A comida dos baianos no sabor amargo de Vilhena
Luís dos Santos Vilhena nasceu em 1744, na vila de Santiago de Cacém, no
Alentejo, em Portugal. Com 22 anos, entrou para o serviço militar, no Regimento
de Setúbal. Em 1776, pediu baixa do exército e decidiu ser professor. Viveu em
Lisboa por 11 anos, ensinando latim e grego. Chegou a Lisboa quase no mesmo
momento em que o Marquês de Pombal caía em desgraça, sendo apeado do poder.
Apesar das grandes discussões em torno do legado de Pombal, é indiscutível que
as marcas do seu esforço de modernização tiveram prosseguimento no reinado de
D. Maria. A permanência de Vilhena em Lisboa coincidiu com a grande presença
das ideias iluministas em Portugal. Não fugiu a tais influências, sendo um
iluminista, mas um "iluminista à portuguesa". Existe outro dado fundamental em
torno a suas posições políticas: ele era um funcionário público do governo
português na Colônia, pois foi nomeado para ocupar, como Professor Régio, a
cadeira de Língua Grega em Salvador ou na Cidade da Bahia, onde chegou em fins
de 1787. Vivendo basicamente do salário da Fazenda Real, pertencendo à
burocracia, seria, evidentemente, um defensor dos interesses do Rei, da Coroa
portuguesa, na sociedade colonial.
Segundo Katia Mattoso, por Vilhena não ter conseguido muitos alunos de grego na
Cidade da Bahia, ganhava metade do que deveria perceber, advindo daí "certa
miséria material".1 Ele possuía apenas cinco alunos, e seu salário de 440$000
era suplantado apenas pelo do professor da Cadeira de Filosofia Racional e pelo
de um Professor Jubilado da mesma cadeira, que ganhavam 460$000.2 Ele não foi
um funcionário comum; distinguia-se, por sua condição intelectual, por sua
erudição e pelas relações sociais que estabeleceu com as elites baianas.
Na sua Recopilação de noticias soteropolitanas e brasilicas,3 hoje popularmente
conhecidas como as Cartas de Vilhena, nada existe de modéstia, seja na afirmada
erudição do nome com que assina e na forma como nomeia D. João, Príncipe
Regente, e D. Rodrigo de Souza Coutinho, o Ministro a quem destina algumas de
suas missivas,4 seja na sua pretensão de uma reforma geral da colonização. Ele
abordou todos os aspectos da realidade, sendo seu relato expressivo,
convincente, pois, muito viu onde viveu, ou seja, em Salvador, a Cidade da
Bahia, lugar em que muito ouviu, outro tanto leu e, quem sabe, também copiou. O
seu reformismo iluminista não pretendia transformar, mas racionalizar, melhorar
a política do sistema colonial, para honra e glória do Império Português. Tanto
assim que, em nenhum momento, questionou o colonialismo, pautado no monopólio
comercial metropolitano; embora criticasse moralmente a escravidão e, em
especial, os africanos e seus descendentes, não advogou a sua extinção, muito
pelo contrário; segundo ele, até os libertos deveriam ter tutores, pois eram
incapazes de exercer a liberdade. Cheio de reticências, argumentou ser o
tráfico de escravos prejudicial à vida local pela presença dos bárbaros
africanos. Faltava, na Colônia, respeito, ordem, segurança e política econômica
adequadas: daí as suas ideias.
Sua crítica mordaz às autoridades e à sociedade local devia-se, provavelmente,
à sua tentativa de, por um lado, vingar-se do pouco prestígio concedido a um
professor na Colônia e, por outro, demonstrar para as elites portuguesas a sua
distância dos modos e modas imperantes entre os soteropolitanos. Uma "sociedade
de vícios", da qual a sua família não conseguiu desapegar-se, como revela o
testamento de sua mulher, D. Maria Antonia, que documenta ter ela possuído
cinco escravos adultos e três crioulinhos.5
Ladino, cheio de artimanhas, encheu de elogios o Governador da Bahia, D.
Fernando José de Portugal, ao mesmo tempo em que criticava, de forma
exacerbada, a sua administração. Já vivendo há 12 anos em Salvador,
evidentemente não deixou de pensar que suas Cartas poderiam ser um caminho para
a sua ascensão na Metrópole. Não é à toa que as três últimas já visavam outro
"padrinho", D. Rodrigo de Souza Coutinho, o Conde de Linhares, Ministro de D.
João. Ledo engano! quando a família real veio para o Brasil em 1808, ele ficou
para trás, sem o esperado convite do poderoso Ministro.
Nada disso tira a importância das suas Cartas. A partir delas, podemos supor o
que seria Salvador, uma cidade ainda rural, como o disse Katia Mattoso,
imaginar o início de consolidação do processo de interiorização, perceber as
nossas riquezas e as nossas carências. Este artigo vai se concentrar na sua
perspectiva sobre alimentação, em especial na órbita da produção e
comercialização dos produtos. Porém, muito mais ele disse sobre alimentos e
sobre a vida da Colônia. É patente o seu interesse em preservar o Brasil para
um Portugal combalido, fraco, submisso aos ditames britânicos. Brada forte
contra o tráfico de escravos, não por humanismo, mas pelo temor da grande
presença dos escravos e seus descendentes na população da Colônia. Amaldiçoa a
mestiçagem e a flexibilidade da estrutura social, corrompida pela sexualidade
desenfreada. A ferocidade de sua língua já era um retrato do seu desespero
diante da realidade. Passemos, porém, à mesa.
À mesa "pouco ilustrada" com o professor de grego
Triste Bahia! Oh quão dessemelhante
Estás, e estou de nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vejo eu já, tu a mi abundante.
Gregório de Matos6
As significativas preocupações de Vilhena são, em sua maioria, sobre a produção
e a escassez de alimentos, a alta dos preços, a qualidade dos produtos, a forma
de comercialização, a relação entre as comidas e os grupos sociais, a que
acrescenta seus devaneios transformadores. Por permanecer basicamente em
Salvador, grande parte das suas informações são, em grande parte, sobre a
alimentação nessa cidade, embora ele vá muito além. Isso ajuda a nossa
compreensão, na medida em que Salvador, como metrópole regional e estrutura
central do poder, pautava-se na comercialização de alimentos produzidos por
outrem. Mais ainda: a maioria da população da capitania estava concentrada em
Salvador e no Recôncavo. Katia Mattoso informa que, no último recenseamento do
século XVIII, em 1779, a capitania da Bahia tinha 277.025 almas, incluindo-se
Sergipe del Rei e o Espírito Santo, e que, já em 1781, José da Silva Lisboa
estimara a população da Bahia em 240.000 almas. Segundo ela, os números
indicados por Vilhena ora 210 mil, ora 370 mil almas não deveriam inspirar
grande confiança, embora merecessem ser analisados. Mostrando a importância
demográfica de Salvador e sua hinterlândia, acrescenta que, em 1800, viviam no
interior apenas 20,6% da população recenseada.7 E precisavam de comida para a
sua sobrevivência.
Vilhena dá destaque a duas plantas: a cana-de-açúcar, processada em 260
engenhos no Recôncavo, ressaltando a opulência dos senhores e a qualidade do
açúcar de Iguape; e o fumo, cultivado em 1.500 fazendas, grandes e pequenas,
sendo a vila de Cachoeira, "a terra mais própria, e melhor para a plantação
desta lucrativa erva".8 Essas plantas se transformavam em produtos de "grande
deleite para as bocas humanas",9 produtos fundamentais de exportação para a
Europa e a África, pilares da riqueza da província da Bahia. Mas isso não
impediu a fama que tiveram os doces ' vendidos nos conventos e nas ruas ' , a
profusão da cachaça, tampouco o hábito do consumo do tabaco, até mesmo como
"bebida".
Vilhena percebeu, entretanto, que "a base fundamental da subsistência do Brasil
estava na mandioca", na farinha, uma vez que todos, naturais e estrangeiros, se
alimentavam de pão.10 As mesas da cidade refletiam a hierarquia das farinhas: a
fina, a copioba, para os abastados; a de caroço, amarela, bolorenta, para os
negros e pobres. Não esqueceu do aipim, para ele "outra qualidade de mandioca",
mas sem o seu veneno, com a qual não se fazia farinha, porém, era "gostosa
assada no borralho e comida quente com manteiga".11
A farinha de mandioca era a comida básica para todas as mesas, e sua falta
implicava graves problemas para a nutrição da população. Daí o clamor de
Vilhena contra os senhores de engenho que se recusavam a plantar mandioca em
suas terras, visto que, para eles, afinal, o açúcar era muito mais vantajoso.12
É evidente que a prosperidade da economia de exportação gerava problemas de
subsistência e fomentava a inquietação social, sobremodo em Salvador, pois cada
dia recebia mais escravos,13 e se agravava a questão dos preços altos dos
alimentos14 Mas o problema ganhava maiores contornos com a exportação, uma vez
que, quando faltava farinha nas outras capitanias, "a da Bahia qual outra
Sicília", é que as sustentava.15 E, para completar fato que ele não abordou ,
agravando ainda mais o problema de suprimento alimentar, muitas embarcações se
abasteciam no porto de Salvador, apesar das proibições.16 Segundo Thales de
Azevedo, usando informações de Silva Lisboa, em 1781,
[...] a cidade consumia anualmente mais de 1 milhão de alqueires de
farinha, cálculo que não lhe parecia exagerado admitindo-se 1º, a
quantidade da população da cidade do Salvador, que era de quase 50
mil habitantes; 2º, a exportação de infinita farinha que ia para
Angola e Costa da Mina para sustentação dos escravos que se iam
comprar e da equipagem dos navios; 3º, a quantidade que se exportava
para Portugal não só para o comércio como para a mesma equipagem.17
O outro principal produto da dieta dos soteropolitanos era a carne. Como
ressalta Avanete Sousa, "O comércio de carne possuía lugar estratégico no
abastecimento da cidade e envolvia uma complexa teia de interesses, pois se
tratava de um produto que, depois da farinha, compunha a base da dieta da
população local".18 Assim, a pecuária firmou-se desde cedo como um dos
principais fatores de povoamento dos sertões.19 Sua expansão pelo interior do
Brasil começou pela Bahia. Ao reservar os massapés do Recôncavo para a cultura
da cana, o governo português instigou o avanço da colonização para o interior.
Dois vetores marcaram a expansão das fazendas de gado: um para o norte, subindo
de Jacobina, à margem direita do rio São Francisco, até atingir o Piauí; o
outro, em sentido contrário, avançou de Januária e Montes Claros para chegar a
Minas Gerais.20 Conforme Erivaldo Neves, desde o século XVIII, houve a
consolidação da policultura sertaneja, tanto da lavoura quanto da pecuária, com
seus excedentes dinamizando o segmento mercantil interno da economia
colonial.21
O professor de grego estava atento aos problemas de escassez de comida, à
possibilidade da fome em Salvador, mas não deixou de observar a existência de
um ativo mercado interno de alimentos, inclusive no Recôncavo. Como disse
Thales de Azevedo, "nem sempre comemos aquilo que gostamos, mas sempre gostamos
daquilo que comemos".22 Não foi diferente com os portugueses: eles trouxeram a
sua cozinha firmada no trigo, no vinho, no azeite doce, nas carnes de boi e de
porco, nos seus peixes, como a sardinha e o bacalhau, nos legumes, verduras e
frutas. Assim, os privilegiados tentaram manter a cozinha portuguesa, através
da importação dos produtos da terra natal; cedo, porém, apareceram os problemas
com o abandono a que foi relegado o Brasil nas primeiras décadas após o
descobrimento. Mesmo sendo um ponto de escala para o Oriente, as naus que
chegavam vinham para tirar abastecer-se ou consertar as embarcações e não para
trazer. O recurso era importar os produtos ou transplantar o que fosse
possível, cercando-se dos elementos presentes no curral, no quintal e na horta
e, em último caso, utilizar os produtos que as novas terras possuíam. Com o
crescimento da população, fosse com os portugueses menos afortunados, fosse com
a presença dos libertos e escravos, foi inevitável produzir alimentos para
abastecer os habitantes. Evidentemente, a farinha de mandioca foi a rainha de
todas as mesas baianas, tendo como rei a carne; no entanto, conforme mostra
Vilhena, muito mais havia.
Possuía a ilha de Itaparica muitas fazendas e lavouras,23 sendo também uma
"povoação de bastante comércio no tempo da pescaria das baleias, por ser
naquele sitio a fábrica, onde se faz o azeite destes monstros marinhos".24 Na
vila de São Francisco, produzia-se açúcar e pescava-se uma sardinha pequena
chamada xangó e grandes camarões, utilizados, depois de secos, para o sustento
dos escravos e para o "regalo de muitos brancos".25Em Santo Amaro da
Purificação, além dos seus engenhos de açúcar, havia tabaco e muitos alambiques
de aguardente. A cachaça de Santo Amaro ainda chegou famosa ao século XX. Em
Cachoeira, além do açúcar do sítio do Iguape, já anteriormente referido, havia
grandes plantações de tabaco, produzindo-se também milho e legumes. Região
escassa em peixes, possuía, no entanto, "umas muito miúdas sardinhas, a que dão
o nome de petitingas",26 transformadas em comidas frescas, secas ou salgadas,
que podiam ser temperadas com molho de limão e pimentas malaguetas e enroladas
em folhas de bananeira, as denominadas moquecas.27 De Cachoeira, partiam as
estradas que ligavam a Bahia ao Maranhão e a Minas Gerais, marcando o processo
de interiorização da província.28 Pela vila de Maragogipe29 saía, em suas
embarcações, farinha. Provavelmente, para ali era canalizada a produção
excedente de farinha das fazendas de tabaco.30 A vila possuía também muitos
mangues, com diversos mariscos e pescados, de grande utilidade no sustento da
localidade e das de suas vizinhanças.
Do Recôncavo, desceu o professor para o sul, para a vila de São Jorge dos
Ilhéus, ali encontrando tudo já arruinado, produzindo-se alguma mandioca e
"arroz que descascado faz o ramo do seu comércio para a Bahia".31 Voltou, a
seguir, para o baixo sul, para a vila de Cairu, que ia do Morro de São Paulo,
Boipeba, até atingir Jequié, locais com ótimas madeiras para a construção de
embarcações, repletos de aves saborosas, farta caça terrestre, rios com peixes
de variadas espécies, além de matas com saborosas frutas.32 Descendo um pouco
mais para o sul, chegou à vila de Camamu, onde havia grande colheita de café,
além de plantações de mandioca, arroz, legumes e uma "puríssima aguardente,
superior à famosa de Parati".33 A importância de Camamu estava também no fato
de partir daí uma estrada que conduzia aos sertões de Ressaca, Gavião e Rio
Pardo, para onde descia o gado.34
Mercado para a produção de alimentos e para a criação de gado não faltava, não
somente na província da Bahia, mas também em outras províncias. Segundo Avanete
Sousa, em Salvador, "A média anual comercializada, entre 1791 e 1811, elevou-se
a mais de 18 mil cabeças".35 Só para se ter uma ideia da importância do gado,
além do seu significado alimentar, todos os rolos de tabaco que se embarcavam
para o exterior iam encapados de couro, o que dá uma ideia da importância da
criação de gado na região. De acordo com Thales de Azevedo, cada rolo pesava 8
arrobas, e produziam-se pelo menos 25 mil arrobas, ou seja, 3.125 rolos; e
exportavam-se anualmente até 50 mil moios de sola.36 Segundo Richard Graham, o
couro representava 11% das exportações durante o período 1796-1811, alcançando
22% em 1802.37
Vilhena chegou à vila de Maraú, junto a Barcelos, e à vila de Camamu, onde se
produzia mandioca e cana, que se destilava para fazer aguardente.38 Encontrou,
em Canavieiras, moradores que exportavam farinha e madeira, e, às margens do
rio Pardo, encontrou boas fazendas de gado.39 Os habitantes de Belmonte, no
extremo sul da província, ocupavam-se da plantação de mandioca e milho,40
enquanto, na freguesia de Santa Cruz atual Santa Cruz de Cabrália , a população
dedicava-se à pesca de garoupas, "peixes muito análogos ao bacalhau, que
salgados, e secos vêm vender à Bahia".41 Não dá grande valor à vila de Porto
Seguro, com apenas umas roças de mandioca e de cana, para a produção de
aguardente: como Santa Cruz, seu grande negócio era com as garoupas e meros,
ali existentes em grande quantidade.42 Refere-se ao terreno fértil de
Trancoso43 e de Comoxatiba,44 mas de pouca produção e menos ainda de população.
Em Prado e Alcobaça,45 de forma geral, seus habitantes ocupavam-se da lavoura
de mandioca. Já em relação a Caravelas, concede importância ao comércio de
farinha para seu abastecimento e de Salvador e, até mesmo, para outras
povoações da costa do Brasil "e ainda fora dela como Angola".46
Constata ainda que, na comarca de Jacobina, vasta de serras altas, mas também
repleta de imensas planícies, se criava gado e se plantavam legumes, alguma
mandioca, milho e arroz para o sustento dos seus habitantes. Divide os sertões
em dois ramos: um, para a parte do norte, principiando em Juazeiro, "por onde
vem a dilatadissima estrada do Piauí para a Bahia", abundante em "gado vacum, e
cavalar";47 o outro, para a parte do sul, com a estrada que da Bahia desce para
Minas Gerais.48
Como diz Antonio Risério, "Salvador era um grande entreposto comercial. De uma
parte, recebia produtos de pontos diversos do mundo. Da Europa, da África e,
mesmo, da Ásia. De outra parte, não parava de enviar mercadorias suas para
esses mesmos lugares".49
Alimentos exportados para Portugal em 1798
No dizer de Vilhena, em 1798, exportava-se para Portugal: açúcar, com 17.826
caixas, no total de mais de setecentas mil arrobas, correspondendo em valores a
mais de 43% de todos os produtos; tabaco, com 326 fardos, 23.448 rolos, com
mais de trezentos e oitenta mil arrobas, além de tabaco de diversas qualidades,
que, em termos de valores, chegava a quase 18% de toda a exportação; o restante
era muito pouca coisa: 379 sacas de arroz, 254 sacas de café, 56 barris de mel,
7 pipas de aguardente de mel, 6 sacas de cacau e oitenta mil réis de farinha.
Quer dizer, o que importava mesmo para Portugal era o açúcar e o fumo. O que
não se pode afirmar é se os alimentos exportados ficavam em Portugal, sobretudo
o açúcar e o fumo, ou se iam parar na Inglaterra ou mesmo na África, através
dos traficantes de escravos.
Alimentos importados de Portugal em 1798
Não há, nas Cartas de Vilhena, uma descrição dos produtos importados em 1798,
apenas a sua origem: mercadorias gerais da Europa, de fábricas particulares, da
Ásia e de Portugal. Segundo Thales de Azevedo,
Em troca, pois, da madeira, do açúcar, do tabaco, do algodão, dos
couros e da própria farinha de mandioca, que as frotas carregavam em
grande quantidade, recebíamos vinho, aguardente, azeite de oliva,
cebolas, sardinhas, bacalhau, sal, chouriça, toucinho, queijos,
vinagre, azeitonas e outros "gêneros molhados".50
Os produtos de Portugal já representavam pouco mais de um quarto do que vinha
para a Bahia, ou seja, 26,5% do total de mercadorias. Enfim, afirmava-se o
caráter secundário de Portugal em termos de produção e sua condição de satélite
dos ingleses. O próprio Vilhena expressa tal situação:
Os gêneros que os estrangeiros introduzem em Portugal, são
infinitamente mais, que os que dele exportam. Reexportam os
portugueses para o Brasil aqueles gêneros dos estrangeiros, a quem
pagam a indústria e despesas, que com a sua comissão, e avanços,
carregam em conta aos correspondentes no Brasil e este é o motivo que
a metrópole jamais pode confiar, nem contar com a riqueza de suas
colônias, que devendo, e podendo ser o seu Potosí, o são dos
estrangeiros, nas mãos dos quais vai parar a riqueza toda das mesmas
colônias, não só por este modo permitido, mas pelo hostil com que
nelas estão atualmente introduzindo inumeráveis navios carregados de
contrabandos.51
Se se exportava para a metrópole mais de dois milhões e seiscentos contos de
réis, já se importava de Portugal em torno de dois milhões e sessenta e quatro
contos de réis de produtos. Enfim, já então a riqueza começava a transferir-se
para o Brasil.
Exportação e importação de alimentos para as ilhas de Açores e Madeira em 1798
Embora Vilhena considerasse fraco o comércio com essas ilhas, informa que a
Bahia lhes enviava algum açúcar e aguardente de cana, importando vinhos,
aguardente, pouca carne de porco e louça inglesa de "pó-de-pedra".52
Exportação e importação de alimentos com os portos do Brasil em 1798
Caíra drasticamente o comércio da capitania do Ceará e da Paraíba, em
decorrência da seca que consumira quase todo o gado daquelas paragens. Só por
acaso, diz o professor de grego, "aparece hoje na Bahia alguma pequena
embarcação do Ceará ou Paraíba, com carne e couros".53 Todo o comércio com
esses portos fora transferido para o Rio Grande de São Pedro do Sul, com a
aquisição de carnes secas e salgadas, equivalentes a 300.000 arrobas, "bastante
farinha de trigo" (800 arrobas), "alguns queijos (1.500 unidades), e muito sebo
em pães", "além de muita quantidade de milho".54 Em troca, a Bahia enviava sal,
"bastantes gêneros vindos da Europa, algum açúcar e doce".55 Com a criação do
Caminho Real que aproximou Minas Gerais do Rio de Janeiro, diminuiu em muito o
comércio com aquela província. Para lá, excetuando-se muitos escravos, iam
apenas "alguns molhados", e de lá chegavam pouco ouro e algumas bestas
muares.56 O comércio com o porto de Santos ou com a capitania de São Paulo era
mínimo, com "exceção de alguma farinha de trigo, milho, legumes, e toucinho,
que aqui se vem vender de tarde em tarde".57
É bastante plausível a crítica estabelecida por Thales de Azevedo em relação à
afirmação de Gilberto Freyre de que "foi completa a vitória do complexo
indígena da mandioca sobre o trigo: tornou-se a base do regime alimentar do
colonizador".58 Ao contrário, ele pensa como Vilhena: nem os filhos do Brasil
nem da África veem o pão como sustento mas como regalo; quando, em "caso de
necessidade, se lhes dá pão, pedem farinha para comerem com ele".59 E até os
cachorros o recusam. Óbvio, os nascidos no Brasil, sobretudo pobres, e os
africanos dificilmente teriam acesso ao pão. Era produto para quem tinha
recursos. Segundo Avanete Sousa, ao contrário de São Paulo, onde eram as
mulheres que produziam o pão, em Salvador, "já para o final do século XVIII,
eram homens brancos pobres a maioria dos que trabalhavam no fabrico do pão". E
acrescenta: "Em geral, os fabricantes de pão possuíam de dois a quatro
escravos, encarregados de vender mercadorias de porta em porta".60 Já em 1644,
na lista dos que amassavam pão, havia 16 nomes, apenas três de padeiras,61 o
que reforça a perspectiva de Thales de Azevedo de que nunca deixou de haver pão
de trigo na Bahia.62 E que Vilhena, ao dizer que "os poucos ricos, que passando
de Portugal para esta região, querem por algum tempo usar do pão de trigo, os
quais vem a ser nada em comparação do todo,"63 podiam até ser poucos, mas
teriam de ser excepcionais comilões. Sem acrescentar São Paulo, e deixando de
lado Portugal, só do Rio Grande de São Pedro, a Bahia importou, em 1798, 800
arrobas de farinha de trigo,64 o equivalente a mais ou menos 12.000 quilos.
Ora, isso demonstra, explicitamente, que, embora os portugueses comessem o
"mantimento da terra", não abandonaram inteiramente seu sistema alimentar, com
base no trigo. De acordo com Thales de Azevedo, "apesar do 'mantimento da
terra' constituir uma ponte ecológico-social ligando os dois grupos portugueses
de um lado, e gente de cor do outro , havia uma nítida distinção entre os
padrões de nutrição de um e outro".65
Exportação e importação de alimentos com a Costa d'África em 1798
De Angola, eram trazidos 2.151 escravos, enviando-se em troca uma cesta de
mercadorias, o banzo,66 com açúcar, aguardente67 e algum tabaco e fumo de rolo.
Para a Costa da Mina, ilhas de Príncipe e São Tomé, "se exporta daqui muito
tabaco do refugo do que se manda para Lisboa", "em rolos muito mais pequenos",
assim como muita aguardente.68 Da Costa da Mina, tinham vindo 4.903 escravos
mais que o dobro dos de Angola , além de 1.000 canadas69 de azeite de palma.70
De São Tomé e Príncipe, eram importados canela e azeite de palma.
Portanto, apesar das possíveis imprecisões de Vilhena, configura-se
nitidamente, na província da Bahia, um dinâmico mercado interno, pautado na
produção de alimentos e criação de animais. Além disso, ainda eram importados,
substancialmente, produtos básicos para a população, como a carne seca e
salgada de Rio Grande de São Pedro. Então, qual o motivo dos receios do
professor de grego diante de tanta fartura? Primeiro, quem mandava e tinha os
maiores capitais estava interessado certamente nos lucros advindos dos produtos
de exportação. E comida para eles não era problema; se não havia aqui, traziam
da Europa ou mesmo de outras províncias brasileiras. Segundo, onde se
concentrava a maioria da população da província, Salvador e Recôncavo, a
produção de alimentos foi sempre um componente relativamente secundário.71
Terceiro, quem comercializava alimentos estava interessado em lucros e, assim,
podia vender os produtos aos navios que aportavam em Salvador, bem como a
outras províncias, fosse a de Minas Gerais, fosse a de Pernambuco. Quarto, as
intempéries que cercavam a produção de alimentos ou a criação de animais, como
secas, enchentes, epidemias. Desse modo, da população pobre e escrava, que
constituía a maioria dos habitantes, muito mais próxima andava a fome que a
esperada fartura. E fome tinha razão Vilhena em preocupar-se podia ser o
caminho para a revolta.
Armazenamento e comércio dos alimentos
Os grãos e o celeiro público
Ao tratar da topografia da baía, Vilhena ressalta a sua grandeza, com muitas
povoações em suas margens, nela desaguando muitos rios, além de diferentes
braços de mar com bons portos, "por onde trilham inumeráveis embarcações que
conduzem os gêneros, que hoje formam a alma do comércio da Bahia".72 Graham vai
além, ao explicitar que Salvador vivia do transporte por água de quase todos os
alimentos, exceto a carne.73 Embora os baianos comessem também arroz, feijão e
trigo, o fundamental mesmo era a farinha. Daí a preocupação de Vilhena e também
das autoridades locais com a sua escassez. O Conselho74 das cidades no Império
Português tinha, entre suas principais atribuições, a obrigação de assegurar
que a população recebesse adequados suprimentos a um preço acessível.
Havia dois pontos em que as autoridades se esforçavam para proteger o povo em
questões de alimentação. Um era para controlar o preço; o outro, para exercer
uma constante vigilância sobre aqueles que queriam burlar o mercado,
favorecendo a escassez e o aumento dos preços. O rótulo "monopolista" era
aplicado a todos os que pretendiam colocar o seu ganho privado sobre o "bem
comum".75 Assim, para racionalizar as vendas, impedir os monopólios, as
constantes desordens nos barcos e estocar os alimentos para as épocas de
escassez, o Governador, Rodrigo José de Menezes, construiu, em 1785, um celeiro
público. Entretanto, para Vilhena, o celeiro público era uma aberração, pois
situado numa casa emprestada, debaixo dos quartéis que serviam aos oficiais da
Marinha.76 Era tão pequeno para a sua finalidade que, no máximo, poderia
receber mantimentos para sustentar a população da cidade por três meses. Dadas
as suas condições, Vilhena temia que se retornasse ao "antigo uso, de venderem
os mantimentos a bordo das embarcações". E que os "tristes pobres", que apenas
podiam comprar uma quartinha de farinha, voltariam a ter de pegar nos saveiros
em "que se arrisca o negro, ou negra, que vai a bordo comprar, e não menos se
arrisca o dinheiro e o saco"77. "Tristes pobres" que tinham os negros para se
arriscarem por eles. Mas, a sua crítica veemente recai sobre o alto valor dos
ordenados pagos e a corrupção do escrivão e do tesoureiro, "pelos escandalosos
monopólios que faz [sic] com outros mais".78 Segundo o professor de grego, os
espertalhões empregavam os seus caixeiros na venda de farinha no celeiro
público, e outros iam aos campos, comprando a farinha aos lavradores e
"demorando-a em celeiros", dali vendendo-a aos poucos, sem que jamais houvesse
em abundância na cidade. Quando existia farinha no celeiro público, vendiam às
9 horas por 960 rs. o alqueire79 e, às 11 horas já a vendiam por 1.280 rs. O
mesmo praticavam com quase todo legume ou grão que por ali passasse.80 E, para
completar a situação escabrosa do celeiro público, eram muitas as embarcações
que iam vender farinha pelas povoações do Recôncavo e seus engenhos, para não
pagarem o vintém que se estipulou fosse pago a cada alqueire que entrasse na
citada instituição. E, assim, muitas famílias numerosas não mandavam comprar
gênero algum naquela instituição.81
Diante dos parcos recursos arrecadados para suprir a conservação, pagar as
despesas e ainda manter um hospital, entravam também no celeiro público, goma e
café, ironiza Vilhena, ignorando, porém, se a goma ia incluída na farinha e o
café incluído no feijão, "ou se houve descuido em quem me alcançou esta notícia
tirada dos próprios livros".82
Mas, adiante, é taxativo sobre a péssima qualidade da farinha do celeiro
público, que, muitas vezes, "mal serviria para dar a porcos", sendo nociva "à
saúde do pobre povo".83
Oferece-nos, ainda, dados importantes ao informar os rendimentos do celeiro
público, com um total de mais de 83 contos de réis, de 1785 a 1798. Importantes
eram os produtos arrolados em alqueires: o primeiro deles era a farinha, por
superar em mais de dez vezes a produção do segundo, o milho. Após, com metade
da produção do milho, o arroz e, em seguida, correspondendo a 70% do estocado
em arroz, o feijão.84 Enfim, de acordo com Vilhena, o reinado do feijão ainda
não chegara à Bahia.85 E pelos dados apresentados por Graham, em 1849, a
farinha continuava sendo rainha com um percentual de 87,44%, enquanto o feijão
atingia apenas 1,35% dos gêneros tributados em Salvador.86
Apesar da má vontade do professor de grego com seus desafetos, ele estava certo
em relação ao deficiente suprimento da população. Era uma rede com regras
próprias, que envolvia produtores, intermediários, negociantes, capitães de
barcos, lojistas, carregadores, negros de ganho e os próprios administradores
do celeiro público. As regras, porém, eram muitas vezes quebradas, havia muitas
brigas e até subalternos se davam bem, mas a conta, como sempre, quem pagava
era "o povo humilde". E isso permaneceria por todo o século XIX.
As boiadas, os currais e os açougues: o modelo e a desordem
A carne de boi tinha para a população de Salvador, além de sua importância
nutritiva como fonte de proteínas, especial significado simbólico, como
geradora de prestígio.87 Salvador consumia de 350 a 600 cabeças de gado por
semana, nos fins do século XVIII e começos do século XIX, de acordo com Richard
Graham.88 Era, portanto, fonte de preocupação para as autoridades e para o
professor de grego.
Vilhena critica severamente as famílias poderosas que, no passado, poderiam ter
desenvolvido, nas "terras admiráveis" próximas a Salvador, a criação de gado,
propiciando o abastecimento da cidade, e vê com consternação a escassez da
carne, esperando a vinda das boiadas dos longínquos sertões do Piauí, tangidas
por vaqueiros, montados em cavalos, com ferrões de uma polegada de comprimento,
sempre atacados nos seus lombos, até que chegam a Feira [de Santana],89
"distante doze léguas da cidade, e ali são recolhidos a currais, em que só há
areia, e estrumes; destes são conduzidos para a cidade, sem comerem mais, que o
que, andando, podem apanhar com a língua".90 E considera que seria acertado
criarem-se pastos fora da cidade, para que os bois estropiados pudessem
descansar e se refazer antes de serem mortos.91 Somente assim, se disporia de
uma carne de melhor qualidade.
Para Graham, havia uma grande "Feira do Gado" montada em Capuame (atual Dias
d'Ávila), a 30 milhas de distância de Salvador, que tinha, em 1785, 300 casas,
com administrador público, moradia para os vaqueiros e grandes currais.
Legalmente, todo gado destinado ao Recôncavo era obrigado a passar por Capuame.
Adiante, o mesmo autor informa que a "Feira do Gado" tinha a grande desvantagem
de sua localização e que, nos finais do século XVIII, como a maior parte do
gado vinha do oeste e do noroeste, os vaqueiros achavam mais conveniente levá-
lo para um povoado chamado Feira de Santana. Até 1818, a restrição a Feira de
Santana pelo Conselho da cidade se manteve.92 Rollie Poppino diz que a feira
nasceu no primeiro quartel do século XVIII, a "princípio como a feira de
Santana dos Olhos d'Água, depois se chamou simplesmente de Feira de Santana".
Adiante esclarece que, "Em 1825, porém, há uma referência à 'grande e povoada'
Feira de Santana [...] Três anos depois, Feira de Santana foi considerada [...]
uma das três principais feiras da Província".93
Ainda sobre o gado, Vilhena acrescenta que os monopolizadores e atravessadores
da carne eram os grandes beneficiados, com abusos para forçar as altas de
preços e burlar os contratos, em detrimento do povo. Porém, o lucro excessivo
com a liberdade de preços estava fazendo, como se diz, "o feitiço virar contra
o feiticeiro", pois estavam ganhando menos e, às vezes, até perdendo. Primeiro,
porque, ao chegar aos sertões "a notícia da soltura do preço; raro, ou nenhum
criador desce com os gados", vendendo na porteira de suas fazendas como querem;
segundo, porque os pobres ficavam sem comprar a carne, por ser cara "ou a vão
comprar de tarde, quando quebra, que assim chamam ao abaixar o preço, o que se
faz quando está já meio corrupta, e só é boa para dar a cães ou lançar no
mar".94 Enfim, já nesse período, o liberalismo era uma faca de dois gumes, como
viria a ocorrer no século XIX.95
Para elogiar o penúltimo Governador, D. Rodrigo José de Menezes, "merecedor do
epíteto de Pai da Pátria", refere-se ao matadouro, que ele chama de currais do
Conselho. Esses currais, como indica Vilhena ao tratar das fontes, embora não
precise sua localização, deveriam ficar próximos ou fazer parte da povoação de
Santo Antonio Além-do-Carmo. Segundo Graham, "em 1789, foi construído o novo
matadouro, situado na extremidade norte da cidade, em um pequeno rancho ao
longo da estrada que corria do distrito da Soledade voltado para o Barbalho"
(tradução do autor).96 Portanto, ambos tratam do mesmo equipamento urbano, com
denominações diferenciadas. Para Vilhena, constituem um modelo para o gênero,
duvidando que existissem semelhantes na América Portuguesa ou mesmo em Lisboa.
Se viessem vinte marchantes com o gado, eles o recolheriam separadamente, sem o
risco de confundir-se. Existia uma perfeita separação, entre os responsáveis
pela matança, esfolação e depósito das carnes, e também cômodos para os que
cuidavam da supervisão, desde o administrador, o juiz e o escrivão até os
oficiais da Balança. Passavam de cem os homens ocupados na "carnificina", com
tudo organizado em diferentes repartições. Tão arrumado era, que havia um lugar
para as fateiras, que, sem "sair fora, despejam os debulhos das reses".97
Enfim, segundo ele, alguma coisa prestava, mas nada disso impedia a constante
falta de carne de boi na Cidade da Bahia. E ela era tão séria, que até os
oficiais tentavam arrebatar no matadouro a carne destinada aos açougues, embora
fossem dissuadidos disso pelo administrador: seria melhor não tentarem, para
evitar "ficarem despedaçados pelas mãos de mais de oitenta ou cem negros", os
quais teriam "tanta dúvida em matar um homem, quanto se lhes oferece em
derribar um boi".98
Ainda segundo Graham, "Em 1799, o Conselho da cidade, para facilitar as
inspeções oficiais, estabeleceu que os açougues ficariam em dois pontos: 17,
nos fundos do Conselho, e 8, na cidade baixa, a poucos blocos ao norte do
mercado de grãos" (tradução do autor).99 Vilhena corrobora em parte as
afirmativas de Graham, dizendo que "No lado do Norte fica a soberba Sala do
Senado, a que por baixo corresponde a cadeia para mulheres, e os açougues".100
Já, segundo Avanete Sousa, a política municipal estabeleceu talhos em lugares
distantes e pouco povoados, como Brotas e Cabula, assim como em locais "de
significativo trânsito humano e comercial, como na freguesia da Praia, na Baixa
dos Sapateiros e em Itapagipe onde havia expressiva comunidade de
pescadores."101
Segundo o julgamento de Vilhena, havia, nos açougues ou talhos distribuídos
pela cidade, um descontrole generalizado, desenvolvido pelos soldados, quando
faltava carne na capital. Eles tiravam à força das mãos dos escravos e dos
ministros os quartos de carne e, quando o Presidente do Senado mandava fechar
os açougues para evitar as desordens, os soldados os arrombavam.102 Não tomavam
apenas a carne que lhes bastasse, mas dela se apoderavam também para entregar a
negras com as quais tinham tratos ou contratos, "conhecidas como cacheteiras",
que a moqueavam, vendendo "em bocadinhos" e "roubando os miseráveis pobres, que
por outro meio a não podem conseguir".103 Lamenta a audácia dos soldados, que
quase impediram seu próprio General de ter carne no sábado de Aleluia de 1797,
tendo sido necessário mandar matar um boi no pátio de seu próprio palácio.
Para não morrer de sede104
Tratando ainda da Cidade da Bahia, Vilhena, como sempre, é crítico em relação
ao acesso à água: "não há dentro na cidade uma única fonte, cuja água se possa
beber, quando para gasto não abundam".105 Na cidade baixa, para o gasto,
existiam as fontes da Preguiça, da ladeira da Misericórdia, e a Fonte do
Pereira, no fundo da ladeira do Tabuão.106 Ressalta, todavia, que "toda a
montanha na sua falda geme água, e poucas são as casas que não tenham a sua
poça",107 embora toda ela fosse salobra.108 Já na cidade alta, fora dela,
detrás do convento da Soledade, havia a fonte do Queimado, "de água excelente
para beber, donde a manda buscar quase toda a gente da Praia, e muita parte da
cidade".109 Enumera várias outras fontes: como a do bairro de Santo Antônio
perto dos Currais; outra próxima ao grande Dique; por detrás do convento do
Desterro, a fonte das Pedras e a fonte Nova; por detrás do convento da Lapa, a
fonte do Tororó; por detrás do convento da Piedade, a fonte do Coqueiro; abaixo
da igreja de Santana, a fonte do Gravatá, segundo ele, a mais imunda de todas.
Refere-se ainda a um poço junto à capela de São Miguel, a outro no sítio do
Maciel, e a um olho d'água, numa baixa próxima ao Dique, que chamavam de
Barril. Ao sul da cidade, ficava o Forte de São Pedro e, perto dele, a fonte
com o mesmo nome, "cuja água é de todas a melhor quanto à qualidade",110
salienta. Enfim, de uma forma geral, minguava água para o uso da população,
sobretudo no que dizia respeito aos aspectos nutritivos ou dietéticos.
Os problemas com a água eram aguçados por várias circunstâncias. Quando deixava
de chover por mês e meio ou dois meses, as fontes secavam, e quem possuía fonte
particular passava a vender a sua água, como o fazia, segundo ele, sem nenhuma
vergonha, um eclesiástico.111 Por outro lado, a desordem vingava nas fontes,
com a sua apropriação pelos soldados. E sobrava para os pretos e suas parceiras
negras, constrangidos a levar água para onde os soldados determinassem, "sem
que eles sejam aguadeiros, nem paguem às negras que o são";112 se não
obedecessem, tinham suas vasilhas quebradas e eram espancados. Os pretos tinham
suas cabeças partidas, uma infinidade deles ficava aleijado, e muitos vinham a
morrer.113 Existiam, entretanto, negros114 que lhes queriam "fazer a cara",
logo saindo à espada ou à faca para enfrentá-los. Semelhantes desordens
sucediam também com os "forçados das galés, facinorosos, e desesperados, a quem
devera destinar-se privativamente uma fonte".115 Salienta ainda que os pretos
viviam brigando entre si, quebrando cabeças e braços, para tomar a água. Uns,
pelo que lhes pertencia, outros, para defender e "patrocinar negras suas
parceiras, e apaixonadas".116
O grande e o pequeno comércio dos vendedores de comida
A ti tocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado
A mim foi-me trocando, e tem trocado
Tanto negócio, e tanto negociante.
Gregório de Matos117
Salvador era, na época, um dos principais centros comerciais do Atlântico Sul,
considerada, pelo professor de grego, mais "pecuniosa" que o Rio de Janeiro e
Pernambuco, porém, menos policiada. Compunha-se o corpo de comerciantes de 164
homens, mas não mereciam ter os seus nomes citados, tampouco terem
especificados seus gêneros de comércio.118 Alguns "comerciam só com o nome, e
com cabedais de personagens a quem seria menos decente o saber-se que
comerciam", e outros tantos eram "bastardos por sua desonestidade", o que
terminava por prejudicar os legítimos comerciantes.119 Enfim, de forma geral,
ele equalizou a todos, os "naturais golpistas ou escroques" e os grandes
exportadores e importadores de produtos e carne humana (escravos),
proprietários de lojas e armazéns. Consoante Sousa, "Entre 1760 e 1808, através
de minuciosa pesquisa em inventários, Mascarenhas conseguiu arrolar cerca de
163 comerciantes em Salvador, entre grandes, médios e pequenos mercadores".120
De acordo com o professor de grego, "a maior parte dos comerciantes mais ricos
da Bahia moram nesta freguesia",121 ou seja, a da Conceição da Praia. Isso
significa que, naquele momento, os grandes comerciantes não apenas negociavam
na área comercial, mas tinham ali também o seu espaço residencial. Mais
adiante, falando do imposto de consumo, esclarece que os que têm "negócio em
grosso" (atacadistas), "vendem das suas lojas por miúdo, a côvado, e vara, saem
turmas de negras com caixinhas cheias de fazendas, a maior parte de
contrabandos, tirados por alto, ou comprados em navios estrangeiros".122 Essas
negras tinham salvo-conduto pelo respeito às casas poderosas a que pertenciam,
"e triste será a sorte de quem bolir com elas".123 Ironicamente, continua,
existiam vendedoras negras que não pertenciam às lojas, tirando "uma licença do
Senado para poderem vender, livres das ciladas do vigilante rendeiro do
Ver".124 E vai além, chegando às vendas e tabernas que existiam por toda a
cidade e subúrbios, criticando o rendeiro que fazia ajustes com seus
proprietários, ficando "o vendilhão habilitado para furtar a salvo, entrando
logo no ajuste o avisá-lo quando houver correição geral".125
Embora fale em tabernas, não estabelece o seu número, mas constata a existência
de mais de 250 vendas em toda a cidade.126 Provavelmente, seus números se
aproximam da realidade, pois, segundo Avanete Sousa, "Só em 1792, foram
concedidas 426 licenças para funcionamento de vendas, tabernas e botequins.
Isto sem contar os estabelecimentos que funcionavam clandestinamente".127
Ressalta, porém o que também nos interessa , que "há nesta cidade multidões de
comerciantes nos gêneros da primeira necessidade, como são farinhas e carnes,
além de outros mais miúdos".128 Segundo Graham,
A maior parte desses vendedores, em contraste com os proprietários de
lojas em geral, eram mulheres, especialmente mulheres de cor. [...]
gente que era parte do dia a dia da cidade, demonstrando a força do
seu valor. Elas estavam presentes em Salvador no mínimo há dois
séculos e, em Lisboa, antes disso. E na África Ocidental e Central,
as mulheres tinham um longo domínio no comércio e eram reconhecidas
como vendedoras no mercado (tradução do autor).129
Quitandas, pescado, sal e azeite
Quitandas eram as feiras livres onde se juntavam "muitas negras a vender tudo
que trazem, como seja peixe, carne meia assada, a que dão o nome de moqueada,
toucinho, baleia no tempo da pesca, hortaliças, etc.".130 Uma das quitandas
estava localizada na Praia;131 a outra, que "indecentemente" estava no Terreiro
de Jesus, fora transferida para uma rua chamada Nova, com poucas casas, e as
que o Senado mandou edificar, por serem tão pequenas, as quitandeiras não
quiseram alugar. Já a terceira quitanda se situava nas Portas de São Bento,
onde o Senado mandou fazer outras cabanas, que, por serem "espaçosas, quase
nunca ficam por alugar".132
Estariam Vilhena e Avanete Sousa falando sobre os mesmos personagens e
comércios, quando ela diz:
Em situação mais confortável estavam os foreiros das bancas
construídas pela municipalidade e dispostas pela cidade, a saber: 23
no Terreiro, 22 na Praia, 23 em São Bento e 19 no Caminho Novo, entre
o Cais Dourado e o Taboão. Estes locais, onde se vendia de tudo, de
peixes a outros gêneros comestíveis, assumiam características de
pequenos mercados aos quais afluía a população dos arredores e de
vários pontos da cidade.
E arremata, em nota de pé de página: "As de São Bento e as do Caminho Novo
foram edificadas em 1790".133
O professor de grego considera que a venda do pescado se dava em grande
desordem, pois passava por quatro ou cinco mãos, antes de chegar aos que o
compram para comer.134 Em sua opinião, se o governador não tivesse entregado a
praça de São Bento ao Senado, que, no local, havia implantado quitandas, ali
deveria ser instalada uma praça de pescado, da qual a Bahia ainda carecia. Mas,
logo reconsidera, dizendo que "a pescadaría devera ser na beira-mar, onde os
pescadores deveram ser obrigados a ter o seu peixe exposto à venda ao povo, por
uma ou duas horas depois que desembarcassem, pois que o calor não permite maior
demora".135 Não era incomum, no Brasil, o apodrecimento de peixe em regiões de
grande produção. Até hoje, a inexistência de frigoríficos para o armazenamento
de peixe é um problema para os pescadores artesanais. Vilhena queria mais:
seria necessário punir quem vendesse em outro lugar, que não a praia, em
especial as negras regateiras (vendedoras ambulantes).136 Negócio privativo das
ganhadeiras, elas vendiam o peixe "a outras negras, para tornarem a vender, e a
esta passagem chamam carambola". E o peixe ficava caro, porque existia ainda
outro embaraço: antes de chegar ao porto, os oficiais inferiores, a pretexto de
se destinarem a oficiais superiores, arrebatavam, com violência, o peixe dos
pescadores e o entregavam para as ganhadeiras ou outras negras, "com quem tem
seus tratos, e comércios".137
Para ele, faltava polícia e "governo econômico", mas isso não era feito, porque
as ganhadeiras "são, ou foram cativas de casas ricas, e chamadas nobres, com as
quais ninguém quer se intrometer [...] pelo interesse que de comum tem as
senhoras naquela negociação".138 Se é verdade que a elite feminina local branca
podia ter interferência no comércio popular de rua, é evidente o preconceito de
Vilhena em não considerar as mulheres negras capazes de desenvolver seus
próprios negócios.139 Para ele, era inconcebível um ex-escravo, e mais ainda
sendo mulher, ter capacidade de exercer, de maneira inteligente e autônoma, uma
atividade lucrativa, a ponto de estabelecer uma verdadeira reserva de mercado.
Existiam, também, grandes problemas na vendagem do sal e do azeite, fruto das
atitudes do monopólio do seu administrador. Era difícil alguém conseguir meio
alqueire de sal, porque ele era enviado a outros lugares e a portos da costa,
para ser vendido mais caro. Por outro lado, o administrador só queria vender o
sal em moeda de prata ou ouro, e não na moeda de cobre, corrente e aceita pela
Arrecadação da Real Fazenda.140 Para Thales de Azevedo, além do privilégio de
classe, a preguiça nos brancos era também causada pela escassez de sal, pois as
perdas de cloreto de sódio que ocorrem nos climas úmidos e quentes dão lugar "a
verdadeiros quadros de insuficiência suprarrenal baixa da tensão arterial,
adinamia, incapacidade para o esforço muscular, câimbras e dores na
panturrilha".141
Já o azeite era objeto de grande opressão para o povo pobre, pois, o que lhe
era vendido, era "grosso como lodo, feito dos torresmos, das baleias", enquanto
era enviado "impunemente para fora todo azeite bom, ainda nos anos em que é
abundantíssima a pesca das baleias".142 Para completar, o local de venda era
aberto na "boca da noite" e às oito horas já estava fechado; apesar de todo o
lucro já existente, "escandaliza que se requeira o aumento daquelas fezes de
azeite".143
"Especialidades baianas"
O texto abaixo é o mais citado de Vilhena:
Não deixa de ser digno de reparo o ver que das casas mais opulentas
desta cidade, onde andam os contratos, e negociações de maior porte,
saem oito, dez, e mais negros a vender pelas ruas a pregão as cousas
mais insignificantes, e vis; como sejam iguarias de diversas
qualidades v.g. mocotós, mãos de vaca, carurus, vatapás, mingau,
pamonha, canjica, isto é, papas de milho, acaçá, acarajé, ubobó,
arroz de côco, feijão de côco, angu, pão-de-ló de arroz, o mesmo de
milho, roletes de cana, queimados isto é rebuçados a 8 por um vintém,
e doces de infinitas qualidades ótimos muitos deles, pelo seu asseio,
para tomar por vomitórios; e o que mais escandaliza é uma água suja
feita com mel, e certas misturas a que chamam o aloá, que faz vêzes
de limonadas para os negros".144
Muito tem sido dito, a partir dessa citação, para caracterizar uma possível
africanização da comida baiana. Entretanto, Vivaldo da Costa Lima, embora
reconheça uma amostra considerável na relação de Vilhena, viu apenas quatro
pratos "tipicamente africanos, como o acarajé, o acaçá, o vatapá145 e o
abará".146 Era evidente que, após mais de dois séculos do tráfico de escravos,
com o acúmulo de povos de duas regiões (África Central e Costa da Mina), o
aumento do contingente de negros livres, muitos deles negociantes, e as
relações constantes com a África, crescia em muito a probabilidade de terem
sido incorporadas à realidade baiana novos ingredientes e outras técnicas
culinárias, além das já existentes, oriundas dos portugueses e de povos
indígenas. Muitos desses africanos e africanas eram exímios cozinheiros, além
de participantes das tradicionais organizações religiosas africanas, e seriam
responsáveis pela recriação de uma sofisticada e ampla "cozinha sagrada", da
qual alguns pratos seminais, como os citados, seriam aproveitados no cotidiano
dos homens. Assim, negar a presença de componentes africanos na cozinha baiana
seria absurdo. Mas, daí a pensar em africanização da comida baiana, não passa
de "devaneio". É preciso estabelecer também que, naquele momento, muito do que
se comia nas regiões do tráfico baiano, conforme demonstra Luiz Antonio de
Oliveira Mendes, refletia a incorporação de grande número de produtos
americanos e portugueses, da farinha ao milho, de frutas, legumes e hortaliças
à cachaça.147 A globalização alimentar, embora ainda lenta e bastante seletiva,
já começava a se pronunciar.
Havia ainda outro problema: quem comia tais produtos? Os que leram Vilhena com
atenção, além da já célebre citação, teriam a resposta:
[...] bem se vê, que uma semelhante negociação, além de ludibriosa
para quem não tem a alma possuída do espírito da torpe ambição,
devera ser privativa da repartição dos pobres, que nada têm, de que
possam haver o necessário para a sua subsistência.148
Clareza maior impossível: desapreço para os negociantes que usavam os negros, e
consumo propício à grande massa pobre que habitava Salvador. Como disse Claude
Papavero, referindo-se a outro autor e a outro momento histórico, mas aplicável
perfeitamente à perspectiva de Vilhena nos finais do século XVIII: "à vista do
tom de mofa utilizado pelo autor nas menções a tais preparos alimentares, não
parece que já houvesse ocorrido uma integração cultural, paralela à mestiçagem
física, de uma proporção importante da população colonial".149 Acredito que, a
partir daquele momento, os pratos africanos se incorporavam àquilo que eu
chamaria de "culinária popular", de negros e de brancos pobres. Como afirma
Isabel Braga,
Não obstante, os alimentos que os brancos desfavorecidos consumiam no Brasil
eram bem mais próximos dos que eram utilizados por índios e negros do que
daqueles que integravam as dietas da metrópole, mesmo entre os mais pobres.150
E isso pode ser visto também em outra passagem, muito menos conhecida, em que o
autor, falando da desordem do hospital da Bahia, está persuadido de ser "o
único, onde se dá aos soldados, quando o pedem, leite para almoçar, ovos,
manteiga, doce indispensavelmente para a sobremesa; pão-de-ló, mãos de vaca, a
que chamam aquimocotós, e o mais é que caruru".151
Vilhena reage à mestiçagem, que possibilitaria uma quebra da hierarquia social
com a ascensão de mestiços, mas ela não poderia ser evitada, pois existia. Não
se pode esquecer que "pardos" ou "mulatos", embora em outro patamar, distinto
do dos pretos, de uma forma geral não tinham maior qualificação social. Se
ascendiam, não eram mais mestiços, embranqueciam, o que enlouquecia o professor
de grego. Na Colônia, imperava uma rede hierarquizada de posições, em que
elementos como o vestuário e a comida definiam a importância social de cada
indivíduo. Se, para as elites soteropolitanas, já havia um custo pela cama,
maior seria ainda pela mesa: a denominada, por Papavero, "desmediterraneização
pragmática da dieta",152 ou ajustamento às condições locais ocorreu, mas daí a
aceitar publicamente as comidas vendidas ou preparadas por negros ia uma longa
distância. Por sua vez, quando se trata da culinária baiana, existe a completa
invisibilização da mulher branca, da dona da casa. Há um esquecimento de que
comida implica relações de poder, e, assim, pensar que as cozinheiras negras,
por sua presença nos espaços brancos, dominaram a cozinha e impuseram o seu
paladar é ilusão. Inseriram alguns elementos, adicionaram certos ingredientes,
mas sempre sob a supervisão e o poder de mando da patroa branca. Enfim, a mesa
era um dos espaços fundamentais de poder para a mulher branca no Brasil
colonial e imperial.153 E Vilhena, como vimos, não economiza adjetivos,
depreciando as comidas populares. Mas, as mulheres brancas eram minoritárias e,
por outro lado, os poderosos podiam se enfastiar no azeite, sem a publicização.
A corrupção dos mantimentos
Estupendas usuras nos mercados,
Todos, os que não furtam, muito pobres
E eis aqui a cidade da Bahia.
Gregório de Matos154
Para o professor de grego, a desonestidade, com a venda de alimentos no estado
de imperfeição, concorria em muito para a falta de saúde na Bahia. Começando
"pelo pão, que é a farinha de mandioca, chamada aí vulgarmente farinha-de-pau".
Segundo ele, a farinha vinha de vários portos e comarcas, do sul e do norte, de
Caravelas, passando por Nazaré aí ele a cita até Maragogipe, onde os
monopolistas e atravessadores a conduziam para os depósitos e, em conluio com
os responsáveis pelo celeiro público, somente a liberavam, quando aqueles a
requeriam. Ao chegar ao celeiro, sem nenhuma avaliação do seu teor,
[...] ali se expõe à venda, sem que se averigue, nem indague da sua
qualidade, que muitas vezes é tal, que mal serviria para dar a
porcos; tanto pela muita casca com que a ralaram, como pelo pouco que
a torraram [...] o que tudo é em extremo nocivo à saúde do pobre
povo.155
As frutas eram vendidas verdes. A farinha de trigo que vinha da Europa era
misturada com outra, já apodrecida, e com ela faziam pão, biscoitos, bolachas
"muitas vezes intragáveis" , queijos, manteiga e aletria.156 No azeite, assim
como na manteiga velha e rançosa, misturavam sebo. E para dar uma cor agradável
à manteiga, colocavam uma batatinha. O mesmo faziam os "sórdidos vendeiros e
taberneiros", temperando os vinhos e os vinagres com pimentas e outras
misturas, como ao colocar água salgada na cachaça. Chamavam o peixe de fresco,
quando na realidade estava podre. Muita carne salgada, conhecida por carne do
sertão,157 vindo ardida do calor das embarcações, era vendida aos pobres para
suas famílias, e aos ricos para os escravos, visto que era mais barata que a
fresca. E reiterava a sua queixa: "falta de governo econômico".158
A comida dos escravos
Contados são os que dão
a seus escravos ensino
e muitos nem de comer
sem lhes perdoar o serviço.
Gregório de Matos159
Vilhena começa a falar sobre a comida dos escravos invocando a existência de
uma ordem, se não inexistente, jamais cumprida, de que os senhores seriam
obrigados a fazer plantações de mandioca, para tirarem a farinha de que carecia
a sua escravidão.160 Mas nada disso era feito, sendo os escravos tratados de
modo bárbaro e cruel pela maior parte dos senhores de engenho, embora
existissem formas diferenciadas de tratamento. Uns senhores
[...] não lhes dando sustento algum, lhes facultam somente o trabalharem no
domingo, ou dia santo, em um pedacinho de terra, a que chamam roça, para
daquele trabalho tirarem sustento para toda a semana, acudindo somente com
alguma gota de mel, o mais grosseiro, se é em tempo de moagem.161
Outros davam aos escravos, apenas e tão somente, o sábado para trabalharem para
si, adicionando mais "uma quarta de farinha, e três libras e meia de carne
seca, e salgada para se sustentarem dez dias. Outros porém mais humanos lhes
dão esta ração, e um dia livre em cada semana". E, finalmente, os que "são os
mais pobres, e menos enfatuados, que sustentam, e tratam os seus escravos com
humanidade, e caridade cristã".162 Aqueles "infelizes escravos" que possuíam
uma "rocinha", produziam mandioca "e algum outro legume", dali podendo tirar o
seu lucro, se não fossem os tantos inimigos que os perseguiam: os seus
parceiros que os roubam, por serem "esfaimados e preguiçosos";
[...] os muitos gados, que arrombam as cercas de suas plantações e as
devastam; a destruição provocada por muita caça, em especial um porco
bravo pequeno, chamado caititu; por fim, a "perniciosa formiga", que
em uma só noite pode tudo destruir".163
Como se pode perceber, Vilhena trata apenas dos escravos dos engenhos de
açúcar, não incluindo os escravos da plantação fumageira, da farinha ou mesmo
do sertão da Bahia. Tampouco os escravos urbanos. Todos eles com melhores
condições de trabalho e provavelmente com maior mobilidade física e relativa
liberdade. O que, possivelmente, se traduziria em melhor alimentação.
Russel-Wood, no seu livro Escravos e libertos no Brasil colonial,164 refere-se
às pesquisas realizadas no Recôncavo baiano no período 1780-1860. Usando
Barickman, observa que,
[...] embora a prática de permitir que os escravos cultivassem roças
fosse comum nas plantations açucareiras e nos canaviais, a produção
não atendia às necessidades de sobrevivência, o excedente para a
venda era raro e o potencial de vender a produção, limitado".165
O próprio Barickman informa:
[...] os escravos dos engenhos baianos ocasionalmente participavam
desse mercado vendendo a produção excedente de suas roças; com mais
frequência e com impacto muito maior na economia interna, esses
escravos, através das compras feitas por seus senhores, contribuíam
para a demanda de víveres produzidos na Bahia e em outras partes do
Brasil.166
Mais adiante, salienta que "os senhores de engenho e lavradores de cana só
compravam para seus cativos uma reduzida gama de artigos: na prática, pouco
além de alguns mantimentos básicos e tecidos baratos".167 Portanto, nutriam-se
um pouco melhor os que tinham acesso a uma roça para cultivar os seus produtos.
Em muitas áreas do Recôncavo, a roça e o dia livre para o seu cultivo tornaram-
se quase um direito consuetudinário. Vilhena acerta ao apontar os problemas que
atingiam as roças, como a derrubada das cercas pelo gado. Assim, compreende-se
que, quase um século após o seu relato, prospere, ainda com vigor, em 1888 e
1889, o roubo de gado por ex-escravos. De acordo com Walter Fraga Filho, "havia
conexão entre o roubo de gado e a defesa do direito costumeiro às roças, pois
muitos dos animais abatidos eram os mesmos que estragavam a plantação dos
libertos".168
Vilhena sugere o caminho para melhorar a vida dos escravos assim como a dos
senhores, na medida em que, pela "falta de governo econômico", em breve tempo
os perdiam, "consumidos de trabalho, fome e açoites".169 Os senhores deveriam
escolher "uma sorte de terras", mandar lavrar, cavar e destruir os imensos
formigueiros; depois, fariam uma cerca alta e forte para impedir a entrada do
gado. Deveria ser plantado, na maior parte do terreno, mandioca, depois arroz,
por sua grande rentabilidade agrícola; entre a mandioca ou separado, se
plantaria aipim e também inhame, batata, milho, gergelim, abóbora, além de um
grande bananal, porque a banana é de todos o maior "mantimento da pobreza". A
roça deveria ser feita por toda a escravatura, sendo por ela responsável o
feitor-mor, o qual destinaria dois escravos para cuidarem da plantação, não
permitindo furtos e sendo responsáveis por todo e qualquer prejuízo. Não
deveria a roça do feitor-mor ser a mesma, nem vizinha, "por ser quase infalível
o lucro de um, e prejuízo dos outros".170 Junto à morada do senhor, deveria se
dispor de
[...] um grande cocal [coqueiral], cujo fruto não só serviria para
regalo, como ainda para extrair azeite fresco, para temperar muitas
iguarias, e frigir, como para fazer saborosíssimos manjares, não só
para os escravos, como para os mesmos senhores.171
Interessante é a sua constatação de que, nesse período, o leite de coco já era
utilizado na condimentação dos alimentos e de que deveria haver também
dendezeiros, para deles extrair-se o azeite, "tempero essencial da maior parte
das viandas dos pretos, e ainda dos brancos criados com eles".172 Assim, o
professor de grego reitera a recriação das comidas africanas entre os africanos
e seus descendentes, assim como entre os brancos empobrecidos.
Com essas medidas de economia, trazendo os seus escravos sempre fartos e
contentes, eles teriam maior tempo de vida, poderiam trabalhar mais "e então
finalmente deixariam de ser enterrados quase todas as semanas sacos de dinheiro
por que se compram".173 Enfim, precisava-se de senhores de escravos com melhor
formação no uso das terras e racionais no aproveitamento dos seus investimentos
na mão de obra escrava. Melhorar o tratamento dos escravos não era
primordialmente uma questão de humanidade ou direito, mas, sobretudo, de
economia.
Despedindo-me de Vilhena
Adeus praia, adeus Cidade,
e agora me deverás,
Velhaca, dar eu adeus,
a quem devo ao demo dar.
Gregório de Matos174
Mais de cem anos separavam o Boca do Inferno de Luis dos Santos Vilhena, muitas
foram as transformações, os problemas se aguçaram, mas a ferocidade de um na
poesia, estava presente, em menor proporção, na prosa do autor setecentista.
Tinhoso, ladino, vingativo era o professor de grego no uso da pena. Afinal,
sentia-se desprestigiado pelos poderosos da terra. Da sua vida pouco se sabe,
mas não deixo de recear que ele possa ter sido adepto do "faça o que eu digo,
mas não faça o que faço". Nada disso, porém, prejudica o passeio proveitoso que
se pode fazer pela Bahia a partir das tão citadas Cartas de Vilhena: missivas
de um "fiel amigo da verdade", a ponto de dizer que não passava de "ser um
coletor do que vejo, e me dizem, e muitas cousas pode haver que andem desviadas
dos meus olhos e ouvidos".175 Desviou-se do que quis, mas, seguramente, foi um
bom observador do que via, do que ouvia e do que lia, daí o caráter
enciclopédico do seu trabalho, seja em termos de assuntos, seja em termos
espaciais, pois chegou ao Amazonas, sem nunca ter saído da Bahia. Como ele
queria "consertar" o Brasil para o já debilitado Portugal, aborda assuntos
fundamentais para a compreensão da Colônia brasileira: a estratificação social,
a escravidão, o tráfico de escravos, a presença africana e dos seus
descendentes, a mestiçagem, a preguiça, a ostentação e o "teatro dos vícios",
incluindo-se a libertinagem e a corrupção desenfreada. No meio de tudo isso,
estava um elemento fundamental para a sobrevivência da população: a comida.
Como ele próprio afirma, "sem homens não há sociedade, e sem meios de
subsistência não pode haver homens".176
E a comida sempre escasseava, apesar da constituição de produção e mercado
internos, sendo sempre necessário recorrer ao mercado externo. Muito nos diz
sobre a produção e distribuição dos alimentos, marcadas pelo lucro, desgoverno
e corrupção; menos sobre a preparação e menos ainda sobre a mesa propriamente
dita, mas, mesmo assim nos permite refletir sobre o que comiam os diversos
grupos que viviam na Bahia. Com ele, já se pode ver o surgimento de uma
culinária popular baiana, dos negros e dos brancos empobrecidos, distante do
que comia "a nobreza da terra", em muito ainda presa às suas origens.
Assim, com o olhar vigilante e ferino de Vilhena, "já vejo o prenúncio de novos
tempos".
Texto recebido em 20 de outubro de 2012 e aprovado em 5 de março de 2013
*
Esta é uma versão inicial e reduzida de um capítulo do trabalho "A comida dos
baianos no século XIX", cuja pesquisa foi realizada com o apoio do CNPQ.
Agradeço a João Reis, pelo constante subsídio bibliográfico.
1 Katia M. de Queirós Mattoso. "A opulência na província da Bahia", in Luis
Felipe de Alencastro (org.), História da vida privada no Brasil: Império(São
Paulo: Companhia das Letras, 1997) p. 147.
2 Luis dos Santos Vilhena, A Bahia no século XVIII. Bahia: Itapuã, 1969, pp.
279 e 284. A edição tem três volumes, e as citações aqui
utilizadas são majoritariamente do primeiro volume. Quando retiradas dos
volumes 2 e 3, serão devidamente identificadas. O livro foi originalmente
editado com o título Recopilação de noticias soteropolitanas e brasilicas,
Bahia: Imprensa Official do Estado, 1921.
3 Convém notar que a denominação erudita para os nascidos em Salvador,
soteropolitanos de sotero ("salvador" ) + polis ("cidade") , permanece até os
dias de hoje.
4 Nas Cartas se autodenomina Amador Veríssimo de Aleteya, que em grego
significa "fiel amigo da verdade". As primeiras Cartas foram enviadas a D.
João, a quem denomina Filipono, ou seja, "amante do trabalho". Já as quatro
últimas foram encaminhadas a D. Rodrigo de Souza Coutinho, a quem chama de
Patrífilo, ou seja, "amigo da pátria". Vilhena, A Bahia, p. 29 e Vilhena, A Bahia, v. 3, p. 757.
5 As informações sobre a vida e o pensamento de Vilhena foram obtidas em
Leopoldo Collor Jobim, "Luis dos Santos Vilhena e o pensamento iluminista no
Brasil" (Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, 1981).
6 Gregório de Matos, Antologia Gregório de Matos Guerra. Seleção e notas de
Higino Barros. Porto Alegre: L & PM, 2009, p. 103.
7 Katia M. de Queirós Mattoso. Bahia, século XIX. Uma província no Império. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1992, pp. 84-90.
8 Vilhena, A Bahia, pp. 197, 199, 231, 232.
9 Sobre os contrastes, do ponto de vista simbólico, entre o açúcar e o fumo,
ver Fernando Ortiz, Contrapunteo cubano del tabaco y el azúcar, Habana:
Editorial de Ciencias Sociales, 1983, pp. 1-17.
10 Vilhena, A Bahia, p. 200.
11 Vilhena, A Bahia, p. 202. Ainda hoje, o aipim cozido faz
parte do café da manhã de muitos baianos, servido quente com manteiga.
12 Vilhena, A Bahia, pp. 156-8.
13 Estudiosos do tráfico estimam que Salvador teria recebido, entre 1678 e
1830, cerca de 790.000 africanos. Ver Manolo Florentino, Alexandre Vieira
Ribeiro e Daniel Domingues Silva, "Aspectos comparativos do tráfico de
africanos para o Brasil (séculos XVIII e XIX)", Afro-Ásia, v. 31 (2004), p. 97.
14 Sobre as crises de alimentação, ver B. J. Barickman, Um contraponto baiano.
Açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-1860, Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2003, p. 133.
15 Vilhena, A Bahia, p. 159. Trata-se de uma referência a
Roma, que se valia da Sicília em tempos de escassez.
16 Sobre o abastecimento dos navios em Salvador, desrespeitando as normas
estabelecidas, ver Jaime Rodrigues, De costa a costa. Escravos, marinheiros e
intermediários do tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro (1780-1860), São
Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 60.
17 Thales de Azevedo, Povoamento da cidade do Salvador, Bahia: Itapuã, 1969, p.
298.
18 Avanete Pereira Sousa, A Bahia no século XVIII. Poder político local e
atividades econômicas, São Paulo: Alameda, 2012, p. 151.
19 Sobre a importância da pecuária para a economia baiana, além de Sousa (A
Bahia no século XVIII), ver Azevedo, Povoamento. pp. 320-36: Stuart B.
Schwartz, Segredos internos. Engenhos e escravos na sociedade colonial, São
Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 88; Eurico Alves
Boaventura, Fidalgos e vaqueiros, Salvador: UFBA-Centro Editorial e Didático,
1989; Maria Aparecida Silva de Sousa,A conquista do Sertão da
Ressaca: povoamento e posse da terra no interior da Bahia, Vitória da
Conquista: UESB, 2001; Erivaldo Fagundes Neves, Uma
comunidade sertaneja: da sesmaria ao minifúndio. Um estudo de história regional
e local. Salvador/Feira de Santana: EDUFBA/UEFS, 2008. pp. 183-226.
20 Neves, "Policultura e autossuficiência", p. 187.
21 Neves, "Policultura e autossuficiência", p. 185.
22 Azevedo, Povoamento, pp. 273-4
23 Vilhena, A Bahia, p. 41.
24 Vilhena, A Bahia, p. 50.
25 Vilhena, A Bahia, p. 479.
26 Petitingas são petiscos muito comuns nos bares de Salvador.
27 Moquecas, sem dendê, são bastante raras hoje. Mesmo assim, anos recentes, o
bar e restaurante Rombiamar, na Boca do Rio, sempre servia essas moquecas,
apimentadas, que vinham do interior.
28 "Saem da vila da Cachoeira diferentes estradas, o que concorre muito para
faze-la famosa, pois que de todas as minas, e sertões se vem dar àquele porto;
há muitos pastos em que se refazem as cavalgaduras, que pisam aquelas estradas,
e os viajantes ali vão deixar uma grande parte do seu dinheiro. A estrada que
sai por S. Pedro da Muritiba estende-se até Minas Novas, Rio de Contas, Serro
do Frio, e todas as minas gerais, até que circulando vai sair ao Rio de
Janeiro; sai outra que passando pela vila de Água Fria, passa às minas da
Jacobina, corta parte do Piauí, e conduz até o Maranhão; e além destas saem
outras de menos conta, e menor distância." Vilhena, A Bahia, v. 2, p. 483.
29 Segundo Barickman, Jaguaripe e Maragogipe forneciam grande parte da farinha
vendida no mercado de Salvador. Ver Barickman, Um contraponto baiano, p. 173. De referência a Nazaré, contida na vila de Jaguaripe, a que
Vilhena são se refere, informa Graham: "No mercado de Nazaré aos sábados, 10 a
12 mil alqueires de farinha eram vendidos. Os barcos de Nazaré e Jaguaripe
juntos providenciavam 43% da farinha de Salvador" (tradução livre do autor).
Ver Richard Graham, Feeding the City: from Street Market to Liberal Reform in
Salvador, Brazil. 1780-1860, Texas, USA: University of Texas Press, 2010, p.
86.
30 Sobre a autossuficiência das fazendas de tabaco, que muitas vezes produziam
também feijão e milho, além de mandioca, ver Barickman, Um contraponto baiano,
p. 103.
31 Vilhena, A Bahia, p. 492.
32 Tendo em vista que Vilhena não viajou pelo interior da Bahia, muito menos
por outras capitanias, embora seu relato chegue à Amazônia, deixo de apresentar
o seu capítulo sobre as riquezas naturais do Brasil. Suponho que o mesmo, em
grande parte, teria se baseado em outros cronistas, sendo uma cópia empobrecida
de autores como Gabriel Soares de Sousa, Tratado descritivo do Brasil em 1587,
São Paulo: EDUSP/ Nacional, 1971; Pe. Fernão Cardim, Tratados
da terra e gente do Brasil, São Paulo/Brasília: Nacional/INL, 1978; Maria Leda Oliveira, A história do Brasil de Frei Vicente do
Salvador: história e política no Império Português do século XVII, Rio de
Janeiro/São Paulo: Versal/ Odebrecht, 2008. Assim como vários
outros, ele passeia da fartura alimentar ao inferno na terra, com os "tigres
inimicíssimos dos jacarés". Ver Vilhena, A Bahia, v. 3, pp. 675-733.
33 Vilhena, A Bahia, p. 497. A cachaça de Parati manteve-se
em parte do século XX com grande prestígio. E a de Camamu? Talvez os
historiadores possam esclarecer.
34 Vilhena, A Bahia, p. 501.
35 Sousa, A Bahia no século XVIII, p. 38.
36 Azevedo, Povoamento, pp. 325-6.
37 Graham, Feeding the City, p. 122.
38 Vilhena, A Bahia, p. 502
39 Vilhena, A Bahia, pp. 510-1.
40 Vilhena, A Bahia, p.518.
41 Vilhena, A Bahia, v. 2, p. 520.
42 Vilhena, A Bahia, v. 2, p. 521.
43 Vilhena, A Bahia, v. 2, pp. 523-4.
44 Vilhena, A Bahia, v. 2, p. 525. Hoje, a localidade
denomina-se Cumuruxatiba.
45 Vilhena, A Bahia, v. 2, pp. 526-7.
46 Vilhena, A Bahia, v. 2, p. 528.
47 Vilhena, A Bahia, v. 2, p. 561.
48 Vilhena, A Bahia, v. 2, p. 561.
49 Antonio Risério, Uma história da Cidade da Bahia, Rio de Janeiro: Versal,
2004, p. 238.
50 Azevedo, Povoamento, p. 275.
51 Vilhena, A Bahia, p. 948.
52 Vilhena, A Bahia, p. 59.
53 Vilhena, A Bahia, p. 58.
54 Vilhena, A Bahia, p. 57.
55 Vilhena, A Bahia, p. 57.
56 Vilhena, A Bahia, p. 57.
57 Vilhena, A Bahia, p. 58.
58 Azevedo, Povoamento, pp. 362-3.
59 Vilhena, A Bahia, p. 159.
60 Sousa, A Bahia no século XVIII, p. 237.
61 Azevedo, Povoamento, p. 365.
62 Azevedo, Povoamento, p. 360.
63 Vilhena, A Bahia, p. 200.
64 Vilhena, A Bahia, p. 61.
65 Azevedo, Povoamento, pp. 362-3.
66 Sobre o banzo ou cesta de mercadorias de procedências diversas, ver Gustavo
Acioli e Maximiliano M. Menz, "Resgate e mercadorias: uma análise comparada do
tráfico luso-brasileiro de escravos em Angola e na Costa da Mina (século
XVIII)", Afro-Ásia, v. 37 (2008), pp. 50-5.
67 Embora recebesse o produto de outras regiões, a cachaça carioca já tinha uma
"aguçada preferência" dos africanos de Luanda nos finais do século XVII. Ver
João José Reis, Flávio dos Santos Gomes e Marcus J. M. de Carvalho, O alufá
Rufino. Tráfico, escravidão e liberdade no Atlântico Negro (1822-1853), São
Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 167.
68 Vilhena, A Bahia, p. 59.
69 Unidade portuguesa de capacidade para líquidos, correspondente a 1,4 litros.
Para A. Saramago, a medida corresponde a cerca de dois litros. Ver Cristiana
Couto, Arte de cozinha. Alimentação e dietética em Portugal e no Brasil
(séculos XVII-XIX), São Paulo: SENAC, 2007, p.157.
70 Vilhena, A Bahia, p. 61.
71 Relativamente, porque algumas vilas eram grandes produtoras de alimentos,
como Nazaré das Farinhas. E, mesmo em Salvador, existia uma produção, a ser
avaliada, de mandioca, feijão e legumes.
72 Vilhena, A Bahia, p. 41.
73 Graham, Feeding the City, pp. 74-91. O autor traça uma
excelente radiografia da população marítima, sua composição e suas relações
sociais, e da tipologia das embarcações, mas em grande parte com informações da
segunda metade do século XIX.
74 Era a Câmara Municipal do período, com atribuições hoje divididas com as
esferas estaduais e federais. Constituía-se no órgão governamental da Coroa
Portuguesa. Ver Sousa, A Bahia no século XVIII, livro que, em grande parte,
trata da organização do poder político.
75 Graham, Feeding the City, p. 174.
76 Segundo o mapa de Vilhena, o celeiro situava-se, na época, na freguesia da
Conceição da Praia, nas proximidades do atual Mercado Modelo ou no local em que
hoje se encontra.
77 Vilhena, A Bahia, p. 124.
78 Vilhena, A Bahia, p. 125.
79 O real (plural réis,abreviado rs.) era uma fração da moeda circulante, "em
que as cédulas eram múltiplas e as moedas frações de mil réis". Já o alqueire
era uma "antiga medida de capacidade us. sobretudo para cereais", cujo volume
era variável conforme o local. Por exemplo, na região de Lisboa, equivalia a
13,8 litros. Já no Pará, correspondia a cerca de 30 kg. Ver Antonio Houaiss e
Mauro de Salles Villar, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Rio de
Janeiro: Objetiva, 2001, p. 2391 e p. 167.
80 Vilhena, A Bahia, p. 125.
81 Vilhena, A Bahia, p. 71.
82 Vilhena, A Bahia, p. 71.
83 Vilhena, A Bahia, p. 157.
84 Em alqueires, seriam as seguintes correspondências: farinha, 3 669 769;
milho, 267 839, 1/4; arroz, 131 475, 1/2; feijão, 94 475, 3/4. Vilhena, A
Bahia, "Memória dos Rendimentos do Celeiro Público da Cidade da Bahia desde 9
de setembro de 1785, dia da sua abertura, até dezembro de 1798", p.72.
85 O que contraria o postulado de Cascudo, de que "Poderiamos dizer o binômio
feijão-e-farinha estava governando o cardápio brasileiro desde a primeira
metade do século XVII. Luis da Câmara Cascudo, História da alimentação no
Brasil, São Paulo: Global, 2004, p. 441. Entretanto, não se
pode desconhecer, segundo Papavero, que o feijão já estava presente no Brasil,
inclusive por serem conhecidos na Europa de longa data, desde o século XVII.
Porém, ser um ingrediente valorizado na dieta local, era outra coisa. Ver
Claude G. Papavero, "Ingredientes de uma identidade colonial: os alimentos na
poesia de Gregório de Matos" (Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo
2007), pp. 241-4. São intrigantes os dados apresentados por
Russel-Wood, a partir de um documento de 1749, em relação à alimentação da casa
de retiro da Santa Casa de Misericórdia, onde as recolhidas recebiam "3 quartos
de farinha de guerra por pessoa, mensalmente, e 6 para a regente" e, ao mesmo
tempo, "9 quartos de feijão para todas, mensalmente", in Russel-Wood, A. J. R.
Fidalgos e filantropos: a Santa Casa da Misericórdia da Bahia, 1550- 1755.
Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1981, pp. 262-3. Um documento do século XVIII, encontrado por Luís Mott no Arquivo
Público da Bahia, registra a presença do feijão e da farinha na alimentação dos
baianos, além de o arroz aparecer com frequência. Desse documento se dará
conta, oportunamente, no texto "Uma mesa aristocrática de um prisioneiro no
século XVIII na Bahia", da autoria de Luís Mott e Jeferson Bacelar.
86 Graham, Feeding the City, pp. 221-3.
87 Sobre a importância da carne, com perspectivas divergentes, ver: Alan
Beardsworth and Teresa Keil, The Mysterious Meanings of Meat, in Sociology on
the Menu. An Invitation to the Study of Food and Society, London/New York:
Routledge, 1997, pp. 193-217; Marvin Harris, Bueno para
comer. Enigmas de alimentación y cultura, Madrid: Alianza, 2011, pp. 22-64.
88 Graham, Feeding the City, p. 107.
89 Vilhena, A Bahia, p. 160. Vilhena escreve apenas "Feira".
Édison Carneiro, em nota de rodapé, completa com "de Santana".
90 Vilhena, A Bahia, p. 160.
91 Vilhena, A Bahia, pp. 127-8.
92 Graham, Feeding the City, pp. 108 e 110.
93 Rollie E. Popppino. Feira de Santana, Bahia: Itapuã, 1968, pp. 20-1.
94 Vilhena, A Bahia, p. 129. A quebra se mantém até os dias
de hoje nas feiras populares, não tanto em relação à carne, embora ainda
exista, mas sobretudo em relação a frutas, verduras e legumes.
95 Sobre o paternalismo e o liberalismo, ver dois capítulos de Graham, Feeding
the City: "Chapter 10- Meat, Manioc and Adam Smith" e "Chapter 11 - The People
do not Live by Theories". pp. 172-207; e João José Reis e
Márcia Gabriela D. de Aguiar. "Carne sem osso e farinha sem caroço: o motim de
1858 contra a carestia na Bahia", Revista de História, n. 135 (1996), p. 133-
59.
96 Graham, Feeding the City, p. 113.
97 Vilhena, A Bahia, p. 70.
98 Vilhena, A Bahia, pp. 129-30.
99 Graham, Feeding the City, p. 119.
100 Vilhena, A Bahia, p. 69. A Sala do Senado é o belo salão
onde atualmente se reúne a Câmara de Vereadores.
101 Sousa, A Bahia no século XVIII, p. 155.
102 Vilhena, A Bahia, p. 129.
103 Vilhena, A Bahia, p. 129.
104 Contemporaneamente, com a postura dos ambientalistas, já existe uma
preocupação com a escassez de água no Ocidente desenvolvido. Entretanto, a
literatura antropológica sobre os problemas de água nas cidades é escassa. Ver
o interessante artigo de Guy Thuillier, "Water Supplies in Nineteenth-Century
Nivernais", in Robert Forster and Orest A. Ranum (ed.), Food and Drink in
History: Selections from the Annales, Economies, Sociétés, Civilisations, v. 5
(Baltimore/London: The John Hopkins University Press, 1979), pp. 109-25.
105 Vilhena, A Bahia, p. 102.
106 Vilhena, A Bahia, p. 102.
107 Provavelmente, a denominação se refere a cisternas ou poços perfurados,
muito comuns nas casas baianas ainda no século XX.
108 Vilhena, A Bahia, pp. 102-3.
109 Vilhena, A Bahia, p. 103.
110 Vilhena, A Bahia, p. 103.
111 Vilhena, A Bahia, p. 109.
112 Vilhena, A Bahia, p. 108.
113 Vilhena, A Bahia, pp. 108-9.
114 Faria Vilhena alguma distinção entre as designações "preto" e "negro"?
Embora atente para as dificuldades ou ambiguidades em torno da classificação
racial nos séculos XVIII e XIX, Santos escreve: "Por certo as categorias
'preta' ou 'negra' na sociedade brasileira referiam-se a 'africano' e a 'negro
escravo'. Ver Jocélio Teles dos Santos, "De pardos disfarçados a brancos pouco
claros: classificações raciais no Brasil dos séculos XVIII-XIX",Afro-Ásia, 32
(2005), p. 137. Já Silvia Lara afirma o contrário: "Negro,
segundo Bluteau, era um designativo de cor, origem e nascimento: trata-se de
alguém 'natural da terra dos negros' ou 'filho de pais negros'" e acrescenta em
nota: "A terra dos negros ou 'Nigritas' é uma vastíssima região da África entre
o Saara e o [sic] Guiné". "A palavra 'preto', por sua vez, aparece claramente
associada à condição escrava". Ver Silvia Hunold Lara, Fragmentos
setecentistas. Escravidão, cultura e poder na América portuguesa, São Paulo:
Companhia das Letras, 2007, p. 132 e p. 135.
115 Vilhena, A Bahia, p. 109.
116 Vilhena, A Bahia, p. 108.
117 Matos,Antologia, p. 103.
118 Vilhena, A Bahia, p. 56.
119 Vilhena,A Bahia, p. 56.
120 Sousa, A Bahia no século XVIII, p. 52.
121 Vilhena, A Bahia, p. 95.
122 Vilhena, A Bahia, p. 131.
123 Vilhena, A Bahia, p. 131.
124 Vilhena, A Bahia, p. 131. O rendeiro do Ver era o
indivíduo que arrematava em hasta pública o direito de cobrar dos vendeiros,
taberneiros e regateiros, quando eles vendiam sem licença ou praticavam preços
superiores ao estipulado pela municipalidade. Sobre o assunto, ver Sousa,A
Bahia no século XVIII, pp. 160-3.
125 Vilhena, A Bahia, p. 131.
126 Vilhena,A Bahia, p. 131.
127 Sousa,A Bahia no século XVIII, p. 52.
128 Vilhena, A Bahia, p. 95.
129 Graham, Feeding the City, p. 35.
130 Vilhena, A Bahia, p. 93.
131 Seria a Conceição da Praia.
132 Vilhena, A Bahia, p. 93.
133 Sousa, A Bahia no século XVIII, p. 143.
134 Vilhena, A Bahia, p. 127.
135 Vilhena, A Bahia, pp. 126-7. Falando sobre o assunto,
Sousa informa: "Situadas, inicialmente, apenas na zona da cidade baixa
conhecida por Praia e na Praça do Terreiro, ao longo dos séculos, foram
instaladas balanças do pescado também na Pituba, em Itapoã, na Gamboa, em
Itapagipe, no Rio Vermelho, em Água de Meninos, nas Pedreiras e em Ubaranas".
Ver Souza, A Bahia no século XVIII, p. 159.
136 Vilhena, A Bahia, p. 127.
137 Vilhena,A Bahia, p. 127.
138 Vilhena,A Bahia, p. 127.
139 Sobre a participação das mulheres nos mercados africanos, ver Pierre Verger
e Roger Bastide, "Contribuição ao estudo dos mercados nagôs do Baixo Benin", in
Pierre Verger, Artigos, São Paulo: Corrupio, 1992, pp. 122-59. Sobre as ganhadeiras em Salvador, no século XIX, ver Cecília C.
Moreira Soares, Mulher negra na Bahia no século XIX, Salvador: Eduneb, 2007,
pp. 57-81 e, também, Maria Inês Côrtes de Oliveira, O
liberto: seu mundo e os outros, São Paulo: Corrupio, 1988.
Sobre o poder e a organização dos ganhadores, ver João José Reis, "A greve
negra de 1857 na Bahia", Revista USP, Dossiê Brasil/África, v. 18 (1993), pp.
7-29.
140 Vilhena,A Bahia, p. 132.
141 Azevedo, Povoamento, pp. 348-9.
142 Vilhena, A Bahia, p. 132.
143 Vilhena, A Bahia, p. 132.
144 Vilhena, A Bahia, p. 130.
145 Vivaldo da Costa Lima, já nos seus últimos anos de vida, em conversa
informal com o autor, declarou ter dúvida em relação à origem africana do
vatapá.
146 Vivaldo da Costa Lima, "As dietas africanas no sistema alimentar
brasileiro", in Carlos Caroso e Jeferson Bacelar (orgs.), Faces da tradição
afro-brasileira (Rio de Janeiro/Salvador: Pallas/CEAO, 2006), p. 321.
147 Luiz Antonio de Oliveira Mendes,Memória a respeito dos escravos e tráfico
da escravatura entre a Costa d'África e o Brazil. Apresentada à Real Academia
das Ciências de Lisboa em 1793, Porto: Escorpião, 1977.
148 Vilhena, A Bahia, p. 130.
149 Claude G. Papavero, "Ingredientes de uma identidade colonial", pp. 390-1.
150 Isabel M. R. Mendes Drumond Braga, Sabores do Brasil em Portugal. Descobrir
e transformar novos alimentos (séculos XVI-XXI), São Paulo: Senac, 2010, p. 76.
151 Vilhena,A Bahia, p. 260.
152 Papavero, "Ingredientes de uma identidade colonial", p. 379.
153 Sobre o assunto, ver Claude G. Papavero, "Mulheres, açúcar e comidas no
Brasil seiscentista", Caderno Espaço Feminino, v. 19, n.1 (2008), pp. 59-88.
154 Matos, Antologia, p. 35.
155 Vilhena, A Bahia, p. 157.
156 O Dicionário Houaiss da língua portuguesa, p. 147, define
aletriacomo "massa de farinha de trigo crua e seca, em fios muito delgados, us.
em sopas ou, em pratos doces, combinada com leite, ovos e açúcar" e indica como
sinônimos: cabelo-de-anjo, fidelinho, fidéu e letria.
157 Carne de sertão é uma das designações para o "charque", também conhecido
porjabá e carne seca.
158 Vilhena,A Bahia, p. 161.
159 Matos, Antologia, p. 47.
160 Vilhena, A Bahia, p. 158.
161 Vilhena,A Bahia, p. 185.
162 Vilhena, A Bahia, p. 186.
163 Vilhena, A Bahia, p. 186.
164 A. J. R. Russel-Wood, Escravos e libertos no Brasil colonial, Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. O livro foi
originalmente publicado na Inglaterra, em 1982, e o texto aqui citado está em
"Epílogo: Considerações retrospectivas, atuais e prospectivas", que faz parte
da edição brasileira.
165 Russel-Wood, Escravos e libertos, p. 310.
166 Barickman,Um contraponto baiano,p. 308.
167 Barickman,Um contraponto baiano, p. 308.
168 Walter Fraga Filho, Encruzilhadas da liberdade. Histórias de escravos e
libertos na Bahia (1870-1910), Campinas: Editora da Unicamp, 2006.
169 Vilhena, A Bahia, p. 186.
170 Vilhena,A Bahia, p. 187.
171 Vilhena,A Bahia, pp. 187-8.
172 Vilhena, A Bahia, p. 188.
173 Vilhena, A Bahia, p. 188.
174 Matos, Antologia, p. 205.
175 Vilhena, A Bahia, p. 61.
176 Vilhena, A Bahia, v. 3, p. 915.