinada variável.

Do banco de dados gerado foram selecionadas, para o presente estudo, 29 variáveis consideradas pertinentes para descrever o quão vulnerável era a condição socio-ocupacional. Como o GoM exige variáveis discretas, elas foram definidas conforme disposto na Tabela_1.

O número de perfis extremos (ou perfis de referência) definido pelo pesquisador resulta na dimensão final da tipologia, ou seja, em categorias puras e mistas.

Os tipos mistos combinam características de dois ou mais tipos puros, os quais, por sua vez, correspondem, basicamente, aos perfis extremos. Nesse trabalho, foram definidos três que, por combinatória, geram dez perfis.

Para cada elemento (neste caso, indivíduo) em um conjunto nebuloso existe um grau de pertinência (gik), que representa o grau com que o elemento i pertence ao conjunto/perfil k, assumindo valores entre 0 (zero) e 1 (um), inclusive. Se gik assume valores superiores a zero e inferiores a um, o indivíduo tem pertencimento (parcial) a mais de um perfil de referência (MANTON et al., 1994).

Os perfis extremos resultam da estimação por máxima verossimilhança, ao passo que as categorias finais da tipologia, puras e mistas, são definidas conforme a intensidade do grau de pertencimento ou pela localização em relação a um dos perfis extremos. Estes perfis são caracterizados pela análise entre a razão de probabilidades a cada resposta da variável empregada (lambda) e a frequência marginal das respostas. De acordo com Melo (2006), considera-se que determinada resposta à variável discrimina o perfil quando a razão entre o lambda e a frequência marginal de cada resposta for superior a 1,2.

Resultados Perfis extremos A Tabela_2 traz a descrição das características prováveis dos perfis extremos, destacando aquelas que discriminam, uma vez que os valores da razão das probabilidades são superiores a 1,2 (realçados na tabela).

Da leitura dos resultados, apreende-se que o perfil 1 discrimina para homens; em faixas etárias mais jovens; brancos; jornadas de trabalho semanais entre 12 e 24 horas ou entre 36 e 40 horas; para aqueles com duplo emprego, em qualquer uma das possibilidades, com exceção da própria Prefeitura de Belo Horizonte e do governo do Estado; jornada no outro trabalho inferior a 20 horas ou acima de 41 horas semanais; sem atividades no domicílio e sem ser por ele responsável; prática de atividades de lazer; faixas de rendimento inferior a um salário mínimo ou superior a dez salários mínimos; trabalho ativo ou de baixa exigência; compatibilidade entre escolaridade e cargo; baixa sobrecarga doméstica. De acordo com essa descrição, pode-se concluir que, no perfil 1, predominam trabalhadores menos vulneráveis quanto às características individuais e à carga doméstica, o que é coerente com a condição de não estar doente, trabalhando em condições favoráveis.

o perfil 2 discrimina para mulheres; idade entre 40 e 49 anos; não brancos; jornadas de trabalho semanais de 30 e 44 horas; para aqueles que não têm outro trabalho; jornada no outro trabalho de 21 a 30 horas semanais; cuida de crianças no domicílio, mas não as leva à escola; cuida de idosos e doentes; responsável pelo domicílio; envolvidos em atividades domésticas todos os dias; pratica atividade de lazer; não faz atividade física regularmente; apresenta distúrbios do sono; falta ao trabalho; faixas de rendimento entre 1 e 2 salários mínimos ou entre 5 e 10 salários mínimos; relato compatível com TMC; alta exigência ou trabalho passivo; sobrecarga doméstica. No perfil extremo 2, portanto, estão concentrados trabalhadores mais vulneráveis quanto às características individuais e à carga doméstica e pobre vida extratrabalho, coerente com a condição de estar doente, trabalhando em condições desfavoráveis.

Por fim, o perfil extremo 3 é discriminado por valores perdidos nas seguintes variáveis: sexo; idade; cor; fez treinamento; jornada de trabalho; tem outros trabalhos; cuida de criança; faz compra em supermercados; leva filhos à escola; realiza pequenos consertos; cuida de idosos e doentes; responsabilidade pelo domicílio; dias de trabalho no domicílio; pratica atividade de lazer; faz atividades físicas; distúrbios de sono; falta no trabalho; rendimento; relato compatível com TMC; aspectos psicossociais do trabalho; vacina contra hepatite B; compatibilidade entre escolaridade e ocupação; sobrecarga em atividades domésticas.

Além de a saída de valores perdidos discriminar para todas essas variáveis, ressaltaram-se: idade superior a 50 anos; cor não branca; jornada de 8 e 30 horas semanais; outros trabalhos na própria Prefeitura; prática de atividades de lazer e atividade física uma ou duas vezes na semana; não falta ao trabalho; rendimento de 1 a 2 salários mínimos; ausência de vacina contra hepatite B; sobre ou subqualificado em seu cargo. Entre as variáveis discriminadas sem que os valores perdidos fossem relevantes, encontram-se as seguintes respostas: vínculo não estável; a não prática de atividades culturais; prática e não prática de atividades sociais e físicas. O perfil extremo 3 seria constituído por trabalhadores não vulneráveis, mas que não foram vacinados contra hepatite B e com formação incompatível com o cargo, concentrando indivíduos mais bem inseridos do que os do perfil 2, mais protegidos no tocante à situação de saúde. Talvez esteja refletindo a presença de um grupo de funcionários menos implicados nas atividades de lida direta com o usuário dos estabelecimentos públicos de saúde, situação que explicaria a informação sobre ausência de cobertura vacinal contra hepatite B. A existência de cargos comissionados e de confiança política também pode ser evocada para explicar a discrepância entre cargo e escolaridade.

Para transformar esses três perfis extremos em dez perfis puros e mistos, ordenamos os extremos da pior para a melhor situação. Desse modo, considerando- se os indícios de saúde global - fadiga frequente, distúrbios de sono, insônia, depressão e transtornos mentais comuns -, ausência de lazer e características sociodemográficas (renda, sexo e cor), o perfil extremo 2 foi ordenado como o pior, seguido pelo 3 e, como melhor, o 1.

Perfis puros e mistos Entre os dez perfis gerados, o perfil puro 3 é o que absorve maior número de trabalhadores (39,13%), seguido pelo puro 2 (14,94%) e pelo misto que combina 3 e 1 (11,18%), de acordo com a Tabela_3.

Tem-se, assim, a descrição desses perfis de acordo com as variáveis mais relevantes dessa análise: estabilidade do vínculo; realização de atividades de lazer; relato compatível com TMC; demandas psicossociais das tarefas; compatibilidade entre escolaridade e ocupação; e sobrecarga nas tarefas domésticas.

De acordo com o Gráfico_1, os perfis de maior proporção de não estáveis foram o misto 1 e 3 e o misto 3 e 1. Entre os de maior representação da estabilidade no emprego, encontram-se os tipos puro 3 (mais de 60%) e misto 2 e 3 (60%).

Quase a integralidade dos ocupados do perfil puro 3, assim como no caso dos perfis misto 1 e 3 e misto 3 e 1, realiza atividades de lazer (Gráfico_2). Por sua vez, os perfis puro 2 e misto 2 e 1 são aqueles em que os trabalhadores declararam não praticar atividades de lazer.

O Gráfico_3 ilustra a distribuição dos perfis quanto à frequência de transtorno mental comum. Observa-se que o tipo puro 3 e o misto 1 e 3 apresentam quase 80% dos trabalhadores com ausência de TMC. A maior prevalência de TMC foi observada no misto 2 e 3 e no puro 2, quase 40%. Mais de 20% do puro 1 e do misto 1 e 2 são considerados valores perdidos, por não terem respondido as questões da escala (SRQ-20).

A demanda psicossocial do trabalho (traduzida no modelo demanda-controle) está expressa na distribuição dos perfis ilustrados no Gráfico_4. Em todos, prevalece trabalho passivo. No puro 3 e no misto 3 e 1 aproximadamente 10% que apontam trabalho ativo. Mais de 20% apresentam demanda de alta exigência no trabalho nos perfis puro 2 e misto 2 e 3. Cabe destacar a maioria significativa de trabalho de baixa exigência no puro 3, comparativamente aos demais grupos.

Os perfis puro 1 e misto 1 e 2 agregaram aproximadamente a metade dos trabalhadores em cargo não compatível com a escolaridade. Nos perfis mistos 1 e 2 e 2 e 1, cerca de 22% dos trabalhadores estavam em situação de sobrequalificação. no puro 2, misto 1 e 2 e misto 3 e 2, em torno de 10% dos TS podem ser considerados subqualificados, segundo os critérios adotados (Gráfico_5). A maior proporção de compatibilidade entre escolaridade e ocupação foi observada no puro 3.

Em relação às demais variáveis analisadas, a sobrecarga de trabalho doméstico é a que apresenta maior proporção de valores perdidos em todos os tipos, conforme ilustra o Gráfico_6. Os perfis misto 1 e 2, puro 2 e misto 3 e 2 apresentam 54% e 52%, respectivamente, dos TS na condição de alta sobrecarga. Por outro lado, 63% dos trabalhadores do perfil puro 3 não estão sujeitos à sobrecarga doméstica. De maneira similar, encontram-se 51% do misto 2 e 3 e 45% do misto 3 e 1.

Discussão Com base em variáveis que identificaram características sociodemográficas, hábitos de vida, situações de saúde, características do emprego, aspectos psicossociais do trabalho e trabalho doméstico, o presente estudo utilizou o método GoM para determinar perfis dos trabalhadores de saúde no setor público municipal de Belo Horizonte.

Assim, diante do exposto, foi possível nomear os perfis de acordo com as características identificadas. O tipo puro 3, de maior frequência na amostra (39%), é formado pelos trabalhadores em situação de emprego estável, relativamente mais bem remunerados, sem sobrecarga doméstica e que participavam regularmente de atividades de lazer, ocupavam cargos compatíveis com a escolaridade e reportavam situações de saúde favoráveis. Por outro lado, o tipo puro 2, com cerca de 15% de participação, abrange trabalhadores com empregos estáveis, relativamente mal remunerados, com alta exigência no trabalho e reportando fragilidades quanto à situação de saúde.

O terceiro perfil mais expressivo foi o misto 3 e 1 (11%), caracterizado por maior participação masculina, de jovens, com vínculo instável, em situação de trabalho ativo e sem sobrecarga doméstica, saudáveis. Provavelmente, trata-se, em sua maioria, de estagiários. O tipo misto 3 e 2 (6,14%) configurou um perfil de trabalhadores estáveis, relativamente mal remunerados, sem sobrecarga doméstica e com prática de atividades de lazer, subqualificados para seus cargos e mais frágeis quanto à situação de saúde.

O quinto tipo mais representativo foi o puro 1 (6,03%), caracterizado por elevada frequência de valores perdidos, trabalhadores menos jovens, mal remunerados, que alocavam horas para o lazer, saudáveis, mas, sobretudo, o que os distinguia dos demais grupos, além das informações perdidas, foi a fraca compatibilidade entre escolaridade e ocupação.

O perfil misto 2 e 3, com cerca 5% de ocupados, é composto por trabalhadores jovens, relativamente bem remunerados, com alta exigência no trabalho, baixa sobrecarga doméstica e relatando situações de saúde desfavoráveis. O perfil misto 1 e 3 representa 4,5% do total, também com frequência expressiva de valores perdidos, embora de vínculo mais instável, com grande proporção de relatos não compatíveis com TMC. Por fim, o tipo 2 e 1 (3,98% da amostra) está sobrerrepresentado entre os ocupados menos jovens (idade superior a 50 anos) e sobrequalificados. Eles eram relativamente mal remunerados, com significativa parcela recebendo entre 1 e 2 salários mínimos. Apesar de não reportarem práticas de lazer, seus relatos não foram compatíveis com TMC.

Considerações finais Como se pode observar, o perfil puro 3, grupo de maior frequência na população estudada, reunia condições menos vulneráveis e situações de saúde mais favoráveis. Vínculos de trabalho estáveis, relativamente bem remunerados, sem sobrecarga doméstica, com participação regular em atividades de lazer e empregos em cargos compatíveis com a escolaridade são fatores que explicariam relatos compatíveis com situações favoráveis de saúde (SIEGRIST; MARMOT, 2004; BRASIL, 2011; PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2007; LOPES; MATOS, 2010; ARAÚJO et al., 2005), comprovadamente observadas nesse grupo.

Registra-se, no entanto, que na amostra estavam presentes dois outros grupos também expressivos, cuja situação de vulnerabilidade ocupacional e de estado de saúde foi menos favorável. O perfil puro 2 (15%) agregou trabalhadores estáveis, porém mal remunerados e trabalhando sob altas exigências psicossociais. Nesse caso, confirmando resultados de estudos anteriores, os relatos indicam fragilidades quanto à situação de saúde.

Relato compatível com TMC distinguiu o perfil misto 2 e 3 dos demais junto às características de executar trabalho do tipo passivo e de não praticar atividades de lazer. É plausível supor que articulações indicadas na literatura entre os referidos fatores (trabalho passivo e ausência de lazer) expliquem o perfil, no qual, surpreendentemente, a existência de vínculo estável parece não ter protegido os trabalhadores dos TMC. Não seria imprudente evocar as conhecidas relações entre os efeitos negativos do trabalho passivo e da vida extraocupacional restrita, os quais, no caso, teriam se sobrepostos aos efeitos protetores do vínculo estável. Médicos com estilo de vida saudável, na Holanda, tiveram menor risco para morbidade psiquiátrica em relação àqueles que não adotavam comportamentos saudáveis (GRAHAM et al., 2001). Sabe-se que atividade física vigorosa e regular durante o tempo destinado ao lazer traz efeitos benéficos na redução da tensão, da ansiedade e da depressão, melhorando a autoimagem e o bem-estar (NUNOMURA et al., 2004; MELLO et al., 2005; PITANGA; LESSA, 2005).

Quanto aos aspectos psicossociais, predominaram, no perfil 2, o trabalho passivo (baixa demanda e baixo controle) e a alta exigência (alta demanda e baixo controle) em TS com pior percepção da saúde (distúrbios de sono e transtornos mentais comuns). Resultados semelhantes foram encontrados numa amostra de trabalhadores de enfermagem em Salvador, Bahia, onde se observou nítido gradiente tipo dose-resposta na associação positiva entre aspectos psicossociais e morbidade psíquica (ARAÚJO et al., 2003a).

Os perfis gerados pela combinação de características de dois ou mais tipos puros - os tipos mistos - facilitam abordar as múltiplas conexões possíveis quando o objeto diz respeito à saúde do trabalhador. Tem-se o perfil misto 3 e 1 - o mais expressivo (11%) -, no qual predominam homens, jovens, sem relato compatível com sobrecarga doméstica. Tal achado não seria surpreendente, uma vez que a distribuição das atividades doméstica é influenciada pelos determinantes de gênero em benefício dos homens (ARAÚJO et al., 2005; STRAZDINS; BAMMER, 2004).

Resultado inédito, mas plausível, é a declaração unânime de prática de atividades de lazer entre os sujeitos do perfil misto 3 e 1. Entre eles, predominaram maiores salários e trabalho ativo, apesar do vínculo instável, sendo positivos os relatos atinentes à situação de saúde. Pode-se depreender daí que o efeito negativo do vínculo instável sobre a saúde não tenha se manifestado em função de outras situações vivenciadas nesse grupo. Ou seja, a baixa participação no trabalho doméstico, por exemplo, pode ter sido um fator de liberação de tempo para atividades de lazer, exercendo efeito de proteção quanto aos aspectos da saúde, conforme assinala a literatura (PORTELA et al., 2005), compensando os esperados efeitos negativos do vínculo instável (BENACH; MUNTANER, 2007). Além disso, trabalho ativo, outra característica do perfil misto 3 e 1, também tem sido considerado fator de proteção para morbidades em geral (SIEGRIST; MARMOT, 2004; KARASEK; THEÖRELL, 1990).

Observou-se, contudo, que no perfil misto 2 e 1 articulações entre TMC e práticas de lazer não se manifestaram, pois os sujeitos pertencentes a tal perfil apresentaram relato compatível com ausência de TMC, ao mesmo tempo em que declararam não realizar atividades de lazer. Nesse grupo despontaram os trabalhadores menos jovens, sobrequalificados e menos bem remunerados.

Abordagens sobre a trajetória de inserção no emprego seriam benéficas ao evidenciarem dados e análises sobre o percurso ocupacional, esclarecendo sobre possíveis acúmulos alcançados em ocupações anteriores e construções pessoais facilitadoras para a adoção de estratégias de enfrentamento e de resistência aos riscos das condições vulneráveis.

Algumas vantagens e os limites do presente estudo devem ser citados. O GoM tem sido utilizado por pesquisadores das ciências sociais aplicadas para criar tipologias em que o conjunto analisado é muito heterogêneo. No presente estudo, o método adequou-se ao objetivo porque ajudou na interpretação de perfis mais sintéticos, por meio de número elevado de variáveis. Foi possível nomear e descrever perfis de trabalhadores em saúde a partir da combinação dessas variáveis. Tal procedimento analítico ajudou no reconhecimento das diferenças entre os indivíduos e das associações de vulnerabilidades ocupacionais.

A identificação das vulnerabilidades ocupacionais e das situações de saúde em um número razoável de grupos distintos é coerente ao encontrado na literatura sobre o assunto, o que valida os resultados descritos. O tamanho da amostra foi adequado para compor os perfis dos trabalhadores do serviço público de saúde, sendo obtida proporcional e aleatoriamente, com alta taxa de resposta, o que sugere validade interna. Outra vantagem diz respeito à utilização de instrumentos (JCQ, SRQ-20) reconhecidamente validados e amplamente empregados no campo da saúde pública.

A exclusão dos trabalhadores afastados por licença médica, provavelmente, subestimou a real prevalência dos fenômenos de saúde avaliados. É possível também que tenha ocorrido o viés de autorrelato devido ao tipo de coleta de dados que empregou questionários autoadministrados.

Os resultados apresentados convergem para as reflexões acerca da crescente constatação quanto à vulnerabilidade dos TS às condições de trabalho precárias (MARMOT, 2005; MARMOT et al., 2000). Eles também indicaram a relevância da abordagem da atividade de trabalho, buscando identificar agentes estressores e outros fatores do ambiente relacionados às situações nocivas e de adoecimento (LAHELMA et al., 2009; SIEGRIST; MARMOT, 2004). Algumas características dos indivíduos (idade, sexo, tempo de serviço, etc.), que conformam a população- alvo, não são passíveis de ações externas, no entanto, as políticas podem modificar os fatores localizados em torno do núcleo individual. Exemplificando, os horários de trabalho podem ser modificados, o fluxo de comunicação pode ser melhorado e o apoio social pode ser ampliado. Equilíbrios entre tarefa e sujeito tendem a facilitar a adesão a programas e a motivação pessoal para a mudança de comportamentos relacionados à saúde, como sedentarismo e lazer restrito (MONTEIRO et al., 2003). Todos esses fatores influenciam os efeitos das condições de trabalho sobre a saúde dos TS.


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