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BrBRHUAp0102-30982013000100011

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variedadeBr
ano2013
fonteScielo

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Mercado de trabalho, informalidade e comércio ambulante em São Paulo

Introdução Na cidade de São Paulo, em 2009, 1,7% da população ocupada trabalhava no comércio de rua. Esta participação, embora relativamente pequena, representa cerca de 100 mil pessoas, cuja presença nas ruas, especialmente quando são considerados os ambulantes, tem efeitos urbanos e socioeconômicos bastante importantes. Para o senso comum, os ambulantes têm contribuído, principalmente, para um longo processo de desqualificação da área central da cidade. Segundo seus críticos, a presença de comerciantes de rua alimenta o processo de desvalorização imobiliária, deixa lixo nas ruas e dificulta a mobilidade urbana. De fato, grande parte dos ambulantes não cumpre obrigações fiscais, previdenciárias e trabalhistas e uma parcela deles está envolvida com atividades de contrabando e receptação. Não obstante, ao comércio de rua pode ser atribuída uma importante função "absorvedora de choques" no mercado de trabalho. Além disso, a atividade exerce papel relevante na cadeia de distribuição e comercialização de produtos para a população de baixa renda das cidades, ao oferecer mercadorias a preços mais baixos e de fácil acesso. A existência do comércio de rua não é simplesmente maléfica ou benéfica para as grandes cidades. O comércio de rua tem efeitos heterogêneos.

Não homogêneos são também as motivações e os estímulos que levam as pessoas a exercerem a atividade de ambulantes. Possivelmente, nem toda atividade de comércio de rua é fruto da crise econômica conjuntural ou da pobreza ou de ações ilegais socialmente condenáveis (contrabando, pirataria, receptação). É necessário considerar a possibilidade de que haja ambulantes que tenham recursos diversos que lhes deem condições de tocar seus negócios de forma econômica e socialmente viável. É preciso investigar o comércio de rua tendo em vista sua heterogeneidade, seu grau e a forma como se manifesta na grande cidade. Assim, traçar os perfis pessoais e ocupacionais dos ambulantes, caracterizar as formas de operação de seu comércio e verificar suas diferentes respostas aos ciclos do mercado de trabalho são objetivos essenciais de uma agenda de pesquisa que procure oferecer elementos para uma adequada regulação pública dessa atividade diversa e contraditória.

O comércio de rua é um fenômeno vigoroso, que resiste séculos de mudanças econômicas e urbanas e, ao contrário do que se imaginava, não sucumbiu à modernidade capitalista, mas foi alimentado por ela, por suas iniquidades. Nas grandes cidades brasileiras, o comércio de rua envolve diretamente uma quantidade de pessoas - vendedores e clientes - grande demais para ser ignorada.

Em que pese sua relevância como fenômeno empírico, poucas pesquisas no Brasil sobre o tema, especialmente levantamentos que se fundamentem em dados estatísticos recentes, que o examinem no longo prazo, considerando as relações entre as variações qualitativas e quantitativas da ocupação no comércio ambulante e a dinâmica geral do mercado de trabalho da cidade. Nessa perspectiva, esse importante segmento do setor informal urbano tem tido pouco tratamento científico.

Para tentar suprir parte dessa lacuna, o presente artigo tem como objetivo central caracterizar e analisar a evolução da quantidade e o perfil dos trabalhadores no comércio ambulante da cidade de São Paulo, ao longo da primeira década de 2000, levando em conta as diferentes fases do mercado de trabalho metropolitano. Como objetivos secundários, o artigo procura eleger um marco conceitual para o termo "informal" que contemple o fenômeno do comércio de rua, além de buscar construir um conceito operacional para comerciante de rua que torne possível a investigação do fenômeno do comércio ambulante por meio de estatísticas do mercado de trabalho.

Para alcançar esses objetivos, são utilizadas informações estatísticas do mercado de trabalho da cidade de São Paulo, para o período de 1999 a 2009. A base empírica é composta por séries da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). A PED é um levantamento mensal por amostra de domicílios, realizado em parceria pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) e o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), cujos dados permitem tanto o acompanhamento conjuntural do mercado de trabalho metropolitano como a elaboração de estudos em profundidade de segmentos ou aspectos particulares desse mercado de trabalho. Para este artigo, foi extraída subamostra da amostra consolidada para cada ano da PED do período de 1999 a 2009.

As subamostras foram obtidas selecionando as pessoas que estavam ocupadas no setor de comércio varejista em vias públicas, residiam na RMSP e trabalhavam no Município de São Paulo (MSP). Cada subamostra representa o universo dos comerciantes de rua que trabalhavam na capital paulista em cada ano.

As subamostras possibilitaram a elaboração de tabulações especiais da PED calculadas pela Fundação Seade. Foram realizadas estimativas do número e do percentual dos comerciantes de rua. A caracterização e evolução dos perfis dos trabalhadores e da atividade foram realizadas com base nas estimativas das seguintes variáveis: sexo; idade; posição no domicílio; raça/cor; região onde nasceu; tempo de residência; local de residência; renda familiar; grau de instrução; posição na ocupação; contribuição à previdência social; rendimento; tamanho da empresa; instalações do local de trabalho; e horas trabalhadas por semana. Todas as estimativas também foram feitas para o total de ocupados que residiam na RMSP e que trabalhavam no MSP, o que permitiu comparações do perfil dos comerciantes de rua com aquele referente ao total das pessoas que trabalhavam na cidade de São Paulo.

Além desta introdução e das considerações finais, o artigo está composto por três tópicos. O primeiro trata de delinear, em termos conceituais e metodológicos, o fenômeno do informal, da atividade do comércio de rua e dos ambulantes nas grandes cidades. O segundo caracteriza a evolução da informalidade na RMSP e investiga suas razões, especialmente aquelas relacionadas ao mercado de trabalho e à economia brasileira, além de dimensionar o tamanho e analisar condicionantes da evolução do comércio de rua na cidade de São Paulo. O terceiro traça um perfil detalhado dos trabalhadores e da atividade informal do comércio de rua na cidade.

O fenômeno do informal, do comércio de rua, dos ambulantes e seus conceitos A natureza complexa do fenômeno socioeconômico do informal torna seu conceito motivo de grande controvérsia técnica e acadêmica.1 Uma forma básica de conceituá-lo é considerá-lo "setor informal", ou seja, um conjunto de unidades de produção não tipicamente capitalistas (critério da forma de organização da produção). Assim, a forma de organizar a produção define o setor informal. São informais os trabalhadores das unidades de produção não tipicamente capitalistas no interior do capitalismo, sendo que o conjunto destas unidades de produção compõe o setor informal. Nelas reduzida ou nenhuma separação entre trabalho e propriedade dos meios de produção (o proprietário trabalha diretamente na produção com a ajuda frequente de familiares e, em alguns casos, com poucos assalariados) e o trabalho assalariado não constitui a base do seu funcionamento. As unidades produtivas informais não são plenamente capitalistas também porque a taxa de lucro não é a variável-chave de seu funcionamento, mas sim o rendimento total de seu dono. A prioridade é a manutenção da família, para depois vir a manutenção do negócio ou a preocupação com "retornos de investimento".

As situações ocupacionais que conformam o setor informal são os conta-própria, os pequenos empregadores (até cinco empregados - corte mais comum na literatura) e os seus trabalhadores (familiares, aprendizes e assalariados). O setor informal representa uma forma de produzir caracterizada, fundamentalmente, pela existência do autoemprego ou auto-ocupação. A unidade produtiva informal funciona para, essencialmente, garantir um emprego e uma renda a seu proprietário, que nela trabalhará diretamente e controlará seu próprio processo de trabalho. Como tal, aqueles que participam do setor informal não são necessariamente pobres (embora a maioria possa ser). O informal pode ser tanto "espaço de sobrevivência" quanto de "ascensão social".

Na verdade, imensa heterogeneidade marca o informal. Existem grandes diferenças de renda, perfil ocupacional e condições de trabalho. trabalhadores no setor informal por escolha e outros por falta de melhor opção.

Em abordagem mais recente e ampliada, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) acrescentou, ao conceito de setor informal acima apresentado,2 o conceito de emprego informal.

Segundo ILO (2003), o emprego informal compreende o total de empregos informais em empresas dos setores formal e informal e nos domicílios, o que inclui: trabalhadores por conta-própria dono de sua empresa do setor informal; empregadores donos de sua empresa do setor informal; trabalhadores familiares auxiliares; membros de cooperativas de produtores informais; assalariados que têm empregos informais (ou seja, aqueles que possuem relação de trabalho em desacordo com a legislação trabalhista, tributária e previdenciária) em empresas formais, informais ou em domicílios; e trabalhadores por conta-própria que produzem bens exclusivamente para consumo próprio. Não estão incluídos, no conceito de emprego informal, os assalariados que tenham empregos formais em empresas do setor informal. Os conceitos de "setor informal" e "emprego informal" reunidos formariam o que a OIT chama de "economia informal".3 Um terceiro marco conceitual para o termo "informal" ganha força mais recentemente e também procura um conceito ampliado, incorporando à ideia de setor informal inicialmente aqui apresentada uma dimensão estrutural. O "informal" como processo de informalidade é bem caracterizado por Cacciamali (2000, p. 163). Para a autora, o termo informal deve estar associado "à análise de um processo de mudanças estruturais em andamento na sociedade e na economia que incide na redefinição das relações de produção, das formas de inserção dos trabalhadores na produção, dos processos de trabalho e de instituições". Nesse processo de informalidade, dois fenômenos são marcantes: a reorganização do assalariamento, que originou relações de trabalho vulneráveis; e a reemergência do autoemprego, como situação procurada por pessoas com dificuldade de reinserção no mercado de trabalho ou por aquelas que pretendem melhorar sua renda na condição de conta-própria ou microempresário. Esse segundo fenômeno, segundo Cacciamali (2000, p. 164), "deve ser analisado a partir do espaço econômico passível de ser explorado por esses trabalhos, ou seja, pelo espaço econômico não ocupado por empresas capitalistas", o que é definido pelo marco conceitual do setor informal. Assim, o processo de informalidade envolveria tanto inserções ocupacionais relacionadas a determinadas formas de organização da produção - trabalho autônomo e empresa de pequena escala, por exemplo -, como as diferentes formas de assalariamento vulnerável. Em outras palavras, a informalidade é um processo mais amplo ligado a novas formas de organizar a produção e o trabalho e a novas formas de relação de trabalho que envolveria a totalidade da economia, do espaço produtivo, sejam empresas grandes ou pequenas, regularizadas ou não, o que também incluiria o setor informal no sentido aqui inicialmente definido.

O primeiro marco conceitual do termo "informal" - o "informal como setor informal" - foca a natureza do processo produtivo, a natureza da empresa, da unidade produtiva, da baixa produtividade e da pobreza; o segundo marco - o "informal como economia informal" - destaque para o problema da ocupação, da baixa qualidade do emprego e da falta de proteção social; o terceiro marco - o "informal como processo de informalidade" - enfatiza a questão das mudanças estruturais da economia e da sociedade, que criam e recriam formas do informal, limitam as possibilidades de regulação da atividade econômica por parte do Estado e estimulam a não aceitação desta regulação por parte dos agentes produtivos.

Embora o fenômeno do comércio de rua, em especial daquele aqui definido como "ambulantes", possa se encaixar em qualquer um dos marcos conceituais anteriores, sendo exemplo acabado e mais visível do que seria o setor informal ou a economia informal ou a informalidade, para os propósitos deste artigo adotou-ser o marco conceitual da informalidade. A ideia de processo de informalidade, ou tão somente informalidade daqui para frente, permite construir um marco conceitual suficientemente amplo para o fenômeno do informal, que considera aspectos relacionados à forma de produzir (bem contemplados na noção de setor informal), ao problema da qualidade das ocupações (bem contemplados na ideia de economia informal), assim como às transformações da economia nacional e internacional e às mudanças institucionais, que alteram e limitam formas de regulação da atividade econômica.

A expressão "ambulante"4 designa trabalhador normalmente autoempregado que vende diretamente ao consumidor (varejo) produtos diversos (normalmente miudezas e mercadorias de mais baixo valor), ou presta serviços (normalmente de alimentação), em vias e logradouros públicos (ruas, calçadas, praças, jardins, etc.), fora de lojas, em postos, fixos ou móveis, ou de forma itinerante levando sua mercadoria junto ao corpo, com ou sem permissão oficial.

Oficialmente, de acordo com a Lei n. 11.039 de 23 de agosto de 1991,5 os ambulantes na cidade de São Paulo são definidos da seguinte forma: Considera-se vendedor ou prestador de serviços nas vias e logradouros públicos, reconhecido como ambulante, a pessoa física, civilmente capaz, que exerça atividade lícita por conta própria ou mediante relação de emprego, desde que devidamente autorizado pelo Poder Público competente (SÃO PAULO, MUNICÍPIO, 1991).

Em grande parte da literatura internacional, os ambulantes são classificados na categoria "comerciantes de rua" (street vendor).6 Para Horn (2009, p. 4), em termos amplos, nos comerciantes de rua estão incluídos todos aqueles que vendem produtos ou serviços em espaços públicos. Segundo Bhowmik (2005, p. 2256), um vendedor de rua é definido como uma pessoa que oferece produtos para venda ao público sem ter uma construção, uma instalação, permanente para tal fim. Os comerciantes de rua, ainda segundo o autor, podem ser fixos no sentido de ocuparem um espaço na calçada ou em outro lugar público/privado, ou móveis no sentido de se locomoverem de um lugar a outro carregando mercadorias em carrinhos ou em cestos sobre a cabeça.

Neste artigo, adotou-se de maneira geral a equivalência entre as expressões "ambulantes" e "comerciantes de rua". Embora nessa última categoria, mais genérica, possam estar feirantes, vendedores de empresas que usam o sistema de venda direta e donos de bancas de jornal, é consistente assumir que a maioria do que será definido adiante como comerciantes de rua é, de fato, o que se definiu anteriormente como ambulantes. também uma razão operacional para adoção desta equivalência. Os dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) da Fundação Seade e do Dieese permitem a construção da categoria "comerciantes de rua".

No presente estudo, foram consideradas "comerciantes de rua na cidade de São Paulo" as pessoas que, segundo os critérios da PED, estavam ocupadas no setor de comércio varejista em vias públicas, residiam na Região Metropolitana de São Paulo e trabalhavam no Município de São Paulo. O comércio varejista realizado em vias públicas inclui: postos móveis em barracas, bancas ou veículos (por exemplo, vendedor de doces que fica em frente a uma escola, vendedor de CDs ou outra mercadoria que fica na calçada, barraca de frutas, banca de jornal, vendedor de legumes e verduras na rua com um caminhão, etc.); e comércio de porta em porta (por exemplo, vendedor de perfumes e lingerie que sai para oferecer as mercadorias; venda de roupas e bijuterias de porta em porta, etc.).

Também estão nessa categoria de comerciantes de rua aquelas outras situações de comércio varejista não realizadas em loja.

Dinâmica da informalidade no mercado de trabalho na Região Metropolitana de São Paulo e do comércio de rua na cidade de São Paulo O mercado de trabalho na Região Metropolitana de São Paulo sofreu, desde o começo da década de 1990, forte impacto negativo decorrente do baixo crescimento da economia brasileira e da reestruturação produtiva. Foram 14 anos de deterioração,7 intercalados com breves períodos (como 1994-95 e 2000-01) de modesta recuperação. O mercado de trabalho da região começou a apresentar movimento duradouro e significativo de melhora a partir de 2004. Depois desse ano, iniciou-se trajetória positiva, muito não verificada, de cinco anos contínuos de redução expressiva do desemprego, aumento do assalariamento com carteira assinada, diminuição da auto-ocupação e decréscimo da informalidade. A taxa de desemprego, que era de 19,1% em dezembro de 2003, passou para 17,1% no mesmo mês de 2004 e seguiu caindo ao longo de todos os anos até atingir 11,8%, em dezembro de 2008. A porcentagem de ocupados com carteira de trabalho assinada cresceu sucessivamente no mesmo período de 39,7% para 48,4%. A participação dos autônomos, ainda segundo dados da PED, declinou de 22,2% para 17,9%. Esse mesmo comportamento da totalidade da RMSP também foi observado para a cidade de São Paulo.

Esse cenário de recuperação sustentada do mercado de trabalho metropolitano se viu ameaçado pelos efeitos, na economia brasileira, da grave crise econômica global iniciada em setembro de 2008. No entanto, os dados da PED para o mercado de trabalho da RMSP em 2009 revelam que a crise não conseguiu inverter a tendência de melhora sustentada verificada a partir de 2004. Em relação ao desemprego, a crise produziu efeito mais negativo entre março e outubro de 2009, que foi rapidamente contornado ao final do ano. Em dezembro de 2009, a taxa de desemprego da RMSP (11,9%) era praticamente igual à de dezembro de 2008 (11,8%). O assalariamento com carteira assinada diminuiu um pouco seu ritmo de crescimento, mas manteve-se em alta em 2009, chegando a 49,1% em dezembro daquele ano - o nível mais elevado dos últimos 18 anos -, contra 48,4% de dezembro de 2008. A auto-ocupação foi afetada mais tardiamente pela crise e apresentou tendência leve de crescimento no segundo semestre de 2009. Isto fez com que a porcentagem de autônomos aumentasse de 17,9%, em dezembro de 2008, para 18,3%, em dezembro de 2009. Tal elevação deve ser relativizada pelo fato de a variação observada ser pequena e os dados mais recentes8 da PED apresentarem retomada do movimento de redução da auto - ocupação verificado na RMSP desde 2004.

O que pode ser inferido é que a forte desaceleração econômica de 2008-2009, resultante da crise financeira internacional, não foi capaz de inverter a trajetória positiva observada no mercado de trabalho da RMSP, a partir de 2004.

Ela produziu apenas um efeito de estancamento, rapidamente superado, da evolução dos indicadores do mercado de trabalho em 2009. Assim, o mercado de trabalho na RMSP, na década de 2000, pode ser dividido em duas grandes fases: a primeira caracterizada pela continuidade da deterioração dos anos 1990 (2000 a 2003); e a segunda representada pela recuperação sustentada (a partir de 2004).

Refletindo esse padrão válido para a totalidade do mercado de trabalho, a informalidade na RMSP apresentou duas etapas bem distintas durante a década de 2000: a primeira metade (2000 a 2004) é a etapa de elevação; e a segunda metade (2005 a 2009) corresponde à etapa de diminuição. Tendo como base as estatísticas de mercado de trabalho da PED para a RMSP, é seguro afirmar que a inflexão depois de 2004 é bastante nítida em todos os principais e diversos indicadores que as várias definições de informal comportam. Os dados da PED (SEADE, 2010) revelam que os percentuais de trabalhadores sem carteira assinada, de autônomos total, de autônomos para o público, de trabalhadores assalariados do setor privado em empresas até cinco empregados e de trabalhadores sem contribuição para a Previdência Social mantiveram-se em níveis crescentes na primeira metade da década. na segunda metade dos anos 2000, o comportamento desses indicadores se inverteu e eles começaram a diminuir continuamente.

As médias para cada uma das metades da década demonstram bem a inversão e a nítida diferença de comportamento da informalidade no mercado de trabalho metropolitano: a porcentagem dos ocupados sem carteira assinada, que era de 13,9% do total de ocupados entre 2000 e 2004, caiu para 13,1%, entre 2005 e 2009; o total de autônomos diminuiu de 21,4% para 19,3%; a porcentagem de autônomos para o público, na qual está incluída a maior parte dos comerciantes de rua, reduziu-se de 12,8% para 11,7%; a proporção de assalariados no setor privado em empresas até cinco empregados passou de 12,5% para 10,9%; e a porcentagem de ocupados sem contribuição para a Previdência Social caiu de 40,9% para 36,5%.

O aumento das ocupações informais, no período de 2000 a 2003 (fase da continuidade da deterioração dos anos 1990), no mercado de trabalho metropolitano, esteve associado à elevação da taxa de desemprego e à insuficiente geração de empregos de boa qualidade no setor formal. A continuidade do processo de reestruturação produtiva dos anos 1990, que reduziu a ocupação industrial e intensificou a terceirização, e o baixo crescimento do PIB brasileiro no período (média de 2,4% ao ano) afetaram a capacidade do mercado de trabalho da RMSP de gerar empregos na quantidade e qualidade requeridas para manter em declínio a ocupação informal.

No Brasil, a tradicional existência do setor informal esteve associada a uma insuficiente, ainda que dinâmica, geração de emprego no setor formal. A existência do setor informal foi também resultado do incremento da população em idade ativa resultante do crescimento vegetativo e das migrações. Com a acentuada redução nas últimas décadas do dinamismo econômico do setor formal em termos de geração de empregos, especialmente do emprego industrial, a informalidade tornou-se uma alternativa duradoura para muitos trabalhadores, sejam eles assalariados desempregados do setor formal ou trabalhadores que fizeram sua inserção ocupacional no setor informal e daí têm poucas chances de sair.

Nessa mesma direção, Cacciamali (2000) argumenta que a ampliação do trabalho por conta-própria (núcleo de setor informal) no Brasil tem sido induzida, pelo menos, por quatro motivos: limitação dos empregos assalariados e ausência de políticas públicas compensatórias; oportunidade de ganhos superiores àqueles dos empregos assalariados de média e baixa qualificação; crescimento de atividades de serviços; e estratégia de sobrevivência levada a cabo por indivíduos com dificuldades de reemprego ou de inserção no mercado de trabalho, que frequentemente poderão exercer trabalhos de baixa produtividade.

De acordo com Pamplona (2001), a baixa renda da maioria da população brasileira, sua pouca riqueza acumulada, programas de seguro-desemprego acanhados e políticas sociais insuficientes fazem com que a situação de desemprego seja uma alternativa inviável para grande parte da força de trabalho. Os trabalhadores brasileiros rapidamente trocam a situação de desemprego aberto por uma ocupação informal.

A partir de 2004, a trajetória ascendente da informalidade na RMSP sofreu uma inflexão. Nesse momento o mercado de trabalho metropolitano deixou de ser condicionado pelos dois principais fatores - baixo crescimento e reestruturação produtiva - que o determinaram nos anos 1990 e na primeira metade da década de 2000. Com os impactos da abertura comercial, da privatização, da terceirização e de outras inovações organizacionais absorvidos pelas empresas brasileiras, o contínuo e mais elevado crescimento econômico da segunda metade da década de 20009 acarretou melhora da qualidade do emprego formal e, especialmente, redução do desemprego. A melhora qualitativa e quantitativa do mercado de trabalho metropolitano traduziu-se em diminuição das ocupações informais após 2004.

Representando de forma emblemática a existência de ocupações informais, a presença de comerciantes de rua na RMSP mostrou significativa sensibilidade às variações da taxa de desemprego. O Gráfico_1 mostra a relação diretamente proporcional que se estabeleceu entre a porcentagem de comerciantes de rua na RMSP e a taxa de desemprego nessa região. Na relação linear apresentada, a variação da taxa de desemprego explica 67,5% da variação da proporção de comerciantes de rua no período. Na primeira metade da década de 2000, enquanto a taxa de desemprego crescia, atingindo uma média de 18,6%, a porcentagem de comerciantes de rua também aumentava e sua média era de 2,4% (Tabela_1); na segunda metade da década, enquanto a taxa de desemprego diminuía, alcançando uma média de 14,9%, a porcentagem de comerciantes de rua na RMSP também decrescia e sua média era reduzida para 2,0%. A taxa de desemprego é um importante determinante da maior ou menor presença de comerciantes nas ruas da RMSP.

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A Tabela_1 também apresenta a evolução, na década de 2000, da estimativa do número de pessoas que trabalhavam no comércio de rua na cidade de São Paulo. A informação mais recente disponível revela que, em 2009, havia cerca de 100 mil pessoas10 trabalhando no comércio nas ruas de São Paulo,11 representando 1,7% do total de pessoas que trabalhavam na cidade. Comparando esses números com os do início e os da metade da década de 2000, têm-se os seguintes resultados: o número de pessoas no comércio de rua, em 2009, foi 15,3% inferior àquele registrado em 2000 e 24,8% menor do que o de 2004; a porcentagem de comerciantes de rua, que era de 2,2% em 2000 e 2,5% em 2004, reduziu-se para 1,7%, em 2009. Ao final da primeira década do novo milênio, o que se verificou nas ruas da cidade de São Paulo foi a diminuição do comércio de rua.

O Gráfico_2 permite qualificar a afirmação anterior. O que se tem de fato é uma tendência de aumento do comércio de rua em São Paulo na primeira metade da década (2000 a 2004), seguida de uma inversão na segunda metade (2005 a 2009).

Depois de 2004, o comércio de rua em São Paulo apresentou clara contração, o que significou aproximadamente 33 mil comerciantes de rua a menos trabalhando na cidade. É interessante ainda notar, no Gráfico_2, como a trajetória do comércio de rua assemelha-se à do desemprego na cidade, durante a década de 2000. Ambos descrevem trajetórias lineares decrescentes, especialmente após 2004. A melhora expressiva do mercado de trabalho metropolitano depois desse ano é o fator a ser destacado como responsável pela redução do comércio de rua na cidade de São Paulo.

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A redução de 33 mil pessoas no contingente de comerciantes de rua em São Paulo, entre 2004 e 2009 (Tabela_1), foi em grande parte (cerca de 2/3) caracterizada pela saída da atividade daqueles comerciantes de rua que não dispunham de instalações fixas nem equipamentos, ou seja, o segmento mais frágil desse tipo de comércio. Os dados da Tabela_4, apresentada e analisada em mais detalhes adiante, mostram que, em 2004, havia aproximadamente 47 mil comerciantes de rua nessa condição, em São Paulo; em 2009, esse número tinha caído para 26 mil.

Assim, na segunda metade da década, deixaram a condição de comerciantes sem instalações e sem equipamento cerca de 21 mil pessoas. A recuperação do mercado de trabalho diminuiu em particular o segmento mais frágil do comércio de rua, ou seja, aquele composto por pessoas desprovidas de qualquer capital que tentaram a sorte para contornar a situação de desemprego, ou de muito baixa qualidade do emprego, anteriormente existente.

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Perfil dos trabalhadores e da atividade do comércio de rua em São Paulo A Tabela_2 indica que os trabalhadores do comércio de rua do Município de São Paulo em 2008, quando comparados ao total de ocupados que trabalhavam nessa cidade, eram: mais do sexo masculino; mais velhos; mais chefes de domicílio; mais de cor não-branca (ainda que a maioria tenha sido identificada como de cor branca); mais de origem nordestina (embora a maioria tivesse nascida no Sudeste); mais migrantes, mas da mesma forma que o total de ocupados, tendiam a não ser migrantes recentes (mais de 60% dos trabalhadores do comércio de rua residiam mais de 20 anos na RMSP); quase todos moradores na cidade de São Paulo; tinham renda familiar notadamente mais baixa; e apresentavam escolaridade destacadamente mais baixa.

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Considerando-se os atributos pessoais dos comerciantes de rua que trabalhavam em São Paulo, tem-se o seguinte perfil dominante: são homens, de cor branca, de idade madura, de precária escolaridade, chefes de domicílios pobres e moradores bastante tempo na cidade de São Paulo. Os atributos pessoais sexo, idade, escolaridade e renda familiar merecem ser destacados e mais bem analisados, pois são os que mais diferenciam os comerciantes de rua de outros trabalhadores.

Os dados da Tabela_2 revelam que, em 2009, 2/3 dos comerciantes de rua da cidade de São Paulo eram homens. Ao longo de toda a década de 2000, tal percentual manteve-se tendencialmente o mesmo, ao contrário do que ocorreu com o comportamento da participação dos homens na ocupação total, que apresentou declínio leve, mas constante ao longo da década. A presença majoritária de homens no comércio de rua em São Paulo pode estar associada ao maior risco da atividade, determinado pela intensa disputa por pontos, pela maior chance de assaltos e outras ocorrências violentas e pela ação severa de fiscais.12 Em 2009, praticamente metade dos comerciantes de rua na Cidade de São Paulo tinha mais de 40 anos. É relevante perceber que a porcentagem de comerciantes de rua em idade madura (mais de 40 anos) apresentou tendência clara de elevação ao longo da década de 2000: eles correspondiam a 41,2%, em 1999, e a 49,9%, em 2009. Por outro lado, a participação dos muito jovens (menos de 25 anos) vem registrando tendência sensivelmente oposta, passando de 23,4% para 15,2%, no mesmo período. Essas mesmas tendências estão ocorrendo para o total de ocupados na cidade de São Paulo, porém em intensidade menor do que a verificada para os comerciantes de rua. No caso dos muitos jovens, sua participação no total dos ocupados caiu de 23,3% para 18,9%, entre 1999 e 2009. A diminuição da presença de muitos jovens e o aumento da porcentagem de trabalhadores mais velhos entre os comerciantes de rua representam, por um lado, uma boa notícia - os jovens podem estar tendo outras opções de inserção no mercado de trabalho ou adiando essa inserção - e, por outro, uma notícia ruim - quanto mais velhos os trabalhadores informais, menor a chance de eles terem no assalariamento formal uma alternativa viável.

Ao longo da primeira década do novo milênio, a escolaridade dos comerciantes de rua na cidade de São Paulo evoluiu muito pouco, diferentemente do restante da população ocupada. Em 1999, 73,8% dos comerciantes de rua possuíam até fundamental completo - nível de instrução considerado baixo. Em 2009, essa porcentagem tinha caído para 69,1%, o que indica melhora, mas ainda bastante modesta se comparada àquela observada para o total de ocupados na cidade de São Paulo. Nesse conjunto de trabalhadores, a porcentagem de pessoas com aquele nível baixo de escolaridade diminuiu de 50,9% para 35,7%, no mesmo período, uma redução muito expressiva. O comércio de rua em São Paulo tem se constituído em lócus de trabalhadores com escolaridade relativa cada vez mais inferior, o que restringe a possibilidade dos trabalhadores dessa atividade informal de obter ocupações assalariadas no setor formal da economia.

Os comerciantes de rua que trabalhavam em São Paulo, em 2008, tendiam a pertencer a famílias pobres (até três salários míninos de renda familiar mensal). A renda média familiar desses trabalhadores era cerca de metade (51,5%) daquela referente ao total de ocupados na cidade. Ao longo da década de 2000, essa porcentagem sofreu alterações, ora para cima, ora para baixo, mas manteve-se em torno de 50%. Pertencer a famílias mais pobres reduz as chances de um indivíduo obter trabalho assalariado no setor formal, especialmente o de boa qualidade, que a rede social da qual participa tende a ser menos capaz de auxiliá-lo a atingir tal objetivo.

A idade mais avançada, a escolaridade precária e o pertencimento a famílias pobres, somados às exigências crescentes do mercado de trabalho formal, "empurram" os trabalhadores com esse perfil para atividades informais, como o comércio de rua.

A Tabela_3 evidencia que a quase totalidade dos comerciantes de rua na cidade de São Paulo não contribuía para a Previdência Social. Em 2009, a porcentagem de não contribuintes era de 86,4%, um pouco melhor que a de 1999 (91,0%). No entanto, quando observado o comportamento dessa porcentagem ao longo de todos os anos da década de 2000, é possível verificar que ocorreram apenas oscilações em torno da taxa de 90%. O mais provável é que a redução de 2009 represente tão somente uma nova oscilação e não sinalize qualquer tendência de diminuição da percentagem de comerciantes de rua que não contribuem para a Previdência Social. A situação de desamparo desses trabalhadores diante de infortúnios relacionados ao trabalho é clara.

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Quanto à posição na ocupação, verifica-se que os comerciantes de rua eram, na sua esmagadora maioria (cerca de ¾), autônomos.13 A porcentagem de trabalhadores do comércio de rua nessa posição era de 77,1%, em 2008/2009, praticamente igual àquela do biênio 1999/2000 (77,4%). Ao longo da década de 2000, essa porcentagem variou em torno de uma média de 77,5%, indicando pouca alteração no período (Tabela_3). É interessante destacar que havia 15,2% de comerciantes de rua, no biênio 2008/2009, que não eram autônomos que trabalhavam diretamente para o público, mas sim autônomos que trabalhavam para uma ou mais empresas ou pessoa. Em outras palavras, cerca de 20% dos comerciantes de rua autônomos trabalhavam para empresa(s) ou outra pessoa.

Nessa categoria estariam, provavelmente, vendedores de porta em porta de cosméticos ou outras mercadorias de determinadas empresas que têm sistema de venda direta.

Ainda quanto à posição na ocupação, a Tabela_3 revela que havia, em 2008/2009, participação significativa de mão de obra assalariada (14,2%) nas atividades do comércio de rua. Assim, trabalhadores considerados comerciantes de rua eram, na verdade, empregados de outras pessoas, comerciantes de rua ou não.14 É relevante assinalar que, no período de expansão da atividade econômica (segunda metade da década analisada), houve aumento da porcentagem de empregados, que passou de 11,0%, em 2003/2004, para 14,2%, em 2008/2009. É possível imaginar que em períodos desse tipo parte dos ambulantes autônomos deixe o comércio de rua assim que surjam condições mais favoráveis no mercado de trabalho e que parte dos autônomos fique na atividade e passe a contratar pessoas como assalariadas.15 Outra categoria de posição na ocupação presente na Tabela_3 é a categoria "demais". Com base em Pamplona (2004, p. 327), supomos que ela estava constituída, no biênio 2008/2009, por "empregadores" (cerca de 1/3) e "trabalhadores familiares" (cerca de 2/3).

Os dados da Tabela_3 mostram também que o rendimento médio real mensal dos comerciantes de rua na cidade de São Paulo era de 1,4 salário mínimo, em 2008,16 equivalendo a aproximadamente metade daquele referente ao total dos ocupados. Essa porcentagem era de 47,1%, em 1999, diminuiu para 42,4%, em 2003, e em seguida recuperou-se para 49,3%, em 2008. Entre 1999 e 2003, que compreende um período de baixo crescimento para a economia brasileira (média de elevação do PIB de 1,97% ao ano), tanto o rendimento dos comerciantes de rua quanto o da totalidade dos ocupados apresentaram trajetória declinante. No entanto, a queda para os primeiros (-32,6%) foi mais intensa do que para o total de ocupados (-25,2%). Por outro lado, entre 2004 e 2008, fase de expansão da economia brasileira (média de crescimento do PIB de 4,8% ao ano), o rendimento médio dos comerciantes de rua cresceu 16,6% e o dos ocupados praticamente permaneceu o mesmo (variação positiva de apenas 0,4%).17 Tal comportamento sugere que a renda média dos comerciantes de rua é mais sensível às variações do nível de atividade econômica do que a do total de ocupados.

A renda dos comerciantes de rua tenderia a ter um comportamento ainda mais pró- cíclico do que aquela referente aos ocupados em geral.

A Tabela_4 apresenta as condições em que a atividade do comércio de rua é praticada. Em 2008, a maioria desses comerciantes (51,9%) trabalhava sozinha, em barracas ou com algum equipamento (73,7%) e cumpria jornada superior a 43 horas semanais (53,5%). É relevante observar que, embora a jornada média dos comerciantes de rua e a do total dos ocupados sejam muito próximas da legal (44 horas), os primeiros têm uma distribuição das jornadas individuais muito desigual. A média não reflete bem a distribuição da duração do trabalho entre os comerciantes de rua. Havia, em 2008, 47,9% de comerciantes de rua com jornadas excessivas (excessivamente curta,18 de menos de 20 horas, ou excessivamente longa, mais de 54 horas), enquanto apenas 20,7% do total de ocupados exibiam essa condição. Na jornada excessivamente longa, a diferença entre os dois grupos era mais acentuada: 31,5% dos comerciantes de rua tinham essa jornada em 2008, contra apenas 13,7% da totalidade dos ocupados.

Um fenômeno bastante relevante demonstrado pela Tabela_4 é a ocorrência, em 2008, de 26,4% de comerciantes de rua trabalhando sem instalação e sem equipamento. O mais interessante ainda é que essa porcentagem apresentou tendência clara de redução a partir de 2005. No período de 1999 a 2008, verifica-se que no ano mais recessivo (1999), quando o PIB brasileiro cresceu apenas 0,25%, a porcentagem de comerciantes de rua que operavam sem instalação e sem equipamento atingiu 41,9%, o nível mais alto da série apresentada na Tabela_4. Entre 1999 e 2003, época de baixo crescimento para a economia brasileira, a média dessa participação ficou em 37,1%, diminuindo para 28,8%, no período de 2005 a 2008, fase de expansão da atividade econômica no Brasil. A evolução dessas porcentagens ao longo da década de 2000 fortalece a interpretação de que, na recessão, haveria uma grande entrada no comércio de rua de pessoas em situação mais vulnerável no mercado de trabalho, desprovidas de capital e de outros recursos, que nessa atividade entrariam para tentar a sorte e formar o que pode ser chamado de "inchaço do comércio ambulante".

A heterogeneidade que marca a totalidade da informalidade também está presente na atividade do comércio de rua ou do comércio ambulante. Não apenas as mercadorias comercializadas são variadas,19 mas também os rendimentos obtidos são diversos, diferentes formas de operação da atividade e desiguais níveis de aceitação social para os vários tipos de comércio ambulante.

Também é relevante mencionar que nem toda atividade do comércio de rua é necessariamente fruto da crise econômica conjuntural ou da pobreza e da desigualdade associadas ao subdesenvolvimento. pelos menos três grupos distintos que marcam a heterogeneidade presente no comércio de rua: grupo de situação precária (sem recursos); grupo de situação sustentável (com recursos); e grupo com atividade socialmente condenável.

Uma parte expressiva dos ambulantes está no primeiro grupo. São normalmente aqueles trabalhadores que procuram o comércio de rua para fugir da pobreza crônica ou das adversidades da conjuntura econômica. Tendem a estar nesse grupo, além dos ambulantes que operam sem instalações e sem equipamentos, como visto anteriormente, os que são assalariados e aqueles que vendem mercadorias de valor unitário muito baixo, ou seja, são ambulantes que praticamente não possuem qualquer capital. O perfil pessoal provável desses trabalhadores em São Paulo seria o seguinte: homens de baixa escolaridade (até o fundamental completo) de famílias pobres (até três salários mínimos de renda familiar), com predominância dos grupos etários dos muitos jovens (menos de 25 anos) e dos mais velhos (com 40 anos ou mais).

Formando o segundo grupo, outra parte dos ambulantes que detêm recursos (financeiros, materiais, habilidades, qualificações, atitudes) que lhes conferem possibilidades reais de que sua atividade seja bem-sucedida e socialmente aceita. Os dados mostram que, em 2009, cerca de 13% dos comerciantes de rua eram contribuintes da Previdência Social, aproximadamente 44% trabalhavam em barracas, em equipamentos fixos, e em torno de 20% trabalhavam em negócio que tinha pelo menos um empregado. Para o centro histórico de São Paulo, D'Angelo (2000, p. 117) constatou que cerca de 70% dos ambulantes eram, de fato, donos de suas barracas e 50% deles não pensavam em deixar a atividade.

ainda um terceiro grupo de ambulantes que claramente exercem, muitas vezes com rendimentos considerados elevados, atividades ilegais não socialmente aceitas (contrabando, pirataria, venda de produtos roubados, etc.).20

Considerações finais A partir de 2004, a tendência de crescimento da informalidade na Região Metropolitana de São Paulo apresentou inversão. Desse ano em diante, o mercado de trabalho deixou de ser condicionado pelo baixo crescimento e reestruturação produtiva, fatores que o determinaram nos anos 1990 e na primeira metade da década de 2000. Com os impactos da abertura comercial, da privatização e das inovações organizacionais assimilados pelas empresas, o contínuo e mais elevado crescimento econômico da segunda metade da década de 2000 pôde melhorar a qualidade do emprego formal e, especialmente, diminuir o desemprego. Mesmo a forte desaceleração econômica de 2008/2009, resultante da crise financeira internacional, não foi capaz de inverter a trajetória positiva observada no mercado de trabalho da RMSP depois de 2004. Assim, na segunda metade da década, a melhora qualitativa e quantitativa do mercado de trabalho metropolitano traduziu-se em diminuição das ocupações informais.

Como parte mais visível da informalidade, a presença de comerciantes de rua na RMSP diminuiu consideravelmente (50 mil pessoas a menos, na comparação de 2009 com 2004), revelando significativa sensibilidade à queda da taxa de desemprego.

A cidade de São Paulo seguiu o padrão metropolitano. Entre 2004 e 2009, a quantidade de comerciantes de rua na cidade reduziu-se de 133 mil para 100 mil.

Esses 33 mil a menos representaram um decréscimo na participação desses comerciantes no total de pessoas trabalhando em São Paulo, passando de 2,5% para 1,7%. Depois de 2004, o comércio de rua em São Paulo apresentou clara contração, seguindo a trajetória decrescente do desemprego na cidade. A melhora expressiva do mercado de trabalho metropolitano depois desse ano parece ser o fator a ser destacado como responsável pela redução do comércio de rua na cidade de São Paulo.21 A redução no número de comerciantes de rua em São Paulo foi, em grande parte, caracterizada pela saída da atividade daqueles que não dispunham de instalações fixas nem equipamentos. A recuperação do mercado de trabalho diminuiu em particular o segmento mais frágil do comércio de rua, ou seja, aquele composto por pessoas desprovidas de qualquer capital que tentaram a sorte para contornar a situação de desemprego ou de muito baixa qualidade do emprego.

Podemos chamar esse processo de "desinchaço do comércio ambulante".

Além desse grupo de comerciantes de rua em situação mais frágil, a atividade é composta por um segundo grupo que detém recursos que lhes dão possibilidade de que sua atividade seja relativamente bem-sucedida e socialmente aceita. Esses são normalmente comerciantes que trabalham em suas próprias barracas, ou equipamentos fixos, muitas vezes têm empregados, em alguns casos são contribuintes da Previdência Social e principalmente não desejam deixar a atividade. Supomos também a existência de um terceiro grupo, que, embora não tenha sido revelado pelos dados da PED com os quais trabalhamos, compõe uma parte significativa da problemática do comércio ambulante da cidade de São Paulo. Nesse grupo estariam ambulantes que claramente desempenham, muitas vezes com rendimentos relativamente elevados, atividades ilegais socialmente condenáveis (contrabando, pirataria, venda de produtos roubados, etc.).

Não obstante a heterogeneidade dos comerciantes de rua, um perfil geral, predominante, desses trabalhadores na cidade de São Paulo pôde ser identificado: são homens, de cor branca, de idade madura, de precária escolaridade, chefes de domicílios pobres e moradores bastante tempo na cidade. Em comparação ao total de ocupados que trabalhavam na cidade de São Paulo, a porcentagem de homens entre os comerciantes de rua era significativamente maior e, ao contrário do que ocorreu com a ocupação total, não apresentou tendência de redução na década analisada. Também sofreu pouca mudança no decorrer dos anos 2000 a escolaridade dos comerciantes de rua.

Diferentemente do restante da população ocupada, ela evoluiu positivamente muito pouco. A renda média familiar dos comerciantes de rua também se manteve em torno de 50% daquela referente ao total dos ocupados na cidade. O nível de pobreza relativa das famílias dos trabalhadores do comércio de rua não se alterou ao longo da década. Por outro lado, no que diz respeito às faixas etárias que representam esses comerciantes, houve redução da participação dos muito jovens (menos de 25 anos) de forma mais acentuada do que entre os outros ocupados na cidade.

A existência de grupos distintos e o perfil geral dos comerciantes de rua devem condicionar a ação pública no que diz respeito à regulação do comércio ambulante. A solução do "problema dos ambulantes" está simultaneamente na saída de parte deles da atividade e na permanência regulada e apoiada de outra parte.

O crescimento econômico acompanhado de redução do desemprego tem por si a capacidade de tirar das ruas boa parte dos ambulantes. Outra parte deveria sair da atividade porque a exercita de forma criminosa. Nesse caso, a atuação dos órgãos de segurança pública e judiciários é determinante. Por fim, uma parte dos ambulantes que deveriam permanecer na atividade é aquela que tem uma situação sustentada (com recursos, disposição e aceitação social) e que, portanto, deveria ser objeto de regulação e apoio por parte da política pública.


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