Sistemas públicos de ensino fundamental e a perpetuação da desigualdade:
democracia e qualidade educacional como promotoras de justiça social
Introdução
As políticas governamentais com ênfase na elevação do nível educacional da
população contribuem para o crescimento econômico, pois permitem a criação e
incorporação em seu processo produtivo de tecnologias mais complexas e, ainda,
propiciam reduções nos níveis de desigualdade, ao diminuírem o prêmio salarial
decorrente das diferenças de escolaridade. Ademais, investimentos educacionais
contribuem para redução da fertilidade feminina e melhorias na saúde,
principalmente em países em desenvolvimento como o Brasil.
A estrutura familiar mostra-se como um dos determinantes dos incentivos à
educação dos indivíduos. Os pais são a principal referência na conduta de seus
filhos, uma vez que suas decisões afetam o tempo destinado aos estudos e ao
lazer, a compra de materiais escolares, além de influenciarem nos anos
completos de escolaridade atingidos pela criança. Posteriormente, de acordo com
os níveis e a distribuição de escolaridade e renda, a sociedade escolhe o tipo
de escola (pública ou privada) e, por intermédio do voto, a qualidade do ensino
que a população terá acesso.
As decisões políticas afetam, via volume de recursos orçamentários, a oferta e
a qualidade dos serviços públicos, e espera-se que os pobres sejam os
principais beneficiados desses serviços em ambientes democráticos em que esses
sejam a maioria. De acordo com o teorema do eleitor mediano, sob regimes
plenamente democráticos, políticas redistributivas ocorreriam quando a renda
desse eleitor se mostrasse inferior à média da sociedade. O fato de estas
políticas não serem sempre observadas mostra que, em muitas sociedades cujo
poder político não é uniformemente distribuído, têm mais peso aqueles eleitores
da porção mais rica da população, o que desloca a mediana para a direita
(KEEFER; KHEMANI, 2005).
O sistema educacional, objeto de estudo desse trabalho, se mostra frágil na
geração de indivíduos mais escolarizados em sociedades econômica e
politicamente desiguais, por ser incipiente na correção de distorções ligadas
às circunstâncias familiares, como gênero, etnia e recursos financeiros. Como
Roemer (1998) destaca, o sistema educacional deveria prover igualdade de
oportunidades, isto é, ser justo para que as circunstâncias citadas não sejam o
principal determinante do sucesso individual. Assim, a decisão política por um
sistema educacional mais justo, isto é, que beneficiasse os indivíduos
independentemente das condições familiares poderia opor a esse quadro.
O objetivo do trabalho é investigar a relação entre o desempenho do sistema
público de ensino e as características do sistema político, ou seja, se um
melhor sistema político conduz a acréscimo de qualidade em escolas públicas e,
portanto, ao provimento de maior igualdade de oportunidades entre os
indivíduos. A mensuração da desigualdade de oportunidades basear-se-á na
proficiência em matemática obtida por estudantes concluintes das séries
iniciais do ensino fundamental; dessa forma, o foco não será sobre a renda,
como no trabalho de Betts e Roemer (2004). A escolha dessa forma intermediária
de mensurar a desigualdade de oportunidades, como afirmado por Waltenberg e
Vandeberghe (2007) e Barros, Ferreira, Vegas e Chanduvi (2009), desconsidera
questões relacionadas às escolhas profissionais dos estudantes e habilidades
inatas, além de facilitar a intervenção por meio de uma política pública.
Ademais, a contribuição do trabalho é a investigação do sistema público de
ensino, uma vez que esse passou por um processo de municipalização, após as
mudanças institucionais ocorridas no início da década de 1990, em que se
esperava uma reversão do quadro de deterioração do ensino público fundamental,
a partir da aproximação das instâncias decisórias das políticas públicas dos
eleitores. Os Municípios passaram a ser os responsáveis pela oferta das séries
iniciais do ensino fundamental, enquanto aos Estados coube a oferta do ensino
médio e, à União, o financiamento do ensino superior e das escolas técnicas.
A Tabela_1 mostra que aproximadamente 90% dos estudantes das séries iniciais do
ensino fundamental (até a quarta série ou quinto ano do ensino fundamental)
estão matriculados no ensino público. Verifica-se também uma progressiva
elevação no percentual de estudantes de escolas municipais, sobretudo quando
comparado com as estaduais. Enquanto em 1997 as escolas estaduais e municipais
eram responsáveis por 42,8% e 47,6%, respectivamente, do total de matrículas,
em 2009 as municipais incorporavam 68,21% do alunado, ao passo que as estaduais
respondiam por 19,34%. Nas escolas federais, o quadro permanece praticamente
inalterado desde 1999, com 0,04% do total de estudantes. Esse percentual já era
esperado, uma vez que não é atribuição dessa esfera de ensino o provimento de
vagas no ensino fundamental. Observa-se uma progressiva elevação do número de
estudantes no ensino privado.
Logo, ao aproximar a gestão do ensino fundamental da população, espera-se
aumentar a responsabilização (accountability) sobre os resultados das políticas
educacionais com impactos positivos sobre o desempenho dos estudantes e,
concomitantemente, na redução das desigualdades de oportunidades.
Assim, o presente estudo busca distinguir os determinantes dos diferenciais de
desempenho (oportunidades educacionais) entre os diversos níveis de análise:
individual, escolar e regional. No primeiro nível consideram-se as questões
relacionadas às circunstâncias do estudante (capital humano e econômico da
família, sexo e cor da pele). No segundo, incluem-se os diversos tipos de
escola (municipal, estadual e privada), bem como os fatores relacionados à
infraestrutura física e ao corpo docente (escolaridade e salário dos
professores). Finalmente, no terceiro, analisam-se as características
subjacentes às regiões (Municípios e Estados), tais como grau de desigualdade,
volume de recursos disponíveis e variáveis relativas à democracia '
participação política, competição política e fragmentação partidária.
Para a realização deste estudo, foram utilizados os bancos de dados do Saeb1 e
do Censo Escolar para 2003, que contêm informações relacionadas aos estudantes
e às escolas. Para os Municípios e Estados, foram empregados os dados do Ipea
(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) para 2000, em relação ao índice de
desigualdade (GINI ' municipal e estadual), e de 2003, para o volume de
recursos. As questões relativas à democracia foram coletadas no TSE (Tribunal
Superior Eleitoral) para as eleições de 2000 (municipais) e 2002 (estaduais).
Utiliza-se a metodologia multinível de regressão, a fim de incorporar o desenho
amostral do banco de dados e, portanto, não incorrer na inferência de
estimativas viesadas.
Os resultados mostram que as escolas municipais e estaduais apresentam
desempenhos muito inferiores vis-à-vis as privadas, mesmo após controlar pelo
capital econômico e humano da família do estudante e da clientela que frequenta
a escola. Isto é, o sistema público de ensino não oferece igualdade de
oportunidades em comparação aos estudantes das privadas, mesmo após controlar
pelas características individuais. A infraestrutura escolar e o corpo docente
melhoram o desempenho do estudante. Cabe destacar que as características
políticas regionais são mais incisivas sobre as escolas municipais em
comparação às estaduais. Os mecanismos de controle democrático de qualidade das
escolas trouxeram avanços, porém ainda não são suficientes para atingir um
nível de qualidade satisfatório.
O trabalho está dividido em quatro seções além desta introdução. A seguir, são
mostrados alguns dos mecanismos de transmissão de desigualdade descritos na
literatura. Posteriormente apresenta-se a metodologia utilizada, de modelos
multiníveis, e as bases de dados empregadas. Depois são discutidos os
resultados para, finalmente, serem tecidas as considerações finais.
Educação, instrumento de perpetuação ou extinção das desigualdades de
oportunidade?
A diferença de desempenhos não deve, de acordo com Roemer (1998), ser
decorrente das circunstâncias de nascimento do indivíduo (local de moradia,
etnia, sexo, nível socioeconômico), mas sim uma consequência do esforço e de
suas habilidades.
A literatura reconhece que há uma forte relação entre características
familiares e qualidade da formação estudantil. Se considerarmos uma função de
produção educacional, duas variáveis estão sob o controle direto da família: o
volume de investimentos (insumos familiares e acadêmicos, como livros,
computador, local apropriado para os estudos) e o tempo destinado à educação.2
Nesse arcabouço, filhos provenientes de pais com menor nível educacional estão
propensos a possuir uma quantidade de capital humano semelhante ao de seus
progenitores pelo volume de investimentos que estes últimos são capazes de
"assumir".
Nesse sentido, uma das formas com que a família afeta a educação dos filhos
seria por intermédio dos diferentes tipos de capital que ela pode prover. De
acordo com Bourdieu (1977), haveria três diferentes tipos de capital: o
econômico, que se relaciona aos bens e serviços que dão o acesso à educação; o
capital social, composto pelo conjunto de relações sociais mantidas pela
família; e o capital humano, que corresponde à escolaridade possuída pelos
pais. Entre os três, segundo o autor, o capital humano é o que exerce maior
poder de influência na decisão dos destinos escolares dos indivíduos, enquanto
os capitais econômico e social mostram-se como meios auxiliares na obtenção de
capital humano.
Além dos tipos de capital, existem outros aspectos individuais que estão
ligados à etnia e ao sexo do indivíduo que também afetam as desigualdades de
oportunidades. Estudos como o de Collins e Margo (2006) mostram que estudantes
afro-americanos apresentam níveis inferiores de escolaridade e de desempenho em
relação aos seus pares de outras etnias e o quadro é relativamente semelhante
para o Brasil, como demonstrado por Albernaz, Ferreira e Franco (2002).
Portanto, em nosso primeiro nível de análise, investigaremos se as
características familiares relativas a etnia, sexo e níveis de capital
econômico e humano familiares conduzem a diferenças de desempenho entre os
estudantes, isto é, se as características aumentam as desigualdades de
oportunidades.
O sistema público de ensino poderia corrigir parte das distorções geradas pela
desigualdade de circunstância, segundo Betts e Roemer (2005), por meio da
universalização no acesso e equalização do gasto público por estudante. A
equalização dos gastos públicos em educação no interior dos Estados brasileiros
foi garantida pelo Fundef e a quase universalização do acesso às séries
iniciais do ensino fundamental ocorreu em 1998.
Entretanto, sociedades cujos perfis de distribuição de riqueza e poder se
mostram heterogêneos, de acordo com Engerman e Sokoloff (2002), ofertariam um
sistema de ensino com acesso restrito por parte do grande público. Este
arcabouço institucional seria consequência de uma estrutura agrária
concentrada, originada nos primórdios do processo de colonização e que também
teve consequências sobre os mecanismos de sufrágio. Dessa forma, mesmo após a
universalização do acesso, coexistiram nessas sociedades duas tecnologias de
produção distintas e mutuamente exclusivas, denominadas de privado e público,
segundo Ferreira (2001). Embora ambos forneçam educação, distinguem-se em dois
aspectos: preço e qualidade. Nas escolas privadas, na ausência de crédito, o
acesso é restrito à disponibilidade de recursos por parte da família.
No modelo de Ferreira (2001), os impostos pagos pela sociedade seriam sobre a
herança e são cobrados no primeiro período a fim de financiar a educação
pública. Assume-se um teto de investimentos na educação pública de tal forma
que a qualidade da escola privada sempre será superior à da pública. Esse
diferencial deve ser grande o suficiente para que, na escolha do tipo de escola
na qual matricular os filhos, qualquer família com condições optará pela escola
privada.
No segundo período, os indivíduos recebem renda, consomem e deixam um legado
para as gerações posteriores. A influência do mecanismo político na
determinação da renda ocorre por meio do nível de impostos preferido (e, por
hipótese, investimentos em educação pública) pelo eleitor mediano. Em uma
sociedade democrática, se a renda do eleitor mediano é menor do que a média,
este votaria sempre por uma política redistributiva (no caso, aumento dos
gastos em educação). Contudo, sociedades desiguais em que não se observam tais
políticas evidenciam a falta de democracia. Logo, uma vez que os pobres tenham
acesso apenas a uma escola de pior qualidade, seu custo de oportunidade de
deixá-la é menor e, portanto, sua escolaridade será mais baixa. Nesse caso a
sociedade estará em uma trajetória de permanente desigualdade educacional.
Assim, em nosso segundo (escolas) e terceiro (municípios) níveis de análise,
serão consideradas as questões relativas ao sistema de ensino, como as
características escolares (infraestrutura, corpo docente e dependência
administrativa), que deveriam aumentar o desempenho dos estudantes, sendo que
para países em desenvolvimento o impacto pode ser maior em comparação aos
desenvolvidos, na opinião de Hanushek (2006). Entretanto, é interessante
destacar também que o autor mostra evidências de que o impacto da
infraestrutura e característica do corpo docente sobre o desempenho não é
sempre positivo.
Os aspectos locais, como a desigualdade de renda e aspectos democráticos no que
tange a participação e competição política e fragmentação partidária, serão
inseridos no estudo, pois se espera que estas características locais afetem o
sistema público de ensino, além de ser um dos determinantes da desigualdade de
oportunidades.
As variáveis de democracia, como citadas por Carreirão e Kinzo (2004), fazem
referência a duas dimensões3 analisadas por Dahl (1971), que são a contestação
e a participação política. Elas estão no escopo do conceito de poliarquia,4
isto é, a disputa de poder entre os partidos políticos e uma maior participação
popular. Embora o conceito utilizado seja considerado mais restrito, ele
permite quantificar como características relativas à democracia funcionam sob
diferentes aspectos.
Portanto, a desigualdade de oportunidades, cuja mensuração dar-se-á pelo
desempenho dos estudantes em testes padronizados, será analisada por três
níveis de características: individuais, escolares e locais. Enquanto as
desigualdades geradas no aspecto individual são consideradas injustas, segundo
Roemer (1998), espera-se que as esferas escolar e local possam reduzi-las.
Espera-se que, por meio de instrumentos democráticos, as políticas públicas
(cujo foco seja o investimento em educação) consigam equalizar as oportunidades
educacionais. A ausência destes mecanismos de controle político sobre os
sistemas educacionais pode ser responsável pela geração e reprodução de tais
desigualdades e, como consequência, pela legitimação e ampliação das
desigualdades de renda e riqueza.
A simples instituição de sufrágio universal pode não ser capaz de exercer o
enforcementnecessário à implementação de políticas redistributivistas. Um maior
controle popular sobre o sistema educacional ofereceria oportunidades iguais, à
medida que os mecanismos democráticos fossem mais eficientes.
Desempenho escolar: resultado não apenas do esforço e capacidade do estudante,
mas de condições familiares, escolares e regionais.
Para analisar as diferenças de desempenho entre os estudantes das séries
iniciais do ensino fundamental e o conjunto de fatores que as afetam, utiliza-
se uma função de produção educacional (FPE).5 O instrumento permite analisar o
impacto do conjunto de insumos que participam do processo educacional nos
indicadores de educação, nesse caso o "produto", cuja especificação pode
ocorrer da seguinte forma:
onde: (y) corresponde ao desempenho dos estudantes e pode ser afetado por uma
série de fatores, sendo que o primeiro, (c), diz respeito às características
pessoais e familiares tais como cor, sexo, capital humano e econômico, isto é,
toda bagagem familiar trazida pelo estudante; (s) corresponde aos diversos
fatores inter e intraescolares, tais como as questões relacionadas à
infraestrutura escolar; (p) compreende as características do corpo docente,
tais como a escolaridade e o salário; (m) refere-se aos fatores inter e
intrarregionais, tais como as despesas com educação realizadas pelos
Municípios/Estados e o grau de desigualdade; e (ε) constitui um termo de erro
aleatório que capta características não mensuradas e que também afetam o
desempenho estudantil, principalmente o esforço individual e a capacidade
cognitiva do estudante.
Porém, no emprego dessa função de produção, é necessário considerar a estrutura
hierárquica que é adjacente aos dados educacionais (BRYK; RAUDEMBUSH, 1986) e,
dessa forma, precisa-se distinguir entre as várias esferas envolvidas no
processo educacional e elaboração da amostra. Em amostras aglomeradas, como no
caso do Saeb, a correlação entre membros de um mesmo conglomerado é maior do
que a observada entre indivíduos de diferentes conglomerados. O reconhecimento
desta maior homogeneidade entre os agentes de um mesmo conglomerado evita
falácias de composição, como as falácias atomística e ecológica, em que se
atribuem ao grupo conclusões próprias do indivíduo e ao indivíduo
características do grupo, respectivamente.
O modelo econométrico e resultados da literatura
No trabalho estima-se uma função de produção educacional que incorpora três
níveis de hierarquia,6 isto é, estudantes, escolas e regiões. A forma
estrutural do modelo geral é a seguinte:
[/img/revistas/rbepop/v29n2/a06frm02.jpg]
onde: yijk é a proficiência do i-ésimo estudante que frequenta a j-ésima escola
localizada na k-ésima região. No nível 1,π
0jkrefere-se à média das proficiências dos estudantes descontada do efeito
médio das características dos estudantes. A interpretação decorre de um
procedimento comum nas análises multiníveis, que é centrar a variável em torno
da média das unidades ou group-mean7; Xpijk correspondente às p variáveis
individuais do estudante: cor; sexo; número de pessoas na residência; capital
humano; capital econômico da família; e número de vezes que o estudante foi
reprovado no decorrer das séries iniciais do ensino fundamental.
A inclinaçãoπpjké o coeficiente que mensura a interação entre as variáveis do
estudante e o desempenho da jk-ésima escola. O termo de erro eijk é i.i.d e
corresponde aos fatores não observados que afetam o desempenho do estudante i,
da escola j, localizada na região k.
No nível 2, cada um dos p vetores,π
0jk, é regredido em função das q características escolares, Zpqk. As variáveis
escolhidas consideram questões relativas a: infraestrutura escolar para uso de
estudantes e professores; salário médio dos docentes; e razão entre o número de
professores com ensino superior8 e o total de professores que lecionam para as
séries iniciais do ensino fundamental. O termo de erro rpjk é o efeito
aleatório sobre os p coeficientes
πdo nível das escolas, jk.
A literatura internacional é controversa sobre os efeitos de infraestrutura,
salários e escolaridade de professores e gastos por estudante sobre o
desempenho em testes padronizados.9 Para o Brasil, Albernaz, Ferreira e Franco
(2002) e Soares (2005) encontram uma relação positiva e significativa entre
infraestrutura, equipamentos e o desempenho. Machado, Moro, Martins e Rios
(2008) mostram que este resultado pode variar de acordo com o nível de ensino.
Em relação aos salários dos professores e às reformas institucionais que
culminaram no Fundef, Menezes Filho e Pazello (2007) mostram que o aumento dos
salários teve impactos positivos sobre a proficiência estudantil, mesmo após
controlar pelas características dos estudantes (idade, cor e sexo), das escolas
(infraestrutura como laboratório de ciências e a presença de computador) e do
corpo docente (experiência, idade, sexo e escolaridade).
No terceiro nível, Wsk são as s características das k regiões (Municípios e
Estados), estimadas como regressores de efeitos fixos. Os pq coeficientes,βpqk,
captam a influência que as características regionais exercem sobre as escolas.
As variáveis empregadas foram: índice de Gini; grau de fragmentação partidária
na Câmara de Vereadores nas eleições de 2000 e na Assembleia Legislativa nas
eleições de 2002; percentual do eleitorado que compareceu para votar; e
competição eleitoral nas eleições proporcionais (medida pela razão entre o
número de candidatos a vereadores/deputados estaduais e o número de vagas para
a Câmara/Assembleia). As últimas variáveis foram utilizadas como indicadores de
democracia em virtude de serem elementos que não estão dissociados do processo
democrático, por mais complexa que seja a definição de democracia. Os pqtermos
de erros, upqk, são o efeito aleatório do nível regional.
O trabalho de França e Gonçalves (2008) considera também um terceiro nível de
análise, em que a investigação compreende as séries iniciais do ensino
fundamental e o terceiro ano do ensino médio para o Saeb de 2003, apenas para
os Estados. No terceiro nível empregaram-se apenas o percentual de
comparecimento dos eleitores nas eleições de 2002, o PIB e o índice de Gini.
Assim, a inclusão de novas variáveis políticas visa investigar novas dimensões
relacionadas ao sistema político. Este trabalho avança ao considerar as
características municipais. Espera-se investigar algumas questões relacionadas
a accontability, pois as séries iniciais do ensino fundamental foram, em grande
medida, municipalizadas.
Neste trabalho, os dados são analisados para as quartas séries10 do ensino
fundamental, isto é, sobre as séries iniciais em que o Brasil atingiu a
universalização no acesso à escola. As Tabelas_2_a_6 apresentam as estatísticas
descritivas das variáveis utilizadas.
A proficiência dos estudantes corresponde a escalas específicas ao assunto
elaboradas pelo staffdo Inep, juntamente com professores, pesquisadores e
especialistas em surveys nacionais e internacionais. Os resultados11 variam de
0 a 450 e propõem-se a avaliar as habilidades e conhecimentos dos estudantes.
A proficiência dos estudantes em matemática foi utilizada como proxy para a
qualidade educacional. A escolha dessa disciplina baseou-se no relatório do
PISA 2002, que afirma que esta matéria é principalmente aprendida na escola, ao
contrário da leitura que tem um componente de aprendizado doméstico maior.
A partir dos dados primários, foram construídas duas variáveis para captar
diferentes canais de influências da família sobre o estudante: CAP_ECO,12 para
o capital econômico; e CAP_HUM, para o capital humano. As variáveis foram
construídas por análise fatorial.13
As variáveis número de televisores, rádios, videocassete/DVD, geladeira,
carros, banheiros, quartos para dormir, número de livros em casa e o grau de
escolaridade dos pais foram reduzidas a dois fatores por meio da extração da
componente principal, isto é, o conjunto dessas variáveis representa as duas
formas de capital destacadas por Bourdieu: econômico e humano da família. É
importante lembrar que medir o nível de renda desta forma calcula a renda
residual da família após os gastos com educação dos filhos.
Variáveis adicionais foram empregadas, como sexo, número de pessoas que dividem
a moradia com o estudante e a cor autodeclarada, no sentido de controlar os
possíveis efeitos relacionados ao desempenho. É importante destacar que todas
essas variáveis estão relacionadas às circunstâncias do estudante e o efeito
delas sobre o desempenho pode acarretar acréscimos na desigualdade de
oportunidades. A inclusão do número de vezes em que o estudante foi reprovado
até a conclusão desse nível de ensino visa investigar toda a trajetória
acadêmica do estudante até a aplicação do teste.
O segundo nível corresponde ao nível da escola. As variáveis dicotômicas foram
empregadas para as diferentes dependências administrativas14 (municipal,
estadual e privada) que tangem ao sistema de ensino. A variável INFRA_ESTR
capta aspectos relacionados à infraestrutura escolar e foi elaborada com
técnica similar à utilizada nas variáveis CAP_ECO e CAP_HUM. As informações
foram coletadas por meio das repostas ao questionário da escola.15
A construção da variável NSMEDIO baseou-se no cálculo da média, por escola, das
variáveis de capital econômico e humano do estudante. O objetivo é controlar o
efeito oriundo do capital socioeconômico médio da clientela sobre o desempenho
individual (peer effects). Esta variável seria um indicador do capital social
fornecido pela família da criança. É importante destacar que, de acordo com a
Tabela_4, o nível de capital difere segundo as dependências administrativas.
Enquanto, na média, os estudantes matriculados nas escolas municipais têm o
menor volume de capital, nas privadas estão aqueles que possuem os níveis mais
elevados.
As variáveis que mensuram a qualificação e o salário do corpo docente foram
retiradas do Censo Escolar e do Saeb 2003, respectivamente. De acordo com a
Tabela_5, as escolas estaduais detêm o menor percentual de professores com
nível superior e que lecionam nas séries iniciais do ensino fundamental,
enquanto as privadas possuem o percentual mais elevado.
Além daquelas relacionadas às características escolares e dos alunos, foram
incluídas variáveis regionais, associadas ao Município e ao Estado onde se
encontra a escola, segundo sua dependência administrativa. Estas medem a
desigualdade de renda e o grau de democracia. Como destacado por Roemer (1998),
as circunstâncias de nascimento não podem ser um dos principais determinantes
do sucesso individual.
Utilizou-se o coeficiente de Gini (municipal e estadual) como um indicador da
desigualdade. As variáveis relacionadas à democracia são: participação política
da população; fragmentação partidária nas Assembleias Legislativas e Câmaras
Municipais; e competição entre os partidos para a ocupação de cargos públicos
em eleições proporcionais (deputados estaduais e vereadores).
Entre as variáveis escolhidas, estão a participação eleitoral (PART_POL_EST e
PART_POL_MUN) representada pela razão entre o número de votantes no primeiro
turno e o tamanho do eleitorado. A participação da população no pleito é um
elemento que ajuda a ilustrar o processo democrático, embora seja sabido que
não é o único. A fragmentação partidária (FRAG_PART_MUN e FRAG_PART_EST) é
mensurada pelo índice de RAE16 e se baseia na probabilidade de dois vereadores,
escolhidos aleatoriamente, pertencerem a partidos diferentes em uma dada
eleição. O índice varia entre 0 (zero) e 1(um) e pode dar uma medida da
existência de dominância por parte de um dos partidos, seja esse de situação ou
de oposição. A fim de medir o grau de competição eleitoral (COMPET_DEP_EST e
COMPET_VER_MUN), será utilizada a razão entre o número de candidatos e o número
de vagas disponíveis na Câmara/Assembleia. O uso das variáveis de fragmentação
e competição, além da participação populacional no pleito como no trabalho de
França e Gonçalves (2008), busca captar outras dimensões do processo
democrático.
Os anos utilizados foram 2002, para as eleições estaduais, e 2000, para as
eleições municipais, devido à mensuração de impacto de curto e médio prazos17
nos resultados educacionais em 2003.
É importante destacar que há problemas de endogeneidade na relação entre as
variáveis de democracia e de educação, segundo Acemoglu et al. (2005), uma vez
que os investimentos educacionais por parte das autoridades eleitas podem estar
fortemente ligados às suas preferências. A relação entre democracia e educação
decorre do fato de que uma elevação nos anos de estudo aumenta a demanda por
democracia (TAVARES; WACZIARG, 2001). Assim, fazemos uma ressalva de que os
resultados podem estar sobrestimados, pois os municípios com ambientes mais
democráticos já podem, de antemão, revelar uma maior propensão à realização de
investimentos educacionais.
Na seção seguinte, estima-se o modelo multinível para investigar se o sistema
político consegue afetar a qualidade do ensino público, portanto, ofertando
maior igualdade de oportunidades, mensurado pelo desempenho em testes de
proficiências, após controlar pelas características individuais, escolares e
regionais.
Resultados
Iniciamos com a estimação do modelo mais simples possível (sem regressores
adicionais), denominado de modelo incondicional. Esta forma estrutural decompõe
a variância entre os três níveis e exclui os efeitos das variáveis
explicativas.
[/img/revistas/rbepop/v29n2/a06frm03.jpg]
Os resultados são mostrados na Tabela_7. A estimativa deγ000 é 172,67 com um
erro padrão de 1,53. O valor refere-se ao desempenho médio do sistema
educacional para o final das séries iniciais do ensino fundamental das regiões
brasileiras. Os efeitos aleatórios decompõem-se em três componentes: estudante,
escola e região. Observa-se que existem diferenças significativas entre as
escolas dentro de uma mesma região e entre diferentes regiões, conforme indicam
os testes de significância dos termos r e u.
A proporção da variância total,ρ
, explicada pelas características dos estudantes corresponde a 59,53%.18 Assim,
mais da metade da variabilidade na proficiência é explicada por características
individuais. Albernaz, Ferreira e Franco (2002), com dois níveis (estudantes e
escolas) e empregando os dados do Saeb 1999, encontraram um valor de 28%.
Machado, Moro, Martins e Rios (2008), em um modelo de três níveis (estudante,
escola e município) para Minas Gerais, estimaram uma variabilidade menor do que
a estimativa aqui realizada, porém elevada, de 37,12%. Cabe destacar que
valores de
ρsuperiores a 0,1 tornam aconselhável o uso de modelos multiníveis em
comparação ao MQO, pois os erros são heterocedásticos e não independentes,
devido ao fato de a covariância entre seus termos não ser nula para os
estudantes pertencentes à mesma unidade de ensino.
No modelo 1, foram inseridas variáveis que correspondem às características dos
estudantes relacionadas ao tipo de capital que a família lhe dá acesso:
econômico (CAP_ECO,π8jk) e humano (CAP_HUM,π
8jk). Consideraram-se, ainda, outros atributos, como a cor que o estudante
autodeclarou, o número de pessoas que habitam a residência, sexo e o número de
vezes que ele foi reprovado, visando examinar como as circunstâncias familiares
afetam o desempenho escolar19 e, além disso, isolar os efeitos relativos a
problemas passados do ensino atual.
[/img/revistas/rbepop/v29n2/a06frm04.jpg]
Os resultados são mostrados na Tabela_8 e observa-se que todos os coeficientes
são significativos a 1%. As características dos indivíduos relacionadas a sexo
e etnia apresentam resultados importantes. Os meninos têm melhor desempenho em
relação às meninas, resultado comum tanto na literatura brasileira quanto na
internacional quando se utiliza o desempenho nas provas de matemática.20
Verifica-se que ocorre uma relação negativa entre o número de pessoas que
habitam a residência,
π7jk, e o desempenho do estudante. Coleman (1988) destaca que quanto maior o
número de filhos em uma residência, menor será a quantidade de capital social
transmitida individualmente a cada um dos filhos e, portanto, haverá
consequências negativas sobre o desempenho.
As características dos indivíduos relacionadas à cor da pele,π2jk eπ3jk,
mostram que os estudantes que se autodeclararam negros e indígenas têm um
desempenho médio inferior, dentro da mesma escola, independentemente da
qualidade da escola, mesmo após controlarmos pelo capital econômico e humano da
família. Um estudante não negro nas mesmas circunstâncias de um estudante negro
tem um rankingesperado no 59º percentil quando comparado a um negro no 50º
percentil. Para o estudante indígena, a diferença é de 6%. Os estudantes que se
autodeclararam pardos têm desempenhos ligeiramente superiores em relação
àqueles que se autodeclararam brancos, contudo, o resultado não é significante.
As estimativas podem evidenciar uma herança cultural oriunda do período
colonial, na visão de Engerman e Sokoloff (2002), pois haveria uma desigualdade
de oportunidades ocasionada por características individuais. A diferença traz
luz às políticas de equidade no tratamento diferenciado de alunos negros e
indígenas no acesso ao ensino superior público.
No que diz respeito à repetência,π5jk eπ6jk, os resultados mostram-se negativos
para os estudantes desse nível de ensino. A solução comum adotada por alguns
governos tem sido a adoção da progressão continuada, ciclos ou promoção
automática. Ferrão, Beltrão e Santos (2002) utilizaram os dados do Saeb 1999,
para os Estados de Minas Gerais e São Paulo, dos estudantes das quartas séries
e constataram que essa política pode corrigir alguns dos problemas ligados à
repetência sem resultar perda da qualidade em comparação às escolas seriadas.
Todavia, Gomes (2005) destaca diversas experiências cuja adoção desse tipo de
política não se mostrou muito bem-sucedida na correção dos problemas ligados à
repetência e à manutenção da qualidade escolar.
Os resultados mostram que o capital econômico,π8jk, e o humano,π
9jk, exercem uma importante influência sobre o desempenho estudantil. Observa-
se que o aumento em uma unidade no índice de capital econômico eleva em 0,08
desvios-padrão a esperança do desempenho do estudante.21 A diferença faria com
que, caso um estudante que se encontre na média da distribuição fosse
"transferido" para uma família com capital econômico 1 ponto acima da sua, seu
desempenho subisse para o 53º percentil da distribuição, ou seja, mantendo tudo
mais constante superaria 3% do total dos outros estudantes.
O efeito apresenta-se ligeiramente superior ao capital humano, pois a elevação
em uma unidade nessa variável aumenta em 0,06 desvios-padrão a esperança da
proficiência do estudante. O resultado mostra que o estudante posicionado na
média da distribuição subiria para o 52º percentil, se estivesse em outra
família cujo capital humano fosse 1 ponto acima da sua. Portanto, superaria em
2% os demais estudantes se tudo permanecesse constante.
Observa-se, a partir das estimativas para os efeitos aleatórios, que as
diferenças no desempenho dos estudantes permanecem significativas entre escolas
de uma mesma região e entre regiões, mesmo após a inserção de características
estudantis relativas ao nível socioeconômico.
As estimativas mostram consequências diretas das desigualdades de
circunstâncias. Como ressaltam Bourdieu (1977) e Roemer (1998), o desempenho
estudantil não depende exclusivamente dos esforços individuais, pois possui
forte relação com a origem social dos estudantes. Nesse arcabouço, as
características individuais poderão determinar o sucesso individual
independentemente do nível de esforço ou de habilidades inatas. O resultado é
observado na influência que variáveis como capital econômico e humano, cor da
pele, número de pessoas que habitam a residência e sexo exercem sobre o
desempenho.
No modelo 2, foram inseridas variáveis referentes às escolas, como dependência
administrativa, infraestrutura, capital socioeconômico médio da clientela e
características do corpo docente. A escola, de acordo com Bourdieu (1977),
deveria se comportar, por uma questão de justiça, como uma instituição neutra.
Assim, as circunstâncias familiares, na opinião de Roemer (1998), não podem ser
determinantes para o sucesso educacional dos indivíduos, pois esse decorreria
do esforço e das capacidades inatas. Dessa forma, as características escolares,
de acordo com Betts e Roemer (2004), poderiam reduzir as diferenças
proporcionadas pelas circunstâncias familiares, uma vez que o país atingiu
níveis próximos da universalização do acesso e os gastos foram equalizados no
interior dos Estados. Os coeficientes foram centrados em torno da média das
escolas da região e, portanto, o impacto das variáveis ocorre em relação aos
seus pares regionais.
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Os resultados são mostrados na Tabela_8 e o intercepto corresponde ao
desempenho da rede privada regional de ensino. Observa-se que há uma diferença
significativa no desempenho entre as dependências administrativas,22 mesmo após
controlar pelo nível socioeconômico médio da escola (peer effects) e, ademais,
independente das características regionais. A rede privada apresenta um
desempenho médio superior em 25,58 e 37,07 pontos em comparação às escolas
estaduais e municipais, respectivamente. O resultado seria uma evidência da
desigualdade de oportunidades no que tange às circunstâncias e que seria
revelada no sistema educacional. Desta forma, as políticas de cotas para
estudantes de escola pública que promoveriam igualdade no acesso ao ensino
superior público podem mostrar-se acertadas, pois conseguiriam reduzir essa
distorção, apesar de o processo cumulativo de educação sugerir que tal política
de igualdade seja tardia.
Observa-se que os coeficientes relativos ao nível do estudante para o modelo 2
permanecem muito semelhantes ao modelo 1, logo, mostra certa robustez nos
resultados. Um estudante na mediana da distribuição e que frequenta uma escola
privada encontra-se 21 percentis acima daquele que está matriculado em uma
escola estadual com suas mesmas características e 29 percentis acima, em
relação ao que frequenta uma escola municipal. À primeira vista, o efeito
subjacente à dependência administrativa mostra-se mais poderoso do que o
observado para os tipos de capital que a família dá acesso. Todavia, como
Bourdieu (1977) afirma, a presença das diversas formas de capital não apenas dá
o acesso a bens materiais, mas também permite ao estudante frequentar melhores
escolas, o que o leva a ter vantagem em relação aos seus pares.
As escolas privadas com melhores desempenhos são evidências de que restrições
sobre o crédito impedem o acesso a uma educação de qualidade. Nas escolas
privadas a relação é direta, pois o acesso é condicionado à disponibilidade de
recursos da família. Os dados da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) para
2002-03 apontam que, no Brasil, as despesas das famílias com educação
equivaleram a 2% do PIB, sendo de 10% a população de estudantes que frequentam
as escolas privadas. O Estado brasileiro destinou 2,5% do PIB para as escolas
públicas, para uma população de estudantes correspondente a 90%. Este é um
claro sinal de desequilíbrio no que tange à distribuição e ao nível de recursos
destinados à educação. O resultado corrobora as conclusões de Ferreira (2001).
Sistemas educacionais híbridos, com grande diferença de qualidade, são
características de sociedades muito desiguais. A circunstância em que a criança
nasce é o principal determinante de sua trajetória futura. Assim, se a criança
é oriunda de uma família pobre dificilmente terá acesso a uma educação de
qualidade ao não dispor de recursos suficientes para financiá-la.
Os investimentos em infraestrutura,γ070, têm uma contribuição positiva e
significativa no desempenho das escolas. Pode-se afirmar que um bom ambiente
escolar contribui para o aumento do desempenho dos estudantes. Dessa forma, os
resultados mostram que não é apenas a família a responsável pelo bom desempenho
estudantil, mas a escola também consegue fazer a diferença. O mesmo pode ser
afirmado para as variáveis de corpo docente. A qualidade dos professores,γ040,
mensurada pelo percentual de docentes com nível superior e que lecionam no
ensino fundamental, e os salários,γ050, afetam positivamente o desempenho,
estimativas que também foram encontradas por Albernaz, Ferreira e Franco
(2002). Acredita-se que os resultados devem-se aos investimentos nos salários
provenientes do Fundef, como observado por Menezes Filho e Pazello (2007) e à
obrigatoriedade de os professores entrantes no sistema de ensino possuírem o
curso superior. As características escolares, por si, podem reduzir o efeito
das circunstâncias individuais sobre o desempenho, porém, observa-se que as
características familiares determinam o acesso à educação.
Vale destacar que o desempenho das escolas estaduais e municipais varia
significativamente entre Estados e Municípios. Dessa forma, investigou-se se
variáveis referentes à desigualdade e democracia explicam, no modelo 3, parte
destas diferenças.
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Os resultados são mostrados na Tabela_8 e apresentam implicações interessantes.
As características regionais relacionadas aos diversos aspectos que envolvem a
democracia (participação eleitoral, competição e fragmentação) apresentam o
sinal esperado e, portanto, afetam o desempenho dos sistemas públicos de
ensino. Os aspectos relativos à democracia têm maior impacto nos municípios
vis-à-vis aos Estados, o que sugere maior accountabilityno nível municipal.
Os resultados corroboram a hipótese de Engerman e Sokoloff (2002), uma vez que
os mecanismos de sufrágio contribuem positivamente no desenvolvimento de um
melhor sistema público de ensino, sendo que o contrário acontece quando há
baixa participação política. Embora o acesso restrito ao sistema educacional se
mostre como um traço comum de sociedades com elevados níveis de desigualdade e
baixos níveis de democracia, observa-se que essas características afetam a
eficácia do sistema público de ensino e, consequentemente, o provimento de
igualdade de oportunidades.
As regiões (Estados e Municípios) cujos índices de desigualdade de renda são
elevados têm sistemas públicos de ensino com desempenho inferior às regiões
mais igualitárias. Todavia, o impacto sobre o ensino se dá no nível municipal,
uma vez que ao nível estadual mostra-se não significativo.
Conclusão
O artigo investiga como o sistema político poderia reduzir o efeito da
desigualdade de oportunidades, mensurada pelo desempenho dos estudantes em
testes padronizados de proficiência, após controlar pelo efeito oriundo das
características individuais, escolares e regionais.
De acordo com os modelos teóricos apresentados e embora haja problemas de
endogeneidade entre as variáveis de educação e de democracia, não se pode
rejeitar a influência que variáveis regionais relativas à esfera democrática
apresentam sobre a equalização das oportunidades educacionais oferecidas aos
estudantes. Os resultados demonstraram que em regiões cuja sociedade é mais
desigual encontram-se sistemas educacionais menos eficazes. Por outro lado, uma
maior participação política da população mostrou-se positiva e
significativamente relacionada com o desempenho escolar. Uma maior participação
política poderia responsabilizar os governantes locais pelas políticas
educacionais, melhorando a gestão dos sistemas públicos de educação.
A proximidade com o governo local traz maior accountabilityaos sistemas
públicos de ensino e se traduz em qualidade de educação. As políticas de
redistribuição regional de recursos como Fundeb e Fundef poderiam reduzir a
influência da capacidade tributária dos entes federados sobre os investimentos
em educação. Esta heterogeneidade regional, porém, não explica grande parte da
variância do desempenho entre os indivíduos. Esta última encontra explicação
majoritariamente nas variáveis individuais, principalmente em torno do capital
financeiro das famílias em custear o ensino privado.
Apesar da ampliação do acesso ao ensino básico, é pequena a parcela da
população que estuda em boas escolas. A distribuição inicial da riqueza (ou as
restrições de crédito) e um reduzido orçamento para as escolas públicas deixam
o pobre à margem de um ensino de qualidade, embora uma política de inclusão
tenha aumentado seus anos de escolaridade. Seriam necessárias políticas de
igualdade que visassem a melhoria da qualidade da educação ofertada pelas
escolas públicas, principalmente as municipais.
Este quadro de desigualdade foi transmitido intergeracionalmente nas diversas
etnias que ficaram à margem do ensino durante muitos séculos. Os estudantes que
se autodeclaram negros ou indígenas têm um desempenho menor em relação aos seus
pares de outras etnias (brancos, pardos e asiáticos) dentro de uma mesma
escola, mesmo após controlarmos pelo capital econômico e humano da família do
estudante.
Desta forma, a escola ainda não se mostra como uma instituição neutra onde
estudantes obtêm sucesso por consequência dos seus esforços. Isto é, as
características escolares ainda seriam incipientes na redução dos efeitos
familiares ocasionados pelas circunstâncias das famílias na diminuição das
desigualdades de oportunidades. Isso pode ser consequência de a característica
familiar ser o principal determinante de qual escola a criança terá acesso.
Concomitantemente às denominadas políticas universais de melhoria da escola
pública, deveriam ser adotadas políticas focalizadas, visando beneficiar as
camadas menos favorecidas nas circunstâncias e oportunidades em estágios
iniciais da educação, com efeitos cumulativos até a sua conclusão.
As características escolares relacionadas à infraestrutura e ao corpo docente
têm impacto positivo sobre o desempenho dos estudantes. O sistema político,
neste caso, é uma importante barreira a políticas redistributivistas de longo
prazo, ao não refletir a necessidade de 90% dos alunos matriculados na rede
pública de ensino. Um aumento do orçamento destinado à educação é viável apenas
se o sistema político lograr um menor grau de desigualdade política.
Assim, uma política pública que inicie melhorando a qualidade no ensino
fundamental e/ou que focalize sobre algumas etnias pode ser o primeiro passo
para o rompimento do círculo vicioso da desigualdade, por meio do provimento de
uma maior igualdade de oportunidades. Isto é, as desigualdades devem estar
condicionadas ao esforço e à capacidade e não estar restritas a circunstâncias
oriundas da família. Um sistema político permeável a estas demandas sociais
pode levar a um maior nível de igualdade de oportunidades, seja pela melhoria
da eficiência dos gastos públicos, seja pelo aumento de recursos destinados à
educação.