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BrBRHUAp0102-30982013000200003

BrBRHUAp0102-30982013000200003

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioHumanities
Great areaApplied Social Sciences
ISSN0102-3098
ano2013
Issue0002
Article number00003

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Comunidades ribeirinhas como forma socioespacial de expressão urbana na Amazônia: uma tipologia para a região do Baixo Tapajós (Pará-Brasil)

Introdução A Amazônia brasileira detém a maior área de florestas tropicais contínuas e preservadas do mundo. Desde a década de 1970, no entanto, esta área tem sofrido significativas mudanças na sua cobertura, bem como indicado taxas de desmatamento (INPE, 2010). Becker (2005) apontou diversos motivos responsáveis por estas alterações, tais como: estabelecimento e expansão de infraestrutura; atividades relacionadas à pecuária e produção de grãos; extração de madeira; e mineração. Pfaff (1999) ainda incluiu, aos fatores associados ao desmatamento, a importância das características da cobertura da terra, como a qualidade do solo e densidade de vegetação, e os custos de transporte para o acesso aos mercados. As influências dos investimentos em infraestrutura e a pressão dos mercados para a produção agropecuária também foram considerados condicionantes para a conversão florestal da região (PFAFF; WALKER, 2010). Tais fatores são diretamente atribuídos à conectividade e resiliência proporcionadas pela presença de estradas (KIRBY et al., 2006; PFAFF et al., 2007; WEINHOLD; REIS, 2008; PERZ et al., 2012), ainda que o peso e o papel das estradas no debate sobre a conversão florestal precisam ser redimensionados (CAMARA et al., 2005).

Trabalhos recentes têm apresentado aspectos diversos para a dinâmica do desmatamento, como a eficiência de governança efetiva para reverter tendências de conversão de floresta apesar dos mercados (ASSUNÇÃO et al., 2012; VALERIANO et al., 2012) e estudos de caso no Pará, indicando que os custos de produção e rentabilidade da soja são mais favoráveis às práticas conservacionistas, o que demonstra ser possível expandir a produção e a rentabilidade sem aumentar a conversão florestal (OLIVEIRA et al., 2013; HOMMA, 2012). O fato é que os processos envolvidos na conversão florestal são de natureza bem mais complexa do que as associações estatísticas podem revelar.

Além da conversão florestal, a Região Norte tem apresentado altas taxas de crescimento populacional: entre 2000 e 2010, a população cresceu 2,09% ao ano, superior à taxa registrada para o Brasil (1,17%), e com grau de urbanização de 72,6% (IBGE, 2010). Esses dados revelam a força da questão urbana na Amazônia contemporânea. Apesar destas considerações, a Amazônia é ainda fortemente percebida como uma região rural.

Os dados populacionais mostram um aspecto que deve ser considerado nos estudos envolvendo a região amazônica e que vem sendo discutido por alguns autores: o fenômeno urbano. Para Becker (2005; 2013), as cidades são elementos-chave na construção de um modelo de desenvolvimento ambientalmente responsável e socialmente justo para a Amazônia, pois constituem os nós das redes de relações e são onde a população está concentrada. Entretanto, na Amazônia contemporânea, a realidade do espaço urbano regional exige pensar para além das definições estabelecidas nas categorias dicotômicas de cidade/campo ou urbano/rural. Não são somente as cidades e vilas estruturadas e formais que promovem a configuração espacial do urbano amazônico. A riqueza e a extensão do fenômeno urbano amazônico estão também no mosaico de diferentes formas de assentamentos humanos organizados em núcleos populacionais e suas relações, que englobam áreas de mineração de grandes projetos, acampamentos de garimpo, projetos de assentamento e/ou colonização, acampamentos de sem-terra e sem-teto e as comunidades ribeirinhas, entre outras formas de organização nucleada, estabelecendo diferentes concentrações de comércio e serviços espalhadas por todo o espaço regional (CARDOSO; LIMA, 2006; MONTE-MOR, 2006a, 2006b; MONTEIRO; CARDOSO, 2012). Trintade Jr. et al. (2011, p. 131) enfatizam que "pensar cidades ribeirinhas na Amazônia pressupõe considerar espaços múltiplos, de diferentes temporalidades, que coexistem e que se revelam nas microdinâmicas urbanas". Estas formas socioespaciais de expressão urbana, os núcleos ribeirinhos organizados nas comunidades do Baixo Tapajós, são o objeto deste estudo.

Considerando diferentes escalas de interpretação da rede urbana, os estudos de categorização dos núcleos populacionais combinam diversos tipos de dados e técnicas de análises. Para a região amazônica, os Censos Demográficos constituem a principal fonte de informações para estudos regionais e sub- regionais e, no nível local, são privilegiadas as pesquisas de base comunitária (GARCIA et al., 2007; GUEDES et al., 2009; SCHOR; COSTA, 2011; PARRY et al., 2010a). Estes dados são combinados, principalmente, com metodologias de análise multivariada, como abordado por Garcia et al. (2007) e Guedes et al. (2009).

A partir do diagnóstico inicial das comunidades ribeirinhas do Baixo Tapajós (AMARAL et al., 2009), observou-se que suas redes de infraestrutura e conexões regionais são bastante variáveis ao longo do rio, fato observado também por Parry et al. (2010b) para comunidades ribeirinhas no Estado do Amazonas.

Este trabalho sustenta o argumento de que as comunidades locais formam redes urbanas incipientes na escala comunitária e procura mostrar como suas diferentes características definem a importância dessas unidades na estruturação do território regional. Para tanto, propõe-se a utilização combinada de técnicas quali-quanti (qualitativas-quantitativas) para definir uma tipologia para as comunidades ribeirinhas do Baixo Tapajós e seu arranjo de centralidades em escala local.

A base empírica para este trabalho é um banco de dados contendo o resultado sistematizado obtido a partir de pesquisa de campo com aplicação de questionários que capturaram um conjunto de variáveis descritoras para as situações das comunidades ribeirinhas no Baixo Tapajós. Neste campo, 62 comunidades ribeirinhas do Baixo Tapajós com população variando entre 17 (comunidade Jutuarana) e 3.000 pessoas (comunidade Fordlândia) foram visitadas.

Algumas questões emergiram desta base de dados e dos relatos de campo. As posições/condições das comunidades nesta microrrede, observadas pela infraestrutura disponível, pelo acesso a serviços, pela presença de equipamentos urbanos e pelo uso da terra, seriam similares para todo o Baixo Tapajós? Haveria uma variável ou composição de variáveis que pudesse ser usada como indicadora da condição das comunidades? Seria possível identificar grupos de comunidades com características semelhantes? Comunidades localizadas em margens distintas do Rio Tapajós, ou em unidades de conservação (UC), formariam grupos homogêneos ou grupos diferenciados?   Para obter respostas a estas questões essenciais e compreender a estruturação desta rede incipiente, foram utilizadas técnicas estatísticas multivariadas para explorar esta base, buscando associações que ajudassem a revelar as relações entre o espaço regional, no qual as comunidades estão inseridas, e as condições das comunidades ribeirinhas, delineadas pelas variáveis coletadas.

Com base nesta análise, uma tipologia foi proposta para caracterizar as comunidades do Baixo Tapajós estudadas. O texto a seguir apresenta inicialmente uma contextualização do processo de urbanização da Amazônia e a importância do estudo de comunidades como parte da rede urbanizada. Na sequência, descrevem-se o procedimento metodológico utilizado e os resultados obtidos para a área de estudo. Finalmente, a proposta de tipologia para as comunidades é discutida à luz dos principais conceitos norteadores.

Urbanização e redes urbanizadas na Amazônia No Brasil a expansão da urbanização é relativamente recente, embora as cidades fizessem parte da paisagem social do país desde o período colonial. Naquele momento, a definição de urbanização era restrita a uma caracterização do fato urbano, observando apenas o volume e a densidade populacional das cidades. A partir dos anos 1940-1950, o processo de expansão das cidades articulou-se com um conjunto de mudanças estruturais na economia e na sociedade brasileira (SANTOS, 1994). Sobretudo a partir da década de 1960, foi implementado um conjunto de estratégias explicitamente espaciais, designadas de políticas de urbanização, e cujo objetivo era "a reprodução ampliada do capital e de atender aos interesses geopolíticos" (DAVIDOVICH, 1995, p. 81). Nesse período ocorreu a inversão quanto ao lugar de residência da população brasileira: a taxa de urbanização passou de 31,2%, em 1940, para 67,6%, em 1980, ou seja, enquanto a população total triplicava, a população urbana crescia quase oito vezes.

Na Amazônia não foi diferente, a consolidação do fato urbano foi fortalecida pelas elevadas taxas de urbanização observadas na região desde a década de 1980. O grau de urbanização da Região Norte passou de 42,6%, em 1970, para 51,8%, em 1980, e 57,8%, em 1991. Estes dados somados a outros fatores levaram Becker (1995, 1998) a cunhar o termo floresta urbanizada1 para reforçar a necessidade de reflexão sobre os processos de construção do urbano em um ambiente em transformação, que em 2010 apresentava 72,6% da população total residindo em áreas caracterizadas como urbanas (IBGE, 2010). Mesmo contando com uma importante produção técnica na caracterização dofato urbano (IPEA et al., 1999; IPEA et al., 2002; IBGE, 2008), a Amazônia brasileira é ainda fortemente percebida como uma região rural ou como a Amazônia "verde", de povoamento esparso e acesso remoto. Isto traz como consequência a presença apenas tangencial, e não central, da temática urbana nas agendas para as políticas públicas no espaço regional, como alertava Bertha Becker muitos anos, questão retomada em seu mais recente trabalho A urbe amazônida (BECKER, 2013).

Os processos que moldaram ofato urbano observado hoje na Amazônia tiveram seu início na segunda metade do século XIX, com a economia da borracha, que condicionou a expansão de uma rede de cidades conformando um espaço urbano regional associado à circulação fluvial: a denominada rede dendrítica, cuja ocupação distribuía-se ao longo dos principais rios da região (CORRÊA, 1987; MACHADO, 1999). Entretanto, é a partir dos anos 1960, quando o próprio governo passou a viabilizar e subsidiar a ocupação de terras à frente da expansão pioneira (BECKER, 1997), que a região observou um processo intenso de ocupação, acarretando profundas mudanças nos padrões territoriais de ocupação, especialmente no que tange aos processos relacionados às cidades e sua expansão. Corrêa (1987, p. 65) destaca que, a partir de então, a rede de cidades adquiriu novos significados derivados do fato de ter sido alterada diretamente pelo "capital industrial, financeiro e pelo Estado capitalista [...], agentes através dos quais verificou-se e viabilizou-se a introdução de novas atividades, populações e relações sociais de produção na Amazônia".

Estas intervenções não foram homogêneas no tempo e no espaço, resultando em uma fronteira que, para Cardoso (2012, p. 5), deve ser entendida como "um universo heterogêneo, com ilhas de modernidade entremeadas a áreas isoladas, sujeitas a transformação rápida e intensa por ocasião da implantação de novas infraestruturas e investimentos associados ao capital globalizado".

Para Becker (1997), a urbanização foi uma estratégia adotada pelo Estado para a ocupação regional. Esta estratégia, por meio dos projetos de colonização regional e investimentos em infraestrutura, "sustenta a mobilidade permitindo atrair migrantes sem lhes dar acesso à propriedade da terra, e inicia a articulação dos antigos e novos núcleos urbanos entre si e com o mundo exterior" (BECKER, 1997, p. 52). Em função disso, as cidades amazônicas foram se estabelecendo com deficiências de infraestrutura e equipamentos urbanos disponíveis, resultado de um processo histórico em que os projetos para ocupação da região priorizaram capacitar a produção, sem preocupações quanto a políticas públicas urbanas que ordenassem a estruturação das cidades (CARDOSO; LIMA, 2006). Essas características mantêm a identidade das cidades amazônicas e formam um tecido urbano particular (BECKER, 2005).

Esse tecido urbano e sua articulação com o meio rural ilustram um quadro que tem sido discutido por diversos autores: a natureza e as características do urbano e das cidades na Amazônia contemporânea (MONTE-MÓR, 1994; CARDOSO; LIMA, 2006; BARBIERI; MONTE-MÓR, 2008; CARDOSO, 2012). Esses autores deixam claro que o entendimento da extensão e do significado da urbanização da Amazônia está além da análise do crescimento e tamanho das cidades, perpassando pela compreensão  da transformação de valores da sociedade amazônica. Para Cardoso (2012), a dificuldade na definição e delimitação clara deste processo deve-se às características envolvidas na urbanização dessa região. Até meio século atrás a região amazônica era agro-extrativista e atualmente conta com grande incidência de espaços periurbanos, não explicados completamente nem pela racionalidade rural nem pela racionalidade urbana, assim como abriga espaços metropolitanos e cidades médias que tanto funcionam como locais privilegiados para a difusão de práticas de consumo de forte interesse do capital, quanto também de acesso a serviços, equipamentos públicos e direitos diversos (CARDOSO, 2012, p. 4).

Alguns estudos têm discutido a extensão do significado da urbanização na Amazônia a partir das famílias multissituadas e dos quintais urbanos, a exemplo de Padoch et al. (2008) e WinklerPrins e Souza (2005). Padoch et al. (2008) observaram que as redes familiares, relacionadas com a circulação de mercadorias e o acesso a emprego, educação e serviços de saúde, abrangem áreas rurais e urbanas, tornando as áreas urbanas uma parte integrante da expansão das áreas rurais e vice-versa. Esses autores constataram também que as famílias da floresta urbanizada continuam a se mover para as cidades, transformando as cidades e florestas do território amazônico e redefinindo o que é ser urbano, bem como o que significa ser rural. WinklerPrins e Souza (2005), analisando os quintais urbanos como um caminho na transição da vida rural para a urbana dos novos imigrantes na cidade de Santarém, demonstraram que o rural e o urbano não podem ser convenientemente separados, pois são altamente inter-relacionados e mesmo as pessoas não podem ser facilmente categorizadas como "rurais" ou "urbanas". Em ambos os estudos, os autores observaram que as famílias multissituadas participam em redes rural-urbanas e nas decisões de uso da terra rural.

Desse modo, fica claro que atualmente as áreas urbanas na Amazônia não se restringem apenas às cidades e vilas, englobando também outras formas socioespaciais, tais como projetos de assentamentos, comunidades ribeirinhas, áreas indígenas, unidades de conservação e, até mesmo, sedes de fazendas (CARDOSO; LIMA, 2006). Inspirado em LeFèbvre (1972), Monte-Mór (1994) denominou esse processo de urbanização extensiva, que corresponde à extensão, para o espaço rural, das relações socioespaciais que eram próprias e limitadas às cidades e aos centros urbanos. Cardoso e Lima (2006) ressaltam que a expectativa de acesso a serviços e facilidades que até então eram disponibilizados preferencialmente nas cidades (energia elétrica, água potável, transporte público, saúde e educação) revela que a influência da cidade extrapolou sua dimensão física e passou a influenciar os modos de vida do campo. Com base no referencial da urbanização extensiva, Amaral et al. (2011) e Dal'Asta et al. (2012) observaram, para a região oeste do Estado do Pará, uma diversidade de unidades espaciais de ocupação humana que representam importantes pontos de apoio à população local e englobam desde sedes municipais, distritos, currutelas2 e comunidades ribeirinhas, até serrarias, áreas de mineração e seus povoados, sedes de fazenda, frigoríficos e pistas de pouso. Para os núcleos populacionais, os estudos demonstraram que as características funcionais e a estrutura espacial são variadas na área pesquisada, corroborando com o observado por Cardoso e Lima (2006) para as cidades na região do Baixo Tocantins e na Transamazônica, o que indica a ação de diferentes atores e processos no território. Além disso, os estudos mostram que a acessibilidade (fluvial ou rede de estradas) assume papel importante na evolução e consolidação dessas áreas.

As primeiras discussões, ainda que em caráter teórico e descritivo, sobre a urbanização amazônica do ponto de vista multiescalar são apresentadas por Browder e Godfrey (1997),  que lançaram as bases para a proposição da teoria da urbanização desarticulada, a fim de entender o processo de urbanização contemporâneo na fronteira amazônica. De acordo com os autores, à medida que zonas seletivas da Amazônia se incorporam nas economias nacional e internacional, centros urbanos regionais tornam-se diversamente articulados a diferentes níveis da hierarquia urbana global, sendo que as novas ligações a centros urbanos distantes desgastam tradicionais ligações regionais. Guedes et al. (2009), adotando uma abordagem multinível para analisar a hierarquia urbana, observaram que a teoria da urbanização desarticuladase aplica para o nível da Amazônia brasileira. Porém, conforme verificaram os autores, essa teoria mostrou-se insuficiente para explicar a emergência da hierarquia urbana sub-regional, que cada vez mais define a região em termos de distribuição populacional e conexões econômicas para os mercados nacional e global.

Para discutir a organização hierárquica das cidades amazônicas, Sathler et al.

(2010) aplicaram o modelo Grade of Membership (GoM) para municípios com mais de 20 mil habitantes e identificaram quatro perfis de hierarquia que sugerem que a posição de determinado centro na Amazônia é, em grande parte, influenciada por variáveis relacionadas com as diferenças sociais, pobreza e capacidade dos municípios de fornecer vários tipos de serviços à população. Ou seja, os autores observaram que os diversos níveis hierárquicos urbanos apresentam dinâmicas demográficas, socioeconômicas e espaciais distintas.

Adotando o recorte para o Estado do Amazonas, Moraes e Schor (2011) destacam que a rede urbana do Estado apresenta certo nível de simplicidade quando a tipologia urbana é definida pelos dados demográficos e a hierarquia urbana com bases no deslocamento das pessoas para obtenção de bens e serviços. Entretanto, a complexidade é revelada ao se considerarem novos temas para a abordagem, tais como o abastecimento alimentar e a pesca. Além disso, os autores apontam para um aspecto crucial no entendimento das redes da Amazônia: o tipo de acessibilidade, que no caso citado está relacionado à circulação fluvial e ao acesso restrito a rede de estradas, condição similar às comunidades do Baixo Tapajós, onde a sazonalidade do Rio Solimões influencia na produção, no escoamento e no preço dos produtos. Schor e Oliveira (2011) e Moraes e Schor (2011) definiram uma tipologia que evidencia a funcionalidade e abrangência das sedes municipais da calha do Rio Solimões-Amazonas e analisaram as redes de mercado de gêneros alimentícios (cesta básica) e de pesca (exportação de bagres) para a mesma área. Os autores enfatizam que a análise multiescalar é essencial quando se considera a rede urbana na Amazônia, uma vez que a estrutura da rede pode assumir diferentes articulações quando as diversas redes são analisadas separadamente.

Desse modo, tais estudos evidenciam a importância de estabelecer diferentes escalas para tentar entender como a rede urbana se estrutura em seus vários níveis hierárquicos, haja vista que muitos processos observados na escala regional ocorrem em diversos graus e intensidades quando a escala analítica é local (AMARAL et al., 2009). Nessa perspectiva, os pequenos núcleos populacionais, no caso as comunidades ribeirinhas, assumem papel fundamental na estruturação da rede urbana amazônica, ao servirem de apoio imediato à população local, oferecendo alguns serviços como pequenos comércios, escola, posto de saúde, entre outros, e por vezes, em conjunto, desempenhando as funções das cidades.

Apresentando uma análise da hierarquia e de redes urbanas para o nível de comunidades, destacam-se os trabalhos de Guedes et al. (2009) e, especialmente, Parry et al. (2010a) e Pinho (2012). Guedes et al. (2009), a partir da pressuposição de que as comunidades são um dos estágios de evolução para a formação de cidades, propõem uma hierarquia com cinco níveis a partir de um conjunto de indicadores que variam desde a presença de funções básicas, como escola, igrejas e cemitérios, até a existência de lojas especializadas e fábricas de processamento de alimentos. Os autores ressaltam que a utilização de uma escala mais fina de análise, compreendendo as comunidades, melhora o entendimento dos processos urbanos de uma região, como na emergência de cidades nós no nível sub-regional e de comunidades entre centros urbanos, com uma posição micro-hierárquica no fornecimento de serviços e atividades sociais no âmbito local. Por sua vez, os estudos de Parry et al. (2010a) e Pinho (2012) adotam como objeto de análise as comunidades ribeirinhas. Parry et al. (2010a) buscam relacionar a prestação de serviços públicos, associados à presença de infraestrutura, e recursos naturais na determinação de padrões de assentamento e migração rural-urbana na Amazônia ocidental. Os autores observaram que a rede de infraestrutura e conexões regionais destas comunidades é bastante variável ao longo dos rios estudados. Adotando as comunidades ribeirinhas do Tapajós (oeste paraense), Pinho (2012) analisa as redes de transporte, educação, saúde e circulação de mercadorias e propõe olhar para as localidades como parte integrante de uma rede urbana local que pode ser estudada a partir das diferentes redes. Esses trabalhos corroboram o argumento de que o avanço da compreensão e representação do urbano na Amazônia "passa necessariamente pela inclusão da escala local nos estudos de rede urbana" (PINHO, 2012, p.5).

Assim, apropriando-se do conceito de urbanização extensiva (MONTE-MÓR, 1994), no presente trabalho as comunidades ribeirinhas são consideradas unidades espaciais de ocupação humana que, associadas, configuram estrutura, forma e funções urbanas na escala local, estabelecendo as bases de uma rede urbana incipiente, a qual convive com as redes consolidadas baseadas nas cidades para o espaço regional. As relações entre as comunidades configuram redes de interações que exercem funções urbanas em um nível hierárquico basilar, que pelo detalhe da escala de análise não são capturadas pelos estudos formais de regiões de influência das cidades - Regic (IBGE, 2008). Assim como as características particulares de cada em uma rede condicionam a atratividade que exercem sobre os outros nós, as características das comunidades definem a importância local destas unidades na formação da rede urbana incipiente e desta rede na estruturação do território regional.

Assim, este trabalho propõe uma tipologia que possa caracterizar as comunidades do Baixo Tapajós e o seu arranjo local. Ao melhorar a compreensão de suas diferenças e similaridades e da sua inserção no espaço regional, este estudo presta-se como um instrumento auxiliar para melhor informar o desenho de políticas públicas com foco nas populações locais.

Área de estudo A área de estudo se insere no Distrito Florestal Sustentável da BR163 (DFS BR163), o primeiro a ser estabelecido no Brasil, em 2006 (BRASIL, 2006), localizado no oeste do Estado do Pará (Figura_1). O DFS BR163 abrange uma área de 190 mil km2, incluindo os municípios de Altamira, Santarém, Placas, Rurópolis, Belterra, Itaituba, Novo Progresso, Juruti, Óbidos, Prainha, Trairão e Jacareacanga. Apesar de ter sido criado como uma unidade geopolítica, esse Distrito compreende um mosaico de regiões com distintas dinâmicas econômicas, demográficas e de uso da terra (ALVES et al., 2010; ESCADA et al., 2009), o que requer a realização de estudos específicos para estas diferentes regiões. Neste contexto, a área de estudo foi restrita às comunidades ribeirinhas situadas entre Santarém e Itaituba, no trecho conhecido como Baixo Tapajós (Figura_1).

A navegabilidade do Rio Tapajós garante às suas comunidades a mobilidade e o acesso diferenciado aos serviços urbanos básicos existentes nos centros urbanos maiores e sedes de municípios. Para estas comunidades ribeirinhas, muitas delas estabelecidas mais de 100 anos (AMARAL et al., 2009), o Rio Tapajós foi decisivo no processo de ocupação como eixo de circulação e conquista do território. Muitas comunidades descendem de aldeias indígenas do povo Munduruku, das quais poucas preservam esta identidade, provavelmente devido à dizimação desse povo após a Cabanagem e à miscigenação durante o ciclo da borracha (COUDREAU, 1977). comunidades que surgiram da catequização dos jesuítas, das atividades do ciclo da borracha, da exploração madeireira, de refúgios da Cabanagem e ainda de projetos específicos de desenvolvimento, como a iniciativa americana na criação de Fordlândia (AMARAL et al., 2009).

A localização geográfica das comunidades implica contextos de espaços diferenciados, seja pela existência das unidades de conservação (UC) no curso do Rio Tapajós - a Reserva Extrativista (Resex) Tapajós-Arapiuns, criada em 1998, com 647.610 ha, na margem esquerda, e a Floresta Nacional (Flona) do Tapajós, instituída em 1974, com 549.067 ha, na margem direita - seja pela proximidade a grandes centros urbanos, como Santarém e Itaituba, e acessibilidade à rede de estradas locais.

Segundo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) (BRASIL, 2000), ambas as unidades de conservação da área de estudo pertencem à mesma categoria de uso sustentável e têm por objetivo compatibilizar a conservação da natureza com o uso direto de parcela dos seus recursos naturais.

diferenças relevantes quanto ao tipo de uso permitido, impactando na condição de seus habitantes. Uma Flona tem por objetivo o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica em métodos de exploração sustentável de florestas nativas, sendo que nela "é admitida a permanência de populações tradicionais que a habitam desde sua criação" (BRASIL, 2000). A população tradicional pode permanecer na Flona, mas as áreas particulares devem ser desapropriadas e regularizadas por contrato de concessão de uso. Para manter a característica de população tradicional, muitas comunidades deliberam sobre a entrada e permanência de novos moradores. iniciativas de manejo florestal comunitário, como a Cooperativa Mista da Flona Tapajós, Projeto Ambé, mas as comunidades visitadas, no momento da pesquisa, estavam excluídas deste programa. Apesar de não estarem inseridas em programas específicos para a Flona, algumas delas, juntamente com comunidades da Resex, participam do Projeto "Oficina do Caboclo", desenvolvido em parceira com o Instituto de Pesquisa Ambiental Amazônica (Ipam) e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e de Recursos Renováveis (Ibama), cujo objetivo é estabelecer oficinas e treinar comunitários para a produção de móveis explorando a madeira morta existente na floresta.

Por sua vez, em uma Resex a presença de população extrativista é parte de sua definição: "área natural utilizada por populações extrativistas tradicionais onde exercem suas atividades baseadas no extrativismo, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, assegurando o uso sustentável dos recursos naturais existentes" (BRASIL, 2000). A Resex tem por objetivo proteger os meios da vida e a cultura dessas populações, bem como assegurar o uso sustentável de seus recursos naturais. As áreas particulares incluídas em seus limites devem ser desapropriadas, e a gestão é feita por conselho deliberativo que deve incluir representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e das populações tradicionais residentes na área. Tanto na Resex como na Flona são permitidas visitação pública e pesquisa científica.

Em relação aos centros urbanos, na região os principais centros de referência são Santarém e Itaituba, classificados pelo Regic (IBGE, 2008) como capital regional nível C e centro sub-regional nível B, respectivamente. Esses núcleos urbanos têm apresentado intensa dinâmica de expansão nos últimos anos. Segundo dados do IBGE, em Itaituba, além dos setores industrial, de mineração e agropecuário, o dinamismo econômico do setor de serviços da cidade de Itaituba, entre 2000 e 2007, resultou em crescimento de 8,9% do PIB, superior ao aumento médio nacional para o período (4%). Em Santarém, a taxa de urbanização passou de 67,9%, em 1991, para 73,7%, em 2010, indicando também uma dinâmica urbana intensa, ao mesmo tempo que predominam os grandes estabelecimentos agropecuários com uso intensivo da terra e baixa ocupação humana no município (D'ANTONA et al., 2011). Assim, estas cidades provêm serviços e recursos que acabam por diferenciar as condições das comunidades ribeirinhas em função da distância de suas localizações.

Além da presença das UCs e dos núcleos urbanos, outra característica importante na diferenciação local é a acessibilidade, especialmente o acesso à rede de estradas, que está restrito principalmente a comunidades localizadas na porção meridional da área de estudo e no extremo norte, externas às UCs. Nestas comunidades, as estradas locais permitem a conexão com outros núcleos urbanos e com importantes rodovias na região: BR 230 (Rodovia Transamazônica) e BR 163 (Rodovia Cuiabá-Santarém). Ressalta-se também a presença da TransTapajós, rodovia local ligando as comunidades de Acaratinga, Jaguarari, Pedreira e Piquiatuba.

Materiais e métodos Procedimentos metodológicos A metodologia proposta a seguir foi definida com o objetivo de caracterizar as comunidades ribeirinhas do Baixo Tapajós e classificá-las de modo a construir uma tipologia que reflita condições semelhantes e represente a estrutura hierárquica das comunidades. A metodologia associada à coleta dos dados utilizados neste trabalho e relativa a alguns aspectos dos métodos empregados vem sendo desenvolvida e refinada no escopo das atividades de pesquisa do grupo do Inpe, aqui denominado de Inpe-Estudos Amazônicos, que desde 2005 realiza trabalhos de campo no Pará, com suporte financeiro dos projetos: Geoma (Rede Temática em Modelagem Ambiental na Amazônia), Pime (Projeto Integrado MCT- Embrapa), Cenários (Cenários para a Amazônia: uso da terra, biodiversidade e clima), LUA-Fapesp (Land Use Change in Amazonia: institutional analysis and modeling at multiple temporal and spatial scales) e UrbisAmazônia (Projeto UrbisAmazônia: Qual a Natureza do Urbano na Amazônia Contemporânea?).

Como abordagem metodológica propõe-se o uso de técnicas estatísticas multivariadas para o reconhecimento de padrões homogêneos dos núcleos populacionais localizados no Baixo Tapajós. Inicialmente, fez-se o levantamento em campo de informações sobre infraestrutura, rede de serviços e de uso da terra para uma amostra dos núcleos populacionais ao longo das margens do Rio Tapajós entre Santarém e Itaituba. Os dados referentes às comunidades visitadas foram usados para construir variáveis quantitativas que foram padronizadas e sistematizadas em uma base de dados. Essas variáveis foram utilizadas na análise de componentes principais com o objetivo de reduzir a dimensionalidade dos atributos originais, gerando componentes parcimoniosos capazes de conter a maior variabilidade presente nas variáveis originais. Em seguida, foi realizado o procedimento de agrupamento hierárquico, que permitiu finalmente a identificação de agrupamentos, ou clusters de comunidades com características semelhantes. Observações de campo foram empregadas para avaliar os resultados.

Estas etapas são detalhadas a seguir.

Coleta de dados A coleta de dados ocorreu por meio da aplicação de questionários em 62 comunidades ribeirinhas do Baixo Tapajós, no período de 28 de junho a 10 de julho de 2009, conforme descrito por Amaral et al. (2009). Das comunidades visitadas, 27 estão localizadas na margem esquerda e 35 na margem direita do Rio Tapajós. A escolha das comunidades para aplicação do questionário foi baseada, inicialmente, em levantamentos anteriores, como os dados do Zoneamento Ecológico-Econômico da Rodovia BR 163 (EMBRAPA, 2007) e os dados preliminares do Censo Agropecuário 2006, disponíveis na ocasião (IBGE, 2006). Os pontos previamente selecionados foram reavaliados no campo em função do esforço amostral possível para uma expedição de dez dias com duas equipes com deslocamento limitado pelas condições de navegação do Rio Tapajós, propiciando uma média de amostragem de seis comunidades por dia.

Para cada comunidade, aplicou-se um questionário contendo quatro planilhas elaboradas de modo a descrever aspectos referentes a: organização e histórico das comunidades - origem, histórico, condição demográfica, renda, abastecimento, organização social; equipamentos e infraestrutura - abastecimento de água, fornecimento de energia elétrica, saneamento, lixo, comunicação (telefone e correios), transportes e serviços; saúde e educação - equipamentos e atendimento; uso da terra - dinâmica e sazonalidade dos principais usos, organização fundiária, extrativismo, atividade madeireira, mineração, agricultura, pecuária.

Permeando todos os temas, foram identificadas as principais carências das comunidades e suas relações de dependência com as cidades da região. A dependência foi identificada quando os membros de uma comunidade necessitavam se deslocar até outros locais para atividades ligadas a comércio, utilização de serviços de educação e saúde e comunicação, como telefonia e correios.

As planilhas, compostas por tópicos relevantes de cada tema, permitiram respostas do tipo aberta, possibilitando extrair o máximo de informações sobre cada comunidade. Para responder aos questionários foram procurados preferencialmente os presidentes das comunidades. Na ausência deles, entrevistaram-se moradores antigos ou com alguma representatividade local, como agente comunitário de saúde, diretor de escola ou professor, representante do sindicato de produtores rurais, entre outros (AMARAL et al., 2009). Os aspectos gerais de caracterização das comunidades, bem como as coordenadas geográficas obtidas com GPS, também foram registrados.

Análise dos dados Após a coleta, os dados foram sistematizados de acordo com a temática de cada planilha, de modo a atribuir valores para cada variável, em que eventualmente variáveis quali-quantitativas foram classificadas segundo os valores de atributos. Para análise estatística, foram selecionadas 30 variáveis entre as informações coletadas em campo que tiveram valores para todas as comunidades e que caracterizam os núcleos populacionais, compondo um conjunto simplificado de variáveis. Destas variáveis, sete estão relacionadas com a organização e o histórico da comunidade, seis com os serviços de saúde e educação, oito com a infraestrutura e nove com o uso da terra (Quadro_1).

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Para viabilizar a agregação e comparação entre as variáveis que apresentavam valores e intervalos não comparáveis entre si, os dados foram normalizados para uma mesma escala (HOSSEINI; KANEKO, 2011; LYRA et al., 2010). O método utilizado foi a normalização linear, que consiste em considerar os valores mínimo e máximo de cada atributo no ajuste da escala, mapeando esse atributo no intervalo fechado de zero a um (GOLDSCHMIDT; PASSOS, 2005). Para cada variável, zero representa a pior  e um a melhor condição verificada nas comunidades. Para este escalonamento, os valores foram distribuídos observando o comportamento de cada variável. O Quadro_1 apresenta o conjunto simplificado de variáveis com seus respectivos atributos escalonados.

Para o reconhecimento de padrões homogêneos das comunidades ribeirinhas, realizou-se a análise estatística multivariada de componentes principais (ACP) e de agrupamento hierárquico sobre o conjunto de variáveis. Essas técnicas estatísticas são metodologias exploratórias utilizadas para evidenciar similaridades ou diferenças entre amostras de determinado conjunto de dados (HUSSON et al., 2010). A escolha da ACP justifica-se por ser uma técnica exploratória adequada para se obter um resumo empírico do conjunto de dados, diferentemente de outras técnicas, como a análise fatorial, que têm por objetivo detectar a estrutura dos dados ou a modelagem causal (FIGUEIREDO FILHO; SILVA JR., 2010). ACP e agrupamento hierárquico são amplamente aplicados em estudos que visam a classificação de áreas com base nas características socioeconômicas e populacionais. Lloyd (2010), por exemplo, empregou a análise de componentes principais para avaliar características da população na Irlanda do Norte. Pedroso Júnior et al. (2008) propõem o uso de análises de componentes principais e de agrupamento para identificar diferentes padrões em comunidades quilombolas, no Estado de São Paulo. Husson et al. (2010) descrevem a metodologia combinando análise de componentes principais e análise de agrupamento.

O software R v2.12.1 (IHAKA; GENTLEMAN, 1996) foi utilizado para realizar a ACP a partir da matriz de covariância das variáveis e para aplicar a técnica de agrupamento hierárquico baseada em componentes principais (HCPC), ambas funções do pacote FactoMineR ( et al., 2008). Conforme recomenda McKenzie (2005), os histogramas das 30 variáveis padronizadas, como uma aproximação para suas funções densidade de probabilidade, foram observados, o que permitiu verificar a inexistência de potenciais problemas de clumping (agregado de grupos) e truncation (intervalos de valores que não permitem diferenciar grupos), que podem ser associados às análises exploratórias baseadas em ACP.

A análise de componentes principais combinada à análise de agrupamento enriquece a análise descritiva. Na primeira o objetivo é reduzir a dimensionalidade do conjunto de dados originais, sem perder as informações importantes desse conjunto, enquanto no agrupamento hierárquico busca-se classificar os indivíduos, gerando agrupamentos (clusters) em diferentes níveis hierárquicos representados por um dendograma.3 A definição do número de grupos, bem como a consistência de cada um e das variáveis que os individualizaram, foi feita empiricamente a partir de testes e da experiência dos autores proveniente das observações e evidências de campo, aplicando-se o algoritmo de K-médias.

A seguir, são descritos os principais resultados obtidos por meio da análise estatística multivariada dos dados de campo das 62 comunidades ribeirinhas.

Resultados Da análise de componentes principais, as 30 variáveis foram reorganizadas em um novo plano de componente fatorial. O Anexo traz os autovalores e autovetores obtidos para cada variável e suas respectivas contribuições. A Figura_2 ilustra a representação das variáveis e dos indivíduos no plano fatorial resultante para a primeira e segunda componentes. As primeiras duas componentes principais explicam apenas 26,43% da variância total do conjunto de dados, sendo 14,82% da primeira e 11,62% da segunda. Destaca-se que as primeiras cinco componentes principais explicam pouco mais de 50% da variância total do conjunto de dados.

Isso sugere que as variáveis originais são pouco correlacionadas e, por isso, as primeiras componentes explicam pequena porção da variância dos dados.

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Analisando a representação das variáveis, observa-se, na Figura_2, que as variáveis arroz (cultivo de arroz), açaí (coleta de açaí) e Saúde & Alegria4 (atividade da ONG Saúde & Alegria nas unidades de conservação) estão inversamente correlacionadas com as variáveis gado (criação de gado) e instituições (número de instituições governamentais existentes). Possivelmente, as primeiras variáveis estão mais associadas às áreas de uso restrito, como as comunidades inseridas nas unidades de conservação onde a criação de gado, por exemplo, é restrita e por vezes proibida. Quanto à análise dos indivíduos, poucas comunidades se diferem substancialmente do conjunto, dado que a maioria apresenta valores semelhantes para as variáveis ao se observarem as duas primeiras componentes (Figura_2).

Utilizando as informações das cinco primeiras componentes na classificação hierárquica, foi possível individualizar cinco grupos que apresentaram homogeneidade quanto às características selecionadas. Para cada grupo, ou partição, obteve-se a contribuição das componentes e das variáveis mais importantes. De modo geral, padrões que foram observados em campo emergiram da análise estatística, validando a metodologia classificatória. Foram necessárias de 8 a 11 variáveis para particularizar os cinco grupos de comunidades obtidos (Quadro_2), que também refletem uma hierarquia quanto às condições de infraestrutura, ao acesso a serviços e equipamentos urbanos e ao uso da terra.

O Quadro_2 apresenta as comunidades pertencentes a cada grupo, bem como as variáveis que os individualizaram.

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As variáveis relacionadas à infraestrutura e ao uso da terra foram as principais responsáveis pela classificação dos grupos. Conforme observado por Amaral et al. (2009), as relações de dependência entre as comunidades são estabelecidas principalmente pela oferta de saúde e educação, sendo que o acesso à educação é fator crucial para o crescimento ou o abandono das povoações ribeirinhas, o que é corroborado por Parry et al. (2010b). Para comunidades próximas a Santarém e Belterra na BR 163, Guedes et al. (2009) constataram que os três principais fatores que influenciam a urbanização, no nível de comunidade, são o tamanho da população, a qualidade de infraestrutura e a disponibilidade dos serviços, sendo que os autores estabeleceram o limite de 900 habitantes para indicar a presença de serviços especializados. Cabe destacar ainda a importância da variável presença de Bolsa Família, para a determinação dos grupos, com exceção do grupo 5, em que as comunidades encontram-se em melhores condições de organização e infraestrutura. Em contrapartida, a variável relacionada ao tamanho populacional (npes) foi condicionante apenas para os grupos extremos, ou seja, comunidades com tamanho populacional intermediário foram categorizadas por outros descritores, como ocorreu, por exemplo, nos grupos 3 e 4, que englobam comunidades pequenas e relativamente grandes. A Figura_3 apresenta o particionamento hierárquico do dendograma baseado na distância euclidiana e a distribuição dos grupos no território, após a consolidação com o algoritmo k-médias.

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Os resultados permitiram avaliar a relação entre as variáveis e individualizar os grupos de comunidades com características homogêneas. Foram definidos cinco grupos de comunidades com características semelhantes em termos de organização espacial, estruturação interna e dinâmica de dependência, evidenciando espaços homogêneos não contíguos no território. A numeração dos grupos reflete a hierarquia do grau de infraestrutura e serviços nas comunidades. Os nomes-chave propostos resumem a complexidade funcional do grupo e destinam-se apenas à comunicação, não podendo, desse modo, ser considerados uma proposta de classificação. A descrição detalhada de cada grupo é apresentada a seguir.

Grupo 1 - "Dependentes" Fazem parte deste grupo as comunidades de Pauini, Castanho, Lago do Pireira, Monte Cristo, São Francisco do Godinho e Jutuarana. São comunidades pouco organizadas, com infraestrutura limitada e que dependem de núcleos urbanizados maiores, como as sedes municipais, para o acesso a serviços e equipamentos urbanos. A dinâmica populacional revela a estagnação destas comunidades, que nos últimos anos não tiveram acréscimo na população, onde os valores mínimo e máximo variaram de 17 a 128 habitantes, nas comunidades de Jutuarana e Castanho, respectivamente.

Em termos de infraestrutura, todas as comunidades possuem energia de gerador e predominam as piores condições de saneamento básico. Estabelecimentos comerciais e escolas de ensino infantil estão presentes em apenas duas comunidades. Igrejas, geralmente católicas, encontram-se em quatro comunidades.

A Figura_4 ilustra o centro das comunidades de Pauini (A), Jutuarana (B) e São Francisco do Godinho (C), onde existem alguns equipamentos urbanos como escola, igreja e barracão comunitário que atende a toda a comunidade.

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Os lotes de terra das famílias variam de 1 a 2 ha, onde a atividade agrícola mais comum é a pecuária, com produção voltada principalmente para comercialização em outras comunidades. A produção de grãos, representada pelas lavouras de arroz, feijão e milho, é pouco expressiva, assim como as atividades de caça e coleta, destinadas à subsistência. Diferentemente dos grãos, a produção de farinha ocorre em todas as comunidades e se destina, principalmente, à comercialização.

Nestas comunidades, poucos ou nenhum dos moradores recebem Bolsa Família, importante programa governamental que contribui significativamente para a renda das comunidades ribeirinhas do Tapajós (AMARAL et al., 2009). Guedes et al.

(2009) destacam a importância dos programas governamentais, em instâncias tanto federal quanto estadual, para a região amazônica. Para a maioria dos municípios, estes autores observaram que o serviço público representa o setor de emprego mais significativo, enquanto os programas assistenciais, como o Bolsa Família, compõem a fonte de renda familiar mais significativa, juntamente com o benefício da aposentadoria.

Grupo 2 - "Extrativistas" Este grupo compreende 20 comunidades situadas em unidades de conservação, sendo 15 localizadas na Flona e cinco na Resex. Nestas áreas de conservação, a questão fundiária apresenta particularidades, haja vista que cada comunidade tem uma área destinada ao uso, onde o plantio é permitido e deve seguir critérios acordados na comunidade para a definição do lote de cada morador, com a aprovação do Ibama (BRASIL, 2007). Cada família da comunidade tem o direito de utilizar, para a agricultura, 1,25 ha em área de capoeira e 0,5 ha em área de floresta primária, onde os principais produtos cultivados são arroz, feijão, milho, mandioca e frutas. A mandioca é utilizada para produção da farinha, cujo excedente é vendido em Santarém, Itaituba e Aveiro. A pecuária, quando presente, é destinada ao consumo na própria comunidade, pois cada família pode ter, no máximo, 15 cabeças de gado (AMARAL et al., 2009), mas em geral possui menos. A caça, prática comum entre a população, é voltada para a subsistência.

A população varia de 20 a 612 pessoas, nas comunidades de Itapuama e Cametá, respectivamente, sendo que o programa Bolsa Família está presente em todas as comunidades e, em algumas, atende à maioria das famílias. Em certas comunidades, como Pini e Jamaraquá, oficinas do Projeto Oficina do Caboclo para produção sustentável de bens de consumo a partir de recursos florestais (Figura_4D), incentivadas por instituições governamentais e não governamentais.

A venda da produção destas oficinas para as cidades da região e para os turistas que visitam as comunidades auxilia na composição da renda das famílias. Embora algumas comunidades apresentem tamanho populacional considerável e tenham bares e mercearias, o abastecimento de mantimentos é feito em outras comunidades ou nas sedes de municípios.

Os serviços de saúde são supridos pela ação do barco Abaré (do Projeto Saúde & Alegria - PSA), que atende às comunidades que estão na Flona e na Resex, sendo que apenas três comunidades possuem posto de saúde. Em termos de saneamento, metade das comunidades tem acesso à água de poço artesiano ou encanada, melhor condição observada nas comunidades do Rio Tapajós. O lixo é queimado ou enterrado, o que caracteriza uma condição intermediária. As Figuras 4E e 4F ilustram os centros comunitários de Maguari, cuja população é de aproximadamente 315 pessoas, e Jamaraquá, com 190 habitantes.

Grupo 3 - "Produtores" Neste grupo estão inseridas 16 comunidades localizadas na porção sul do Rio Tapajós, no trecho entre Aveiro e Itaituba. Estas comunidades não estão inseridas em unidades de conservação, não são atendidas pelo Projeto Saúde & Alegria e possuem entre 98 habitantes, na comunidade de São Tomé, e 870, na de Santa Cruz.

Nestas comunidades a pecuária, diferentemente do grupo anterior, é bastante expressiva, com comunidades possuindo até 700 cabeças de gado, cuja criação é voltada para comercialização, geralmente para outras comunidades. Da mesma forma, a produção de castanha e a pesca também são expressivas, ocorrendo em todas as comunidades, não apenas para consumo, mas também para comércio com outras comunidades.

Por estarem localizadas próximas às comunidades bem estruturadas, como Fordlândia, Barreiras e Brasília Legal, e cidades, como Aveiro e Itaituba, e com acesso fácil, a população busca nestes núcleos complementaridade para os serviços de saúde, educação e comércio. Apenas uma comunidade tem posto de saúde, sete possuem escola de ensino fundamental segundo ciclo e quatro contam com Ensino de Jovens e Adultos (EJA).

O Programa Bolsa Família, presente em todas as comunidades, geralmente atende à maioria da população, e para o lixo predominam as piores condições de descarte: jogado a céu aberto, queimado ou enterrado. As Figuras 4G e 4H ilustram o aspecto geral das comunidades de Pedra Branca e Curitimbó, com população de 350 e 315 pessoas, respectivamente. A Figura_4I ilustra o centro comunitário de Apacê, antiga tribo indígena e com população de aproximadamente 600 pessoas.

Grupo 4 - "Organizados" Este grupo é composto por 16 comunidades, das quais metade está em unidades de conservação, com população entre 65 pessoas, em Paraná Pixuna, e 1.000 pessoas, em Boim. Estas comunidades foram fundadas entre 31 anos atrás, no caso da Ipiranga II, e 319 anos, no caso de Boim.

Todas as comunidades possuem escola de ensino infantil e apenas três não têm ensino fundamental de segundo ciclo. A merenda escolar cobre mais da metade do mês e o programa Bolsa Família está inserido em todas as comunidades, sendo que em quatro delas abrange o total da população. O EJA encontra-se presente em quatro comunidades.

O cultivo mais comum é a lavoura de mandioca, sendo que a farinha não é produzida em apenas uma comunidade. A pesca e a caça são expressivas e em algumas comunidades destinam-se, além do consumo, para a comercialização. A pecuária, ausente em apenas duas comunidades, é voltada para a subsistência e o comércio entre comunidades.

Em nenhuma comunidade o descarte do lixo é feito a céu aberto, predominando a melhor condição de destino final do lixo: a coleta e/ou o reaproveitamento. A energia elétrica está ausente em duas comunidades e todas as comunidades têm algum tipo de associação comunitária. A Figura_4 ilustra alguns aspectos relativos às comunidades inseridas neste grupo, como a escola de ensino fundamental de Suruacá (J), a área comunitária de Pinhel (K) e o aspecto de uma rua, com construções recentes, de Escrivão (L).

Grupo 5 - "Estruturados" As comunidades com melhor infraestrutura, notadamente Fordlândia, Brasília Legal, Barreiras e Piquiatuba, compõem este grupo. Por serem mais estruturadas e organizadas, estas comunidades constituem núcleos de referência para as demais localidades ribeirinhas. Porém, para serviços mais especializados e no contexto regional, elas perdem a atratividade para cidades como Itaituba e Santarém, que são centros regionais. São comunidades antigas, com idades entre 81 e 170 anos, e população entre 300 habitantes, em Piquiatuba, e 3.000, em Fordlândia.

Em termos de infraestrutura, todas as comunidades possuem a melhor condição de abastecimento de água, por poço artesiano ou encanamento, posto de saúde e escolas de ensinos infantil e fundamental até segundo ciclo. Igrejas católicas e evangélicas estão presentes em todas as comunidades, assim como associações comunitárias. O EJA está ausente apenas em Piquiatuba. As Figuras_4M, 4N e 4O representam o aspecto geral das comunidades de Brasília Legal, Barreiras e Piquiatuba, respectivamente, onde é possível observar uma ocupação mais consolidada quando comparadas às demais comunidades.

Em termos de uso da terra, a pecuária é bastante expressiva, principalmente em Fordlândia, Brasília Legal e Barreiras, onde o gado é produzido para corte.

Fordlândia e Barreiras possuem, de acordo com relatório técnico da Agência de Defesa Agropecuária do Pará (Adepará) de 2008, 12.000 e 14.000 cabeças de gado, respectivamente. Em Piquiatuba também gado, cerca de 100 cabeças, porém a produção é mais voltada para o consumo na própria comunidade. Os plantios mais comuns são a mandioca e o milho.

Apesar de a classificação hierárquica ter definido grupos de comunidades similares, é imprescindível a avaliação dos resultados tomando-se as informações de campo como referência e, eventualmente, realizando alguma correção. A única alteração necessária neste trabalho referiu-se às comunidades de Pindobal e Porto Novo, que são áreas de lazer e turismo e, por isso, apresentaram um número de estabelecimentos compatíveis com os registrados para o grupo 5. A variável mercado-bar-restaurante foi a que mais contribuiu para classificar este grupo. Contudo, para manter a coerência na hierarquia das comunidades, Pindobal e Porto Novo foram incluídas no grupo 4, uma vez que as variáveis associadas a educação, saúde e uso da terra descrevem uma condição diferente da observada para o grupo 5.

Discussão A partir da análise visual do resultado da espacialização das comunidades em clusters (Figura_3), alguns padrões espaciais podem ser identificados quanto à distribuição dos grupos no território. O grupo 2 (Extrativistas) concentra-se na porção setentrional da região, ao longo de ambas as margens do Rio Tapajós e nas UCs. As restrições de uso da terra impostas pela Flona e Resex, bem como pelas características dos habitantes, estão diretamente relacionadas com as variáveis que os definiram como extrativistas, refletindo esta concentração no território. O grupo 3 (Produtores) encontra-se disperso ao longo da porção central e meridional da área de estudo, externo às UCs e com algum acesso por malha viária. O acesso por terra (estradas) e o fato de estas comunidades não estarem em UC lhes conferem uma dinâmica mais intensa, associada principalmente à produção agropecuária, com possibilidade de comercialização de gado, e assim independentes da economia restrita à circulação pelo Rio Tapajós.

Os núcleos do grupo 4 (Organizados) estão dispersos ao longo de toda a região, porém mais concentrados na porção norte do Tapajós, sob a influência de Santarém. Alguns, como Boim, Pinhel e Escrivão, encontram-se neste grupo por terem sido historicamente importantes no desenvolvimento da região, desde o período da borracha, em que a rede de localidades tinha estrutura dendrítica.

Os grupos extremos 1 (Dependentes) e 5 (Estruturados) não apresentaram padrão espacial distinto, estando dispersos ao longo da área de estudo. No grupo 1 ressalta-se, ainda, certa dificuldade de acesso observada em campo, captada indiretamente pelas variáveis consideradas. O grupo 5 engloba núcleos que exercem função de centro local, sejam Barreiras e Fordlândia, considerados aglomerados rurais isolados, ou povoados segundo IBGE (2010), seja a comunidade de Piquiatuba na Flona, equipada inclusive com acesso à Internet livre para seus moradores.

Observou-se que, apesar de não densamente povoado, o arranjo das comunidades no Baixo Tapajós mostra a contribuição de núcleos de ocupação na visão expressa pelo termo floresta urbanizada, ainda que em um nível hierárquico basilar: foram estimados cerca 19.390 moradores, em 62 comunidades de diferentes condições quanto à infraestrutura e aos serviços disponíveis.

Do procedimento estatístico e da caracterização hierárquica obtida para as comunidades, pode-se inferir certa dependência entre algumas delas e a articulação direta com os principais centros urbanos, especialmente Santarém e, em menor intensidade, Itaituba. Pela abordagem apresentada e escala de análise, não temos argumentos suficientes para discutir a desarticulação da urbanização, como em Guedes et al. (2009). Ao contrário, o papel do acesso, ou seja, além da ligação fluvial pelo Rio Tapajós, a possibilidade de ligação por estradas influenciou indiretamente as variáveis utilizadas e condicionou a separação dos grupos, indicando que, nesta escala, a urbanização segue uma articulação em que muitos nós inferiores são ligados a poucos nós de níveis hierárquicos superiores, conforme observado por Pinho (2012) por meio das métricas de coesão e centralidade utilizadas para avaliar a estrutura das redes de saúde, educação, transporte e circulação de mercadorias do Tapajós.

A hierarquia obtida, relativizando-se pela simplicidade das variáveis, da análise e escala de detalhe, dialoga em parte com os resultados de Sathler et al. (2010) para as cidades amazônicas, ao considerar variáveis associadas às condições sociais e disponibilidade de serviços fundamentais para caracterizar a rede urbanizada na "microescala". A caracterização destes nós do Baixo Tapajós revela a estrutura em detalhe de um tecido urbanoparticular: nós que dependem diretamente da rede formal de cidades para abastecimento, recursos e serviços e que se ligam oportunamente aos nós vizinhos para acesso básico à educação e saúde. Os resultados também evidenciam a simplicidade-complexidade da tipologia urbana abordada por Schor e Oliveira (2011) e Moraes e Schor (2011), contudo, para discutir a articulação e dependência com propriedade, é necessário  quantificar fluxos entre as unidades de ocupação, o que não foi contemplado nesta etapa da pesquisa.

Sendo as comunidades ribeirinhas unidades espaciais de ocupação humana, extensão das relações socioespaciais pertinentes aos centros urbanos, que definem a estrutura básica do território, planejar intervenções, ou modalidades de políticas públicas segmentais, considerando grupos de comunidades de condições similares, será mais efetivo do que propostas universais para o Baixo Tapajós, ou baseadas em outra divisão política ou administrativa.

Nesse sentido, proporcionar infraestrutura e serviços para que todas as comunidades possam ser classificadas no grupo 5 (Estruturados) implicaria o crescimento populacional das localidades, o que não seria factível considerando-se a natureza de comunidades tradicionais e extrativistas de muitas delas. Contudo, algumas intervenções são chave para que as comunidades se aproximem das características do grupo 4 (Organizados): abastecimento de água de poços artesianos, que também melhoraria a condição de saúde dos habitantes; e provisão de energia elétrica, que aumentaria a capacidade produtiva e as atividades de educação (algumas escolas não têm ensino noturno de adultos pela falta de energia). Para o grupo 1 (Dependentes), além destas condições básicas, viabilizar atividades de geração de renda possibilitaria a manutenção destas populações. Pelo fato de estarem inseridas ou não em unidades de conservação, respectivamente, as comunidades do grupo 2 (Extrativistas) e do grupo 3 (Produtores), com o aporte de investimento e ações como as citadas acima, poderiam a longo prazo ser classificadas no grupo 4 (Organizados). O maior número de comunidades do grupo 3 (Extrativistas), na margem direita do Rio Tapajós, no limite da Flona, sugere que medidas mais específicas deveriam ser planejadas para estas comunidades, uma vez que sofrem mais restrição de uso dos recursos naturais do que aquelas da Resex.

Para que estas sugestões, genericamente propostas a partir da análise realizada, sejam efetivas, além da articulação das comunidades, o envolvimento e a integração entre os arranjos institucionais, incluindo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio, prefeituras municipais e sociedade civil devem estar em consonância para que haja melhoria das condições da população, manutenção das comunidades tradicionais e sustentabilidade dos recursos naturais no Baixo Tapajós.

Considerações finais Para a região amazônica, assumiu-se que o tecido urbano engloba diferentes tipologias espaciais de núcleos populacionais e que as comunidades ribeirinhas fazem parte da rede urbanizada que se pretendeu descrever, constituindo um dos tipos de nós das relações no nível mais básico e local. Estas comunidades representam núcleos populacionais tradicionais com forte ligação com a rede de rios, os quais conferem conectividade e mobilidade para suas populações, desenvolvendo relações específicas destes locais.

Retomando-se as questões colocadas na introdução, os resultados mostraram que, apesar de as condições das comunidades quanto a infraestrutura, acesso a serviços e equipamentos urbanos e uso da terra serem similares no Baixo Tapajós, estas características não são homogêneas para todas as comunidades. A utilização de técnicas estatísticas multivariadas para análise dos dados coletados em campo mostrou-se adequada para a definição de grupos com características intraurbanas semelhantes. De modo geral, da análise estatística emergiram padrões que foram observados em campo, validando a metodologia classificatória. Foram necessárias de 8 a 11 variáveis para particularizar os cinco grupos de comunidades obtidos, que sugerem uma hierarquia quanto às condições de infraestrutura, ao acesso a serviços e equipamentos urbanos e ao uso da terra. Entre as condições extremas de comunidades "dependentes" e "estruturadas", foram particularizados outros três grupos intermediários, de difícil percepção empírica no campo. Não foi possível indicar uma variável única para descriminar os grupos, sendo necessário um conjunto de variáveis descritoras, particular para cada grupo.

Destaca-se que as comunidades apresentam características muito semelhantes, com infraestrutura e serviços de saúde e educação bastante limitados, o que as torna, mesmo quando mais bem organizadas e equipadas, dependentes de núcleos populacionais maiores. A inclusão de outras variáveis quantitativas, indisponíveis a partir do levantamento de campo realizado, aumentaria potencialmente a diferenciação das comunidades e a definição de grupos distintos. Outras técnicas de agrupamento, como cluster de lógica nebulosa, poderiam ser exploradas para melhorar a descrição da heterogeneidade entre comunidades, assim como os modelos de classes latente, o método GoM e algoritmos fuzzy de médias. Porém, esta abordagem está além da análise exploratória inicial proposta no escopo deste trabalho.

Observou-se também que as comunidades inseridas em unidades de conservação, em geral, apresentam situação diferenciada das outras, o que pode ser atribuído à presença de ONGs e à implementação de políticas públicas específicas nestas áreas. Não houve distinção das comunidades quanto ao posicionamento nas margens do Rio Tapajós. Ressalta-se que a participação do Estado por meio, por exemplo, dos programas de transferência de renda é extremamente importante para toda a área, haja vista a dificuldade de as comunidades se autossustentarem sem estes auxílios.

A tipologia apresentada contribui para a caracterização das comunidades ribeirinhas do Baixo Tapajós, a partir da qual o planejamento e a proposição de medidas que permitiriam a melhoria das condições destas populações seriam mais eficientes. Em vez de uma única estratégia de gestão para as comunidades ribeirinhas, seria possível elencar prioridades para os diferentes grupos, otimizando a gestão destas áreas. Políticas territoriais horizontalizadas não dão conta de equacionar os problemas em um território onde as comunidades possuem organização heterogênea.

A metodologia adotada para definir a tipologia das comunidades ribeirinhas do Baixo Tapajós pode ser aplicada para outras áreas na Amazônia, com dinâmicas diferentes e com um conjunto de variáveis semelhantes ou não, mas que contemplem os mesmos aspectos. Contudo, seria necessário observar os condicionantes locais e particulares que possibilitem a distinção entre comunidades.

Por fim, mas não menos importante, o experimento com as comunidades do Baixo Tapajós mostra como o estudo deste arranjo de comunidades ribeirinhas auxilia a construir evidências de base empírica para uma perspectiva que exige maior reflexão criativa e crítica sobre o fenômeno urbanona Amazônia contemporânea.

Os resultados, ainda que restritos, apontam para uma reorganização e reestruturação das funções que até então eram tidas típicas do campo ou da cidade. Desse modo, a cidade e o campo, e por sua vez o rural e o urbano, ganham novos contornos, conduzindo a maiores indefinições e mais desafios para a definição dos contornos normativos, geográficos e teóricos dessas categorias.


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