A problemática dos indivíduos, suas lutas e conflitos no turbilhão da
informação
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No turbilhão, a força do termo
As sociedades do mundo inteiro estão em plena corrida para entrarem em uma nova
fase da história da humanidade em que a informação passou a desempenhar um
papel fundamental no cotidiano dos indivíduos. Trata-se de uma sociedade que se
articula com o conhecimento,cujos sintomas enredam-se na complexidade do tempo
e espaço que se emaranham nos fios de contradições, nas novas formas de
expressões e novos conceitos intermináveis, construindo sistemas sociais e
econômicos altamente complexos e demandantes de um intensivo trabalho de
informação. São novas dinâmicas socioeconômicas e informacionais propiciando
uma compreensão de que os indivíduos estão encarando um estágio de
desenvolvimento nunca antes visto na história da humanidade.
Essas mutações, quando atribuídas às reflexões do sociólogo espanhol Manuel
Castells, sinalizam para "um novo modo de desenvolvimento, cuja fonte de
produtividade está centrada na geração de conhecimentos, armazenamento,
processamento, uso da informação e comunicação de signos e símbolos" (CASTELLS,
1999, p. 35). Nesse complexo turbilhão de informação e conhecimento, diferentes
nomes têm sido utilizados por autores de variadas tendências para designarem a
nova sociedade e suas mutações socioculturais: sociedade pós-industrial (BELL,
1973); terceira onda (TOFFLER, 2000); sociedade do conhecimento (MATOS, 1982);
sociedade da informação (MASUDA, 1982), sociedade informática (SCHAFF, 1990);
sociedade pós-capitalista (DRUCKER, 1980); sociedade digital (NEGROPONTE,
1995); sociedade informacional (CASTELLS, 1996; 1999) sociedade aprendente
(ASSMANN, 2000); sociedade da aprendizagem (BURNHAM,2000); sociedade em rede,
sociedade informacional, sociedade dos fluxos (CASTELLS, 1996; 1999); sociedade
de controle (DELEUZE, 2000).
Alguns estudos e pesquisas apontam, entretanto, uma dificuldade terminológica
que se interpõe à compreensão da expressão sociedade da informação no contexto
das TIC, forçando autores como Castells (1996;1999) a denominá-la de sociedade
informacional, por vislumbrar uma sociedade que se caracteriza por fluxos e
redes de informação de vários tipos. Essa expressão que o autor utiliza indica
os...
... atributos sociais de geração e processamento da informação que
vão do impacto das tecnologias da informação à informação em si
mesma, [...] a tecnologia não é somente a ciência e as máquinas: é
também tecnologia social e competitiva (CASTELLS, 1996, p.4).
Também temos análises que vêem a sociedade da informação aprisionada a um
emaranhado de fios complexos, vinculados a uma série de eventos importantes,
como tentativas de previsão social, políticas governamentais, especulação
futurista e análise sócio-empírica (LYONS, 1992; CASTELLS, 1996). No Brasil, há
autores que assumem pontos de vista que, ora se voltam para o espírito da
globalização, ora para o espírito da mundialização, fazendo alusão a metáforas
e símbolos e produzindo significados que caracterizam a atual sociedade (ORTIZ,
1994; DREIFUSS, 1996; IANNI, 1997).
Os trabalhos de Bell (1973) articulam a sociedade da informação às tecnologias
e servem para uma compreensão mais aprofundada sobre a gênese da sociedade da
informação e de seus desdobramentos, apontando a estreita relação com a
informação e o conhecimento, nesses últimos vinte anos. Essa visão revela que
um dos fios dessa sociedade está conectado à idéia de pós-industrialismo,
porquanto, admite Bell, se a sociedade agrária foi substituída pela sociedade
industrial devido ao deslocamento da ênfase econômica da terra para a indústria
é provável que a sociedade pós-industrial tenha nascido como conseqüência da
crescente relevúncia econômica do setor da prestação de serviços.
O autor vai sustentar que o papel cada vez mais importante desempenhado pela
ciência no processo produtivo, assim como a ascensão de grupos profissionais,
científicos e técnicos e a tecnologia da informação contribuíram para o
aparecimento de um novo princípio axial organizador do núcleo da economia e da
sociedade, que se assume como alicerce lógico da centralidade do conhecimento
teórico. Em diversos momentos de suas teses, Bell (1973) coloca a sociedade da
informação no contexto do pós-industrialismo, cuja dinâmica previa um novo
quadro de referência social com base nas telecomunicações, produzindo uma vasta
organização do modo como os indivíduos se comunicavam entre si e envolvendo as
formas de transmissão de dados, a redução ou eliminação, o papel nas trocas e
transações, os modos de emissão de notícias, entretenimentos e conhecimento.
Lyons (1992) recusa os argumentos de Bell, por este autor ter subestimado o
fato de que tecnologias são um prolongamento dos poderes militares,
empresariais e governamentais, em sua função de monitoramento e supervisão das
atividades dos sujeitos, gerando novas formas de conflitos e lutas. Nesse
sentido, é válido lembrar as palavras de Deleuze (2000, p.216):
Estamos entrando em uma sociedade de controle que funciona não mais
para confinamento, disciplina, mas por controle contínuo e
comunicação instantânea [...]. O que está sendo implantado, às cegas,
são novos tipos de sanções, de educação, de tratamento e vigilância.
Retomamos Lyons (1992) que considera a sociedade da informação idealizada por
Bell como uma utopia em que os indivíduos estão vivendo novas divisões sociais
e realinhamento de poderes, enquanto os grupos sociais disputam a apropriação e
a distribuição das tecnologias na sociedade. Em sua crítica, Lyons (1992, p. 5)
comenta que "o uso das tecnologias no governo, na educação, nas mídias, no
campo doméstico e no trabalho, corroboram para que cada vez mais
relacionamentos sociais sejam mediados pelas máquinas"
Para atualizar tal ponto de vista, ele busca Alain Touraine que enfatiza: os
conflitos e os movimentos sociais de diferentes grupos apontam alterações de
poder mais amplas e determinadas pelo poder que as TIC exercem sobre diversos
setores da vida humana.
Ele incorpora direções múltiplas que assumem as análises que tomam como foco o
impacto social das TIC, dentre as quais detemos em duas visões. A primeira
refere-se à previsão de uma transformação social completa que culmina na
sociedade da informação e conhecimento. Temos, de um lado, os futurólogos que
naturalizam um discurso em que a riqueza, o poder, a paz e a democracia
reinarão na sociedade da informação. Além disso, os problemas ambientais e
ecológicos, as formas participativas de governo e a democracia computadorizada
são temas que fazem parte do mundo futurista da sociedade da informação. Do
outro lado, estão os planejadores que defendem o modelo japonês de uma
sociedade cuja dinâmica seria capaz de favorecer globalmente a criatividade
intelectual humana, em lugar de proporcionar um maior poder de aquisição de
bens de consumo (MASUDA, 1982). Essas explicações dos futuristas e dos
planejadores não convencem Lyons (1992), porque se encaminham no mesmo sentido
de apoiarem e reforçarem a concepção de que a transformação da sociedade
constitui um movimento desejável por todos os indivíduos. O autor diz que os
produtores das tecnologias e os facilitadores da inserção delas no cotidiano
dos indivíduos ignoram que os seres humanos são ativos, reflexivos e capazes de
resistirem aos arranjos sociais e tecnológicos.
A visão unidirecional dos impactos sociais das TIC é um ponto crítico para
Lyons (1992), porque essa maneira de pensar as tecnologias sugere que estão
situadas fora da sociedade. As TIC são produtos sociais da mesma forma que a
moldagem da sociedade é, em si mesma, um produto tecnológico. Para o autor, a
existência de uma interação constante entre sociedade e a tecnologia está
ligada a dois importantes fatores: 1) as TIC têm suas origens sociais na
pesquisa militar e; b) exerceram influência decisiva no seu desenvolvimento,
mas nem sempre são aceitas e assimiladas de forma passiva pelos cidadãos.
Diante dessa situação, é necessário conjugar o desenvolvimento e a ética para
indagar sobre o que é possível levar em conta como tecnologia a serviço de
todos os indivíduos. Assumir esse caráter conflitivo que envolve indivíduos e
tecnologias implicaria renunciar a toda ilusão de transparência dos discursos
que vê a tecnologia em sua capacidade de moldar a sociedade, agindo de forma
autônoma.
Em suas análises, Castells (1996, p.15) retoma a relação tecnologia, sociedade
e poder para mostrar que...
...o caráter estratégico das tecnologias na produtividade da economia
e na eficácia das instituições sociais muda as fontes de poder na
sociedade e entre as sociedades [e] o controle da ciência e da
técnica das tecnologias da informação chega a ser uma fonte de poder
em si mesma.
No entanto, o comentário de Lyons (1992) expressa certo desencantamento com o
determinismo tecnológico, pelo fato de considerar que as TIC acarretam várias
conseqüências sociais ainda não previstas e, em certas circunstâncias
específicas, possuindo ramificações não intencionais, a exemplo da vigilância
estatal, da gestão intermediária e das redes globais de comunicações. Sua
preocupação é clara: aqueles que estão enfeitiçados pelas tecnologias
negligenciam fatores e processos que as envolvem, como as desigualdades
significativas inerentes ao mercado de trabalho. O problema está na ausência de
realismo, pois existem processos contraditórios não apenas com a perda das
qualificações na atualidade. Ele comenta que suas críticas não devem ser
entendidas como uma forma de resistência à busca de uma sociedade mais justa
com base nas TIC, mas chama atenção para uma importante questão: os sistemas
computadorizados afetam "a própria essência da organização industrial ao mesmo
tempo em que contribuem para alterar certos aspectos do capitalismo, o que nos
obriga a reavaliar todos os velhos conceitos e teorias" (LYONS, 1992, p. 11).
A recomposição da engrenagem, desvios e processos de exclusão
O aprofundamento das análises de Dreifuss (1996) conduz-nos para o final dos
anos 1970, quando as transformações impulsionadas por países do hemisfério
Norte começam a modificar as feições da sociedade mundial, promovendo uma
ressignificação e uma redistribuição das riquezas das nações, pondo no limbo as
referências doutrinárias, as dialéticas e as diversas certezas teóricas
existenciais e os estados de bem-estar que emergem na contemporaneidade,
vislumbrando a incerta e desconcertante futuridade. O autor diz que a maioria
dos países do Sul experimentou a noção de perda de oportunidade para acompanhar
os novos movimentos, compreendê-los e explicá-los. As perdas são reforçadas
pela incompreensão quanto ao sentido, aos objetivos e às conseqüências das
implicações das descobertas e inovações tecnológicas e de seus desdobramentos
societários e vivenciais e da ação econômica, política e cultural dos estados
nacionais e das estruturas de poder dos países do Norte.
A maior preocupação, como sugere Dreifuss (1996), é de que não se trata de um
simples reposicionamento e, sim, de uma profunda recomposição do sistema
produtivo global e da conflitante constelação de poder mundial, anunciando o
fim da cultura industrial, ameaçada pelo processo de instalação da comunicação
digital. Essa mutação aponta um quadro de sombrias perspectivas e trágicas
incertezas do presente para um número significativo de nações, povos e grupos
sociais diversos, mergulhados num futuro comprometido por um crescimento
mínimo, reduzindo-se a uma estagnação ou regressão completa. Nesse período de
desindustrialização, remessas e transferências exorbitantes de capitais e
evasão de recursos humanos, observou-se uma crescente evasão de trabalhadores
qualificados. Além disso, as estatísticas mostram o crescimento das doenças
evitáveis, determinando conseqüências sociais drásticas. São mutações modeladas
por acelerados processos em curso ' de diferenciação, diversificação e
recomposição econômica e político-estratégica ' que espelham a transformação
das bases científico-tecnológicas e culturais das sociedades avançadas nas
modalidades de produção e nas formações societárias que apontam para movimentos
de mutação civilizatória, configurados em menos de 20 anos.
Os movimentos são acelerados e sustentados por microprocessadores com
transistores do tamanho de um cartão de crédito; por computadores baseados na
opto eletrônica e sensíveis ao comando oral e por software inteligente, com
capacidade de administrar redes de computadores hipercomplexas e multiplicidade
das funções que reorganizam o cotidiano dos sujeitos, impondo-lhes mudanças em
sua configuração e traçado; por mecanismos de transmissão de informação, cuja
velocidade circula numa densa mega rede global de fibras óticas, conexões por
satélites, elos sem fio e circuitos de imagem digital. Essas mutações envolvem
a criação de espaços societários informados, sócio- mercados informatizados e a
configuração de novas composições sociais em torno de paradigmas produtivos e
necessidades de consumo emergentes, referenciadas por inovadores modos de vida.
Estes são indispensáveis para a própria potencialização da infra-estrutura de
pesquisa e desenvolvimento e as avançadas estruturas (DREIFUSS, 1996) de
informação e conhecimento que visam beneficiar apenas poucos indivíduos.
Emergência, movimentos, difusão e processos de exclusão
Segundo Lyons (1992), Masuda já antecipava que a sociedade da informação seria
completamente diferente da sociedade industrial, porque a produção de valores
informacionais se constituiria na força matriz da formação e do
desenvolvimento. O autor já projetava uma sociedade construída dentro de um
contexto inteiramente novo, partindo de análise completa da tecnologia de
telecomunicações e informática, porquanto a revolução dessa última determinaria
a sua natureza fundamental.
A complexidade dos novos tempos imposta pela sociedade da informação serve para
introduzir, de modo mais específico, o processo de invasão e onipresença das
TIC nas sociedades pós-industriais, os mecanismos da mudança técnica e as
formas como essas tecnologias vêm mudando o mundo, resultando em demandas
sociais e institucionais para realização de determinadas tarefas, sendo também
responsáveis por uma série de transformações das necessidades básicas de nossa
vida.
A atual sociedade da informação surge com uma diferença básica: "o novo
conhecimento é aplicado principalmente aos processos de geração e ao
processamento do conhecimento e da informação" (CASTELLS, 1996, p. 11). Essa
revolução tecnológica, em processo, como todas as revoluções anteriores, produz
efeitos intersticiais em quase todas as esferas da atividade humana. A ênfase
na geração, processamento e aplicação da informação e do conhecimento
desenvolve um estado de espírito, permanentemente, estimulado por uma gama
sempre em expansão de hardwares, softwares, aparatos e aplicações tecnológicas
e promessas de salvação econômica, estimulação e aperfeiçoamento cultural, por
meio da tecnologia (KENWAY, 1998).
Tal modo de desenvolvimento modifica, essencialmente, o conceito de tecnologias
e se expressa como: "uso de conhecimentos científicos para especificar as vias
de se fazerem as coisas de uma maneira reproduzível" (CASTELLS, 1999, p. 49-
51). Este autor discute as repercussões das TIC nos avanços das fontes de
energia, das aplicações na medicina, das técnicas de produção (nanotecnologia)
e da tecnologia de transportes, entre outros, incluindo a microeletrônica,
telecomunicações/radiodifusão, opto eletrônica, engenharia genética, suas
aplicações e materiais.
Em artigo intitulado "História contemporânea e desenvolvimentos
tecnocientíficos", Caron (2002) propõe os conceitos de interdependência e de
sistema técnico como elementos necessários para uma melhor compreensão do
caráter global do processo de mudança técnica, servindo também para explicitar
as TIC como um processo coligado com duas experiências importantes na história
das técnicas e das ciências. A primeira delas está ligada ao surgimento da
eletricidade, entre 1880-1900, e a segunda está vinculada à emergência das
tecnologias da informática, entre os anos 1960-1980, com o objetivo de atender
não exclusivamente às necessidades militares, mas também responder a duas
importantes dificuldades encontradas pelo sistema técnico: a) a da gestão e da
regulação das redes e dos fluxos dos homens, das mercadorias e de informação no
interior das redes; e b) a dificuldade da gestão da informação nas grandes
organizações propriamente estatísticas, relacionada ao tratamento de arquivos e
cadastros gigantescos, engendrados pela sociedade de massa (CARON, 2002).
O surgimento das TIC tem a ver com o desempenho satisfatório da IBM nas décadas
de 1960 e 1970 que explicitará, em grande parte, a transferência da gestão
mecanográfica saturada em que se tornara para enfrentar as exigências trazidas
pela evolução do sistema técnico vigente e pelas necessidades de sociedade de
massa que engendrara. O deslocamento provocado pelo disfuncionamento do sistema
técnico gerou um diálogo entre o desenvolvimento do pensamento científico e a
mudança técnica. é possível considerar que este diálogo apontava para a
institucionalização da ciência no âmbito das universidades, seguida dos centros
de pesquisa financiados pelo Estado ou empresa. Assim, por um lado, a ciência
pura fortaleceu-se com o objetivo de desenvolver o conhecimento do universo,
respondendo às pretensões de universalismo, desinteresse e ceticismo organizado
e, por outro, a ciência aplicada consolidou-se com sua lógica de obtenção de
resultados que podem ser comercializados ou servir para tornar eficiente a
empresa para a qual trabalha (CARON, 2000).
O avanço dessas ciências torna-se intensivo pelo reforço dado pela
institucionalização da pesquisa e massificação dos meios com os quais se
defrontava, chegando a se vincular aos grandes programas de instituições de
pesquisa dotados de meios técnicos, a exemplo do Projeto de Manhattan,
reconhecidos como geradores de uma megaciência, originários dos Estados Unidos
e da Alemanha, nos anos 1880-1914. Essa dinâmica intensificará uma
competitividade para a instauração do binômio pesquisa-desenvolvimento,
projetando o imperialismo dos Estados e o sucesso das empresas, dissipando-se a
dúvida de que a ciência pura não seria útil à evolução dos saberes técnicos.
A partir dos anos 1970, enfatiza Caron (2002), o sistema técnico integrará o
conhecimento científico em seus processos de concepção e de produção de
produtos, sendo que os procedimentos de investigação científica passam a
fornecer à pesquisa industrial os meios de conhecimento dos processos em lugar
das experimentações. Nota-se que a pesquisa fundamental mantém um diálogo com
os setores de alta tecnologia (a eletrônica e a biotecnologia) e com os setores
da média tecnologia (automóvel), intensificando as relações com as
universidades e os centros de pesquisa, montando sistemas de produção, cada vez
mais, diretamente inspirados em concepções científicas resultantes dos avanços
recentes da ciência. Nesse momento, nasce dos pesquisadores e dos engenheiros
a ambição de construir uma sociedade nova, isenta de suas aspirações e desejos,
porquanto se buscava a melhoria dos níveis de vida e das condições de trabalho,
uma vez que a técnica era percebida como instrumento de liberação do homem.
Essas necessidades humanas marcam as tecnologias da segunda revolução
industrial dos anos 1880-1900, com interesse na busca de procedimentos que
permitissem colocar inicialmente novos produtos à disposição do grupo
dominante, estendendo mais as possibilidades para os novos consumidores do
século XIX. Esses processos de inovação e de difusão das tecnologias deveriam
responder às demandas dessa sociedade de consumo, produzindo novos sistemas de
valores e de comportamentos que se acomodarão às exigências adequadas ao século
XX.
Para Caron (2002), a difusão das TIC com o perfil que temos hoje é uma extensão
do movimento que se estendeu desde a revolução pós-industrial. Certamente, não
pode ser analisada como puro produto de um aproveitamento da pesquisa
científica, mas resulta de uma necessidade de lazeres culturais e de
comunicação intensamente percebida pelos engenheiros responsáveis pelas
técnicas do rádio, da televisão e da Internet. A emergência e difusão das TIC,
que se dá com o consenso e a comunicação de massa, não são mais interpretadas
como o cumprimento das aspirações de uma sociedade em movimento, mas
conseqüência de uma estratégia de oferta agressiva, por parte dos atores da
mudança técnica: empresas, Estados e engenheiros. Essa dinâmica do sistema
técnico repousa também sobre "uma excitação dos desejos, constantemente
exacerbados pela renovação permanente dos produtos e dos serviços oferecidos ao
apetite ilimitado do consumidor" (CARON, 2002, p. 417). Em síntese, diz o
autor, essa avidez pelo desenvolvimento das TIC resulta da formação e do
impulso de quatro aspectos: a tecnologização do cotidiano, o desenvolvimento
das redes, a automatização dos modos de produção e a tecnologia do armamento.
Pautada numa lógica de mercado inseparável das formas políticas e econômicas,
as TIC são consubstanciadas como um determinado projeto político (ASSMANN,
2000) que, por um lado, apresenta imensas potencialidades positivas, mas, por
outro, carrega igualmente uma série de riscos, fertilizando uma imagem do mundo
por demais complexa e desigual. Nesse sentido, a posição de Castells (1999, p.
51) é a de acentuar a presença das TIC na sociedade e seu papel na geração e
processamento da informação, com aplicação na produção de conhecimento, as
quais estão ligadas a processos a serem desenvolvidos, de modo que a mente
humana é uma força direta na produção, não apenas um elemento decisivo no
sistema produtivo.
O novo paradigma tecnológico reúne inovações técnicas, organizacionais,
administrativas, produtos e sistemas, incluindo processos sociais que
representam a base material da sociedade, caracterizada pela informação como
matéria-prima e parte integral de toda a atividade humana em sua
penetrabilidade, lógica das redes e flexibilidade A origem dessa transformação
liga-se a três fenômenos inter-relacionados: 1) a convergência da base
tecnológica altamente integrada ao sistema de informação, capaz de representar
e processar qualquer tipo de informação de uma única forma, a digital (?); 2) a
dinâmica da indústria, responsável pelo aparente baixo custo dos computadores,
com vistas à popularização; e 3) o crescimento da Internet, como decorrência
dos dois primeiros fenômenos (TAKAHASHI, 2000).
Embora o autor considere que esse paradigma constitui um dos fundamentos da
nova sociedade, também sugere que a crítica do modelo deve ser uma atitude
permanente, pois se, por um lado, representa uma transformação qualitativa da
experiência humana, tendo a informação como o principal ingrediente da
organização social, por outro, não implica dizer que todas as pessoas estão
participando dos benefícios sociais. Cada vez mais, essa nova ordem parece uma
desordem social. é necessário manter acesa a idéia de que essa modernização
propiciada pelas TIC ainda não atingiu um terço da população brasileira, menos
favorecida economicamente, reforçando o paradigma da exclusão e o processo de
degradação das relações sociais, os quais provocam uma disparidade na sociedade
da informação e conhecimento: os enriquecidos, por serem detentores de mais
informação, e os destituídos da condição humana, por terem menos informação.
Reconhecendo essa mutação sociocultural, em seu livro "A condição pós-moderna",
Lyotard (1989) mostra uma apreensão quando assinala que o saber (informação)
pós-moderno não é apenas o instrumento de poderes. O autor refina a nossa
sensibilidade para enxergarmos as diferenças e a necessidade de fortalecermos a
capacidade de suportar o incomensurável. Em suas reflexões filosóficas, vê a
informação muito mais mercantilizada do que mesmo uma prática social, pois, ao
invés de serem difundidas em seu caráter formador, as informações tornam-se
objetos de transação econômica. Diante dessa situação, aquele autor postula que
existem duas formas de saber (informação): uma positivista, que encontra a sua
aplicação nas técnicas relativas aos homens e aos materiais, tornando-se uma
força produtiva necessária ao sistema; e, a outra, crítica, reflexiva ou
hermenêutica que interroga, direta ou indiretamente, sobre os valores ou as
finalidades, obstaculizando qualquer recuperação.
Por outro ângulo, temos as análises sociológicas que consideram a conjugação da
informática com as telecomunicações como o início de um novo modo de
desenvolvimento e parece sugerir que a chave da riqueza das nações e modos
diferentes de vida está na aprendizagem dos processos de manipulação, de
disseminação, de armazenamento e de obtenção da informação. Assim sendo,
qualquer orientação que se dissocie dessa nova ordem sociocultural está sujeita
a sanções, com conseqüências fatais para os países menos desenvolvidos.
Tal advertência traduz a idéia de que é impossível alcançar o sucesso em todos
os setores da atividade humana, sem recorrermos às TIC. Diante desse quadro
irreversível, os países com menos recursos nutrem-se do receio de serem
engolidos por esse novo império transnacional ou de se tornarem
tecnologicamente dependentes dos EUA ou do Japão. Por essa razão, o objetivo
que persegue a criação de uma sociedade da informação é o mesmo para os países
capitalistas da América do Norte e para os estados comunistas, como a China e o
Vietnã (FALKNER-BROWN, 1999).
O Brasil instaurou o Programa da Sociedade da Informação, com a perspectiva de
que seus benefícios efetivamente alcancem a todos os brasileiros, divisando a
importância do conhecimento como "um dos principais fatores de superação da
desigualdade, de agregação de valor, criação de emprego qualificado e de
propagação de bem-estar" (SARDENBERG, 2000, p. 5), firmando assim a posição que
deverá ocupar no cenário internacional, enquanto milhares de indivíduos
sucumbem no submundo das favelas, do crime organizado e da corrupção dos
gestores da política nacional.
A resistência à idéia de construção de uma sociedade da informação e,
doravante, sociedade da informação e conhecimento continua convencendo alguns
indivíduos de que não passa de algo irreal, enquanto outros ainda a enfrentam
com suspeita e hostilidade (CASTELLS, 1999). Paralelas a essas questões, as TIC
vão se transformando em algo cada vez mais importante, tanto em nível local
quanto em nível global, aparecendo por todos os lados grupos e movimentos que
lutam pela reorientação desse novo modo de desenvolvimento ou por uma maior
participação nos bens culturais.
Sem dúvida, as possibilidades indefinidas que as TIC, em seus rios de
informação, colocam para os indivíduos, requerem uma mente capaz de pensar e
transformar a informação em conhecimento pertinente, situando qualquer tipo de
informação em seu contexto (MORIN, 2000). Exige a mobilização da estrutura
cognitiva para organizar o conhecimento. Esse princípio de organização do
conhecimento pressupõe a relevância do sentido que o profissional que pensa-
conhece-age sobre a informação (AQUINO, 2004) atribui as coisas, a capacidade
de perceber os objetos de seu trabalho, as pessoas que o procuram, os
acontecimentos e as relações que se estabelecem com todos os objetos que o
envolvem. Nesse esforço de compreender sua própria atividade, o profissional
que pensa-conhece-age sobre a informação precisa compreender que, essa prática
de recolocar a informação em seu contexto, é válida para sua atividade técnica
e igualmente válida para sua atividade acadêmica e reflexiva.
As TIC são produtos de uma nova sociedade e de uma cultura e Lévy (2000) a
dissocia da metáfora impacto por ser inadequada para discutir as técnicas de
imaginação, concepção, fabricação, reinterpretação e utilização pelos homens,
em sua estreita ligação com o ambiente material, os signos, as imagens, a
linguagem, por meio dos quais atribui sentido à vida e ao mundo. Essa
consideração levyniana postula que as verdadeiras relações não são criadas
entre a tecnologia e a cultura, mas por um grande número de atores humanos que
inventam, produzem, utilizam e interpretam de diferentes formas as técnicas. O
autor afirma que, por um lado, um certo número de idéias, projetos sociais,
utopias, interesses econômicos, estratégias de poder estão subjacentes às
técnicas, manifestando uma gama de jogos dos homens em sociedade; mas, por
outro, elas também respondem aos propósitos de desenvolvedores e usuários que
procuram aumentar a autonomia dos indivíduos e multiplicar suas faculdades
cognitivas .
Processos socioculturais afetando produtos, serviços e indivíduos
Conhecida como propulsora do desenvolvimento de microcomputadores resultantes
de processos técnicos, a década de 1980 possibilitou a centenas de
instituições, incluindo as bibliotecas e unidades de informação, a aquisição de
sistemas próprios de computação. Já em meados dos anos 1990, os computadores
pessoais (PC) tornaram-se lugares comuns nas bibliotecas e unidades de
informação mundialmente. Em decorrência, os avanços paralelos na velocidade de
processamento, facilidades de armazenamento, multimídia e telecomunicações
possibilitaram o acesso aos mesmos recursos informacionais em todo o mundo.
Nesse contexto sociocultural, a visão tradicional de biblioteca como um estoque
de informações (acervo), mantido localmente, acabou sendo substituída, à medida
que a nova biblioteca (digital, virtual ou eletrônica) transformou-se em portão
de entrada para os recursos mundiais de informação, sendo possível conectar
terminais ou estações de trabalho em bibliotecas remotas, filiais ao sistema
principal, ou interligar vários PCs em atividade de compartilhamento ao
acionador de CD-ROM ou a uma impressora, trazendo significativas implicações
para usuários de bibliotecas, provedores de informação, bibliotecários e
cientistas da informação (TODD, 1999).
Na Europa Ocidental, segundo Todd (1999), as mutações políticas ocorridas na
década de 1990 contribuíram para a abertura do mercado de sistemas
bibliotecários em vários países (Croácia, República Tcheca, Hungria, Polônia,
Eslováquia e Eslovênia). Em 1994, a automatização de bibliotecas criou o
Programa de Bibliotecas Regionais do Instituto de Sociedade Aberta de Hungria e
Budapeste, com o objetivo de apoiar, promover e avançar as ciências da
informação na Europa Central e Oriental e na Comunidade de Nações
Independentes, com sugestão de metas de longo prazo para o acesso automatizado
à informação de bibliotecas.
O crescimento de redes exerceu pressão sobre os sistemas de gestão de
biblioteca para se tornarem, cada vez mais, dependentes da adesão aos padrões
internacionais. Essa exigência injeta uma crítica na performance das TIC e sua
repercussão nas bibliotecas, arquivos e sistemas de informação, por se observar
uma preocupação em dispor de equipamentos e programas sofisticados, mas pouco
se investir no sentido de rever práticas profissionais e assegurar que sejam
observados aspectos ergonômicos, os quais podem ser entendidos como um conjunto
de estudos que visam à organização metódica do trabalho em função do fim
proposto e das relações entre o homem e os computadores, em projetos de
estações de trabalho compatíveis com as condições de produção da formação da
qualificação exigidas pela sociedade da informação e conhecimento (TODD, 1999).
O desenvolvimento das TIC coloca uma tensão para o serviço público de difusão
da informação e para as bibliotecas públicas. Sem desconsiderar as desvantagens
trazidas pela sociedade da informação e conhecimento e das TIC, o novo modo de
desenvolvimento e suas inovações são fundamentais ao progresso de qualquer
sociedade e às atividades profissionais (CASTELLS, 1999). O computador tem
afetado o trabalho de informação nas organizações, empresas, universidades,
arquivos, museus e bibliotecas. No entanto, as resistências não são mais do que
a manifestação diante de uma dinâmica contraditória muito profunda, já que as
bibliotecas públicas ainda padecem da ausência de informações atualizadas,
demonstrando que a "informação para cidadania", pelo menos para muitos, ainda é
uma ilusão. Essa demanda de informação constitui um enorme desafio que o nosso
País está enfrentando hoje para assegurar a posição da sociedade brasileira na
dotação dos recursos, produtos e serviços de informação na rede (MIRANDA,
2000).
O setor da disseminação refere-se à criação e gestão de redes de comunicação e
distribuição por meio das quais as informações são transmitidas, abrangendo
operadores de telecomunicações e os indivíduos que utilizam os canais de
difusão do conteúdo da informação (livrarias, bibliotecas, sociedades de
difusão, fornecedores etc). O setor de tratamento da informação é constituído
por fabricantes de hardwares (computadores, equipamentos de telecomunicações e
eletrônica de consumo) e por produtores de softwares (UNIX, DOS e Windows).
O Livro Verde anuncia que arquivos e bibliotecas, museus e centros de
informação cumprirão papel estratégico na mobilização de indivíduos e
comunidades que ainda não estão conectadas e com acesso aos conteúdos da
Internet (TAKAHASHI, 2000, p. 65). Quem tem acesso? Por quanto tempo?
Interessante notar que o próprio Livro Branco reconhece a carência da sociedade
brasileira em todos os setores dessa atual sociedade que requer uma maior
expansão das TIC, com acesso e uso plenamente eficaz.
Uma outra contradição dessa sociedade sinaliza para os sistemas informacionais
(bibliotecas, arquivos, museus, escolas etc.) que ainda estão obsoletos,
devendo o Estado e o mercado incrementar a pesquisa e os acordos comerciais no
campo das TIC para atender a um público maior. Trata-se de universalizar o
acesso e o uso dos meios eletrônicos de informação para gerar um trabalho com a
informação mais eficiente, em todos os níveis.
As novas exigências para a formação requeridas pelo potencial das TIC
A natureza da empregabilidade tem sido afetada, também, pelas mudanças
estruturais que transformam os esquemas tradicionais de trabalho, com o
surgimento de novas indústrias intensivas em informação. Exige-se, pois, que os
empregados passem grande parte do tempo de sua jornada tratando a informação e
trabalhando com a tecnologia da informação, para atender ao desenvolvimento da
indústria da informação e seus conteúdos que afetam, direta ou indiretamente,
as profissões e os profissionais da informação. Nesse sentido, Moore (1999)
distingue três campos diferentes do setor da informação: conteúdos,
disseminação da informação e tratamento da informação. O setor de conteúdo da
informação é constituído por empresas, de caráter público e privado, que
produzem e desenvolvem bens de propriedade intelectual. Esse conteúdo procede
da criação de escritores, compositores, artistas e fotógrafos que recebem
assessoramentos de diversos profissionais ligados à arte e à televisão.
As TIC repercutiram no trabalho e na economia, levando o mercado a formular
novas exigências para o sistema educativo, surgindo a necessidade de atualizar
o conteúdo de ensino, a fim de integrar novas descobertas científicas e
tecnológicas e, também, utilizar novas ferramentas. Essa interferência
produzida pelo desenvolvimento da informação expandiu o campo de atividade dos
profissionais da informação, aumentando a quantidade de informação a ser
acessada e tratada e criando uma demanda de serviços que exigem, cada vez mais,
recursos e mentes qualificadas. Essas inovações colocam também a necessidade de
se abrir novas áreas de formação que possibilitem re-qualificar os
profissionais que pensam-conhecem-agem sobre a informação no ritmo das
alterações referentes as suas especialidades. Junto a isso, a relação formação
específica/formação geral surge como elemento imprescindível para que o
indivíduo possa se inserir profissionalmente no mercado de trabalho.
As exigências de formação continuam a aumentar por causa da complexidade das
sociedades, das dificuldades de inserção profissional de jovens não-
qualificados e da corrida pela competitividade. Essa formação, entretanto, não
pode mais ser pensada de acordo com os modelos tradicionais de ensino (LéVY,
2000). Os novos desafios colocados pelas TIC alteraram o ambiente educacional,
os currículos e os meios postos à disposição dos professores para o exercício
da formação profissional, levando a escola (universidade) e seus professores a
se conscientizarem acerca do papel da educação em relação aos novos meios de
acesso à informação, disponíveis fora da instituição.
O Programa Sociedade da Informação no Brasil-Livro Verde faz uma observação à
situação dos currículos nacionais, em sua perspectiva de formação, colocando a
necessidade de uma revisão de seus fundamentos em todos os níveis e áreas.
Chama a atenção, de modo particular, para as Ciências da Informação, vez que,
no nível de graduação, em países como o Brasil, há currículos obsoletos,
refletindo uma visão da área desatualizada em muitos aspectos essenciais, face
à revolução das tecnologias de informação e comunicação (TAKAHASHI, 2000). Essa
preocupação sintoniza-se com o pensamento levyniano, porque a demanda de
formação não apenas reconhece um enorme crescimento quantitativo da informação,
mas também tem sido afetada por uma profunda mutação qualitativa e a
necessidade crescente de diversificação e de personalização dos estudos, pois
"os indivíduos toleram cada vez menos seguir cursos uniformes ou rígidos que
não correspondem a suas necessidades reais e à especificidade de seu trajeto de
vida" (LéVY, 2000, p.170) e suporta, menos ainda, tal conhecimento a população
de indivíduos de diferentes culturas que estão chegando à escola ou
universidade, tais como grupos culturais e étnicos.
Também não podemos esquecer que essa preocupação com o ensino de graduação em
nível nacional, trazida pelo programa da Sociedade da Informação para o Brasil,
é um fato novo, pois, durante anos, os discentes foram engessados em currículos
que resultavam sempre de propostas geradas nos gabinetes dos burocratas do MEC,
sob a orientação de ideologias dominantes, em detrimento da construção de um
projeto coletivo, desrespeitando, assim, a inteligibilidade dos docentes e a
autonomia das universidades e cursos.
Nessa nova ordem informacional em que se exige, fundamentalmente, uma educação
multicultural, Lévy (1993) adverte que os novos dispositivos informacionais e
comunicacionais são os maiores portadores das mutações socioculturais. Assim
sendo, os desafios para a Ciência da Informação, em suas atividades de geração,
organização, tratamento, acesso e uso da informação, provocam tensões na
atividade profissional. Em primeiro lugar, essas tensões passam pelas novas
linguagens impostas pelo desenvolvimento das TIC e sua redefinição das palavras
informação, conhecimento, aprendizagem, ecoformação e competências, surgindo
também em diferentes contextos as expressões sistemas com base no conhecimento,
gestão do conhecimento, ecologia cognitiva e outras. Essas novas linguagens
estão florescendo no contexto acadêmico e nas práticas informacionais,
obrigando a profissionais que pensam-conhecem-agem sobre a informação a
redefinirem conceitos e incorporarem também os novos paradigmas de informação.
Em sua análise, Assmann e Mo Song (2000) põe um acento maior na expansão das
linguagens digitais que levou ao aparecimento explícito da sua incompletude,
evidenciando-se a insuficiência operacional de uso das linguagens que se
relacionam com o modo convencional de perceber a informação. Assim, as palavras
aprendizagem, informação, conhecimento, formação e competência têm sido
importantes não só para os economistas, que visualizam o mercado como uma
máquina cognitiva, geradora do conhecimento e experiências de aprendizagem,
como também para todos os profissionais que trabalham com a informação e o
conhecimento.
Cabe-nos introduzir algumas perguntas: que papel os profissionais que pensam-
conhecem-agem sobre a informação podem desempenhar nessa demanda de informação
e conhecimento? O que as mutações lingüísticas significam para os profissionais
que pensam-conhecem-agem sobre a informação ou, especificamente, os educadores
em Ciência da Informação? A atual formação profissional responde aos interesses
dessa sociedade da informação e conhecimento?
Tensões de uma ciência frente os novos contextos de aprendizagem
O computador e as novas mídias estão coincidindo com os avanços significativos
em novas descobertas, provenientes das ciências cognitivas que tratam do
cérebro/mente como um complexo dinâmico. Para Assmann (1998), as áreas de
conhecimento devem buscar um princípio pedagógico que leve a atender essa
complexa característica do ser humano no plano da construção de conhecimentos.
O resultado será, fatalmente, o aprisionamento dos aprendentes em visões
reducionistas acerca da realidade, com conseqüências drásticas para a
criatividade cognitiva e a capacidade adaptativa dos sujeitos a essa realidade.
De modo geral, todas as áreas de conhecimento têm sido desafiadas a se
aproximar dos movimentos interdisciplinares e transdisciplinares que acenam
para novos contextos de aprendizagem. Nesse ponto, parece-nos que o desafio
concreto para a formação de novas competências é o de atinar para a compreensão
de que existe uma relação entre formas de aprendizagem e formas de vida, pois
não é possível mais separar os processos mentais dos processos biológicos nem
estes dos processos sociais.
O enfoque na junção desses processos pode levar os educadores a redefinir a
formação como um conjunto de atividades propiciadoras e ativadoras de processos
vitais, as quais seriam as formas vivenciais de experiência do conhecimento,
porque, sem essa mobilização cognitiva, dificilmente haverá uma aprendizagem
significativa e uma formação compatível com as exigências da sociedade da
informação e do conhecimento. Por aprendizagem significativa, David Ausubel
(apud MOREIRA, MASINI, 2001) entende "um processo pelo qual uma informação nova
se relaciona com um aspecto relevante da estrutura de conhecimento do
indivíduo". A apreensão da informação não ocorre por justaposição, mas como um
processo de integração da estrutura cognitiva com a informação, pois sem essa
conexão não há aprendizagem significativa.
Em síntese, diz Assmann (1998) com base nas novas teorias (biociências), há uma
ligação entre processos vitais e processos de aprendizagem, resultando numa
permanente expansão cognitiva. A questão da qualidade da aprendizagem exige
novos enfoques de análise e interpretação da formação que permitam ver todos os
aspectos da informação de maneira interligada, envolvendo não só os aspectos
tradicionais da área que dão o caráter de ciência e asseguram sua
especificidade, mas é necessário também dinamizar a gestão pedagógica e
informacional, para aceitar as novidades tecnológicas na renovação das práticas
de formação. Tais condições revelam que essa qualidade da aprendizagem passa
pela atualização do currículo de graduação e das concepções de conhecimento e
aprendizagem, enraizadas nas mentes dos docentes. Afirma Assmann que os cursos
de graduação estão praticando um apartheid neuronal com relação ao potencial
cognitivo dos aprendentes, excluindo as experiências de aprendizagem. Diante
disso, indagamos: como articular formação de competências e novas experiências
de aprendizagem?
Essa inquietação ressoa nas palavras de pesquisadores da Ciência da Informação,
quando ressaltam que seu campo de conhecimento passou efetivamente por
sistematizações e rearranjos, mas as mudanças paradigmáticas e, principalmente,
as reformulações conceituais permaneceram despercebidas. Em seus escritos,
incisivamente, Kobaiashi et al (2001, p. 8) assinalam que...
... quando a área de Ciência da Informação enfatizou em suas análises
a tecnologia da informação, valorizando o novo e o recente, o
processo foi extremamente rápido [...], impedindo a elaboração de
sínteses, responsáveis por incorporações significativas ao campo de
estudo.
Tal dificuldade tem sido interpretada não simplesmente pela transmutação de
conceitos teóricos da Biblioteconomia para a Ciência da Informação ou de outras
áreas afins, mas pelo receio de incorporar determinados conceitos, sem observar
a especificidade da área e, de modo particular, na pós-graduação.
Prosseguindo a análise, as autoras sinalizam que "a alteração designativa [do
campo] não correspondeu a um deslocamento qualitativo de reflexão, [pois]
verifica-se que a maior parte de nossos cursos de pós-graduação é orientada
para a análise de questões técnicas relacionadas com o processar, armazenar e
recuperar informação" (KOBASHI et al, 2001, p.2). Apoiando-se nas idéias de
Aldo Barreto de Albuquerque, as autoras colocam uma outra preocupação: a
atualização conceitual é fundamental no processo de geração do saber para a
sociedade, mas se transforma em um mecanismo inibidor pela própria natureza do
pensar acadêmico.
Dessa crítica, sobressai o nó górdio da Ciência da Informação e de suas
práticas de formação profissional: a racionalidade predominantemente técnica
ainda não foi transmutada para "racionalidade acadêmico-reflexiva", como uma
condição fundamental à construção da identidade dessa área de conhecimento.
Evidentemente, o caráter interdisciplinar que assombra a área em determinados
momentos tende a afastá-la da reflexão disciplinar, atitude fundamental na
constituição do seu objeto teórico (KOBAIASHI et al, 2003).
Para tentar resolver o problema que tensiona o campo da Ciência da Informação,
parafraseando as idéias do conhecido pássaro-tecelão, Freire e Araújo (2001, p.
234) retomam as sínteses de Gernot Wersig para argumentar que "os problemas
internos acontecem, por causa de complexidades e contradições nas situações
sociais". Assim sendo, caberiam aos pesquisadores da área depreender esforços
para reestruturar essa realidade caótica, procurando desvelar os atratores
estranhos e suas contradições ou relações, para tentar reorganizá-los
coerentemente com a utilização e redefinição dos conceitos disponíveis.
A autora reconhece nessa abordagem uma luta interna a ser enfrentada nesse
campo de conhecimento, em duas fronteiras: por um lado, a percepção tradicional
dos profissionais da informação que receberam uma formação voltada para as
disciplinas clássicas e, por outro, a pouca familiaridade com as novas
disciplinas científicas, porque suas atividades práticas envolviam,
inicialmente, a construção de sistemas de informação orientados pelas
disciplinas tradicionais. No entanto, consideramos que essas tensões não devem
afastá-los da inter-relação com outras áreas do conhecimento, na busca
incessante de conceitos novos e perspectivas inovadoras para a formação de
competências.
Nessa relevância dada ao conhecimento, com enfoque para o aprendizado e a
formação de competências, entendemos que as áreas de conhecimento devem
adaptar-se às mudanças conceituais e atitudes práticas, para as quais ainda não
dispomos de linguagens coerentes com o arcabouço conceitual desse campo de
conhecimento.
Considerações Finais
Nessa imagem que a informação e o conhecimento estão em cena, tentamos
compreender a passagem gradual da sociedade industrial para a sociedade pós-
industrial, segundo a qual a característica básica está centrada na importância
do conhecimento teórico e da tecnologia, engendrados por um novo grupo de
profissionais especializados e altamente capacitados a promover o
desenvolvimento da indústria e da sociedade, em que a informatização alcançaria
diversas áreas da vida humana. Em conseqüência, o conhecimento tornou-se o
recurso estratégico mais importante e nova força para a produtividade, valor e
riqueza para os países considerados desenvolvidos.
A configuração das demandas socioculturais viabiliza a inserção do indivíduo
numa sociedade que se potencializa com a velocidade e a penetrabilidade das
tecnologias da informação, em sua capacidade de produzir conhecimento e fazer
ressonância no cotidiano das pessoas, instituindo novas formas de
comunicabilidade, agilidade, interatividade e sociabilidade nas relações. Essa
compreensão expressa a necessidade de que devemos começar a buscar linguagens
aproximativas, nas quais se possa notar a diferença dos enfoques teórico-
metodológicos para a formação de competências, declinando da ilusão de contar
com linguagens que expressem todos os aspectos do conteúdo formativo com
clareza. Essa perspectiva de formação passa a imprimir uma nova forma de
pensar, no intento de conseguir vivenciar a mudança.
É possível deduzirmos que a sociedade da informação e do conhecimento com suas
TIC caracteriza um novo modo de desenvolvimento que atinge as ciências em suas
várias dimensões, os indivíduos, o trabalho e campos de conhecimentos
distintos. Nesse cenário complexo, a informação é a matéria-prima para gerar
conhecimento, revelando o teor dos interesses econômicos. Assim sendo, terá
acesso ao conhecimento quem tiver domínio do ciclo da informação que demanda os
fundamentos teóricos do conhecimento formal para formar competências e
desenvolver habilidades para interagir com os meios tecnológicos sofisticados.
O que nos parece claro é que, aparentando serem neutras em si mesmas, as TIC
podem se constituir em fontes de desenvolvimento humano, ao invés de servir
simplesmente como instrumentos de controle e manipulação. No entanto, compete
aos indivíduos discernirem o que constitui fator de valorização, conhecimento,
liberdade e solidariedade do que é alienação, manipulação, opressão ou
injustiça. Esses princípios são importantes graças às inúmeras virtualidades
que as TIC.
O que é possível reter desse panorama é que as TIC estão transformando inúmeros
aspectos da vida cotidiana, acenando para uma mutação sem precedentes na
evolução da espécie humana. Essa revolução tecnológica interfere nas
tradicionais formas de trabalho, reorganizando a empregabilidade e acentuando a
exclusão social como algo irreversível, rápido e profundo. Essa sociedade da
informação e conhecimento só cumprirá seu papel no Brasil, portanto, se os
projetos nacionais estiverem alicerçados em uma base democrática de
universalização da informação, com vistas a instaurar uma política de
(in)formação na perspectiva do acesso e uso das TIC plenamente capaz de
garantir que todos os cidadãos possam ser educados e informados.
Entendemos que a disseminação da informação não supõe, simplesmente, a
possibilidade de uma pluralidade de significados, mas a impossibilidade mesma
de fixação de qualquer significado na formação de competências. Com essas
palavras, supomos que a disseminação da informação para cidadania transporta
uma multiplicidade invencível e geradora de múltiplos significados. Assim
sendo, ao tentarmos compreender as particularidades e complexidades, ou mesmo,
a essência da sociedade da informação e conhecimento, é necessário que
discutamos a relação com o conhecimento e suas implicações para a formação de
competências, devendo perceber os fios de sua ligação com o desenvolvimento das
TIC.
Do nosso ponto de vista, as implicações para uma sociedade da informação e
conhecimento no Brasil não estão simplesmente relacionadas à perda dos postos
de trabalho e das qualificações, mas, sobretudo, ao fato de termos uma
população pobre, com um alto percentual de afro descendentes ainda não incluído
nesse processo mutacional. Diante desse quadro, é lícito interrogarmos: para
quem a informação? Para quem o conhecimento? Como sabemos que a informação
nesse paradigma tecnológico circula fortemente pela Internet, apontando para a
concretização da informatização na sociedade, a distribuição dessa informação
para gerar conhecimento ocorre, de modo assimétrico, reforçando cada vez mais
as desigualdades sociais/raciais.