Histórias de Joaquinas: mulheres, escravidão e liberdade (Brasil, Amazonas:
séc. XIX)
Joaquina nasceu em tempos revolucionários. Os anos de 1830 no Grão-Pará viram
eclodir uma das principais revoluções sociais ocorridas na parte norte do
Império: a Cabanagem. Este extraordinário movimento popular aglutinou homens e
mulheres de múltiplos estratos sociais e étnicos e ampliou-se por todo o vale
amazônico colocando em evidência diferentes projetos sociais. Escravos fugidos,
quilombolas, indígenas, desertores, gente de toda sorte vivendo nas camadas
mais empobrecidas da sociedade paraense encontrariam na Cabanagem formas de
luta contra a opressão, "aprendendo a amar a aclamação popular e a revolução
infinita", como afirmou Magda Ricci.1
Este tempo de instabilidade e morte foi o que viu nascer Joaquina. A memória de
sua primeira infância deve ter sido marcada por certo temor causado pelas
guerrilhas nos rios e igarapés, pelas emboscadas e ataques imprevisíveis dos
cabanos no momento de dispersão do movimento. Pouco sabemos de sua vida até os
18 anos. Contudo, é certo que a menina Joaquina fazia parte da terceira ou
quarta geração de escravos de origem africana vivendo em terras amazônicas.
Desde finais do século XVII, homens e mulheres embarcados em África
atravessaram o Atlântico para trabalhar, em geral, nas atividades agrícolas,
nos serviços urbanos e nas atividades ligadas à extração dos produtos da
floresta.
Ao longo do século XVII e início do século XVIII, a incipiente rota de tráfico
de escravos para o estado do Maranhão e Grão-Pará esteve assentada em três
motivos básicos: as epidemias de varíola que dizimaram os trabalhadores
indígenas em finais do Seiscentos; a estratégia da Fazenda Real de utilizar o
comércio de africanos para dinamizar a reprodução do domínio militar na região;
e, como resultado das leis de liberdade indígena na década de 1680, a atuação
da Companhia de Comércio do Maranhão. Nesse contexto, os "suspiros por um
escravo de Angola" tornavam-se lamentações generalizadas pelo braço africano na
sociedade colonial em formação. Este desejo, inclusive, era constantemente
alimentado pela experiência bem sucedida do tráfico negreiro para o Estado do
Brasil, cujos colonos e comerciantes engrossavam mais e mais os seus cabedais
com o trabalho dos africanos. O papel da Coroa portuguesa foi vital neste
processo e possuía dois objetivos: estabelecer uma conexão atlântica
dinamizando a economia colonial no Maranhão e Pará, "calando os murmúrios" por
escravos decorrentes dos problemas quanto à escravização dos índios, e
solidificar sua presença em África.2
Este quadro sofre sensível modificação quando das ações administrativas do
Marquês de Pombal na segunda meado do XVIII. As chamadas "reformas pombalinas"
intensificaram a entrada de africanos no Grão Pará e Maranhão e estabeleceram
redes de abastecimento e escoamento dos produtos das lavouras da região, tais
como o arroz, o algodão, e dos produtos da floresta (cacau, salsaparrilha,
cravo, entre outros).
A presença sistemática de africanos surtiu efeitos concretos para a realidade
social da Amazônia. Fortaleceu as atividades econômicas da região, com o
incremento da produção agrícola e, sobretudo, consolidou os grupos de
proprietários de terra que, obviamente, traduziram esse poderio econômico em
força política. Desta maneira, homens e mulheres embarcados em diferentes
portos africanos formaram as escravarias de senhores paraenses e maranhenses
até o inicio do século XIX e atuaram em atividades diversas, tais como lavouras
de cacau, agricultura, pecuária e nas atividades domésticas.3 Na região do
Baixo Amazonas, foi possível, por exemplo, o desenvolvimento de uma produção
açucareira, com "engenhos e engenhocas", sustentada com mão-de-obra africana,
constituindo-se em uma realidade econômica importante até a primeira metade do
século XIX.4
Joaquina descende diretamente destes homens e mulheres africanos, cuja
exploração da força de trabalho permitiu aos seus proprietários angariar poder
econômico e político que estiveram na base dos conflitos que culminaram na
eclosão do movimento cabano. A bem da verdade, exploração, exclusão e
acumulação de riquezas estavam no berço de Joaquina. Ainda pequena começou a
participar do trabalho cotidiano das escravas do Grão-Pará e Rio Negro.
Trabalhando como lavadeira, cozinheira, engomadeira, vendedeira, circulou pelas
ruas e igarapés de uma cidade que tentava se reorganizar no período pós-
Cabanagem. Acompanhou a criação da província do Amazonas, em 1852, e as
modificações urbanas pelas quais passava a sua capital, Manaus, vivendo em um
prédio residencial e comercial localizado na Rua Brasileira: a casa de seu
senhor.
Ser escravo no Amazonas: trabalho, desigualdades e hierarquias sociais no
século XIX
Joaquina era escrava de Antônio Lopes Braga, que era membro de uma família de
comerciantes e militares, com uma bem sucedida carreira pública e atuação na
política local. Já em 1852, quando da instalação da província, era contador
escrivão da Fazenda. Quatro anos depois, assumiria o cargo de juiz municipal e
de órfãos de Manaus, acumulando-o com a presidência da câmara municipal. Em
1860, o jornal Estrella do Amazonas o considerava um dos mais importantes
dentre os "cidadãos com condições para o bom desempenho do mandato popular". Em
1869, Braga era líder do partido conservador e, depois do sucesso das eleições,
o Jornal do Commércio assegurava que o "capitão Braguinha" gozava de
"verdadeira influência popular no Amazonas". Se a carreira de homem público era
reconhecida, os negócios também prosperavam; desde 1854, era sócio de seu irmão
Hermenegildo Lopes Braga formando a firma Lopes Braga & Irmão.5
Os estudos sobre as hierarquias sociais e fortunas em Manaus permitem
dimensionar o lugar dos escravos nessa sociedade. O acesso à mão-de-obra
escrava era privilégio de poucos. Este fato ganha maior dimensão se levarmos em
consideração que a realidade social da província era de acentuada pobreza com
opções limitadas de investimento e fortes restrições de capitais. De acordo com
os dados dos inventários post-mortem, a maioria dos inventariados (60,5%) não
possuía escravos. Por outro lado, mais de 80% dos cativos registrados nos
inventários, no final da década de 1860, estava nas mãos de menos da metade dos
proprietários.6
Na década de 1840, a grande maioria dos proprietários de escravos estava ligada
ao setor da agricultura (68%). Os agricultores também controlavam parte
significativa das fortunas inventariadas (44,8%). Na década de 1850, esta
composição sofre uma mudança significativa quando os setores ligados ao
comércio passam a controlar não só a maioria dos escravos (39,5%), como também
da maior parte da riqueza produzida (64,6%). Este movimento de maior controle
de escravos e fortunas se incrementa nas décadas posteriores e se altera apenas
na década de 1880, quando os setores ligados às atividades extrativas
proprietários de seringais passaram a controlar mais de 56% dos escravos.
Antônio Lopes Braga fazia parte então de um seleto grupo de comerciantes que,
desde a década de 1850, ligados ao capital mercantil, engrossavam os seus
cabedais, investindo em prédios urbanos, comércio e posse de escravos. Braga
transformou em renda políticatodas estas posses no conjunto de uma sociedade
profundamente desigual e hierarquizada.7
Compartilhando as mesmas condições jurídicas de Joaquina, existiam no Amazonas,
de acordo com o censo de 1872, 979 indivíduos. Números relativos à população da
província, abarcando, praticamente, todo o século XIX, revelam certa
estabilidade desta população variando algo em torno de mil escravos. Vivendo em
Manaus na década de 1870, Antônio Lopes Braga fazia parte de uma população
branca estimada em 2.899 pessoas. A maior parte dos habitantes da capital foi
classificada como "caboclos" (12.084 indivíduos), categoria censitária
utilizada para enquadrar as populações indígenas que viviam em espaço urbano e
que compunham a maioria dos trabalhadores da região. Outros homens e mulheres
de cor (pretos e pardos) de Manaus somavam 2.603 pessoas e nem todas eram
livres: 377 deles eram escravas.8
Estamos diante de uma cidade multiétnica, majoritariamente habitada por
indígenas, seguida de brancos, mas com um importante contingente de população
de cor. Nesse universo diverso e desigual, a possibilidade de ser proprietário
de outrem se constituía como um relevante indicador de status social,
considerando a natureza da escravidão na província. Nesta direção é importante
notar que a província do Amazonas possuía o segundo maior percentual de
escravos vivendo em espaço urbano de todo o Império (50,9%). Somente o Rio de
Janeiro possuía percentual maior de cativos vivendo em ambiente urbano
(76,5%).9
Não há como negar a importância da presença de Joaquina na vida material e
social do Amazonas. Circulando pela cidade e desempenhando suas atividades no
comércio, nos serviços domésticos e outros mais, Joaquina era imediatamente
identificada como propriedade de Braga, reiterando a imagem de seu senhor como
homem de posses. É bem provável que Joaquina tenha conquistado, junto a ele,
autonomia suficiente para juntar seus trocados e formar um pecúlio. Afinal,
concessões e violências podem ser faces da mesma dominação.10
Além do caráter multiétnico da cidade de Manaus, é preciso chamar atenção para
outro processo em curso: as modificações no seu espaço urbano. Desde a década
de 1840 a cidade passava por um conjunto de transformações caudatárias da maior
circulação de bens e mercadorias que se dirigiam para a praça de Belém. Na
segunda metade do século XIX, Manaus já era rota de passagem obrigatória de
gêneros e produtos para o Pará e constituía-se como entreposto comercial
estratégico subordinado, apenas, à praça de Belém. A circulação de
trabalhadores e mercadorias se intensificava. Marinheiros de pequenos vapores e
navios, remeiros, canoeiros, regatões, cozinheiros de embarcações, oficiais de
calafate, pedreiros, carpinteiros e carregadores se misturavam às lavadeiras,
cozinheiras, engomadeiras, vendedeiras, sapateiros, ferreiros, lavradores,
jornaleiros e outros que passavam a integrar a paisagem social da cidade.
Este quadro aparentemente estável da dinâmica urbana era abalado com as fugas
constantes dos índios recrutados nas diferentes localidades da província. Estas
deserções, não só das obras públicas como dos serviços militares, aparecem com
certa regularidade nos jornais publicados no XIX e na documentação policial. A
falta de trabalhadores qualificados somada às frequentes deserções alimentavam
as reclamações relativas à "escassez de mão-de-obra". Digamos de outro modo: a
demanda dos "distintos cavalheiros" da província por trabalhadores era
insaciável.11
Em 1854, o Ministério dos Negócios do Império, interessado em incentivar a
construção de uma nova olaria em Manaus, e para minimizar as dificuldades de
braços, enviou para o Amazonas seis africanos livres que deveriam ser colocados
à disposição do novo empreendimento. Até 1866, este número subiria para 57
africanos livres, segundo estimativas de Gustavo Ramos Ferreira, vice-
presidente da província. Estes trabalhadores desempenhariam atividades
fundamentais para o governo provincial. Segundo o presidente Manoel Clementino
da Cunha, mesmo não sendo "operários da melhor qualidade", os africanos supriam
as crescentes demandas provinciais. Assim, atuariam no serviço da limpeza da
casa destinada para funcionar o Educandos Artífices, nas obras do cemitério São
José, nas obras da nova igreja matriz, na retirada de pedras para a construção
dos prédios públicos, na reforma da enfermaria militar e no palácio da
presidência.12
Joaquina certamente esbarrou com estes africanos enquanto desempenhava suas
tarefas ou simplesmente vagava pela cidade. Eles costumavam sair do bairro
Costa d'África onde residiam, atravessavam toda a cidade, passando quase que
obrigatoriamente pela rua Brasileira para ficar as "noites nos riachos desse
estabelecimento [Educandos Artífices], onde moram outros parceiros seus, aí
causam às vezes desordens com bebedeiras e rixas".13
Os africanos livres compartilhariam os espaços da cidade e do trabalho com
escravos e com os indígenas recrutados pelas diretorias parciais. Esta
constatação põe em relevo questões importantes sobre as condições precárias da
liberdade dos homens livres de cor. A presença de escravos é a chave que
permite dimensionar as experiências comuns de diferentes atores e delimitar as
fronteiras desta sociedade.
A cidade pela qual Joaquina transitava estava cada vez mais agitada por
visitantes, viajantes, naturalistas, comerciantes e trabalhadores de diferentes
origens étnicas, sociais e culturais. Foi nesse contexto que Joaquina conheceu
o índio José Maria, natural de Ega (Tefé), trabalhador marítimo da escuna de
certo França. Ao que tudo indica, José Maria trabalhava para Joaquim José Pinto
de França, comerciante estabelecido na vila de Serpa (Itacoatiara). O negócio,
situado na Rua do Mar, era abastecido de gêneros vindos do Pará. Também possuía
investimentos em Manaus, onde era proprietário de um prédio na Rua da Estrela,
paralela à Brasileira. O prédio do patrão de José Maria era bem próximo a casa
onde morava Joaquina. Não se pode precisar quando os dois se encontraram, mas o
certo é que logo estariam na mira das autoridades policiais. Em 21 de outubro
de 1855, às 8 horas da noite, os dois haveriam de fugir...14
Escravidão e liberdade: fugas de escravos no Amazonas
Em julho de 1855, o Amazonas foi atingido por uma violenta epidemia de cólera.
A "hedionda enfermidade" atingiu primeiro o Pará e alcançou o Amazonas. O
avanço da epidemia colocou as autoridades em polvorosa, e o presidente Corrêa
de Miranda organizou uma verdadeira operação de guerra para conter a doença.
Foram meses de intensa atuação médica, policial e religiosa para tratar os
enfermos e tranquilizar a população quanto à eficácia das medidas do governo
provincial.
Corrêa de Miranda destinou recursos provinciais para atender àqueles que fossem
acometidos pela doença na capital e no interior. Em Manaus, ordenou ao médico
da Câmara, Antônio Moreira, que indicasse uma casa para servir de enfermaria
para tratar os indigentes, e os medicamentos, gratuitos, seriam pagos pelos
cofres públicos. Para o fornecimento dos gêneros necessários à dieta dos
enfermos, foram contratadas várias casas comerciais, dentre elas a de Antônio
Lopes Braga. Para entregar os produtos da dieta elaborada pelos médicos,
Joaquina precisaria de "um bilhete declarativo do nome do enfermo, da
quantidade, e qualidade do gênero". Havia muita gente a ser atendida e, em
tempos de epidemia, o abastecimento da cidade poderia se tornar um sério
problema. A casa de Braga estava na boca de todos e a rua Brasileira tornou-se
um dos pontos centrais do comércio da cidade.15
Encerrado o expediente do dia 21 de outubro de 1855, Joaquina esperou cair a
noite, vestiu seu "vestido de chita roxa e camisa de riscadinho cor de rosa" e
fugiu. Subiu a rua Brasileira, dobrou para o pequeno Largo da Imperatriz,
segurou firme sua lanterna e, em minutos, estava às margens de um pequeno braço
do igarapé do Espirito Santo. Lá estava o índio José Maria com sua montaria, a
pequena canoa adaptada aos rios amazônicos. Era comum fugir assim. José Maria
também era um fugitivo, um desertor. De seus destinos pouco sabemos, até que
ela retornasse à cidade quase um ano depois.
A operação de fuga realizada por Joaquina e José Maria foi bastante arriscada.
Já ficou claro que estes eram tempos agitados em Manaus. A atuação policial
havia aumentado não somente por conta da preocupação com os possíveis
infectados, mas também para assegurar que os movimentos de escravos, indígenas,
africanos livres e homens pobres no ambiente urbano não se transformassem em
desordem generalizada. O frágil controle social dos trabalhadores tornava-se
ainda mais difícil quando circulavam pelas cidades alguns exemplos de
"criminalidade": os embriagados, desertores, fugitivos, vadios, briguentos,
acoutadores de escravos, entre outros "criminosos".16
Os dados sobre os registros policiais coletados nos jornais da época são
reveladores. No período de 1858 a 1864, o número de prisões apresentou uma
evolução percentual significativa: algo em torno de 150% (tomando como
referência os anos de 1858-59, foram registradas 255 prisões, e no triênio
1862-64 o número chegou a 385 presos). A prisão de escravos na cidade já tinha
virado alvo da ironia dos "pequenos jornais". O Estrella do Amazonas publicou
um "edital burlesco" extraído de um folheto de nome Popular, contendo algumas
"normas" para os cidadãos de Manaus. Em seu artigo 4º, o edital dizia o
seguinte: "Os negros que divagarem sem bilhete dos senhores serão surrados
depois das 10 horas da noite, com açoites de bacalhau em público e raso: pena
de multa de 10$000, se não quiserem levar a dose". Uma leitura mais atenta
sugere que os senhores não eram proprietários de escravos, mas de negros,cujo
simples divagar noturno deveria ser punido com pública violência.17
Não se trata de mera retórica. As autoridades policiais procuravam regular a
movimentação dos escravos na cidade, mas também o horário de suas atividades
mercantis nos lugares públicos. Na verdade, desde 1859, os vereadores de Manaus
estabeleceram a proibição de que escravos continuassem suas vendas nas ruas
após o toque de recolher. Em 1861, um edital da polícia da capital lembrava a
todos os cidadãos que não era permitido que escravos andassem pelas ruas,
depois das 3 horas da manhã, sem bilhete de seus senhores.18
Através da repetição via imprensa do regulamento das atividades de comércio de
regatão, proibia-se que os escravos sem autorização dos senhores, feitores ou
administradores pudessem integrar as embarcações. Os cativos também não
poderiam comprar aos mestres de canoas um peixe sequer sem a dita licença
escrita.19 É importante notar que a lógica de atuação do poder público possuía
margens mais amplas. Ao policiar as atividades de escravos no comércio de
regatão, buscava-se desarticular as relações e esquemas de comércio clandestino
entre as várias comunidades de fugitivos, mocambeiros e quilombolas que
abasteciam de forma importante o mercado regional com a produção de seus
excedentes econômicos, entre gêneros agrícolas e extrativos. Havia ainda a
preocupação que tais contatos pudessem fazer circular informações sobre as
transformações políticas nas Américas e no Caribe. Desde as últimas décadas do
século XVIII, as autoridades temiam o impacto que poderiam causar as notícias
sobre a abolição nas colônias francesas e as lutas de independência nas
colônias espanholas, bem como as discussões internacionais em torno da abolição
do tráfico e da escravidão.20
O controle social dos escravos e trabalhadores negros, tal como em outras
cidades do Império, também era caso de polícia em Manaus.21 Os dados indicam
que a maioria dos recolhidos à cadeia eram homens com fenótipo associado à
escravidão: preto/pardo ou africano (59,9%; 309 presos). É bem verdade que
depois dos africanos livres, os "tapuios" sofriam um pouco mais do que os
escravos com a atuação policial (23,2%; 120 detidos). Quase vinte anos depois,
no auge da campanha abolicionista e às vésperas da abolição em Manaus, o jornal
Abolicionista do Amazonasdenunciava o costume de senhores e autoridades
policiais de prender escravos a qualquer pretexto. Segundo o periódico, ainda
persistia "a prática abusiva da detenção de escravos na cadeia desta capital,
por tempo indefinido, em consequência de simples requisições de seus pretensos
senhores". Dessa forma, homens e mulheres negros vivenciaram um processo
bastante concreto (e truculento) ao longo de todo período escravista no
Amazonas: sobre eles recaía uma suspeição geral e a sistemática precarização de
sua liberdade.22
Diante de tudo que foi dito até aqui, é preciso reconhecer que Joaquina foi, no
mínimo, corajosa ao colidir com um conjunto de estratégias das elites locais
para coibir os movimentos e práticas de escravos, africanos livres e índios que
precisavam ser controlados e subordinados. É importante lembrar que as forças
policiais enfrentavam dificuldades para cumprir suas tarefas, fosse pelas
deserções constantes dos postos militares, fosse pelas dificuldades de
locomoção em uma cidade pouco iluminada, sofrendo várias modificações
urbanísticas e entrecortada por matas e igarapés. Seja como for, a constante
publicação destas normas revela a própria lógica de atuação do poder público,
sistematizada em estratégias de controle de cativos e homens livres, coadunada
ao domínio senhorial.
Antônio Braga publicou o anúncio da fuga de Joaquina no jornal quase uma semana
depois. Os dias entre a fuga e a publicação do anúncio foram suficientes para
que recolhesse as informações precisas da hora, trajes e do "sedutor" da moça.
Ao que parece, o capitão também publicou o anúncio em Belém e solicitou àqueles
que encontrassem sua escrava "preta crioula, gorda, bem parecida, e muito
faladeira" que a entregassem a seu parente Luís Antônio Lopes Braga, na Rua dos
Mercadores em Belém.
Joaquina e José Maria eram considerados foragidos da polícia e, como eles,
existiam outros mais. Só no período de 1854-1858 existiam anúncios no rastro de
14 escravos fugidos e ao longo da segunda metade do XIX, os dados permitem
afirmar que algo em torno de 62 escravos esteve em fuga. Agregando informações
dos registros de prisão, notícias sobre captura de escravos fugitivos, o número
sobe para 89 fugitivos. As fugas permanecerão como o indicador mais importante
da resistência dos escravos até os primeiros anos da década de 1870, quando a
quantidade de anúncios nos jornais decresce significativamente no contexto da
Lei do Ventre Livre, das ações das sociedades emancipacionistas e do aumento
importante da conquista/concessão das cartas de liberdade.23
Meses depois de Joaquina, foi a vez de Alexandrina fugir com seu companheiro
João Mulato para o rio Negro. Os dois cativos de Antônio Carneiro saíram em
plena madrugada da cidade de Belém e subiram o rio Amazonas com destino ao rio
Negro. João Mulato conhecia bem os caminhos que seguia porque ali já tinha sido
propriedade de outro senhor. Retornar ao rio Negro significava reencontrar
antigas amizades (quem sabe, familiares), reatar redes de solidariedade que
lhes assegurariam as condições de existência adequadas aos seus anseios.24
Anos antes, na cidade de Óbidos, a manhã do dia 11 de janeiro de 1854 não era
completa e Raimunda, "24 anos de idade, crioula, bem retinta, um tanto baixa,
bem figurada, muito humilde" já estava fugida com seu companheiro José Moisés,
"de 26 anos de idade, cafuz bastante fornido do corpo, estatura regular, mal
encarado, olhos pequenos, e fundos". Os dois fugiram com a ajuda do forro
Antônio Maranhoto, natural do Maranhão que tinha um dos "joelhos fora do lugar,
efeito de uma balada quando foi marinheiro de embarcação de guerra". As
experiências de escravidão, mar, guerra e liberdade em um só homem foram
suficientes para fazer crer ao senhor de Raimunda e José que eles foram
"seduzidos" pelo forro Antônio.25
Em fevereiro de 1861, a escrava Benedita, "cafuza, natural de Óbidos, com falta
de dentes na frente, cabelos cacheados, cheia de corpo, cara risonha" fugiu na
companhia do soldado mulato Francisco Lima. Levou uma rede nova, um balaio e um
baú de cedro contendo "um par de chinela, um fio de conta de ouro, uma camisa
de chita amarela, uma saia de cambraia branca com três folhos e duas camisas
brancas". Todas essas peças de roupa serviriam para compor não apenas uma bela
indumentária, mas para distingui-la como mulher livre, do pescoço aos pés
calçados.26
Em abril do mesmo ano, a escrava Maria, "crioula retinta, magra, alta, olhos e
beiços grandes" fugiu com Hipólito, "crioulo bem retinto, barbado, falta de
dentes na parte superior". Maria e Hipólito fugiram pouco tempo depois do
falecimento de seu senhor Antônio Guerra, diretor de índios no rio Madeira. A
viúva pedia sua captura e ainda oferecia 100 mil réis de recompensa por cada
escravo. O falecimento do senhor sempre foi um momento de tensão para os
escravos e suas famílias. A iminência de serem apartados, vendidos para quitar
dívidas ou satisfazer herdeiros em disputa foi uma constante ameaça no mundo da
escravidão. Para os escravos, a venda podia significar a desintegração dos
laços com seus iguais, com seu mundo, sua historicidade, sua identidade social.
Maria e Hipólito desejavam um destino diferente.27
As mulheres fugiam do cativeiro não só para cuidarem de suas famílias, mas
também para tornarem-se senhoras da cidade. Em setembro de 1860, a escrava
Lucrézia, "preta retinta, de idade 25 anos", carregou sua camisa de chita, uma
saia e se pôs a "andar vagando pelos subúrbios dos Remédios". O senhor de
Lucrézia, Manoel Cruz, possuía três prédios na capital, sendo um prédio e uma
casa comercial na rua Brasileira, e outro na rua do Sol, paralela à Brasileira
e nas proximidades do Largo da Imperatriz. Dali, Lucrézia podia atravessar a
ponte do Espirito-Santo e seguir pela Travessa dos Remédios e, depois de mais
uma ponte, tinha um bairro inteiro para circular, mercadejar, lavar suas
camisas e saias, viver sobre si, para desespero de seu senhor e das autoridades
policiais.28
Joaquim Neves, senhor de Benedita com seu bem fornido baú, continuou recorrendo
à polícia para recuperá-la dois anos depois da fuga de Óbidos. Benedita estava
condenada a cem açoites por sentença em processo de injúria. Andava pela cidade
à procura de um comprador e por isso avisava-se aos interessados que não
caíssem na "esparrela" de comprar escrava condenada e, "se cair nesse laço, não
se queixe ao depois quando a dita sentença for executada". Benedita continuou
por mais três meses em fuga, até que foi capturada pelos policiais. Foi no
espaço urbano que Benedita buscou redefinir as condições de seu cativeiro
buscando outro senhor para comprá-la já que suas repetidas fugas revelam um
evidente não quero ao cativeiro de Joaquim Neves.29
Histórias de autonomia pelos rios da Amazônia como aquelas de Joaquina e José
Maria, de Alexandrina e João Mulato, de Raimunda e José Moyses, de Benedita e
Francisco Lima podem ser melhor explicadas (e contadas) se levarmos em
consideração outras trajetórias vividas por indivíduos semelhantes daquele
mesmo tempo e lugar, colhidas das narrativas de alguns viajantes. Tal
procedimento tem sido chamado de analógico, porque permite construir "a
narrativa com base em informações possíveis e mesmo prováveis (...) retiradas
do contexto" e das histórias assim entrelaçadas.30 Sendo assim, Joaquina e José
Maria se assemelhariam ao caso da Dona Maria, narrado por Robert Avé-Lallemant
quando subia o rio Amazonas no final da década de 1850. A mulher "incomumente
robusta, bem parecida, rindo gostosamente" vivia há tempos no Canal de Tajapuru
com seu companheiro "mais escuro", sendo naquelas paragens bastante conhecida.
Dona Maria era o que se poderia chamar de senhora dos rios, já que remava
sozinha
por todos os pequenos igarapés, para vender seus artigos ou trocá-
los, e deve ter junto assim uma fortuna. Para maior segurança, leva
sempre consigo uma espingarda carregada e um grande facão; conserva-
os junto dela na rede, quando dorme. [...] Quase ninguém passa pelo
canal do Pará para Manaus que não conheça a célebre amazona Dona
Maria, do Canal de Tajapuru, e não mostre grande respeito pela
corajosa figura.31
Seguindo viagem também pelo rio Amazonas, Paul Marcoy encontrou "dois velhos de
pele escura" que viviam há tempos refugiados no interior da floresta. Pelo que
conta o viajante, o casal de "velhos mestiços" possuía um serviçal, um "índio
tapuia", que lhes ajudava no cultivo de uma pequena plantação de alimentos
cujos excedentes eram trocados por "sal, algodão, veneno para a caça e
implementos de pesca com os moradores de Ega e Caiçara". Em noites anteriores,
Marcoy havia se deparado com "um casebre" rodeado por uma pequena varanda que
servia de horta, habitada por "três desertores (...) que aqui viviam em paz e
segurança com suas mulheres pardas de narizes achatados". Ao seguir seu rumo,
Paul Marcoy ficou muito agradecido ao receber "alguns abacaxis colhidos na sua
horta" para não revelar às autoridades o paradeiro dos "bons camaradas".32
As fugas de Joaquina, Raimunda, Alexandrina, Benedita, Lucrézia revelam algo
mais que a recusa ao cativeiro. A maioria destas histórias manifesta uma
preocupação comum: o estabelecimento de laços familiares. Isto pode indicar que
a autonomia para formação dos lares, criação dos filhos, escolha de parceiros
para compartilhar a vida esteve no âmago daquilo que as mulheres escravizadas
entendiam como liberdade. Por outro lado, o viver sobre si no espaço urbano
aponta para o anseio de maior autonomia nas tarefas domésticas, nas atividades
de ganho nas ruas, nas tabernas, vendas e casas de comércio.
Em 1870, corria nos jornais um apelo para que se tomassem as providências
contra um constante ajuntamento de escravos vendedores nos arredores da rua
Brasileira. Eram acusados de atentar contra a "honra da pública moralidade".
Segundo o jornal, em toda e qualquer hora,
juntam-se nas rampas (...), nas pontes e em outros lugares, troças de
vendedeiras e outras desocupadas que de envolta com marinheiros,
escravos, e etc. dão bem tristes exemplos de moral. As palavras
obscenas são comuns nas bocas dessas assembléias e ouvem-nas todos os
que por necessidade ou recreio passam nesses lugares.33
A animada conversa revela que alugar serviços para atividades domésticas, obras
públicas, sair às ruas como "negros de ganho" era uma estratégia disponível e
sabidamente eficaz para acumular algum pecúlio, legalizado pela lei de 28 de
setembro de 1871. Juntando seu pecúlio, escravos e escravas conseguiam maior
autonomia para gerir seus próprios destinos e, no limite, comprar a própria
carta de liberdade. E assim foi feito pelas escravas no Amazonas.
A maioria das alforrias concedidas na província foi onerosa (61%; 75 cartas),
ou seja, resultado do penoso processo de trabalho e acumulação de pecúlio dos
escravos. Das escravas, melhor dizendo, já que mais da metade dos alforriados
são mulheres (56%; 95). Cabe lembrar que o aumento da concessão de cartas de
liberdade coincidiu com o movimento ascendente de obtenção da alforria por
mulheres nas décadas de 1860-70. Mais do que isso, o aumento da concessão
dessas cartas não estava necessariamente subordinado à cooperação humanitária
do senhor. De acordo com Pozza Neto,
No momento em que leis favoreciam a emancipação indenizando os
senhores com dinheiro dos cofres públicos, além das comissões civis
que se organizavam para arrecadar fundos para este fim, muitos
senhores preferiam se aproveitar desta oportunidade e lucrar com a
venda da liberdade de um escravo seu.34
Joaquina reaparece, afinal. Retornou à capital quase um ano depois, se é que
ela esteve realmente fora da cidade este tempo todo. Carregava consigo, em
moeda corrente do Império, a quantia de um conto de réis. Caminhou novamente
pela rua Brasileira e procurou pelo seu senhor. Joaquina voltou para comprar
sua carta de liberdade. Antônio Lopes Braga, negociante pela vida tornado
experiente, hesitou; declarou ser a quantia insuficiente "para o seu valor na
atualidade, e principalmente pela falta de quem me sirva". E tinha lá as suas
razões.
Dois parecem ter sido os motivos. Primeiro porque um dos efeitos da abolição
definitiva do tráfico ilegal foi a acentuada valorização do preço dos escravos.
O aumento do preço do braço cativo era o corolário da expansão das atividades
cafeeiras no Sudeste brasileiro. E ao que parece, as elites senhoriais do Pará
e do Amazonas não estavam tão interessadas em participar do tráfico
interprovincial e sangrar os suas escravarias em favor dos fazendeiros do
Nordeste e Sudeste brasileiro.35 Em termos gerais, a regra parece ter sido
manter o contingente escravo. O segundo motivo se distancia um pouco das
lógicas de mercado e aciona as relações de servidão baseadas na obediência e
fidelidade sob as quais Joaquina estava ligada ao seu senhor. Por outro lado,
não era incomum a estratégia de ampliação da escravaria através da reprodução
natural.36 Os futuros filhos de Joaquina poderiam multiplicar, sem maiores
custos, o lote de trabalhadores e sanar "a falta de quem me sirva" do capitão
Braga.
A negociação foi tensa, como era de se esperar. Pelo que se sabe, nenhuma das
cartas de alforria concedidas na década de 1850 foi gratuita ou dispensou algum
tipo de "condição". A alta dos preços restringia o acesso à alforria e limitava
a constituição do capital adequado para levar à efeito a negociação. Aliás, o
costume dos escravos de acumularem pecúlio só seria assegurado pela formalidade
da lei em 1871 com a Lei do Ventre Livre. A liberdade de dispor de si,
portanto, era conquista dificílima, mas não impossível.
E para Joaquina a compra da alforria parecia ser condição fundamental naquele
momento. Por vários motivos. O incremento do tráfico interno tornou ainda mais
precária não só a vida dos escravos, mas também dos libertos. A prática intensa
de sequestro de negros livres e libertos; a atuação de quadrilhas e redes de
"sedução" para exportação de escravos em direção ao Sudeste cafeeiro;37 bem
como a intensa atuação da polícia no controle da população negra na província
tornavam a vida em liberdade deveras insegura e precária. Por outro lado, a
libertação via alforria condicional também transformava o futuro num horizonte
de incertezas, pois vulnerável à re-escravização.38 Todos esses elementos devem
ter sido analisados por Joaquina. Dessa forma, a vontade de comprar a alforria
revela uma estratégia bastante perspicaz de sua parte: defender a liberdade com
melhores condições políticas e conquistar maior autonomia em relação ao ex-
senhor.
Não se pode precisar o quanto Braga se convenceu ou foi convencido. Na letra da
lei, Antônio Lopes Braga disse que assinava "sem constrangimento algum", menos
pela quantia que lhe foi apresentada por Joaquina do que "por ser este um ato
de beneficência, e em atenção aos serviços que me prestou durante o tempo de
servidão: em vista das quais lhe dou plena liberdade". Se o comerciante ficou
(ou não) com o dinheiro, nada se registrou...39
Joaquina, mulher livre: conclusões sobre outras histórias que ainda virão...
A história de Joaquina nos chegou através de fragmentos. A bem da verdade, a
vida que acabamos de reconstituir só foi possível na encruzilhada de outras
histórias. Tais evidências só puderam fazer sentido em suas relações não só com
outros fragmentos, mas também quando lidas em seus respectivos contextos
sociais, políticos, econômicos e culturais.
Joaquina nasceu e cresceu em uma sociedade bastante empobrecida cuja lógica de
reprodução se assentava na sistemática exclusão e hierarquização de uma parte
significativa de sua população.40 As conturbações políticas e sociais das
primeiras décadas do século XIX acentuaram a retração e a desarticulação
econômica. Joaquina viveu no estrato mais baixo desta estrutura e a sua simples
presença ajudava a reproduzir relações de subordinação e exclusão. A
reorganização política e administrativa no extremo norte do Estado imperial
brasileiro, no período pós-Cabanagem, permitiu a pessoas, como o capitão Braga,
espaço nos locais mais importantes da política local. Suas atividades como
militar, comerciante e vereador reproduziam a sua presença no jogo político. A
posse de escravos era fundamental nesse processo. A propriedade de uma
mercadoria tão cara lhe habilitava no mercado, conferia status social e ainda
agregava renda política.
Joaquina fugiu em um momento muito conturbado. Muitos escravos fariam o mesmo.
Aproveitariam uma cidade agitada com as modificações no espaço urbano, com o
temor das epidemias, com a maior circulação de vapores, canoas e trabalhadores
e com o aumento das fugas escravas e enfrentariam o recrudescimento da atuação
policial. Enfim, em pleno processo de organização política e econômica da
província é que Joaquina percebe os seus interesses profundamente distantes dos
de seu senhor. O amor de José Maria e a possibilidade de uma nova vida são
prova disso.
Mesmo com histórias distintas, a maioria das fugas de mulheres escravizadas no
Amazonas guardava um sentido comum: o estreitamento de laços familiares. A
conquista de um espaço de autonomia para construir estes laços é o que parece
caracterizar a noção de liberdade destas mulheres: cuidar de seus filhos,
permanecer junto de companheiros e parentes, fugir da separação pelas vendas,
entre outras. Mas não só isso. Circular e viver sobre si no espaço urbano
também motivou muitas escravas, vendendo quitutes e doces, lavando, cozendo,
engomando para juntar pecúlio. Muitas foram as estratégias para se manterem em
fuga ou conquistar a carta de liberdade como Joaquina.
A proibição definitiva do tráfico de escravos em 1850, resultado dos embates
políticos entre as elites imperiais e da intensa atuação internacional da
Inglaterra pelo fim da escravidão, bem como a aprovação, no mesmo período, da
Lei de Terras sinalizavam reformas para a emancipação. Depois da Lei do Ventre
Livre, esse processo de inflexão se acentua e a legitimidade da escravidão
sofre abalos profundos.41 Cabe perguntar qual a importância das estratégias de
vida de homens e mulheres escravizados nesse processo.
Sobre suas histórias como mulheres livres pouco (ou quase nada) se sabe e este
é um passado que precisa ser investigado. O que é possível dizer aqui com
alguma certeza é que o processo de resistência ao cativeiro, durante as décadas
de 1850-1860, percebe nas fugas o seu melhor instrumento. A partir da década de
1870, de modo estratégico, escravas e escravos passam a combinar fugas (menos
frequentes, é verdade) e alforrias para transformar as suas condições de vida
e, no limite, desintegrar politicamente o cativeiro.
Na tentativa de proteger seus laços familiares contra a venda de seus membros;
conquistando autonomia para dispor de si nos espaços urbanos; mercadejando,
acumulando pecúlio, fazendo circular informações e prestando auxílio aos
desertores e fugitivos; as ações de mulheres como Benedita, Alexandrina,
Raimunda, Maria, Lucrézia e Joaquina são importantes indícios para a
compreensão do processo de extinção da escravidão no Amazonas.
Texto recebido em 10/8/2011 e aprovado em 2/11/2011
1 Para Magda Ricci a Cabanagem foi um movimento revolucionário de ampla
participação social, abrangendo as elites antiportuguesas, as populações
indígenas, comunidades de escravos fugidos, quilombolas e soldados desertores,
cujas lutas em comum se assentavam no ódio ao mandonismo branco e português -
especialmente aqueles mais abastados. Ao longo do movimento, a participação
destes sujeitos foi mediada (e transformada) por conflitos de classes e
interesses políticos e -econômicos. Depois que as elites revoltosas tomaram o
poder e colocaram a província em estado de guerra civil, não houve como refrear
tal movimento, disso resultando um profundo espraiamento da revolução por
outras classes nos mais remotos lugares da província e áreas de fronteira
internacional. A par do nascimento de outros chefes cabanos, a luta por
direitos e liberdades surgia em cada vila ou aldeia da Amazônia desconsiderando
qualquer tipo de autoridade e hierarquias sociais instituídas. Ver: Magda
Ricci, "Cabanagem, cidadania e identidade revolucionária: o problema do
patriotismo na Amazônia entre 1835 e 1840", Tempo,v. 11, n. 22 (2007), pp. 15-
40; José Murilo de Carvalho considera a luta dos cabanos como
a mais sangrenta da historia do Brasil: mais de 30 mil mortos e um crescimento
populacional que só na década de 1860 ganharia vigor. Verificar: José Murilo de
Carvalho, Cidadania no Brasil. O longo caminho,Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2002, p. 69. Em outro artigo Magda Ricci critica
a interpretação corrente na historiografia que entende a Cabanagem apenas como
uma revolta ou rebelião separatista, isto é, uma tensão típica do período
regencial: Magda Ricci, "Fronteiras da nação e da revolução: identidades locais
e a experiência de ser brasileiro na Amazônia (1820-1840), Boletín
Americanista, ano LVIII, n. 58 (2008), pp. 77-95. Para uma
análise mais demorada sobre historiografia da Cabanagem, ver também: Luís
Balkar Pinheiro, Visões da Cabanagem uma revolta popular e suas representações
na historiografia, Manaus: Editora Valer, 2001.
2 Manolo Florentino & João Fragoso, O arcaísmo como projeto. Mercado
Atlântico, sociedade agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia,
Rio de Janeiro, c. 1790-c. 1840,Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. Ver também: Rafael Chambouleyron, "Suspiros por um escravo de
Angola. Discursos sobre a mão-de-obra africana na Amazônia seiscentista",
Humanitas,v. 20, n. 1/2 (2004), pp. 99-111; Rafael
Chambouleyron, "Escravos do Atlântico equatorial: tráfico negreiro para o
Estado do Maranhão e Pará (século XVII e início do século XVIII)", Revista
Brasileira de História.v. 26, n. 52 (2006), pp. 79-114;
Reinaldo Barroso Junior, "Nas rotas do atlântico equatorial: tráfico de
escravos rizicultores da Alta-Guiné para o Maranhão (1770-1800)" (Dissertação
de Mestrado, Universidade Federal da Bahia, 2009).
3 Vindos, inicialmente, da região da Alta-Guiné, logo outros portos
alimentariam o tráfico equatorial: Guiné, Angola, Malagueta, Costa da Mina e
Moçambique. Ver: Maria Celeste G. Silva, "Dimensões atlânticas: notas sobre o
tráfico negreiro e as rotas comerciais entre a Alta Guiné e o Maranhão, 1755-
1800", Anais do XIX Encontro Regional de Historia: Poder, Violência e
Exclusão.ANPUH/SP-USP. São Paulo, 2008. Cd-ROM.
4 Ver Flávio dos Santos Gomes,A hidra e os pântanos: mocambos, quilombos e
comunidades de fugitivos no Brasil (séculos XVII-XIX), São Paulo: Ed. UNESP/
POLIS, 2005, p. 44. Sobre as atividades em que a mão-de-obra
africana foi empregada no baixo Amazonas, ver também: Eurípedes Funes, "Nasci
nas matas, nunca tive senhor": história e memória dos mocambos do baixo
Amazonas, in João José Reis e Flávio dos Santos Gomes (orgs.), Liberdade por um
fio: história dos quilombos no Brasil, São Paulo: Companhia das Letras, 1996,
p. 470.
5 Governo do Amazonas. Auto da Installação da Província do Amazonas pelo Exmo.
Snr. João Baptista de Figueiredo Tenreiro Aranha, seu 1º Presidente, no dia 1º
de janeiro de 1852. Manaus: Typographia de M. da S. Ramos, 1852. Acervo do
Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa (CENDAP/PPGSCA/UFAM) Jornal Estrella
do Amazonas, 4 de março de 1854; 18 de maio de 1854; 20 de outubro de 1858; 15
de agosto de 1860 e Jornal do Commércio, 4 de fevereiro de 1869. Sobre a
presidência da Câmara, cf. Livro de Atas da Câmara Municipal de Manaus (1858-
1864). Arquivo Legislativo da Câmara Municipal de Manaus.
6 Cf Patrícia M. Sampaio, "Nas teias da fortuna: acumulação mercantil e
escravidão em Manaus, século XIX". Mneme Revista de Humanidades,Caicó, v. 3,
n.6 (2002).
7 A noção de renda políticaestá em Manolo Florentino e José Roberto Góes e
pretende dar conta do processo de constituição social de um tipo especifico de
trabalhador pacificado: o escravo. Segundo os autores, "este processo iniciava-
o o mercado, pela introdução do estrangeiro, e concluía-o o próprio escravo,
tornado africano e brasileiro, membro de uma comunidade, de um nós cativo". O
controle da escravaria, e de sua produtividade, dependeriam da criação e
recriação de parentesco, assegurando ao senhor a própria capacidade de retornar
ao mercado. Nesse sentido, a forma como nos apropriamos do conceito não difere
substancialmente do proposto pelos autores, mas procura sublinhar a posse de
escravos como elemento chave na reiteração de um status social diferenciado no
conjunto das disputas pelo poder na sociedade amazonense oitocentista. Ver:
Manolo Florentino & José Roberto Góes, A paz das senzalas: famílias
escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790-c.1850,Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1997, p. 37.
8 Ver Patrícia M. Sampaio, Os fios de Ariadne: tipologias de fortunas e
hierarquias sociais em Manaus: 1840-1880,Manaus: EDUA, 1997.
9 Renato L. Marcondes, "Desigualdades regionais brasileiras: comércio marítimo
e posse de cativos na década de 1870" (Tese de Livre Docência, Universidade de
São Paulo, 2005), p. 87.
10 Silvia Lara, operando com a noção de reciprocidade formulada por Edward
Thompson, argumenta que o senhores de escravos até podiam considerar os seus
cativos como seres despossuídos de vontade própria, impondo-lhes um
comportamento passivo e subordinado. Mas da contradição resultante desta
impossibilidade de os escravos tornarem-se acéfalos e anômicos (ou seja, mera
extensão da vontade de seus senhores) surge a política do paternalismo, isto é,
as ideias e projetos pelos quais os escravos lutavam (e conquistavam) eram
tratadas como generosas concessões. Por outro lado, os escravos traduziam essas
"concessões" em direitos que deveriam ser mantidos. Sob esta perspectiva
analítica, compreende-se as relações senhor-escravo permeada de "direitos e
deveres" que deveriam ser recíprocos. Ver: Silvia Hunold Lara, "'Blowin in the
Wind': Thompson e a experiência negra no Brasil", Projeto História,n.12 (1995),
pp.43-56.
11 Parte dos jornais referidos integram acervo do CENDAP/PPGSCA. Outros títulos
também foram pesquisados em mais duas instituições: Centro Cultural Povos da
Amazônia e Instituto Histórico e Geográfico do Amazonas IGHA. Os livros da
Secretaria de Polícia foram digitalizados do Arquivo Público do Estado do
Amazonas e cópias digitais integram acervo do Núcleo de Pesquisa em Política,
Instituições e Práticas Sociais (POLIS). Quanto ao recrutamento de índios e a
atuação das diretorias de índios no século XIX, ver Patrícia M. Sampaio.
"Política indigenista no Brasil Imperial", in Keila Grinberg & Ricardo
Salles (orgs.), O Brasil imperial (1808-1889) (Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2008), v. 1, pp. 175-206.
12 Estrella do Amazonas, 4 de maio de 1854. Governo da Província do Amazonas.
Relatório com que o Exmo. Sr. 1º Vice-Presidente da Província do Amazonas abriu
a Assembleia Legislativa provincial, no dia 05 de setembro de 1866. Africanos
livres configuram um grupo particular de homens e mulheres que faziam parte dos
carregamentos das embarcações capturadas no tráfico ilegal e, deste modo, não
eram considerados escravos. Eram colocados sob a tutela do Estado e/ou de
particulares por prazo determinado até que pudessem ser emancipados. Para uma
discussão mais completa, ver Beatriz Mamigonian, "Revisitando a 'transição para
o trabalho livre': a experiência dos africanos livres", in Manolo Florentino,
Trafico, cativeiro e liberdade: Rio de Janeiro, séculos XVII-XIX(Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2005), pp. 389-417. Sobre a
presença de africanos livres no Amazonas, ver Patrícia M. Sampaio, "Escravidão
e liberdade na Amazônia: notas de pesquisa sobre o mundo do trabalho indígena e
africano", Anais do III Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional
[recurso eletrônico], 2005. Também cf: Governo da província
do Amazonas. Relatório apresentado á Assembleia Legislativa do Amazonas pelo
Exmo. Senr. Dr. Manoel Clementino Carneiro da Cunha Presidente da mesma
Província na Sessão ordinária de 3 de maio de 1862, Manaus: Typographia de F.
C. Rhossard, 1862, p. 20. As informações sobre as atividades
dos africanos livres estão no Estrella do Amazonas, 24 de março de 1858; 7 de
dezembro de 1859; 9 de outubro de 1858 e 18 de julho de 1860.
13 Estrella do Amazonas, 9 de outubro de 1858.
14 Livro de Coletorias das Rendas Provinciais da Vila de Serpa para
escrituração dos impostos do interior (1858). As informações sobre os prédios e
casas comerciais de França e Braga estão no Estrella do Amazonas, 17, 20 de
fevereiro e 27 de janeiro de 1858. A localização foi estimada a partir do mapa
Planta dos Bairros de Manáos (1875) do acervo do POLIS. Sobre o contato e a
interação entre os grupos indígenas e negros, Stuart Schwartz chama atenção
para experiências comuns de suas trajetórias no período colonial (colonização,
escravização, restrições ao acesso a terras e exploração da força de trabalho
no regime de exportação agrícola); mas acrescenta que estas relações ainda são
negligenciadas nos estudos sobre a história das Américas. Ver: Stuart Schwartz,
"Tapanhuns, negros da terra e curibocas: causas comuns e confrontos entre
negros e indígenas", Afro-Ásia, n. 29/30 (2003), pp.13-40.
15 Todas as informações sobre as ações de combate ao cólera foram retiradas do
Estrella do Amazonas, 21 de julho de 1855 e 18/08/1855. Para uma leitura mais
completa, ver Jane Beltrão,Cólera, o flagelo de Belém do Grão-Pará, Belém:
MPEG/UFPA, 2004.
16 Edward Thompson sagrou-se como importante historiador social preocupado com
as experiências e os conflitos das camadas trabalhadoras da Inglaterra do
século XVIII. Em seus estudos, no que concerne ao direito e ao crime, afirma o
caráter complexo da lei como espaço do conflito, de mediação entre os
diferentes personagens históricos, analisando as características, a
historicidade e lógica própria de seu desenvolvimento no interior da sociedade.
Este procedimento analítico garante o mínimo de criticidade sobre o valor moral
das motivações e ações dos grupos subalternos, bem como releva certas dimensões
da cultura popular, problematizando a noção de crime, no caso do Amazonas,
formulada por suas elites dominantes. Ver, entre outros: Edward Thompson,
Senhores e caçadores: a origem da lei negra, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987; Edward Thompson, Costumes em comum: estudos sobre a cultura
popular tradicional, São Paulo: Companhia das Letras, 1998, especialmente os
capítulos 3, 4, 5.
17 Foram coletados 636 registros de prisões entre 1858-1868. Cumpre lembrar a
fragilidade dos dados em função da ausência de exemplares que não permitiu
homogeneidade das séries anuais. De qualquer maneira, parece-nos evidente que
do final da década de 1850 até o início da seguinte, houve uma intensa atuação
policial no Amazonas.
18 Estrella do Amazonas, 13 de julho de 1859 e 1º de junho de 1861.
19 Estrella do Amazonas,15 de março de 1856. A lei que regulamenta o comércio
de regatão é a n.º 19 de 25 de novembro de 1853. Coleção das Leis da Província
do Amazonas de 1853, Barra do Rio Negro: Typographia de M. S. Ramos. Biblioteca
Ramayana de Chevalier do Instituto Histórico e Geográfico do Amazonas.
20 Flávio dos Santos Gomes, "Em torno dos bumerangues: outras histórias de
mocambos na Amazônia Colonial",Revista da USP,n. 28 (1995), p. 47; Flávio dos Santos Gomes, "No labirinto dos rios, furos e igarapés":
camponeses negros, memória e pós-emancipação na Amazônia, c. XIX-XX", História
Unisinos,v. 10, n. 3 (2006), p. 282; Eurípedes Funes, "Nasci
nas matas, nunca tive senhor", p. 482.
21 Diferentes autores analisaram o controle social da escravaria no ambiente
urbano, especialmente em cidades com grande contingente de cativos. A
preocupação com a ordem pública constituía-se em princípio básico da legislação
em diversas cidades do Império. No âmbito historiográfico, o tema suscitou
intenso debate sobre os conflitos entre o poder privado e o poder público no
controle dos cativos. Ver, entre outros: Leila Mezan Algranti, O feitor
ausente: estudo sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro, Petrópolis:
Editora Vozes, 1988; José Maia Bezerra Neto, "Mercado,
conflitos e controle social. Aspectos da escravidão urbana em Belém (1860-
1888), História & Perspectivas,n. 41 (2009); Marcus J. M.
de Carvalho, "Recife: Controles e contraste (1822-1856)", in Maria Angélica
Soller & Maria Izilda Mattos (orgs.), A cidade em debate. Belém, Recife,
Rio de Janeiro, São Paulo, Santos, Uberlândia, Curitiba, Porto Alegre, São
Paulo: Editora Olho d'água, 1999, pp. 75-108; Sidney
Chalhoub, "Medo branco de almas negras: escravos, libertos e republicanos na
cidade do Rio", Revista Brasileira de História,v.8, n. 16 (1988), pp. 83-105; Sobre o controle social da escravaria em Salvador no período
da permanência da família real, ver: João José Reis, "Notas sobre resistência e
controle dos escravos na Bahia, que recebeu a família real em 1808", Revista
USP, n. 79 (2008), pp. 106-17; Roberto Guedes Ferreira,
"Autonomia escrava e (des)governo senhorial na cidade do Rio de Janeiro da
primeira metade do século XIX", in Manolo Florentino (org.), Tráfico, cativeiro
e liberdade (Rio de Janeiro, séculos XVII-XIX)(Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2005), pp. 229-84.
22 Abolicionista do Amazonas, 5 de maio de 1884. Utilizamos os conceitos de
suspeição generalizada e precarização da liberdadea partir das reflexões de
Sidney Chalhoub. Segundo este autor a historiografia brasileira apresenta
algumas lacunas de abordagem no que se refere à avaliação dos contextos
históricos específicos e dos mecanismos institucionais que limitavam, e mesmo
usurpavam, a liberdade na experiência cotidiana de pretos e pardos livres.
Sobretudo nas instituições policiais parecia vigorar o pressuposto de que
pessoas com sinais claros de origem africana eram escravos até prova em
contrário. No contexto de aumento populacional das cidades e de maior acesso à
liberdade, haveria zonas amplas de incerteza social sobre as fronteiras entre
escravidão e liberdade que tornavam os livres de cor suspeitos de serem
escravos e comprimiam a qualidade da liberdade destes sujeitos históricos. Ver:
Sidney Chalhoub, Visões da liberdade,São Paulo: Companhia das Letras, 1990; Sidney Chalhoub, "Costumes senhoriais. Escravização ilegal e
precarização da liberdade no Brasil Império", in Elciene Azevedo et al.
Trabalhadores na cidade: cotidiano e cultura no Rio de Janeiro e em São Paulo,
séculos XIX e XX, Campinas: Editora da Unicamp, 2009; Sidney
Chalhoub, "Precariedade estrutural: o problema da liberdade no Brasil
escravista (século XIX)", Revista de História Social, n. 19 (2010).
23 Quase 10% de toda a escravaria da província escolheu fugir. Estes dados
revelam apenas os fugitivos que tiveram seus anúncios publicados nos jornais ou
que acabaram capturados. Para fins de comparação, em termos percentuais, São
Paulo registrou menos fugitivos que o Amazonas. De acordo com os dados dos
jornais paulistas, relativos às três ultimas décadas da escravidão na
província, a quantidade de fugas em relação ao número de escravos revela um
percentual de 0,46%. Por outro lado, em número absolutos o número de fugas
registradas em anúncios paulistas é quase cem vezes maior. Ver: Lilia Schwarcz,
Retrato em branco e preto. Jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no final
do século XIX,São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 138.
Com relação às alforrias no Amazonas, Provino Pozza Neto trabalhou com 151
cartas de alforria entre 1850 e 1886. Afirma que a década de 1870 concentra o
maior número de alforrias. Os percentuais são impressionantes: no período de
1860-1870, o aumento é de, pelo menos, 117%. Ver: Provino Pozza Neto, Como se
fora de ventre-livre: estudos sobre alforrias no Amazonas imperial, Programa de
Iniciação Científica ' PIBIC/CNPQ/UFAM, Relatório Final, Agosto/2009,
disponível na Biblioteca Setorial do ICHL/Universidade Federal do Amazonas.
24 Estrella do Amazonas, 16 de abril de 1856.
25 Estrella do Amazonas, 21 de fevereiro de 1854.
26 Estrella do Amazonas, 20 de fevereiro de 1861.
27 Estrella do Amazonas, 6 de abril de 1861. Cristiany M.
Rocha, "A morte do senhor e o destino das famílias escravas nas partilhas.
Campinas, século XIX", Revista Brasileira de História,v.26, n. 52 (2006) pp.
177-78. Para melhor compreensão do tema das famílias
escravas, ver: Robert W. Slenes, "Lares negros, olhares brancos: histórias da
família escrava no século XIX", Revista Brasileira de História. v. 8, n. 16
(1988), pp. 189-203; Florentino & Góes, "A paz das
senzalas".
28 Estrella do Amazonas, 19 de setembro de 1860. As
informações sobre os prédios pertencentes a Manoel Cruz estão no Estrella do
Amazonas, 17, 20 de fevereiro e 27 de janeiro de 1858.
29 O Catechista, 14 de Novembro de 1863; 5 de março de 1864
30 Beatriz Galloti Mamigonian, "José Majojo e Francisco Moçambique, marinheiros
das rotas atlânticas: notas sobre a reconstituição de trajetórias da era da
abolição", Topoi,v.11, n. 20 (2010), pp. 75-91.
31 Robert Avé-Lallemant, No rio Amazonas (1859), Belo Horizonte/São Paulo:
Editora Itatiaia/Editora da Universidade de São Paulo, 1980, p.65.
32 Paul Marcoy, Viagem pelo rio Amazonas, Manaus: Editora da Universidade
Federal do Amazonas, 2006. Respectivamente, os casos podem
ser encontrados nas páginas 119 e 107.
33 O Catechista, 16 de julho de 1870.
34 Provino Pozza Neto, "Como se fora", p. 37.
35 José Maia Bezerra Neto, "Escravidão e crescimento econômico no Pará (1850-
1888)", in Aldrin Moura de Figueiredo & Moema de Bacellar (orgs.), Tesouros
da memória. História e patrimônio no Grão-Pará (Belém: Ministério da Fazenda
Gerência Regional de Administração no Pará/Museu de Arte de Belém, 2009). Estudos de Manolo Florentino sobre alforrias na cidade do Rio
de Janeiro entre 1789 e 1831 mostram que "após o fim do tráfico com a África, o
valor de um escravo com estas características triplicou em relação à década de
1840, atingindo o pico (cerca de 1:500$000 réis) nos anos 60". Ver: Manolo
Florentino, "Sobre minas, crioulos e a liberdade costumeira no Rio de Janeiro,
1789-1871" in Manolo Florentino (org.), Tráfico, cativeiro e liberdade. Ri ode
Janeiro, séculos XVII-XIX (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005), p.
340.
36 Carlos de Almeida Prado Bacellar, "A Escravidão miúda em São Paulo
colonial", in Maria Beatriz Nizza da Silva (org.), Brasil:Colonização e
Escravidão(Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000), p. 243.
37 Sidney Chalhoub, "Precariedade estrutural", pp. 41-9. Ver
também: Hebe Mattos, "Raça e cidadania no crepúsculo da modernidade escravista
no Brasil", in Keila Grinberg & Ricardo Salles (orgs.), O Brasil Imperial,
volume III (1870-1889)(Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009), p. 21.
38 Estudos de Keila Grinberg demonstram que os escravos que conquistavam a
liberdade através de uma alforria condicional estavam mais vulneráveis à
possibilidade de revogação da alforria por motivos de ingratidão. Ver: Keila
Grinberg, "Senhores sem escravos: a propósito das ações de escravidão no Brasil
Imperial", Revista Almanack Braziliense, n. 6 (2007).
39 Carta de liberdade publicada no Estrella do Amazonas, 28 de junho de 1856.
40 Se compararmos as as faixas de fortunas de Manaus com as do Rio de Janeiro,
verificamos que toda a fortuna líquida registrada para Manaus no período de
1840-1880 é apenas três vezes maior do que uma única fortuna encontrada no Rio
de Janeiro. É importante não esquecer os componentes extraeconômicos que
asseguraram a reprodução da hierarquia social através de uma intrincada rede de
relações pessoais que garantiam a acumulação de riquezas e a própria atuação no
circuito mercantil. Ver: Patrícia M. Sampaio, "Nas teias da fortuna: acumulação
mercantil e escravidão em Manaus, século XIX", p. 140. Sobre
acumulação de riquezas no Rio de Janeiro ver, entre outros, João Luís Fragoso,
Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de
Janeiro (1790-1830), Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1992.
41 Hebe Mattos. "Raça e cidadania no crepúsculo da modernidade escravista no
Brasil", pp. 19-23.