Os efeitos do alfabetismo funcional sobre a empregabilidade dos trabalhadores
brasileiros
Introdução
De acordo com a pesquisa Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), em 2007 a
taxa de analfabetismo (quando a pessoa não sabe ler e escrever) correspondia a
7,64% no Brasil.
1
Esse indicador, porém, não é homogêneo entre as regiões brasileiras. O
Nordeste possui os Estados com as maiores taxas de analfabetismo no país, sendo
que em todos os Estados dessa região os valores encontram-se acima da média
nacional. No Piauí, Ceará, Pernambuco e Alagoas, praticamente, um em cada cinco
habitantes era analfabeto, segundo a pesquisa.
As taxas de analfabetismo funcional - quando a pessoa é considerada incapaz de
utilizar a leitura, a escrita e suas habilidades matemáticas para fazer frente
às demandas de seu contexto social - são ainda maiores (INSTITUTO PAULO
MONTENEGRO, 2006). A mesma pesquisa reporta uma taxa de 34,27% de pessoas que
eram analfabetas funcionais ou possuíam um nível de habilidade funcional
considerado rudimentar.
O analfabetismo funcional é uma medida de como os conhecimentos básicos
aprendidos nos primeiros anos de escolaridade são transformados em habilidades
necessárias para a realização de atividades cotidianas, como ler as instruções
de uso de um medicamento, entender as leis de trânsito, ou ainda saber calcular
os juros de um pagamento parcelado. O analfabeto funcional sabe ler e escrever,
mas possui limitações em certas habilidades requeridas em tarefas remuneradas.
A simples atividade de ler, compreender e executar, corretamente, as instruções
delegadas por um superior requer o uso de capacidades funcionais. Essas
habilidades são fundamentais para a empregabilidade dos indivíduos,
principalmente para aqueles que possuem baixos níveis de escolaridade (medido
em anos de estudo ou em número de séries completadas).
Este trabalho utiliza o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) para
investigar a relação entre analfabetismo funcional e empregabilidade dos
trabalhadores brasileiros. O Inaf é resultado de uma pesquisa conduzida pelo
Ibope, em apoio à ação social realizada pelo Instituto Paulo Montenegro, e foi
feita de 2001 a 2005 e novamente em 2007, quando passou a ser bianual.
De acordo com a metodologia da pesquisa (INSTITUTO PAULO MONTENEGRO, 2007), o
alfabetismo funcional é dividido em quatro níveis: analfabeto, rudimentar,
básico e pleno. O indicador mensura os níveis de alfabetismo funcional da
população brasileira entre 15 e 64 anos de idade, englobando residentes em
zonas urbanas e rurais de todas as regiões do Brasil. Em entrevistas
domiciliares, foram aplicados questionários e testes práticos que mensuram a
capacidade de leitura e os cálculos matemáticos básicos, sempre aplicados a um
contexto social. Em média, 37,28% dos homens são classificados como analfabetos
ou em nível rudimentar, enquanto as mulheres pertencentes a esse grupo
correspondem a 36,97% do total.
Com o objetivo de entender como o nível de alfabetismo funcional afeta a
probabilidade de uma pessoa estar ou não empregada, foi elaborado um modelo
econométrico do tipo probit, no qual a variável dependente é igual a um, se o
indivíduo está empregado, e igual a zero, caso ele esteja desempregado. As
variáveis independentes buscam medir os efeitos das características individuais
(sexo, cor e idade), do nível de escolaridade do indivíduo e dos pais e da
medida de alfabetismo funcional, calculado pelo Inaf. Essa abordagem é
importante para diferenciar o efeito puro do aumento da escolaridade sobre a
empregabilidade, dissociando as medidas tradicionais de habilidades cognitivas
das habilidades funcionais. Foram incluídas também variáveis que buscam
mensurar as características regionais e conjunturais de cada mercado de
trabalho, fundamentais para a determinação do emprego. As variáveis incluem o
ano da pesquisa, o Estado de residência do entrevistado e as características da
cidade. O objetivo é medir o efeito do Inaf, uma vez controladas as demais
características da pessoa e do ambiente em que ela se encontra.
No sentido de evidenciar diferenças entre os mercados de trabalho para homens e
mulheres, o modelo foi estimado em três especificações distintas, permitindo
que o efeito do Inaf fosse diferente entre os sexos. Atentar para esta
possibilidade é importante, pois muitas vezes homens e mulheres possuem
escolhas diferentes em termos de setores e funções ao entrarem no mercado de
trabalho. Além disso, foram testados dois modelos diferentes para cada
especificação: um utilizando o score bruto (em números), obtido pelo indivíduo;
e outro empregando variáveis binárias para cada uma das categorias (analfabeto,
rudimentar, básico e pleno).
Os resultados das estimativas mostram que o score Inaf tem impacto positivo
sobre a empregabilidade, mesmo após ter sido controlado para diversas
características individuais. Em média, o efeito marginal do aumento de um
desvio-padrão (aproximadamente 30 pontos) no score Inaf eleva em 2 pontos
percentuais a probabilidade de se estar empregado. Os resultados também indicam
que o impacto de uma melhor pontuação obtida no score Inaf é maior (e
significativo) entre as mulheres. O efeito marginal do aumento de um desvio-
padrão no score Inaf eleva em aproximadamente 6 p.p. a probabilidade de a
mulher estar empregada. Este resultado pode indicar que as mulheres com maiores
níveis de habilidades funcionais possuem mais chances de estarem empregadas,
possivelmente em virtude dos segmentos de trabalho em que atuam, os quais
costumam requerer, por exemplo, maior interação entre os profissionais e os
clientes (serviços).
A teoria econômica e a evidência empírica ensinam que o aumento da escolaridade
eleva a probabilidade de o trabalhador estar empregado. Entretanto, para baixos
níveis de escolaridade, a capacidade de o indivíduo transformar sua
escolaridade (medida em anos de estudo) em produtividade depende da
funcionalidade do seu conhecimento. É possível, por exemplo, que dois
indivíduos que possuam apenas a quarta série primária tenham diferentes níveis
de alfabetismo funcional.
Para investigar esta possibilidade, reduziu-se a amostra para apenas aqueles
indivíduos (homens e mulheres) com escolaridade até o ensino fundamental
completo.2 O objetivo foi verificar se o efeito marginal do alfabetismo
funcional sobre a empregabilidade era maior entre os menores níveis de
escolaridade. Os resultados mostram que, uma vez controladas as características
individuais e regionais, o aumento de um desvio-padrão no score Inaf eleva em
aproximadamente 4 p.p. a probabilidade de uma mulher que possui nível de
escolaridade menor ou igual ao ensino fundamental completo estar empregada.
Esse resultado é de magnitude similar, porém um pouco menor, ao encontrado para
a amostra com todos os níveis de escolaridade. Portanto, os efeitos das
habilidades funcionais não parecem ser maiores entre aqueles de escolaridade
inferior, como se imaginava inicialmente.
Por fim, buscando entender mais detalhadamente a relação entre atividades e o
efeito do alfabetismo funcional sobre as mulheres, foram testadas novamente as
especificações iniciais, mas em três amostras distintas: uma com apenas
indivíduos que trabalham no setor de prestação de serviços; outra com aqueles
alocados na indústria de transformação; e a terceira com os indivíduos do setor
comercial. A ideia é verificar se existem requerimentos funcionais que são mais
demandados em um setor do que em outro.
Enquanto os resultados não são significantes estatisticamente nos setores de
prestação de serviços (em que se encontram muitos profissionais liberais) e na
indústria (cujo trabalho envolve muitas atividades repetitivas e de rotina), o
efeito marginal do aumento de um desvio-padrão na nota do Inaf eleva em
aproximadamente 4 p.p. a probabilidade de um indivíduo estar empregado no
comércio. Esse setor caracteriza-se pela maior interação entre os profissionais
e os clientes, o que demanda habilidades funcionais que, muitas vezes, não são
capturadas por meio das estatísticas usuais de escolaridade (nível e/ou anos de
estudo).
Este trabalho busca iniciar um debate sobre a empregabilidade dos trabalhadores
brasileiros, em uma época de baixas taxas de desemprego, com especial foco nas
habilidades funcionais requeridas no mercado de trabalho. Deste modo, procura
ser um primeiro passo em uma discussão que possivelmente pode contribuir para a
compreensão atual da dinâmica da produtividade dos trabalhadores brasileiros.
Habilidades, educação e alfabetismo funcional
Os efeitos das diferentes habilidades adquiridas por trabalhadores, ao longo de
suas carreiras, em seus salários e empregabilidade constituem tópico recorrente
na literatura de capital humano (BOISSIRE; KNIGHT; SABOT, 1985; BECKER, 1993;
MURNANE, 1995; HECKMAN, 1999; CARNEIRO; HECKMAN, 2003). Uma habilidade
fundamental para a empregabilidade dos trabalhadores é a capacidade de
transformar sua educação formal (anos de estudo ou séries completadas) em uma
capacidade funcional. Nos níveis mais básicos, essa capacidade, ou habilidade,
é denominada alfabetismo funcional. Ou seja, a capacidade de ler e fazer
cálculos matemáticos básicos dentro de um contexto social e de trabalho.
Um exemplo prático desse tipo de habilidade foi estudado por Cathery-Goulart et
al. (2009). Os autores avaliaram a habilidade de leitura e compreensão de
materiais da área da saúde segundo escolaridade e idade. O método consiste em
fornecer materiais, como frascos de medicamentos e cartões de agendamento de
consultas, para que os indivíduos pesquisados sejam avaliados em suas
capacidades de compreensão de texto e conceitos numéricos. Os autores
utilizaram testes de correlação parcial e de Pearson e um modelo de regressão
múltipla, para verificar a associação entre os scores obtidos pelos indivíduos
e sua escolaridade e idade. Cerca de 32% da amostra mostrou déficits de
alfabetização funcional. Entre os idosos (65 anos ou mais), essa taxa atingiu
51,6%. Os autores também encontraram uma correlação positiva entre anos de
estudo e scores obtidos. Porém, a correlação entre scores e idade não foi
significante, quando os efeitos da escolaridade foram controlados.
O estudo citado é um exemplo importante de como o alfabetismo funcional se
relaciona com o nível de escolaridade. Entretanto, certas habilidades
funcionais não são precisamente medidas pelo nível de escolaridade e afetam a
empregabilidade dos indivíduos. Em geral, os estudos focam na relação entre
alfabetismo funcional e salários. A literatura investigando os efeitos do
alfabetismo funcional na empregabilidade dos trabalhadores é relativamente
esparsa.3
Blunch e Verner (2000) analisaram a relação entre alfabetismo funcional e
rendimentos dos trabalhadores em Gana. O estudo utilizou o Ghana Linving
Standards Survey e o Core Welfare Indicators Questionnaire. Os autores
estimaram a regressão de rendimentos em um modelo controlando por seleção por
meio do método de mínimos quadrados, em dois estágios (Heckman 2-Step), e
controlaram para o nível educacional do indivíduo (anos de estudo), as
características individuais e as regionais. Após controlar para a autosseleção
usando o estado civil (casado ou solteiro) dos indivíduos, os autores não
encontraram uma relação estatisticamente significativa entre o nível de
alfabetismo funcional e os rendimentos dos trabalhadores naquele país.
Entretanto, no primeiro estágio da regressão, os autores verificaram uma
relação positiva e significativa no resultado do teste de alfabetismo funcional
aplicado aos pesquisados. Ou seja, os resultados apontam que o nível de
alfabetismo funcional não afeta os rendimentos, mas afeta a participação do
trabalhador no mercado de trabalho.
Azevedo et al. (2007) investigaram os efeitos do alfabetismo funcional sobre a
empregabilidade dos trabalhadores, utilizando dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD), da Pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV) e da
Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS). As estimativas foram obtidas
por meio do método de mínimos quadrados ordinários e os resultados mostram que
os efeitos agregados são significativos e positivos. Em particular, o estudo
revela que a alfabetização tem um impacto positivo sobre a educação dos filhos
e o acesso a postos de trabalho.
Recentemente, Ponczek e Rocha (2011), a partir dos dados da Pesquisa Mensal de
Emprego (PME), do IBGE, investigaram as relações entre o rendimento e a
empregabilidade dos trabalhadores brasileiros com seus níveis de alfabetismo
funcional. Os autores estimaram um modelo de probabilidade linear para calcular
os efeitos do alfabetismo funcional sobre a empregabilidade dos trabalhadores,
controlando para características individuais, características regionais, efeito
fixo para o mês e ano da pesquisa e escolaridade do pesquisado. O resultado,
porém, não se mostrou estatisticamente significativo. Os autores apontam que
homens mais velhos, brancos e mais educados possuem maior probabilidade de
estarem empregados.
Este artigo busca complementar os trabalhos desenvolvidos recentemente,
explorando o indicador Inaf, que ainda não foi utilizado com este propósito,
empregando um modelo probit. Enquanto os trabalhos anteriores focavam no efeito
do alfabetismo funcional sobre a renda, o presente estudo procura complementar
o de Azevedo et al. (2007) e foca na empregabilidade, agregando uma discussão
sobre o diferente efeito do alfabetismo funcional sobre as mulheres e de acordo
com o setor. Os dados utilizados vão de 2001 até 2007, período similar ao de
Ponczek e Rocha (2011), porém neste trabalho é utilizada a pesquisa Inaf, cuja
amostra cobre o país inteiro, enquanto a PME contém dados de apenas seis
cidades (Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto
Alegre).
Metodologia
Com o objetivo de entender como o nível de alfabetismo funcional afeta a
probabilidade de uma pessoa estar ou não empregada, foi elaborado um modelo de
escolha binária, assumindo-se que o termo de erro possui distribuição normal
(probit) (GREENE, 2008). A variável dependente é uma dummy, que é igual a 1, se
o indivíduo está empregado, e igual a zero, caso contrário. A amostra foi
separada entre indivíduos empregados e não empregados (todos os demais). Muitos
trabalhos referem-se a estes grupos como ocupados e desocupados. Preferimos não
usar esta nomenclatura, pois entre os não empregados encontram-se, por exemplo,
mulheres que possuem a ocupação de "dona de casa" e também os estudantes, o que
para muitos constitui uma ocupação (apesar de não ser formalmente definida como
participação no mercado de trabalho).
O modelo probit consiste em estimar a probabilidade de ocorrer um fato,
condicional às características definidas como variáveis independentes, as quais
incluem: ano da pesquisa; Estado de residência do entrevistado; características
da cidade; características individuais (cor e idade); nível de escolaridade;
nível de escolaridade dos pais; e score Inaf do indivíduo. É importante
ressaltar uma hipótese que está subjacente à estimação deste modelo. Estamos
assumindo que o alfabetismo funcional do indivíduo é uma medida exógena, ou
seja, é tomada como dada, quando do momento da decisão da entrada no mercado de
trabalho e busca por um emprego.4
As variáveis relativas ao ano da pesquisa buscam captar o fator temporal, ou
seja, os efeitos de variações na taxa de emprego da economia como um todo sobre
a probabilidade de o entrevistado estar empregado. A variável dummy, que capta
as diferenças entre os Estados, procura corrigir as diferenças entre os
mercados de trabalho das diferentes regiões do país. As características da
cidade foram incluídas para controlar para os efeitos locais sobre a chance de
o entrevistado estar empregado.5 As características individuais buscam captar
as diferenças entre os entrevistados e os padrões dos mercados de trabalho já
explorados na literatura, como as diferenças de empregabilidade entre sexos,
cores e faixas etárias, por exemplo. Também foram incluídas dummies para
capturar o efeito da escolaridade dos pais sobre a empregabilidade dos
indivíduos, como forma de conseguir alguma heterogeneidade no nível de
habilidade inicial (de origem genética ou de renda) dos indivíduos.
Três especificações do modelo foram estimadas: a primeira contém apenas
características individuais; a segunda engloba as características regionais; e
a terceira inclui uma interação entre a dummy de sexo e o score Inaf. O
objetivo é verificar se o efeito marginal do score Inaf é diferente entre
homens e mulheres, uma vez que a literatura de capital humano indica que o
acúmulo de habilidades pode se dar de forma diferente entre homens e mulheres.6
Para cada uma das três especificações, foram testados dois modelos: um
utilizando o score Inaf como variável independente; e outro com dummies que
indicam a classificação do indivíduo (analfabeto, rudimentar, básico e pleno),
tomando-se como base o nível analfabeto.
Além disso, buscou-se testar a hipótese de que o efeito do ganho de habilidades
funcionais é maior entre os indivíduos de menor escolaridade. Para tanto, com o
objetivo de não saturar o modelo com diversas interações entre dummies de
escolaridade e resultado do score Inaf, optou-se por reduzir a amostra para
apenas aqueles indivíduos que possuem escolaridade menor ou igual ao ensino
fundamental completo.
Em uma investigação final, buscou-se mensurar o efeito do alfabetismo funcional
em três setores distintos: prestação de serviços; indústria de transformação; e
comércio. O objetivo é investigar se esses setores requerem diferentes níveis
de alfabetismo funcional e se os efeitos sobre a empregabilidade são distintos
para homens e mulheres nesses setores, já que o primeiro possui mais mulheres
empregadas, o segundo é majoritariamente formado por homens e o terceiro
apresenta um equilíbrio entre ocupações femininas e masculinas.
Descrição da base de dados
Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf)
A definição de amostras, a coleta de dados e seu processamento foram feitos
pelo Ibope, em apoio à ação social realizada pelo Instituto Paulo Montenegro.
Criado em 2001, o Inaf investiga a capacidade de leitura, escrita e cálculo da
população brasileira adulta. Entre 2001 e 2005, o Inaf foi divulgado
anualmente, alternando as habilidades pesquisadas. Assim, em 2001, 2003 e 2005,
foram medidas as habilidades de leitura e escrita (letramento); e, em 2002 e
2004, as habilidades de matemática (numeramento). A partir de 2007, a pesquisa
passou a ser bienal, trazendo, simultaneamente, as habilidades de letramento e
numeramento e mantendo a análise da evolução dos índices a cada dois anos.7
Entretanto, para poder analisar o alfabetismo funcional ao longo do tempo, o
Instituto Paulo Montenegro buscou um método para tornar possível essa
comparação. Então, foi criado o Indicador Geral do Alfabetismo Funcional. O
indicador foi elaborado a partir de uma análise das dimensões associadas aos
itens de cada um dos testes - língua portuguesa e matemática -, derivando-se
uma única dimensão. Para as habilidades medidas no Inaf, não há uma distinção
muito expressiva entre os conhecimentos em língua portuguesa e matemática.
Logo, foi possível produzir uma única escala de competências que tornasse a
medida comparável ao longo do tempo.8
O indicador mensura os níveis de alfabetismo funcional da população brasileira
de 15 a 64 anos de idade, englobando residentes em zonas urbanas e rurais de
todas as regiões do Brasil, quer estejam estudando ou não. Em entrevistas
domiciliares, são aplicados questionários e testes práticos. O intervalo de
confiança estimado é de 95% e a margem de erro máxima estimada é de 2,2 pontos
percentuais para mais ou para menos, sobre os resultados encontrados no total
da amostra.9
A definição de analfabetismo vem, ao longo das últimas décadas, sofrendo
revisões significativas, como reflexo das próprias mudanças sociais. Em 1958, a
Unesco definia como alfabetizada uma pessoa capaz de ler e escrever um
enunciado simples; algo relacionado à sua vida diária. Vinte anos depois, a
Unesco sugeriu a adoção dos conceitos de analfabetismo e alfabetismo funcional
(INSTITUTO PAULO MONTENEGRO, 2007). Portanto, é considerada alfabetizada
funcionalmente "A pessoa capaz de utilizar a leitura, a escrita e as
habilidades matemáticas para fazer frente às demandas de seu contexto social e
utilizá-las para continuar aprendendo e se desenvolvendo ao longo da vida"
(INSTITUTO PAULO MONENEGRO, 2007, p. 1).
De acordo com a metodologia da pesquisa (INSTITUTO PAULO MONTENEGRO, 2006,
2007), os níveis de alfabetismo funcional são divididos em quatro:
•analfabeto - corresponde à condição dos que não conseguem realizar
tarefas simples, que envolvem a leitura de palavras e frases, ainda
que uma parcela destes consiga ler números familiares (número de
telefone, preços, etc.);
•rudimentar - compreende a capacidade de localizar uma informação
explícita em textos curtos e familiares (como um anúncio ou pequena
carta), ler e escrever números usuais e realizar operações simples,
como manusear dinheiro para o pagamento de pequenas quantias ou fazer
medidas de comprimento usando a fita métrica;
•básico - as pessoas classificadas nesse nível podem ser consideradas
funcionalmente alfabetizadas, pois já leem e compreendem textos de
média extensão, localizam informações, mesmo que seja necessário
realizar pequenas inferências, leem números na casa dos milhões,
resolvem problemas envolvendo uma sequência simples de operação e têm
noção de proporcionalidade. No entanto, essas pessoas mostram
limitações quando as operações requeridas envolvem maior número de
elementos, etapas ou relações;
•pleno - classificadas nesse nível estão as pessoas cujas habilidades
não mais impõem restrições para compreender e interpretar textos em
situações usuais: leem textos mais longos, analisando e relacionando
suas partes; comparam e avaliam informações; distinguem fato de
opinião; realizam inferências e sínteses. Quanto à matemática, elas
resolvem problemas que exigem maior planejamento e controle,
envolvendo percentuais, proporções e cálculo de área, além de
interpretar tabelas de dupla entrada, mapas e gráficos.
O score Inaf é calculado com base em uma escala, criada pelo Instituto Paulo
Montenegro (2007), que utilizou as respostas dos testes aplicados e a Teoria da
Resposta ao Item (TRI) como metodologia estatística para que fossem analisadas
as notas ao longo do tempo. A TRI consiste em modelos teóricos que representam
o comportamento da resposta atribuída a cada uma das questões, como uma função
habilidade do indivíduo. Calculado dessa forma, o score Inaf resume as
habilidades funcionais do indivíduo e permite a comparação entre indivíduos de
amostras de períodos diferentes.10
Variáveis individuais e regionais
Além das medidas de proficiência (score Inaf e categoria), a base de dados
também fornece características geográficas e socioeconômicas dos indivíduos. As
características regionais buscam captar os efeitos das variações conjunturais e
macroeconômicas de cada mercado de trabalho, uma vez que a empregabilidade não
depende apenas dos aspectos individuais. Já a introdução das características
socioeconômicas visa captar as diferenças de empregabilidade entre sexos, cores
e faixas etárias, assim como alguma heterogeneidade no nível de habilidade
inicial (de origem genética ou de renda) dos indivíduos. Neste estudo, foram
utilizados os seguintes conjuntos de variáveis:
•ano - ano de realização do teste de proficiência. Para cada ano, foi
criada uma variável dummy com o ano base definido como o de 2007;
•Estado - unidade da federação onde o indivíduo se encontrava no
momento da realização do teste. Para cada Estado, foi criada uma
variável dummy, que é igual a 1, se o indivíduo se encontrava naquele
Estado. O Espírito Santo foi utilizado como Estado base;
•cidade - contém características da cidade onde o entrevistado
residia no ano da pesquisa. Foram criadas dummies para cada situação
da cidade (capital, interior ou periferia), utilizando como base a
capital. Foi considerado também o Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH), variável contínua, no intervalo de 0 a 1. Adicionalmente,
foram criadas variáveis dummies para o tamanho da população, em cada
faixa definida na pesquisa (até 20 mil habitantes, 20 mil a 100 mil
habitantes e mais de 100 mil habitantes), e foi usada como base a
categoria "mais de 100 mil habitantes". Finalmente, foi criada uma
dummy de localização da cidade (rural e urbana) e usada como base a
urbana. O objetivo é caracterizar os diferentes mercados de trabalho
locais e demandas por habilidades;
•características individuais - foram utilizadas as seguintes
características: idade discreta, no intervalo de 15 a 64 anos; sexo,
sendo criada uma dummy (masculino e feminino), tendo como base o sexo
masculino; e cor (branca, parda, preta, amarela, vermelha e outra),
sendo criadas variáveis dummies para cada cor e usada como base a cor
branca;
•escolaridade - para identificar a escolaridade do indivíduo
entrevistado, foram estabelecidas dez categorias (analfabeto, sabe
ler, mas não frequentou a escola, primário incompleto, primário
completo, ginásio incompleto, ginásio completo, colegial incompleto,
colegial completo, superior incompleto e superior completo). Foram
criadas variáveis dummies para cada categoria e usada como base a
categoria superior completo;
•escolaridade dos pais - para identificar as habilidades hereditárias
ou nível de alfabetismo funcional durante a infância, foi usada a
escolaridade do pai e da mãe. Cada uma tem oito categorias (nenhuma,
até a 4ª série, fundamental incompleto, fundamental completo, médio
incompleto, médio completo, superior incompleto e superior completo).
Em ambos os casos, foram criadas dummies usando como base o nível
superior completo.
Estatísticas descritivas
A amostra engloba 12.006 pessoas, das quais 6.162 (51,3%) são do sexo feminino
e 5.844 (48,7%) do masculino. A porcentagem de homens e mulheres em cada nível
de classificação de alfabetismo funcional se mantém praticamente em 50% para
cada sexo. Nota-se também que apenas 8% dos entrevistados pela pesquisa, em
todos os anos, são considerados analfabetos funcionais. As diferenças entre
homens e mulheres também apontam para uma semelhança estatística entre os dois
grupos: em média, 36,97% das mulheres e 37,28% dos homens são classificados
como analfabetos ou em nível rudimentar.
A amostra é constituída, principalmente, de indivíduos que vivem no meio urbano
(84,2%). Os dados mostram que, na área rural, existe uma maior concentração de
indivíduos classificados nos níveis analfabeto e rudimentar. Do total da
amostra, entre aqueles que estão no nível analfabeto, 66,8% encontram-se no
setor urbano e 33,2% no rural, para os de nível rudimentar, 79,5% estão no
urbano e 20,5% no rural, para os de nível básico, essas proporções correspondem
a 86% e 14%, respectivamente, e, para os de nível pleno, 92,1% pertencem ao
urbano e 7,9% ao rural.
A Tabela_1 apresenta a distribuição dos indivíduos entrevistados, segundo nível
de escolaridade e sexo. Os dados mostram a tendência de aumento da escolaridade
em ambos os sexos. Em 2001, 46,5% dos homens possuíam, no máximo, o primário
completo, enquanto 41,5% das mulheres estavam nessa situação. Já em 2007,
apenas 33% das mulheres e 35,7% dos homens estavam classificados nesse grupo. O
nível de escolaridade é uma variável importante neste estudo, pois se deseja
investigar a relação entre o nível de alfabetismo, medido pelo Inaf, e a
probabilidade de estar empregado, uma vez controlada pelo nível de
escolaridade.
![](/img/revistas/rbepop/v31n1/02t01.jpg)
É importante ressaltar que a escolaridade e o desempenho no exame de
alfabetismo funcional são positivamente correlacionados. Indivíduos com maior
escolaridade obtiveram maiores notas, medidas pelo score Inaf. O Gráfico_1
mostra os histogramas da variável score Inaf para quatro faixas de escolaridade
selecionadas.
[/img/revistas/rbepop/v31n1/02g01.jpg]
De acordo com os histogramas, observa-se que a distribuição de resultados
torna-se mais semelhante a uma distribuição normal e possui uma média mais
elevada, à medida que o nível de escolaridade aumenta. Para o total da amostra,
o score Inaf possui média 101,6, no período estudado. Porém, para os indivíduos
classificados como analfabetos, o score Inaf médio é de 41,1 e, para os com
nível superior completo, chega a 136,6. Desse modo, ao ser analisado o efeito
do alfabetismo funcional sobre a empregabilidade, deve-se levar em conta o
nível educacional. É possível que os ganhos de habilidades funcionais sejam
importantes para a empregabilidade apenas para os níveis mais baixos de
escolaridade.
Entre as características individuais, foram utilizadas também a idade e a cor
do indivíduo. Os mais jovens apresentaram menor nível de alfabetismo funcional.
Na faixa de 15 a 20 anos, 21% das pessoas estavam nas classificações analfabeto
ou rudimentar. Já para aquelas com idade entre 31 e 40 anos, essa porcentagem
correspondeu a 37,6%, evidenciando as diferenças de habilidades funcionais
entre as gerações que compõem a amostra.
Os dados apontam que os brancos e amarelos têm uma classificação do Inaf mais
alta do que os indivíduos de outras cores. Entre os primeiros, menos de 7% dos
indivíduos eram analfabetos, enquanto para os indígenas e os que se declaram
pretos/negros esse percentual superava 10%. Tal resultado aponta para uma
heterogeneidade de alfabetismo funcional entre os indivíduos de cores
diferentes. Essa estatística é importante, pois pode se refletir no mercado de
trabalho e, portanto, na probabilidade de o indivíduo estar empregado.
Analisando os dados de empregabilidade dos pesquisados, nota-se que, em média,
78,6% dos homens e 52,4% das mulheres encontravam-se empregados. Destaca-se a
relação negativa entre a classificação do Inaf e a proporção de empregados
entre os homens nos primeiros anos da pesquisa. Em 2001, enquanto 86,2% dos
homens analfabetos estavam empregados, apenas 72,8% dos homens com nível de
alfabetismo funcional considerado pleno encontravam-se nessa situação. Essa
relação se inverte com o passar do tempo e, em 2007, a taxa de emprego era de
77,6% entre os analfabetos e de 80,7% entre os de nível pleno.
Já para as mulheres, a relação positiva entre classificação Inaf e
empregabilidade acontece ao longo de todos os anos. Em 2007, por exemplo,
67,59% das mulheres com nível pleno de alfabetismo estavam empregadas, enquanto
apenas 43,01% das consideradas analfabetas possuíam emprego.
No total da amostra, a proporção de empregados mostrou-se crescente em relação
à classificação Inaf: quanto maior a classificação, maior é a proporção de
empregados, principalmente nos últimos quatro anos da pesquisa. Observam-se
duas tendências importantes. A primeira é o aumento da relação entre
classificação Inaf e empregabilidade ao longo do tempo, que pode estar
refletindo uma elevação na oferta de empregos que demandam habilidades
funcionais. Esse fenômeno pode estar relacionado com o crescimento da
participação do setor de serviços na economia brasileira nos últimos anos, vis-
à-vis o setor industrial.
Além disso, esse fenômeno é mais acentuado para as mulheres. Em 2001, a
diferença entre a porcentagem de mulheres empregadas que possuíam nível pleno e
daquelas com nível rudimentar de alfabetismo funcional era 12,3%. Já em 2007,
essa diferença correspondia a 22,2%. Se, de fato, a economia brasileira está
passando por uma mudança produtiva do setor industrial para o setor de
serviços, o aumento no emprego deve se refletir mais entre as mulheres, já que
elas são maioria no setor de serviços (59% do total) e atividades sociais
(69,5%).
Portanto, a análise sugere a necessidade de se estudar também o impacto das
habilidades funcionais sobre a empregabilidade, permitindo efeitos diferentes
para homens e mulheres, bem como entre setores distintos.
Resultados
A primeira especificação contém apenas características individuais (coluna 1),
a segunda inclui as características regionais (coluna 2) e a terceira engloba
uma interação entre a dummy de sexo e o score Inaf (coluna 3). Os resultados
apresentados na Tabela_2 mostram que o score Inaf tem um impacto positivo sobre
a empregabilidade mesmo após ter-se controlado para diversas características
individuais, incluindo-se o nível de escolaridade do indivíduo e as
características dos mercados de trabalho locais (colunas 1, 2 e 3,
respectivamente).
Em média, o efeito marginal11 do aumento de um desvio-padrão (aproximadamente
30 pontos) no Score Inaf eleva em 2 p.p. a probabilidade de se estar empregado.
Os resultados também indicam que o impacto de uma melhor pontuação obtida no
score Inaf é maior (e significativo) entre as mulheres, uma vez controladas as
demais características. Em particular, o efeito marginal do aumento de um
desvio-padrão no score Inaf eleva em aproximadamente 6% a probabilidade de a
mulher estar empregada. Já entre os homens, o efeito é pouco significativo
estatisticamente e atua, inclusive, na direção contrária. O aumento de um
desvio-padrão no score Inaf reduz em 1,5 p.p. a probabilidade de estar
empregado.
Esse resultado para os homens é contraintuitivo. Uma possibilidade é que o
efeito do score Inaf sobre a empregabilidade seja não linear. Para verificar
essa hipótese, o mesmo modelo foi estimado, mas a partir de variáveis
independentes dummies que indicam a classificação de cada indivíduo na prova
Inaf. Os resultados estão apresentados na Tabela_3.
Os novos resultados mostram que, uma vez controladas as diferenças individuais
e regionais e permitindo-se que os efeitos do score Inaf sejam diferentes entre
homens e mulheres, o impacto da classificação no Inaf é significativo somente
para as mulheres. Em particular, uma mulher classificada no nível básico possui
uma probabilidade de estar empregada que é٦,٦p. p. maior do que a daquela que
está no nível analfabeto. Já uma mulher classificada no nível pleno de
alfabetismo funcional se encontra empregada com uma probabilidade que é,
aproximadamente, 16,5 p.p. maior do que a daquela no nível analfabeto da escala
Inaf.
Nos dois modelos estimados e nas três especificações diferentes, a dummy de
sexo foi negativa e significativa a 1%, capturando a menor taxa de
empregabilidade entre as mulheres, relativamente aos homens. Cabe ressaltar que
uma parcela dos respondentes que não estão empregados pode estar inativa (fora
do mercado de trabalho). Este nível de inatividade é maior entre as mulheres.
Neste caso, o coeficiente reflete também esta diferença entre os sexos.
Além disso, as variáveis relacionadas a nível educacional, cor, idade e
características da cidade também se mostraram significativas em todas as
especificações, ressaltando a importância das características individuais e
regionais no mercado de trabalho. Os resultados dos efeitos diretos dessas
outras variáveis independentes foram omitidos, pois estas servem apenas como
controle na medição do efeito direto do Inaf, que é o objetivo principal do
artigo.
A Tabela_4 apresenta os resultados do modelo quando se restringiu a amostra
apenas aos indivíduos com escolaridade igual ou inferior ao ginásio completo
(equivalente ao atual ensino fundamental). O objetivo é verificar se o efeito
do score Inaf sobre a empregabilidade dos indivíduos é maior para aqueles que
possuem menor nível de escolaridade, os quais representam cerca de dois terços
da amostra.
Os resultados mostram que, uma vez controladas as características individuais e
regionais, um aumento de um desvio-padrão no score Inaf eleva em
aproximadamente 4 p.p. a probabilidade de uma mulher que possui nível de
escolaridade menor ou igual ao ginásio completo estar empregada. Esse resultado
é de magnitude similar, porém um pouco menor do que o encontrado na Tabela_2.
Portanto, os efeitos das habilidades funcionais não parecem ser maiores entre
aqueles de escolaridade inferior, como se imaginava inicialmente. Esse
resultado é relevante, pois mostra que as habilidades funcionais podem ser
importantes no mercado de trabalho mesmo para os indivíduos que possuem um
nível de escolaridade elevado.
Com o objetivo de investigar os efeitos do resultado do score Inaf sobre a
empregabilidade de homens e mulheres em diferentes setores, o mesmo modelo foi
estimado usando-se três subamostras distintas: prestação de serviços, indústria
de transformação e comércio. A Tabela_5 reporta os resultados do modelo
estimado para os trabalhadores do setor de prestação de serviços. Os resultados
indicam que, uma vez consideradas as características individuais e regionais, o
score Inaf não altera a empregabilidade nesse setor. A interpretação direta
desse resultado é de que as habilidades funcionais capturadas pelo score Inaf
não são significativas após controlar-se por características individuais e
regionais. Entretanto, é possível que esse setor demande habilidades que
estejam mais relacionadas com a escolaridade formal, uma vez que inclui muitos
profissionais liberais.
Desse modo, buscou-se analisar o mesmo modelo usando uma amostra de indivíduos
da indústria de transformação, que, na sua maioria, são funcionários de
empresas. O problema é que esse setor é intensivo em atividades manuais e/ou de
rotina. Espera-se, portanto, que as habilidades funcionais capturadas pelo
score Inaf não sejam determinantes da empregabilidade nesse setor. Os
resultados encontram-se na Tabela_6.
Conforme o esperado, o score Inaf não se mostra significativo em nenhuma das
três especificações testadas. Em particular, nem mesmo a dummy de sexo feminino
ou a interação entre o score Inaf e a dummy de sexo são estatisticamente
diferentes de zero. A indústria de transformação, além de ser intensiva em
atividades manuais, é majoritariamente formada por homens (66,9%).
Uma análise do impacto das habilidades funcionais sobre a empregabilidade
passa, portanto, pela abordagem de um setor que não tenha tantos profissionais
liberais, não seja baseado somente em atividades repetitivas e possua um bom
equilíbrio entre homens e mulheres. O setor que contém essas características é
o comércio. Desse modo, foram estimadas as três especificações restringindo-se
a amostra aos 1.371 indivíduos empregados no setor comercial (Tabela_7).
No setor comercial, o score Inaf é significativo para todos os trabalhadores,
não havendo uma importância maior somente para as mulheres, como foi o
resultado com a amostra toda (Tabelas_2 e 3). O efeito marginal do aumento de
um desvio-padrão na nota do Inaf, mantendo-se constantes as outras variáveis
independentes, eleva em aproximadamente 4 p.p. a probabilidade de um indivíduo
estar empregado no setor comercial.
O comércio caracteriza-se pela maior interação entre os profissionais e os
clientes, o que demanda habilidades funcionais que, muitas vezes, não são
capturadas por meio das estatísticas usuais de escolaridade (nível e/ou anos de
estudo). Portanto, este resultado demonstra a importância do alfabetismo
funcional entre adultos, ressaltando as diferenças entre os sexos e também
entre os diferentes setores da economia.
Considerações finais
Este trabalho utilizou a pesquisa Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional
(Inaf) para investigar a relação entre alfabetismo funcional e empregabilidade
entre os trabalhadores brasileiros. Estimando um modelo probit e controlando
para diversas características observáveis (incluindo o nível educacional dos
entrevistados), os resultados apontam para uma importância maior das
habilidades funcionais entre as mulheres.
Em média, o efeito marginal do aumento de um desvio-padrão no score Inaf eleva
em 6 p.p. a probabilidade de uma mulher estar empregada. Utilizando-se o nível
de alfabetismo funcional (em vez do score bruto), verificou-se que este
resultado permanece significativo. Foi feita também uma análise setorial,
observando-se que o efeito marginal do aumento de um desvio-padrão no score
Inaf eleva em aproximadamente 4 p.p. a probabilidade de um indivíduo estar
empregado no setor comercial, caracterizado pelo maior uso de habilidades
funcionais, independentemente de ser do sexo masculino ou feminino.
Este resultado contribui para a literatura, pois aponta que os diferentes
setores do mercado de trabalho demandam habilidades específicas para cada área
de atuação. Em particular, o score Inaf parece estar capturando um conjunto de
habilidades que não são plenamente captadas pelos indicadores tradicionais de
conhecimento (anos de escolaridade). Neste caso, o resultado indica que pode
ser necessária uma revisão dos conteúdos lecionados nas escolas de ensinos
fundamental e médio, por exemplo. Ou ainda, que políticas que buscam aumentar a
empregabilidade dos trabalhadores, como o ensino profissionalizante, por
exemplo, deveriam estar voltadas para a formação destes tipos de habilidades
(mais funcionais e específicas de cada setor).
Uma limitação deste trabalho diz respeito aos fatores microcentrados. Neste
estudo, não foram consideradas características específicas dos processos
produtivos de cada atividade ou ramo, como, por exemplo, se a atividade é
intensiva em capital ou trabalho. Uma futura linha de pesquisa relacionada a
esse tema seria uma análise do efeito das habilidades funcionais, medidas pelo
score Inaf, sobre os rendimentos dos trabalhadores de diferentes ramos de
atividade. Uma segunda sugestão de pesquisa seria o uso de modelos que
controlem separadamente os rendimentos de homens e mulheres, para esclarecer a
maior significância estatística do score Inaf para mulheres. Por fim, uma outra
direção para esta pesquisa seria permitir que os efeitos marginais do score
Inaf variassem ao longo do tempo, com o objetivo de capturar mudanças na
demanda por habilidades funcionais.