O conceito de desenvolvimento do ISEB rediscutido
O Instituto Superior de Estudos Brasileiros ' ISEB foi um grupo de intelectuais
de várias origens e especialidades que, nos anos 50, desenvolveram no Rio de
Janeiro uma visão coerente e abrangente do Brasil e de seu processo de
industrialização e desenvolvimento. Mais que isso, apresentou uma interpretação
original e poderosa do desenvolvimento brasileiro fundada nos conceitos de
revolução capitalista e, principalmente, de revolução nacional. Não faço aqui
uma resenha do pensamento do ISEB, mas dou-lhe uma interpretação pessoal, ao
mesmo tempo que elaboro uma crítica de suas eventuais insuficiências, sobretudo
do seu otimismo que não permitiu prever a possibilidade de uma crise de longo
prazo, como aquela que atinge o desenvolvimento brasileiro e latino-americano a
partir dos anos 80. A perspectiva abrangente do ISEB é contemporânea e
essencialmente coerente com a visão predominantemente econômica da Comissão
Econômica para a América Latina ' CEPAL. Por outro lado, é anterior às análises
do Brasil, que se originaram uma década mais tarde em São Paulo, no
Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo ' USP, em torno de
Florestan Fernandes. Embora centrando minha atenção no ISEB, farei em alguns
momentos comparações com os outros dois centros de pensamento1.
O ISEB foi fundamentalmente uma escola de intelectuais públicos que se reuniam
sob a liderança de Hélio Jaguaribe para pensar o Brasil2. Embora tivessem
grande cultura, não estavam primordialmente preocupados com as pesquisas
acadêmicas, mas em participar da vida pública com sua inteligência. Como seus
membros viviam no Rio de Janeiro ou em São Paulo, durante algum tempo, em 1952,
eles se encontravam em Itatiaia. Depois, com a fundação do Instituto Brasileiro
de Economia, Sociologia e Política ' IBESP, uma iniciativa de Hélio Jaguaribe,
tornou-se essencialmente um grupo do Rio de Janeiro, e identificou-se com a sua
principal publicação, os Cadernos do Nosso Tempo, uma revista que teve cinco
números publicados entre 1953 e 19563. Em 1955, no governo Café Filho, o ISEB é
criado, nos moldes da Escola Superior de Guerra, e passa a fazer parte do
aparelho de Estado brasileiro. O fato era surpreendente, já que seus membros
haviam apoiado Getulio Vargas, se oposto ao golpe que o derrubou, e naquele
momento defendiam a eleição de Juscelino Kubitschek, de quem se esperava a
continuidade da política nacional e industrializante de Vargas4. Com a eleição
de Juscelino, o ISEB, agora situado no aparelho de Estado, transforma-se no
principal centro do pensamento nacionalista e desenvolvimentista brasileiro.
Não obstante, o grupo não logrou ser parte ativa do governo Kubitschek.
Tratava-se de intelectuais que, embora inseridos no aparelho de Estado e
preocupados com a formulação de projetos de desenvolvimento, não tinham
habilidades tecnocráticas nem políticas especiais. Sua força estava em suas
idéias, não na ação.
Os principais intelectuais do ISEB foram os filósofos Álvaro Vieira Pinto,
Roland Corbisier e Michel Debrun; o sociólogo Alberto Guerreiro Ramos; os
economistas Ignácio Rangel, Rômulo de Almeida e Ewaldo Correia Lima; o
historiador Nelson Werneck Sodré; e os cientistas políticos Hélio Jaguaribe,
Candido Mendes de Almeida e Oscar Lorenzo Fernandes. Tomei conhecimento de sua
produção intelectual em janeiro de 1955, quando li o número 4 de Cadernos do
Nosso Tempo, e esta leitura teve para mim o papel de uma verdadeira revelação
do processo histórico do desenvolvimento brasileiro. Embora o grupo tivesse
origem heterogênea ' um era comunista (Werneck Sodré), três podiam ser chamados
de marxistas (o próprio Sodré, Vieira Pinto e Ignácio Rangel), e dois eram
claramente católicos (Vieira Pinto e Mendes de Almeida) ', o pensamento de
todos parecia razoavelmente coeso. Adotavam o método histórico de conhecimento,
partilhavam uma perspectiva de esquerda moderada e eram, sem exceção,
nacionalistas, fundamentalmente preocupados com a industrialização e a
Revolução Nacional Brasileira. Por isso, foram os principais formuladores da
"interpretação nacional burguesa" do Brasil (Bresser-Pereira, 1982). Apesar
disso, já no final dos anos 50, o ISEB é vítima da radicalização política que
abalaria o país nos anos seguintes. Com a publicação por Hélio Jaguaribe de um
livro pioneiro, O Nacionalismo na Atualidade Brasileira(1958), desencadeia-se
uma profunda crise na instituição, que acaba resultando em sua saída do ISEB5.
Neste livro, Jaguaribe reconhece que os investimentos estrangeiros se estavam
dirigindo para a indústria. Ao fazer esta afirmação, de fato, ele contrariava
uma tese comum à esquerda e aos nacionalistas brasileiros e latino-americanos,
representados pelo próprio ISEB, pela CEPAL no Chile e pelo Partido Comunista
então na ilegalidade no Brasil, segundo a qual o "capital estrangeiro",
associado ao setor primário-exportador, seria o principal obstáculo político à
industrialização brasileira6. Ao reconhecer um papel positivo para os
investimentos diretos estrangeiros, ele estava antecipando uma tese da "teoria
da nova dependência", que seria formulada em São Paulo e no Chile nos anos 60,
depois do golpe de 1964 e da retomada do desenvolvimento em 1967, e se tornaria
dominante na América Latina nos anos 70. Seus companheiros, entretanto, não
quiseram reconhecer o fato histórico novo, que exigia uma nova formulação
teórica.
Enquanto ocorria a crise interna do ISEB, o próprio pacto nacional-
desenvolvimentista, que seus membros haviam identificado e defendido, também
entrava em crise. O candidato Henrique Teixeira Lott, general apoiado por
Juscelino Kubitschek, pelo Partido Social Democrático ' PSD e pelo Partido
Trabalhista Brasileiro ' PTB, ou seja, pela coalizão política criada por
Vargas, perdeu as eleições presidenciais de 1959. Entretanto, com a renúncia de
Jânio Quadros seis meses depois, o vice-presidente João Goulart, que assumira o
papel de herdeiro político de Vargas, e se transformara no líder político de
esquerda dessa coalizão, assume a Presidência da República. Este fato, somado
principalmente à Revolução Cubana de 1959, dá origem à radicalização da
esquerda brasileira, da qual o ISEB participará, e ao alarmismo de direita, que
terminará com o golpe militar de 1964. Em seguida, o ISEB é objeto de um
inquérito militar, seus membros têm seus direitos cassados e a própria
organização é extinta.
Logo depois de sua fundação, o ISEB organizou no Rio de Janeiro, em sua sede em
Botafogo, um curso regular, com duração de um ano, destinado a formar as elites
brasileiras, no qual era oferecida uma visão ampla e coerente do Brasil ' de
sua história, do caráter semicolonial do período que se segue à independência
política ' e do início da Revolução Nacional Brasileira, que começa com a
Revolução de 1930, sob a liderança de Getulio Vargas, e sob a égide da
industrialização substitutiva de importações7. Essas idéias se completavam, no
plano econômico, com o pensamento estruturalista da CEPAL e, particularmente,
de Celso Furtado que, embora não tenha feito parte formal do ISEB, estava
próximo das idéias daquele grupo, tendo publicado duas conferências pelo
Instituto8. Por outro lado, o principal economista do ISEB, Ignácio Rangel,
participou como aluno de um curso no início dos anos 50 na CEPAL, em Santiago
do Chile. Dessa forma, a perspectiva política do ISEB, centrada na idéia de
revolução nacional, e a perspectiva econômica da CEPAL, fundada na crítica da
teoria econômica neoclássica, somavam forças, forneciam uma base sólida, no
início da década de 50, para que um poderoso e inovador grupo de intelectuais
pensasse o Brasil e a América Latina.
No plano político, diante das duas grandes oposições ideológicas que marcaram o
mundo desde o século XIX ' ordem x justiça social e nação x cosmos ', o ISEB
colocava-se claramente como partidário da idéia de nação e moderadamente a
favor dos ideais de esquerda ou de maior igualdade econômica. Não era radical
neste ponto porque, embora a revolução capitalista fosse marcada pelo conflito
social, a formação do Estado nacional se fazia, necessariamente, por intermédio
de uma aliança dialética ou contraditória, mas sem dúvida alguma de uma aliança
entre capital e trabalho. Por outro lado, o nacionalismo do ISEB também não era
radical. Era um nacionalismo patriótico, semelhante ao que existiu e continua a
existir nos grandes países capitalistas desenvolvidos, que só puderam
desenvolver-se porque, por via da revolução nacional, formaram um Estado-nação
capaz de liderar um projeto de desenvolvimento.
Com uma defasagem de cerca de dez anos, formou-se a escola de sociologia de São
Paulo, sob a liderança de Florestan Fernandes. Enquanto o grupo do ISEB, embora
dotado de ampla formação teórica, estava antes situado no aparelho de Estado do
que na universidade, e não estava voltado para a pesquisa empírica, mas era um
grupo de intelectuais públicos universalistas, o grupo de São Paulo torna-se um
produto por excelência da universidade. A preocupação empírica inicial é com a
discriminação racial, inaugurada com os trabalhos pioneiros de Fernando
Henrique Cardoso (1962) e de Florestan Fernandes (1965). Enquanto, de acordo
com Norma Côrtes (2003:27-31), o ISEB era um grupo nacionalista e historicista,
que tinha uma visão dualista da história e pressupunha a possibilidade das
alianças de classe, e cujo pensamento dominante era o desenvolvimento nacional
obstado pelo imperialismo, a escola paulista adotou uma perspectiva cosmopolita
e estruturalista, antidualista, enfatizando o conflito das classes ' ou seja, a
dicotomia esquerda-direita ' e rejeitando a possibilidade de uma aliança
destas, em vez de criticar as relações imperiais existentes entre os países
desenvolvidos e os não. O alvo inicial da sociologia paulista foi a escola
pernambucana de Gilberto Freyre, o segundo o ISEB. Inicialmente, temos apenas
trabalhos teóricos, ou então pesquisas de abrangência limitada. O primeiro
trabalho amplo, que esboça uma visão do Brasil e já começa a competir com as
idéias do grupo do Rio de Janeiro, foi o livro de Fernando Henrique Cardoso
(1964) sobre os empresários e o desenvolvimento econômico, publicado no momento
em que o grupo do Rio de Janeiro, depois de sofrer a crise interna, era extinto
pelo regime militar. A visão paulista, porém, só se configura plenamente no
final da década, em pleno regime militar, quando a economia brasileira começa a
superar a crise dos anos 60. Expressa-se com dois trabalhos muito diferentes '
um de Cardoso e Faletto (1969) e outro de Francisco de Oliveira (1972) ', mas
que têm em comum não apresentarem uma visão de nação, mas serem de esquerda,
rejeitarem portanto a idéia de uma aliança entre empresários e trabalhadores,
serem descrentes do desenvolvimentismo e criticarem o dualismo otimista do
pensamento carioca, o qual supunha que o setor moderno poderia absorver o pré-
capitalista no processo de desenvolvimento. Enquanto para o ISEB os empresários
industriais constituíam ou deviam constituir a burguesia nacional, envolvida na
industrialização e associada aos técnicos do Estado e aos trabalhadores nesta
tarefa, para Fernando Henrique os empresários são um grupo politicamente
imaturo e confuso, sem projeto político9. Depois do golpe militar de 1964,
enquanto o grupo de São Paulo, sob a liderança transitória de Caio Prado Jr.,
exorcismava a interpretação nacional-burguesa do Brasil, que o ISEB e o Partido
Comunista haviam compartilhado, culpando-a pelo próprio golpe, os intelectuais
do ISEB foram dispersos10. A vitória "acadêmica" da escola paulista foi clara,
não apenas porque seus membros falavam em nome da ciência, mas também porque
lograram, com êxito, identificar a análise e o projeto político do ISEB com a
traição aos trabalhadores e ao ideal socialista. E, com essa vitória, perdura
até hoje uma perspectiva enviesada da grande contribuição dos intelectuais do
ISEB para a compreensão da realidade brasileira11.
Nos anos 50, o ISEB identificava a industrialização, que se acelerara desde
1930, com a Revolução Nacional Brasileira, e argumentava que então, sob a égide
de Getulio Vargas12, se formara um pacto político nacional-populista unindo
burguesia industrial, trabalhadores, técnicos do Estado e a parte da oligarquia
substituidora de importações, e atribuía um papel protagonista para os
empresários industriais. Nos anos 60, nem o ISEB nem a escola de São Paulo
mostraram ter razão em relação à questão da burguesia nacional. Não se
entendiam, uma vez que trabalhavam em níveis de abstração diferentes e,
principalmente, porque não consideraram os fatos que resultaram no golpe de
1964. Não se deram conta de que uma série de novos acontecimentos ocorridos
durante os anos 50 havia superado o conflito entre indústria e setor
agroexportador, inviabilizado uma aliança entre as esquerdas e os empresários
industriais e levado a classe capitalista a se unir contra a ameaça comunista.
Coube a mim, como membro paulista e júnior do grupo do ISEB, distinguir e
organizar esses três pares de fatos históricos novos e fazer a análise política
dos mesmos (que aparece de maneira completa na primeira edição de
Desenvolvimento e Crise no Brasil: 1930-1967
13): a consolidação da indústria e a queda dos preços do café no mercado
internacional, que superavam a questão do "confisco cambial" que opunha a
agricultura exportadora à indústria; a entrada de empresas multinacionais na
indústria, que levava parte da burguesia local a ser supridora ou distribuidora
dos seus produtos, e a aprovação da Lei de Tarifas, de 1958, que protegia mais
estavelmente a indústria contra importações, ambos os fatos reduzindo o caráter
eventualmente nacionalista da burguesia; e, finalmente, a Revolução de Cuba e o
recrudescimento da luta sindical, que, somados à radicalização do início dos
anos 60, tiveram o condão de unir politicamente a classe capitalista e amplos
setores das classes médias. Em lugar de acusar de equivocado o pensamento do
ISEB sobre o desenvolvimento brasileiro, eu afirmava que ele fora correto, mas
aquela série de fatos novos que se seguiram inviabilizara esse pacto. E
acrescentava que, nesse quadro de vácuo político ou de poder que Jânio Quadros
eleito presidente da República se revelou incapaz de preencher, a radicalização
das esquerdas e o alarmismo da direita somaram-se à crise econômica provocada
pelo excesso de gastos e pela valorização do câmbio durante o governo
Kubitschek, levando o país a uma profunda crise política e, afinal, ao golpe
militar. Ao fazer essa análise eu preservava a extraordinária contribuição
representada pela escola nacionalista, desenvolvimentista e dualista do ISEB,
ao mesmo tempo que abria espaço para uma interpretação da nova dependência que
se conservasse nacionalista14.
DESENVOLVIMENTO É REVOLUÇÃO CAPITALISTA
No pensamento do ISEB havia um conceito de desenvolvimento que tomava
emprestadas idéias de Marx, de Schumpeter e do estruturalismo latino-americano
de Raúl Prebisch e Celso Furtado, sem, entretanto, se preocupar em ser fiel a
qualquer uma destas visões. O desenvolvimento é um processo de acumulação de
capital e de incorporação de progresso técnico por meio do qual a renda por
habitante ou, mais precisamente, os padrões de vida da população aumentam de
forma sustentada. Para o ISEB, assim como para a CEPAL, desenvolvimento era
industrialização, mas, mais do que isto, era o processo mediante o qual o país
realizava sua revolução capitalista. Para Marx, era um processo integrado de
desenvolvimento econômico, social e político. Para Schumpeter, tinha como
agentes os empresários e não significava simplesmente aumento da renda per
capita, mas transformações estruturais da economia e da sociedade. Entretanto,
todo esse processo só fazia sentido nos quadros econômicos da revolução
capitalista e nos marcos políticos da formação de um Estado-nação moderno: o
desenvolvimento acontecia em um mercado capitalista definido e regulado pelo
Estado.
A idéia de revolução capitalista, emprestada do materialismo histórico, estava
na base do pensamento do ISEB, embora sem nenhuma ortodoxia, e com um papel
maior para os aspectos culturais e ideológicos. Como não havia preocupação com
"fidelidade", os autores do ISEB não precisavam reinterpretar Marx, mas tinham
clara a idéia da revolução burguesa deste, e sabiam que esta ocorre em duas
fases ' a do mercantilismo e a do capitalismo industrial ', e que só a segunda
produz efetivamente o desenvolvimento. Furtado veria esse fenômeno com mais
clareza ainda em seu clássico Desenvolvimento e Subdesenvolvimento(1961:cap.
3), mas no pensamento do ISEB e, particularmente, de Ignácio Rangel, Guerreiro
Ramos e Hélio Jaguaribe, já é possível perceber que a superação do
subdesenvolvimento, na medida em que é industrialização, depende da superação
do capitalismo mercantil. É verdade que Rangel, em sua teoria da dualidade
(1957; 1962; 1981), cria uma certa confusão ao falar em feudalismo no Brasil,
mas para ele o latifúndio colonial era "feudal" apenas internamente;
externamente, dada a "dualidade básica da economia brasileira", era mercantil.
Ora, o capitalismo mercantil já tem o lucro como objetivo claro da atividade
econômica, mas não definiu ainda o aumento da produtividade como o meio por
excelência para alcançá-lo. Para o mercantilismo, o monopólio derivado do
comércio de longa distância, ou dos privilégios outorgados pelo rei, é
suficiente para garantir o lucro mercantil. É só a partir da Revolução
Industrial que a revolução capitalista se completa, e que os lucros alcançados
em mercados dominantemente competitivos passam a depender da incorporação
sistemática de progresso técnico à produção. É com a passagem do capitalismo
mercantil para o industrial que as duas características essenciais do
desenvolvimento econômico ' a acumulação capitalista com incorporação
sistemática de progresso técnico ' se materializam, provocando o crescimento
sustentado da renda por habitante e a melhoria dos padrões de vida da
população. É também nesse momento que o agente por excelência do
desenvolvimento, o empresário industrial, se configura. No Brasil, segundo o
ISEB, esse processo histórico começa propriamente em 1930. Antes, entre o
Descobrimento e 1808/1821, o Brasil havia sido um país colonial, e, a partir da
independência política, semicolonial.
O desenvolvimento que emerge da revolução capitalista é "sustentado" porque, a
partir de então, a acumulação de capital e o progresso técnico se tornam
condição de sobrevivência das empresas. Ao contrário do que acontecia no
capitalismo mercantil, a empresa que não continua a investir na modernização de
seu sistema de produção e de seus produtos e serviços perecerá. A partir desse
raciocínio, era razoável que o ISEB e a CEPAL supusessem que, depois da
industrialização, o desenvolvimento se tornaria praticamente automático.
Desenvolvimento É Estratégia
Para o ISEB, o desenvolvimento dos países então subdesenvolvidos só seria
possível se fosse fruto de planejamento e de estratégia, tendo como agente
principal o Estado. Dada a existência do imperialismo, seria impossível a esses
países se desenvolver sem que sua revolução capitalista se completasse pela
revolução nacional que leva à formação do Estado nacional. Os Estados nacionais
ou países modernos aparecem na Europa como a face política e institucional da
revolução burguesa. Surgem quando o Estado se diferencia da sociedade, ou
quando o público se separa do privado. Dentro de cada Estado nacional, o Estado
é a organização de políticos, burocratas e militares dotada de poder de
legislar e tributar a sociedade vivendo em um determinado território, e é
também a própria lei, ou o sistema institucional que rege essa sociedade. Para
os países hoje desenvolvidos, o desenvolvimento econômico foi, historicamente,
o processo de acumulação sistemática de capital com incorporação de progresso
técnico realizada por empresários em um mercado estabelecido e regulado por
cada Estado nacional. Desta definição, entretanto, não se depreende que o
Estado nacional, mesmo nesses países, tenha sido apenas um "ambiente" no qual o
desenvolvimento ocorreu. Ele não se limitou a criar as condições econômicas e
institucionais adequadas para o desenvolvimento, mas foi também o promotor
deste.
No caso dos países subdesenvolvidos que, nos anos 50, estavam em pleno processo
de revolução capitalista, o ISEB salientava que o Estado tem, adicionalmente, o
papel de ser o líder estratégico do desenvolvimento. Deve proteger a indústria
nacional infante contra a concorrência estrangeira ' daí a tese de que o
desenvolvimento deve ocorrer pela substituição de importações; deve planejar a
economia, principalmente os investimentos do próprio Estado na infra-estrutura
econômica do país; e deve estar constantemente se atualizando diante dos novos
desafios econômicos e tecnológicos que estão surgindo nacional e
internacionalmente. O desenvolvimento é, portanto, planejamento, mas é também
estratégia. O Estado não pode limitar-se a estabelecer as condições
institucionais para que os empresários invistam; deve, também, criar as
condições econômicas necessárias.
Podemos, assim, completar o conceito de desenvolvimento do ISEB: é o processo
de acumulação de capital, incorporação de progresso técnico e elevação dos
padrões de vida da população de um país, que se inicia com uma revolução
capitalista e nacional; é o processo de crescimento sustentado da renda dos
habitantes de um país sob a liderança estratégica do Estado nacional e tendo
como principais atores os empresários nacionais. O desenvolvimento é nacional
porque se realiza nos quadros de cada Estado nacional, sob a égide de
instituições definidas e garantidas pelo Estado.
Nesta definição fica clara a importância das instituições. Nos últimos anos,
muitos economistas neoclássicos e cientistas políticos da escola da escolha
racional, percebendo as limitações de seus modelos abstratos e vazios de
história, "descobriram" as instituições e passaram a dar a elas uma importância
particular. Preocuparam-se, especialmente, em afirmar a importância da garantia
da propriedade e dos contratos. O ISEB, como a CEPAL, não precisava separar as
instituições da análise geral. O Estado dentro de um país é a instituição por
excelência; é a instituição organizacional e normativa dotada de poder
extroverso sobre a população vivendo no território do Estado nacional15. Seu
papel é mais amplo do que simplesmente garantir a propriedade e os contratos.
Por via da revolução capitalista e da revolução nacional, o Estado, associado
principalmente à burguesia, mas em nome de todas as classes, define as leis
gerais e as políticas específicas que constituirão a estratégia de
desenvolvimento nacional. O desenvolvimento é um processo de contínuo
planejamento e replanejamento; é essencialmente o resultado de uma vontade
nacional que se expressa de forma estratégica.
DESENVOLVIMENTO É REVOLUÇÃO NACIONAL
Para que o desenvolvimento possa ser pensado em termos estratégicos,
entretanto, é preciso que o Estado tenha as condições materiais e ideológicas
necessárias. Antes de tudo, portanto, é preciso que a revolução capitalista
seja também uma revolução nacional; que tenha como conseqüência a formação do
Estado nacional. Tanto na revolução nacional quanto na capitalista o poder
político concentra-se principalmente entre os empresários e os burocratas
estatais e os políticos que os representam, ficando para os trabalhadores
assalariados um papel secundário. Entretanto, enquanto na revolução capitalista
é o conflito que marca a relação capital-trabalho, na revolução nacional o
fenômeno marcante é a associação em torno de um projeto de nação dos
trabalhadores, dos empresários e da burocracia detentora de conhecimento
técnico e organizacional.
A partir dessa perspectiva dialética, ao mesmo tempo histórica e normativa, o
pensamento do ISEB é essencialmente nacionalista. Nacionalismo não significa
aqui rejeição ao estrangeiro, mas a constatação de que o desenvolvimento se
realiza nos quadros nacionais, em um mercado ou a partir de um mercado
nacional, e envolve, portanto, a afirmação do Estado nacional, que define as
fronteiras e as instituições desse mercado. O que o ISEB pretendia é que o
Brasil fosse tão nacionalista quanto são os países desenvolvidos. Que possuísse
um Estado, uma elite política no governo e cidadãos na vida social tão capazes
de defender os interesses nacionais quanto aqueles existentes nos Estados
Unidos, na Inglaterra ou na França. Para Hermes Lima, que foi muito próximo do
grupo do ISEB e escreveu para os Cadernos do Nosso Tempo, o nacionalismo mudava
segundo o tempo e as circunstâncias. No caso do Brasil, nos anos 50,
significava aproveitar a "atmosfera favorável aos nossos desígnios" e promover
a industrialização. Mais especificamente, afirma ele:
"Traduz, portanto, o nacionalismo neste momento, para o Brasil, a
decisão de levar a cabo uma política pioneira de base que, por isso
mesmo, só nós mesmos podemos sentir e formular. Política de base para
alicerçar nossa industrialização. Política de base que permita
incorporar a níveis de produtividade de renda mais satisfatórias a
grande massa da população" (1955:87).
Hermes Lima estava correto. O nacionalismo patriótico do tipo defendido pelo
ISEB envolve uma permanente pergunta ' qual é o interesse nacional? ', cuja
resposta varia no tempo. Os intelectuais do ISEB, entretanto, não gostavam do
adjetivo "patriótico", porque este podia acabar se limitando a uma preocupação
literária e identitária, como muitas vezes acontecera no passado. Nacionalismo
para o ISEB significava também o reconhecimento da existência do imperialismo,
que é entendido como a forma habitual de dominação econômica dos países ricos
sobre os pobres. O imperialismo político estava desaparecendo nos anos 50, mas
o econômico continuava vivo, o que não significava que não pudessem existir
interesses comuns entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, salientando-se
os interesses contraditórios. Expressava-se, de um lado, pela troca desigual ou
pela deterioração dos termos de intercâmbio (nisto reproduzem o pensamento da
CEPAL); de outro, pela realização, por via do capital estrangeiro, de lucros
monopolistas e sua remessa para o exterior. Os interesses dos Estados nacionais
não são necessariamente conflitantes, mas, nas relações entre países
desenvolvidos e subdesenvolvidos, ocorre um desequilíbrio de forças que
facilita a realização dos interesses dos primeiros, muitas vezes à custa dos
últimos.
Este desequilíbrio de forças materiais é potencializado pela subordinação
cultural das elites dos países subdesenvolvidos, vítimas do "complexo de
inferioridade colonial". Sentem-se intrinsecamente inferiores às elites
européias e dos Estados Unidos e tendem a reproduzir, de forma mimética e pouco
crítica, as idéias e as instituições estrangeiras, que, assim, se tornam
postiças. Para o ISEB, as idéias dos brasileiros estão, como diria mais tarde
Roberto Schwarz (1981), "fora do lugar". Os textos dos intelectuais públicos do
ISEB sobre este tema são fascinantes16. Nessa mesma linha, uma elite alienada,
uma "jeunesse dorée", reproduz no Brasil a cultura estrangeira de forma
transplantada, ornamental, desassociada dos problemas reais do país; reproduz
inclusive a oposição esquerda/direita nesses termos, revelando-se incapaz de
pensar os problemas nacionais com originalidade e autenticidade17. Dessa forma,
não logra desenvolver, no plano interno, as instituições adequadas ao país, e,
em suas relações internacionais, tem dificuldade em afirmar os interesses
nacionais. No editorial de apresentação do primeiro número de Cadernos do Nosso
Tempo, que não tem mais que duas páginas, Hélio Jaguaribe já escrevia:
"Em países como o Brasil, em que persiste a alienação colonialista, à
crise peculiar à nossa época se acrescem as conseqüências daquela
alienação. Os problemas do nosso tempo, inclusive aqueles que afetam
diretamente o Brasil, são considerados segundo as perspectivas dos
interesses alienígenas. Recebemos do estrangeiro, juntamente com os
problemas, sua interpretação pré-fabricada" (1953:2).
Com a industrialização, entretanto, surge no Rio de Janeiro uma equipe de
políticos e tecnocratas ligados ao Estado, enquanto em São Paulo desponta uma
classe empresarial, que, associadas, iniciam a Revolução Nacional Brasileira.
Nesses termos, o desenvolvimento para um país periférico como era o Brasil
implicava um duplo desafio. Em primeiro lugar, como aconteceu originalmente nos
países desenvolvidos, significava construir e consolidar o Estado nacional; em
segundo, consistia em se desvencilhar da subordinação cultural e, em uma frase
que Celso Furtado cunhou e repetiu muitas vezes, "transferir o centro de
decisão para dentro do país". Desenvolvimento significa revolução nacional que
torne o país senhor do seu destino: capaz de saber, nas relações com os demais
países, qual seja seu interesse nacional.
O nacionalismo é a ideologia da revolução nacional. É a tomada de consciência
pelo povo brasileiro de que se constitui em uma nação que tem interesses nem
sempre coincidentes com os dos demais países. Entendido nestes termos, não tem
o caráter excludente que muitas vezes assume quando a "nação" é identificada
com uma população que compartilha a mesma raça, origem regional, religião,
valores e crenças. Sociedade multirracial, multinacional e multirreligiosa,
constituída por um grupo heterogêneo de pessoas, que se torna uma nação via a
própria formação do Estado nacional, o Brasil é um país do qual se diz muitas
vezes que "o Estado precedeu a sociedade e a constituiu". É exatamente a
ideologia que permite que o Estado, união política de um grupo de indivíduos,
se transforme em uma nação. Assim, o nacionalismo que o ISEB propunha nada
tinha a ver com o racismo, a intolerância religiosa e o anti-semitismo que
caracterizava outros nacionalismos. O modelo do ISEB inspirava-se no
nacionalismo dos estados europeus modernos e, principalmente, no americano. A
diferença estava no fato de que os Estados Unidos, graças a esse nacionalismo,
há muito completaram sua revolução nacional, enquanto o Brasil estava apenas
começando.
Para Álvaro Vieira Pinto, o nacionalismo é um fenômeno histórico intrínseco à
existência da nação. Segundo ele, em uma primeira grande fase da história do
Brasil, colonial, a preocupação maior é com a definição da forma jurídica
nacional; na segunda fase, que começa com a industrialização, já não é mais a
forma, mas o conteúdo econômico do desenvolvimento que importa. "O nacionalismo
deste momento passa a representar a consciência do imperativo do
desenvolvimento" (1960:300). Mais amplamente, o que o filósofo nos propõe é que
o nacionalismo é a consciência autêntica e crítica da realidade nacional. Ora,
acrescenta ele, "a consciência crítica é necessariamente autoconsciência [...]
ao se descobrir como nacional' a consciência se incorpora como um todo à
realidade objetiva [...] a realidade social se faz representar no pensamento"
(idem:313). E conclui com uma alusão à tese clássica de Ernest Renan de que a
nação se constrói todos os dias: "O dilema entre nacionalismo e não-
nacionalismo é de caráter ontológico, diz respeito ao ser da nação, a qual deve
permanentemente reafirmar-se sob pena de desintegrar-se" (idem:316).
Dessa perspectiva cultural e ideológica nacionalista, Vieira Pinto (1957:29)
entende que "o processo de desenvolvimento tem de necessariamente ser um
fenômeno de massas", ou seja, tem de estar inserido na consciência nacional. Do
que deriva uma importante diferença entre o desenvolvimento do centro e da
periferia. Enquanto o primeiro teve como adversárias as elites aristocráticas e
mercantis, o desenvolvimento da periferia tem como adversários adicionais os
interesses do capitalismo internacional e das elites locais alienadas, aliadas
ao imperialismo. Enquanto para o centro a revolução nacional consiste apenas em
formar e consolidar o Estado-nação, para um país subdesenvolvido como o Brasil
o desafio adicional está em pensar os problemas em termos nacionais ou
autênticos.
Durante os anos 60 e 70, a aliança dos militares brasileiros com os Estados
Unidos contra o comunismo não significou a derrota das idéias nacionalistas do
ISEB, já que no plano econômico o Estado continuava a afirmar o interesse
nacional identificado com a industrialização. A derrota, até aquele momento,
fora apenas acadêmica18. Nos anos 80, porém, com a crise, e principalmente nos
anos 90, quando a onda neoliberal toma conta do Brasil e convence as elites
brasileiras que o "o Brasil só poderá se desenvolver com o uso de poupança
externa", essas idéias foram consideradas "atrasadas". Na verdade, era a
Revolução Nacional Brasileira que estava sendo interrompida, era o Brasil e
suas elites que, sem mais contar com a análise histórica e nacional do ISEB,
renunciavam a pensar com a própria cabeça com vistas ao interesse nacional. A
partir dos anos 90, a crítica da teoria de que o crescimento dos países em
desenvolvimento dependia de poupança externa se torna tão importante para os
países da América Latina quanto o foi, no final dos anos 40, a crítica da lei
das vantagens comparativas do comércio internacional. Entretanto, enquanto
naquele momento nossas elites foram nacionalistas o suficiente para realizar
essa crítica, nos anos 90 não o foram19.
Desenvolvimento É Superação da Dualidade
Desenvolvimento, porém, além de revolução industrial e capitalista, e de
revolução nacional, é, para o ISEB, superação da dualidade básica da economia
brasileira. Na teoria da dualidade, que será exposta principalmente por Ignácio
Rangel, reside uma segunda e fundamental distinção em relação não aos países
desenvolvidos, mas em relação a outros países em desenvolvimento. O Brasil,
como os demais países subdesenvolvidos, é um país essencialmente dual: há uma
"dualidade básica na sociedade brasileira". Para Rangel, o subdesenvolvimento
brasileiro explicita-se por meio de uma série de dualidades encadeadas que
tornam o processo mais complexo. Segundo esse autor, "a história do Brasil não
retrata fielmente a história universal, especialmente a européia, porque essa
evolução não é autônoma, não é produto exclusivo de suas forças internas"
(Rangel, 1957:29). A novidade analítica de Rangel consiste em afirmar,
primeiro, a coexistência dual de relações de produção historicamente defasadas
em relação às etapas pelas quais passaram as sociedades européias; segundo, em
mostrar que essa defasagem é dependente das relações de produção existentes na
Europa; e, terceiro, em apresentar esse processo dual, defasado e dependente
como encadeado: o pólo "secundário" (ou externo) de uma dualidade
transformando-se no pólo "principal" (ou interno) da dualidade seguinte. Rangel
chama os pólos não de secundário e principal, mas de "externo" e "interno", mas
como ele também detecta um "lado externo" em cada um desses pólos,
correspondentes às relações de produção vigentes nos países centrais,
preferimos usar as expressões pólo "secundário" e pólo "principal" para tornar
o modelo histórico mais claro. No pólo principal estão as relações de produção
dominantes e a correspondente classe dominante, que ele chama de "sócio maior"
do sistema. No pólo secundário situam-se as relações de produção emergentes e o
correspondente sócio menor ' a classe social que na dualidade seguinte se
transformará no sócio maior. O pólo principal corresponde, portanto, à fase
econômica e social em que o sócio maior é ainda predominante, mas esta fase
tende a ser superada à medida que o sócio maior é deslocado da posição
dominante. Por outro lado, o pólo secundário é secundário apenas porque o sócio
menor ainda não logrou se impor à antiga classe dominante e substituí-la. A
dualidade, assim, aparece duplamente: por meio da coexistência de relações de
produção correspondentes a duas fases históricas seqüenciais, e por via da
existência, nos dois pólos, de uma relação de dependência com as sociedades
mais avançadas do que o Brasil ' tanto no pólo principal quanto no secundário,
o respectivo lado externo apresenta relações de produção atrasadas em
comparação às vigentes na Europa e nos Estados Unidos. O caráter dual e
dependente da economia e da sociedade brasileira fica, assim, integrado e
assume um caráter dinâmico.
A dinâmica histórica brasileira distingue-se dos casos clássicos, porque os
processos sociais, econômicos e políticos não decorrem apenas da interação
entre desenvolvimento das forças produtivas e relações de produção internas ao
país, mas também da evolução das relações que este mantém com as economias
centrais. Conforme observa Rangel:
"Embora seja mais fácil surpreender o fato da dualidade no estudo de
um instituto particular do que na economia nacional como um todo, é
evidente que a sua origem se encontra nas relações externas.
Desenvolvendo-se como economia complementar ou periférica, o Brasil
deve ajustar-se a uma economia externa diferente da sua, de tal sorte
que é, ele próprio, uma dualidade. Os termos dessa dualidade se
alteram e desde logo podemos assinalar que mudam muito mais
rapidamente no interior do que no exterior, o que significa estarmos
queimando etapas. Nos primeiros quatro séculos de nossa história,
vencemos um caminho correspondente a, pelo menos, quatro milênios da
história européia. A rigor, nossa história acompanha pari passua
história do capitalismo mundial, fazendo eco às suas vicissitudes. O
mercantilismo nos descobriu, o industrialismo nos deu a
independência, e o capitalismo financeiro, a república" (1957:37).
A preocupação de Rangel e dos demais membros do grupo era não confundir sua
teoria da dualidade básica da economia brasileira com a teoria da modernização,
que simplesmente opunha um setor tradicional a um moderno. Colocada em termos
de modernização, a teoria era uma simplificação dramática do materialismo
histórico e não garantia especificidade ao subdesenvolvimento. O
desenvolvimento seria simplesmente a passagem da sociedade tradicional para a
moderna. Para o ISEB é também isto, mas o desenvolvimento dos países
periféricos, além de enfrentar o problema da alienação nacional, caracterizava-
se por essa contradição dual entre um pólo principal e outro secundário, e pela
dependência de ambos em relação ao exterior.
Essa visão particular e criativa da dualidade se relaciona de forma
interessante com o modelo de oferta ilimitada de mão-de-obra, desenvolvido por
Arthur Lewis em 1954 (Lewis, 1958) ' no setor tradicional existe, sem dúvida,
oferta ilimitada de mão-de-obra. O desenvolvimento, portanto, pode ser
entendido como o processo de absorção dessa mão-de-obra pelo setor capitalista,
na medida em que este tem condições de oferecer um salário um pouco maior do
que o nível de subsistência que prevalece no setor tradicional. O grande
desafio do desenvolvimento brasileiro está em superar essa dualidade. Para o
ISEB cabia à industrialização essa tarefa; ao Estado competia liderá-la; aos
empresários industriais, associados aos trabalhadores, executá-la; ao
nacionalismo, dar-lhe um sentido.
Passados tantos anos, é preciso reconhecer que esse foi um primeiro equívoco do
conceito de desenvolvimento do ISEB. Um equívoco, entretanto, que nada tem a
ver com as críticas da escola de sociologia paulista. Os membros do ISEB,
partindo do modelo de desenvolvimento de Arthur Lewis, não consideraram que
essa dualidade não era entre o setor tradicional e o moderno, mas entre este e
o setor informal, marginalizado, ou dos excluídos. Além disso, não se deram
conta de que, ao contrário do que previa Lewis, a industrialização não teria
condições de absorver o setor informal.
A idéia de um setor tradicional, pré-capitalista, foi amplamente criticada na
América Latina a partir dos anos 60. Assinalou-se, então, que o setor
"tradicional" era, na verdade, formado por pessoas "marginais" ou "excluídas"
dos benefícios do desenvolvimento, mas que faziam parte do sistema capitalista.
O setor "tradicional" era, na realidade, funcional para o capitalismo
subdesenvolvido e dependente, sendo constituído de pobres que trabalhavam por
conta própria ou sem carteira de trabalho assinada, que eram antes parte do
setor informal ou do setor dos excluídos do que do setor tradicional ou pré-
capitalista. Seu papel era oferecer trabalho a baixo preço a toda uma série de
atividades auxiliares que facilitavam a realização de lucros e a acumulação
capitalista. Pode-se depreender daí que a diferença entre o setor "moderno" e o
setor marginalizado não é de natureza, mas de grau de capitalização. Continua a
existir uma dualidade, mas esta é parte constitutiva do capitalismo
subdesenvolvido. A idéia era consistente com a visão de Rangel, do latifúndio
como internamente pré-capitalista e externamente capitalista, mas é preciso
reconhecer que nem o próprio Rangel e, certamente, os demais membros do grupo
se deram conta das conseqüências desse fato para seu conceito de
desenvolvimento. Não estava, inclusive, claro para eles que no Brasil, ao
contrário do que aconteceu na maioria das sociedades subdesenvolvidas, a mão-
de-obra com oferta ilimitada não é originalmente camponesa vivendo da pequena
propriedade agrícola, mas tem origem no latifúndio escravista. Existem, aí,
portanto, dois processos diferentes: a oferta ilimitada de mão-de-obra não
especializada, que caracteriza praticamente todos os países subdesenvolvidos, e
o latifúndio escravista, que é uma característica particular do Brasil. A
combinação dos dois processos revelar-se-ia explosiva em termos de concentração
de renda e se constituiria em um obstáculo estrutural ao desenvolvimento
brasileiro. Exigiria, especialmente, que se desse mais importância à reforma
agrária do que o ISEB deu20.
Por outro lado, o pressuposto que a dualidade seria superada pela
industrialização se revelou equivocado. Não levava em conta dois fatos: a
enorme dimensão do setor marginalizado dentro da economia brasileira e o
caráter altamente poupador de trabalho do progresso técnico ocorrido no último
quartel do século XX. Hoje, depois da experiência acumulada, está ficando claro
que a incorporação do setor tradicional ao moderno não se fará automaticamente,
por meio do próprio desenvolvimento do Produto Interno Bruto ' PIB e do aumento
do emprego no setor formal da economia, mas exigirá estratégias específicas
para a transformação e capitalização do próprio setor tradicional. Essa crítica
ao modelo de Lewis e a convicção de que o desenvolvimento não se faria apenas
por uma via ' da acumulação e da industrialização ', mas também por meio da
promoção das condições sociais e empresariais entre os marginalizados ou
excluídos, são duas idéias antigas que têm origem em trabalhos de Michael
Kalecki a partir de sua experiência sobre a Índia que seu discípulo Ignacy
Sachs (1999) tem se encarregado de aprofundar e discutir. Por promoção de
condições sociais entenda-se sistemas de educação e de saúde universais,
urbanização de favelas, construção de casas, melhoria das condições de
transporte e sistemas de segurança efetivos ' para os pobres a boa polícia é
vista como um serviço social muito desejado. Entre as condições empresariais
incluem-se microfinanciamento, treinamento e garantia da propriedade. Ignacy
Sachs salienta que o desenvolvimento não se faz apenas mediante acumulação de
capital no setor moderno, mas também via a elevação do nível de vida das
populações marginalizadas. Os países em desenvolvimento podem ser pensados como
arquipélagos de empresas modernas com elevada produtividade de trabalho ' de
onde vem a maior parte do PIB ' imersos em um oceano de trabalho de baixa
produtividade ' que constitui o tecido intersticial do sistema econômico.
Entretanto, conclui Sachs, "crescimento rápido puxado pelo setor de empresas
modernas não reduzirá por si só a heterogeneidade inicial. Pelo contrário, é
provável que concentre a riqueza e renda nas mãos dos poucos que controlam o
arquipélago" (2003:6-7). Não há, portanto, alternativa para o desenvolvimento
senão, além de continuar investindo no setor de empresas modernas, lograr
aumentos de produtividade no setor pobre. "O principal desafio é o de
transformar as pequenas atividades em bem organizadas e pequenas empresas
capazes de competir no mercado capitalista principal" (idem:19)21. Existe um
sem-número de iniciativas que podem levar a esse resultado, ou simplesmente ao
aumento da qualidade de vida e da capacidade de trabalho dos pobres, que é uma
parte essencial do desenvolvimento.
Essas idéias estão sendo aplicadas no Brasil desde os anos 80, quando, no bojo
do processo de redemocratização do país, se iniciou em São Paulo a "urbanização
das favelas"22. Em vez de forçar a população das favelas a se transferir para
apartamentos construídos em outro local, percebeu-se que fazia mais sentido dar
título de propriedade aos favelados, dotar as favelas de serviços públicos de
luz, água, esgoto e telefone, e asfaltar suas ruas. Essa forma de integração
por baixo dos pobres no sistema capitalista ' em lugar de absorvê-los por cima,
como se pretendeu nos anos 50 ' vem sendo adotada em outros setores além do das
favelas. É de acordo com essa orientação que os governos, em todos os níveis
(federal, estadual e municipal), criam mecanismos de crédito para os muito
pobres investirem em pequenas empresas, constroem casas populares subsidiadas,
investem em gastos sociais nas periferias das grandes cidades. Ou quando o
governo federal, respondendo à pressão dos movimentos sociais, promove a
reforma agrária, ainda que a justificativa econômica capitalista para os gastos
correspondentes não seja clara. Quando os muito pobres se tornam pequenos
empresários, seja porque obtiveram crédito, seja porque receberam um pedaço de
terra, eles estão aos poucos se inserindo no mercado capitalista. Por outro
lado, todos os gastos sociais com os pobres, principalmente os de educação e
saúde, estão também melhorando a qualidade de vida do setor informal e, dessa
forma, integrando-o ao moderno e superando a dualidade, não pela absorção do
tradicional pelo moderno, mas pela melhoria das condições de vida dos pobres.
Finalmente, os esforços que os governos vêm realizando em direção à reforma
agrária, que se acentuaram depois da democratização com o aumento da pressão
vinda de movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra
' MST e de setores da Igreja Católica por intermédio da Pastoral da Terra, se
incluem nessa categoria de desenvolvimento mediante integração por baixo. Os
setores conservadores insistem que a reforma agrária é ineficiente e portanto
desnecessária, pois a grande agricultura capitalista está sendo capaz de
resolver o problema da produção no Brasil. Esta perspectiva, entretanto, ignora
que o desenvolvimento só é possível com a integração da população pobre no
processo. Ora, da mesma forma que a indústria, a agricultura capitalista não se
tem revelado capaz de realizar essa absorção, tornando indispensável a reforma
agrária23.
Desenvolvimento Requer Estabilidade Macroeconômica
Retornemos ao setor das empresas modernas. Amplos investimentos são necessários
neste setor, não apenas em empresas de infra-estrutura e serviços públicos, mas
em uma miríade de atividades que caracterizam as sociedades modernas. Ora,
tanto o ISEB quanto a CEPAL imaginaram, de uma forma que não podemos senão
considerar ingênua hoje, que a industrialização capitalista, ao converter a
acumulação de capital e o progresso técnico em duas condições de sobrevivência
da classe empresarial, tornaria o desenvolvimento auto-sustentado, superaria
não apenas as formações pré-capitalistas, mas o capitalismo mercantil. O
capitalista-mercador, embora visasse o lucro, não era constrangido a continuar
a investir, já que sua acumulação de capital não implicava, senão
marginalmente, progresso técnico. Com a Revolução Industrial, entretanto, o
reinvestimento deixaria de ser facultativo, tornando-se necessário. O
desenvolvimento passava a ser automático, inevitável, auto-sustentado24. O
desenvolvimento, obviamente, poderia enfrentar crises. Apesar da forte
influência de Keynes no pensamento do ISEB e da CEPAL, ninguém imaginava, nem
mesmo Keynes, que o caráter cíclico da economia poderia ser eliminado ' Rangel,
especialmente, acentuava muito este aspecto. A influência do pensamento de
Keynes, que no caso da CEPAL apareceu, principalmente, no conceito de demanda
efetiva e, secundariamente, na teoria da inflação estrutural, no caso do ISEB,
e particularmente de Ignácio Rangel (1960; 1963), expressou-se por via da
teoria da inflação como mecanismo de defesa da economia, sistematicamente
caracterizada por amplos recursos ociosos. Por intermédio do ciclo econômico,
os investimentos, ao promoverem o crescimento da renda, davam também origem à
formação de recursos ociosos. Tornava-se, assim, necessário que o Estado
interviesse, não apenas lançando mão de políticas macroeconômicas, mas também
do planejamento, para um melhor aproveitamento dos recursos existentes no país.
Apesar dessa perspectiva cíclica, no ISEB não se previa que o Brasil e a
América Latina pudessem passar por uma quase-estagnação econômica do tipo que
experimentam desde 198025. Em que ponto o ISEB falhou? O erro consistiu,
essencialmente, em subestimar a possibilidade de o Estado, em função
principalmente do endividamento internacional, poder entrar em uma profunda
crise ' uma crise de solvência internacional, uma crise fiscal, uma crise na
forma de intervenção do Estado, uma crise na forma de administrar o Estado '
que o impediria de realizar não apenas seu papel de promotor estratégico do
desenvolvimento, mas também sua função essencial de proporcionar as condições
gerais para a acumulação capitalista26. Mais especificamente, subestimou-se a
possibilidade de um endividamento externo, das dimensões que assumiu nos anos
70, nos quadros do processo de globalização. Embora os países em
desenvolvimento sempre tenham tido problemas com o endividamento externo, nunca
tinham enfrentado uma crise de solvência internacional igual àquela que se
desencadeia em 1982. Esta crise de alto endividamento externo, que se repete
perversamente nos anos 90, quando um novo ciclo de endividamento externo é
retomado, resultou em instabilidade macroeconômica crônica que desestimulou os
empresários a investir, preferindo, em lugar disso, aplicar seus recursos no
exterior ou no financiamento a juros elevados do próprio Estado.
Nos anos 80, a grande crise do modelo desenvolvimentista traduziu-se em
elevadas taxas de inflação e estagnação econômica. O componente principal dessa
crise ' a crise da dívida externa, ou seja, a crise de solvência da nação ' se
traduziu na suspensão dos empréstimos internacionais e na necessidade de os
estados latino-americanos realizarem pesadas transferências de recursos para o
exterior. A instabilidade de preços somada à verdadeira bomba de sucção
representada por elevadas transferências líquidas de juros e dividendos para o
exterior inviabilizaram o desenvolvimento nessa década. Para salvar os bancos
internacionais que haviam emprestado pesadamente para países em
desenvolvimento, o FMI e o Banco Mundial, sob o comando do Tesouro americano,
adotaram uma série de medidas de ajuste e de reforma consubstanciadas no
Consenso de Washington. Embora o ajuste fiscal e as reformas fossem necessários
do ponto de vista dos países endividados, eles foram feitos tendo em vista
principalmente os interesses dos países ricos. Afinal, muitas das reformas, ao
serem radicalizadas ou simplesmente malfeitas, deixaram de ter justificativa
econômica para serem meramente neoliberais e enfraquecerem o Estado. O
imperialismo manifestava-se, assim, de uma nova forma e impunha pesadas perdas
aos países endividados, principalmente a seus setores mais pobres. Aos poucos,
porém, apesar dos elevados custos do ajuste e das reformas, os países melhor
equilibraram suas contas públicas, suas taxas de inflação caíram, a dívida
externa reduziu-se em relação às exportações. Era, portanto, legítimo esperar a
retomada do desenvolvimento.
Nos anos 90, quando a crise da dívida externa começa a ser superada, novamente,
o imperialismo muda de estratégia, consubstanciando-se no que tenho chamado de
Segundo Consenso de Washington (Bresser-Pereira, 2003a) ' um consenso muito
mais danoso do que o anterior para os países que aceitam as recomendações de
Washington. O novo consenso baseia-se na adoção de uma reforma adicional, que
não fazia parte do primeiro ' a abertura financeira ', e na definição de uma
estratégia de "crescimento com poupança externa". Como poupança externa
significa déficit em conta corrente e aumento do endividamento externo, essa é
uma política esdrúxula para países já altamente endividados e sem grandes
projetos de investimento. Não apenas porque essa "estratégia" volta a
fragilizar países que já ultrapassaram o limiar aceitável de endividamento
externo, mas porque a entrada em massa de capitais especulativos, atraída por
juros internos elevados, além de investimentos diretos que principalmente
compram empresas nacionais, apreciam a moeda local, aumentam os salários reais
artificialmente e terminam em aumento do consumo em lugar de aumento da taxa de
investimento.
Muito compreensivelmente, o ISEB não soube prever essa instabilidade
macroeconômica que derivaria da crise da dívida externa, que já dura mais de
vinte anos no Brasil, e da incompetência das elites nacionais em definir uma
política nacional de desenvolvimento capaz de superar essa crise. Não previu,
também, como os interesses e preconceitos do sistema oficial de Washington e do
sistema financeiro de Nova Iorque se expressariam em uma "ortodoxia
convencional" que, em nome da estabilidade de preços, acentuaria a
instabilidade do balanço de pagamentos do país. É preciso, entretanto,
reconhecer que seu conceito de nacionalismo e sua crítica à alienação das
elites locais constituíam uma base para se diagnosticar os novos problemas dos
anos 80 e 90, que se estenderam pelos anos 2000. O mesmo, porém, não pode ser
dito em relação à escola de São Paulo. Ela dividiu-se, nos anos 80, em uma ala
de centro-esquerda e outra de esquerda27, mas o que as cindiu não foi a questão
nacional, e sim o problema da distribuição de renda e as considerações
relativas às classes sociais. Enquanto a interpretação do ISEB, como a da
CEPAL, desenvolvida nos anos 40 e 50, correspondeu à interpretação nacional-
burguesa do Brasil, e sua visão do desenvolvimento esteve intrinsecamente
ligada à idéia da revolução nacional, a escola de São Paulo revelou-se sempre
muito menos interessada na questão nacional. As duas interpretações que seus
membros adotaram depois do golpe militar de 1964 ' a já referida interpretação
funcional-capitalista e a da nova dependência ' revelam esse desinteresse.
A interpretação da nova dependência, que, entre as duas, é aquela que vai ter
mais repercussão, inclusive internacional, reconhece um fato histórico novo
entre os seis citados: a entrada das empresas multinacionais no setor
manufatureiro brasileiro. Verifica também que, ao contrário do que previram o
ISEB e a CEPAL, o golpe de 1964 não implicou a estagnação da América Latina,
embora aprofundasse a concentração de renda já existente. A partir desses
fatos, propôs a reformulação da "velha" teoria da dependência que a
interpretação nacional-burguesa adotara. No plano econômico, afirma que essas
empresas passam a contribuir para a industrialização, mas o desenvolvimento
passa a ocorrer de uma forma distorcida, na medida em que produzem bens de
consumo de luxo que podem ser comprados apenas pela classe média (Bresser-
Pereira, 1970; Tavares e Serra, 1972). O livro que então transmitiu mais
amplamente e de forma mais original as novas idéias foi o de Fernando Henrique
Cardoso e Enzo Faletto, Dependência e Desenvolvimento na América Latina(1969).
Dessa forma, de maneira independente28, e seguindo uma lógica diversa, fazíamos
uma reflexão semelhante da nova forma que assumia a dependência e sobre o
milagre econômico pelo qual passou o Brasil entre 1968 e 1973. Os pesados
investimentos diretos na indústria promoviam mais uma etapa da industrialização
por substituição de importações e implicavam um novo pacto político que agora
unia a tecnoburocracia do Estado com os empresários industriais e com um sócio
novo, que não estava presente no pacto de Vargas ' as empresas multinacionais
', ao mesmo tempo que dele excluía radicalmente os trabalhadores. Esta exclusão
facilitava que o novo modelo dependente de desenvolvimento fosse, no plano
político, autoritário, e no econômico, concentrador de renda. Todos esses fatos
foram bem analisados pela escola de sociologia de São Paulo. Havia, entretanto,
uma diferença entre a minha visão da nova dependência e a deles. Enquanto eu,
como bom discípulo do ISEB, continuava centralmente preocupado com a revolução
nacional e com as novas formas com as quais se revestia o imperialismo, nessa
escola não se falava mais em imperialismo, mas apenas em dependência. O vigor
do ISEB em criticar o imperialismo também desaparecera. Havia, pelo contrário,
a preocupação em criticar os autores, como Theotônio dos Santos (1967; 1970) e
Ruy Mauro Marini (1969; 1973), que falavam também em nome da teoria da
dependência, mas não viam mudanças nas relações econômicas internacionais, e
insistiam em uma concepção antiga do imperialismo (Serra e Cardoso, 1979).
Embora essa crítica fosse correta, na medida em que uma simples oposição de
interesses entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos não fazia mais sentido
(o processo de interesses comuns e conflitantes é muito mais complexo),
revelou-se nela uma dificuldade em reconhecer a importância do conceito de
nação no processo histórico do desenvolvimento e em compreender as mutações do
imperialismo, que teria graves conseqüências para o Brasil e a América Latina a
partir da crise dos anos 80.
Apesar da crítica da escola de São Paulo ao ISEB e ao pacto populista entre
empresários e trabalhadores que analisaram e defenderam, isto não impediu que
seus membros participassem, na segunda metade dos anos 70, do novo pacto
político unindo trabalhadores aos empresários, na luta pela transição
democrática29. Confirmava-se, assim, a possibilidade e relativa necessidade
desse pacto, independentemente dos conflitos sociais que são igualmente
necessários. Entretanto, o colapso do Plano Cruzado, no início de 1987,
inviabilizou esse grande acordo político, ao mesmo tempo que permitiu à onda
ideológica neoliberal que então atingia o país identificar o desenvolvimentismo
do ISEB e da CEPAL com populismo econômico, ou seja, com a irresponsabilidade
fiscal. A profunda crise que caracterizou os últimos três anos do governo
Sarney (1985-1989) parecia confirmar esse diagnóstico30. No novo vácuo político
criado pela crise, o setor financeiro e os rentistas nacionais, associados às
finanças internacionais, aproveitaram a onda conservadora iniciada em meados
dos anos 70 nos Estados Unidos para assumir o controle da política
macroeconômica e de desenvolvimento do país, no quadro de referência do
Consenso de Washington. A quase-estagnação da economia brasileira, que nos anos
80 fora causada pela crise da dívida externa, derivava agora das políticas
macroeconômicas equivocadas que, em nome do "crescimento com poupança externa",
mantinham a taxa de juros do Banco Central em níveis estratosféricos, enquanto
a taxa de câmbio permanecia em vários graus valorizada31.
Ao suporem que o desenvolvimento se tornaria auto-sustentado depois da
industrialização, o ISEB, a CEPAL e, neste caso, também a escola de São Paulo
subestimaram a possibilidade de os países latino-americanos se endividarem no
exterior tanto quanto se endividaram, e depois terem tantas dificuldades para
superar a crise decorrente. Subestimaram que os empresários industriais
poderiam ficar desestimulados, se não impedidos, de investir em conseqüência de
uma política econômica ortodoxa convencional, antinacional, que manteria
cronicamente uma equação macroeconômica perversa: elevada taxa de juros básica
e baixa taxa de câmbio. Subestimaram o fato de que o Estado, cujo papel era
central no projeto de desenvolvimento, poderia entrar em crise e deixar de ser
um instrumento do desenvolvimento nacional. Subestimaram, finalmente, que as
elites brasileiras, que mal ou bem logravam ser nacionais nos anos 50, poderiam
regredir politicamente e perder o pouco de consciência nacional que haviam
alcançado. Não previram que o país como um todo poderia se ver imerso em uma
crise de solvência externa de longo prazo, que enfraqueceria o Estado e
alienaria as elites e, assim, manteria a economia do país quase-estagnada,
caracterizada pela instabilidade macroeconômica crônica que, nos anos 80, se
expressou pela alta inflação, e, nos anos 90 e início dos anos 2000, pela
apreciação do câmbio e por crises de balanço de pagamentos.
A Dimensão Moral
Até agora vimos o conceito de desenvolvimento do ISEB como um processo de
crescimento dos padrões de vida da população de um país e de superação da
dualidade que caracteriza o subdesenvolvimento, por via da acumulação de
capital e da sistemática incorporação do capital, que se inicia com as
revoluções capitalista e nacional. Nesse conceito, o fator moral ou normativo
não é considerado. Não haveria aqui outra grave limitação? Para que haja
desenvolvimento não seria necessário que o processo de crescimento da renda e
dos padrões de vida ocorresse acompanhado por uma razoável distribuição de
renda? A resposta a esta questão depende do ponto de vista que assumamos. Se o
que pretendemos é analisar um fenômeno histórico ' o processo histórico do
desenvolvimento e do subdesenvolvimento ', não há razão para se incluir uma
perspectiva normativa: a abordagem deve ser apenas científica. Se houve
desenvolvimento em outros países, historicamente, sem aumento da justiça, esta
não é parte do conceito de desenvolvimento. Foi a abordagem do ISEB. Seus
membros sabiam que o desenvolvimento, historicamente, envolvia sempre
transformações econômicas e sociais profundas, mas foi muitas vezes
concentrador de renda, cego às questões da justiça social. Está claro que a
concentração tinha limites econômicos, pois ameaça sempre resultar em crise de
realização macroeconômica ou em crise política. Mas enquanto se está definindo
um processo histórico do desenvolvimento não existe espaço para considerações
morais.
Podemos, entretanto, pensar o desenvolvimento não como um processo histórico,
mas como um dos quatro objetivos políticos das sociedades modernas, ao lado da
ordem social, da liberdade e da justiça. Examinado a partir dessa perspectiva
moral e de filosofia política, o conceito de desenvolvimento será
necessariamente normativo. Não basta entender o processo de desenvolvimento: é
preciso dizer que tipo de desenvolvimento queremos. Os intelectuais do ISEB
eram socialistas reformistas e defendiam um desenvolvimento com distribuição de
renda, mas este problema não estava no centro de suas preocupações.
O mesmo se aplica ao problema da democracia. O "verdadeiro desenvolvimento" não
deveria ser necessariamente democrático, garantindo os direitos humanos? Não,
em termos de análise de um processo histórico; sim, a partir de uma perspectiva
normativa de filosofia ou teoria política, uma vez que a liberdade e a
igualdade são objetivos políticos básicos das sociedades modernas. Quase todos
os processos iniciais de desenvolvimento ocorrem no quadro de regimes
autoritários, mas o próprio desenvolvimento acaba promovendo a transição para a
democracia. O ISEB, reproduzindo o padrão de preocupações e as prioridades dos
anos 50 no Brasil, não estava particularmente preocupado com a questão da
democracia. Seus membros não adotavam a tese marxista de que a "a democracia
burguesa seria meramente formal", mas estavam claramente mais interessados no
desenvolvimento do que na democracia. Foi só a partir dos anos 70, quando as
esquerdas brasileira e latino-americana sentiram na carne os efeitos do
autoritarismo, que a democracia passou a ser um objetivo central para elas. No
plano político, a análise mais interessante dos intelectuais do ISEB em relação
à questão da democracia estava em sua abordagem do populismo político, do tipo
praticado por Vargas, com a democracia32. Eles afirmavam que o populismo
político podia não ser uma forma ideal de comportamento político, mas era a
primeira manifestação da democracia, na medida em que abria espaço para que o
povo pela primeira vez se manifestasse politicamente.
Mesmo que consideremos o desenvolvimento apenas como um processo histórico,
está claro que este não existe sem decisão política, sem intervenção deliberada
do Estado, sem o esforço por formar e consolidar o Estado nacional. Ora, quando
a política está envolvida, quando estamos falando de decisões tomadas por
governantes, tanto a questão moral quanto a democrática se tornam centrais para
o desenvolvimento, sendo artificial querer estudá-lo apenas como um fenômeno
histórico. Ele é também o resultado da vontade política nacional e nesta
vontade estão incluídas, necessariamente, questões morais. Os governantes
precisam de justificativas para as políticas econômicas e sociais que adotam, e
as justificativas exclusivamente econômicas logo se revelam politicamente
inaceitáveis e, por isso, inviáveis. Para se legitimarem, os governantes no
mundo atual não têm alternativa senão considerar as questões da justiça e da
liberdade no processo de desenvolvimento, e envolver os cidadãos com espírito
republicano nas questões que lhes dizem respeito. O desenvolvimento, portanto,
mesmo do ponto de vista histórico, tem uma dimensão moral, que é também uma
dimensão política e, portanto, democrática.
CONCLUSÃO
Em síntese, o conceito de desenvolvimento do ISEB é um conceito histórico de
revolução capitalista, por meio da industrialização, e de revolução nacional,
que torna o país capaz de tomar suas decisões essencialmente em função dos
interesses nacionais. Enquanto, no Brasil, entre os anos 30 e 70, a revolução
capitalista se completou, o mesmo não pode ser dito em relação à revolução
nacional, que se interrompe a partir dos anos 80. O ISEB superestimou a
capacidade do setor moderno de absorver a mão-de-obra abundante do setor
marginalizado e não deu a devida importância aos processos por intermédio dos
quais se elevam o nível de vida e a capacidade empresarial dos setores
marginalizados ou excluídos do desenvolvimento. Por outro lado, subestimou a
capacidade do imperialismo de se renovar e de aproveitar a fragilidade das
economias dos países altamente endividados externamente e a falta de
consciência nacional de suas elites para lhes impor políticas econômicas
contrárias ao interesse nacional.
O ISEB e, de modo geral, aqueles que se envolveram no projeto nacional de
industrialização a partir dos anos 30 não se deram conta de que para que o
desenvolvimento se torne auto-sustentado não basta que a acumulação de capital
e a incorporação de progresso técnico se tornem inerentes ao sistema econômico
industrial. É preciso que a nação se mantenha solvente financeiramente,
crescendo fundamentalmente com seus próprios recursos, com sua própria
poupança. "O capital se faz em casa", dizia Barbosa Lima Sobrinho (1973), que
pensou o Brasil sempre em termos nacionais. O Brasil, porém, nos anos 70 e,
novamente, nos anos 90, não seguiu esse princípio e, da mesma forma que vários
outros países latino-americanos, assumiu uma dívida externa cuja dimensão é sem
precedentes. Uma dívida externa excessiva como a brasileira e a latino-
americana, além de ter tido e continuar a ter conseqüências econômicas
deletérias, acaba por implicar a alienação das elites e a imobilização do
Estado, agravando a dependência do país e inviabilizando o projeto nacional.
NOTAS
1. Parece-me necessária essa comparação porque, como declarei recentemente em
uma entrevista a Afrânio Garcia e Hélgio Trindade, embora paulista e membro do
conselho do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento ' CEBRAP desde a sua
fundação, originalmente não fazia parte da escola de sociologia de São Paulo,
mas da escola do ISEB, do Rio de Janeiro. Participei ativamente do
desenvolvimento da interpretação da nova dependência, mas sem renunciar à
perspectiva histórica, nacionalista e dualista que caracterizava o pensamento
isebiano.
2. Estou usando a expressão "intelectuais públicos" nos termos adotados por
Russell Jacoby (1990).
3. Cadernos do Nosso Tempotinha como diretor Hélio Jaguaribe, e Ewaldo Correia
Lima como seu redator-chefe, desde o primeiro número, publicado em outubro de
1953, até o quinto e último publicado em janeiro de 1956.
4. Cândido Motta Filho, ministro da Educação no governo Café Filho, fizera
parte do grupo de intelectuais paulistas ligado nos anos 30 ao integralismo,
juntamente com Roland Corbisier ' o único paulista que se transfere para o Rio
de Janeiro com a criação do IBESP e, depois, do ISEB. Este fato, provavelmente,
explica a contradição. Ver Alzira Alves de Abreu (1975), que faz um relato
completo do processo de criação do ISEB.
5. Este livro apenas tornou mais evidente a precariedade da coesão de idéias
alcançada pelo ISEB. Como é próprio de todo grupo intelectual, divergências
importantes os separavam. Guerreiro Ramos, por exemplo, sempre foi reticente em
relação à questão da burguesia nacional. Neste trabalho, porém, não estou
interessado nas divergências, mas em definir o vetor do seu pensamento, que,
afinal, mesmo após a crise de 1958, não se perdeu.
6. Alzira Alves de Abreu (1975:155) observa que "o programa do PCB (Partido
Comunista Brasileiro), lançado em 1958, apresentava em seus aspectos
fundamentais uma total similitude com a ideologia formulada pelo ISEB". Gildo
Marçal Brandão (1997:241-245) mostra que, depois de o PCB haver passado por uma
"visão apocalíptica e catastrofista do capitalismo" entre 1948 e 1954, adota a
política de aliança com a burguesia nacional e "formaliza a aliança com o
movimento nacionalista".
7. Eu não tive oportunidade de cursá-lo. Contentei-me em fazer um curso dado
por Roland Corbisier na Biblioteca Municipal de São Paulo, um outro ministrado
por vários dos seus intelectuais na sede do Centro Dom Vital em São Paulo, em
assistir a quase todas as conferências que os membros do ISEB deram em São
Paulo e ler todos os trabalhos que então publicaram. Isto bastou para que eu,
que antes tinha apenas uma visão católica progressista do mundo, a partir da
minha participação na Ação Católica e do aprendizado de pensadores como Jacques
Maritain e Alceu Amoroso Lima, passasse, aos 20 anos de idade, a ter uma visão
razoavelmente coerente e abrangente do Brasil ' a visão do ISEB.
8. "Perspectivas da Economia Brasileira" (1958) e "A Operação Nordeste" (1959).
9. Fernando Henrique Cardoso faz a crítica inicial das idéias do ISEB (1964:81-
82). Esta crítica é radicalizada mais tarde por dois representantes da escola
de São Paulo, Caio Navarro de Toledo (1977) e Maria Sylvia de Carvalho Franco
(1978), enquanto Francisco de Oliveira (1972) criticava principalmente o
estruturalismo de Celso Furtado. Alzira Alves de Abreu (1975) precisou de muita
independência intelectual para defender em Paris uma competente tese sobre o
ISEB. Segundo seu depoimento, o tema era visto pelos seus amigos paulistas como
impróprio, a não ser que o objetivo fosse criticar radicalmente o pensamento do
grupo. Extinto e perseguido pelos militares por ser de esquerda, o ISEB foi,
assim, vítima de uma crítica equivocada e ressentida originada na própria
esquerda.
10. Caio Prado Jr., muito mais velho, não fazia parte do grupo, mas trouxe-lhe
um inesperado apoio com o ensaio, tão notável quanto equivocado, A Revolução
Brasileira(1966). Identifiquei a visão de Caio Prado Jr., que foi dominante na
escola de sociologia de São Paulo nos anos 60, à "interpretação funcional-
capitalista" (Bresser-Pereira, 1982).
11. Norma Côrtes (2003) cita, a respeito, a seguinte passagem de Jaguaribe
(1979:102) na qual sou citado: "quase todos os estudos sobre o ISEB ' com a
importante exceção de Luiz Carlos Bresser-Pereira [...] ' têm sido empreendidos
por uma nova geração de intelectuais geralmente com teses de doutoramento, aos
quais escapa [...] um suficiente entendimento das condições brasileiras de fins
da década de 1940 a princípios de 1960. Estes críticos são conduzidos, sem se
dar conta, a uma polêmica geracional condicionada pela postura de jovem
acadêmico [...]". Quando Jaguaribe fala em "polêmica geracional", ele está
sugerindo que os principais intelectuais da escola de sociologia de São Paulo
eram de uma geração posterior à dos intelectuais do ISEB. É interessante
observar que os trabalhos mais significativos publicados pela escola científica
de São Paulo foram ensaios, como eram ensaios as grandes contribuições do ISEB.
No caso de São Paulo, refiro-me a Dependência e Desenvolvimento na América
Latina, de Cardoso e Faletto (1969); "Economia Brasileira: Crítica à Razão
Dualista", de Francisco de Oliveira (1972), e A Revolução Burguesa, de
Florestan Fernandes (1974).
12. Observe-se que Vargas foi populista apenas do ponto de vista político. Ao
contrário do que ocorria com Juan Perón, com quem é freqüentemente comparado,
jamais foi um populista econômico, mantendo sempre equilibradas as finanças do
Estado, controlando o gasto público e o equilíbrio do Estado nacional, evitando
o endividamento externo excessivo.
13. Fiz a análise dos fatos históricos novos que mudavam estruturalmente a
política brasileira, primeiramente, em uma carta a Luiz Antônio de Almeida Eça
(Bresser-Pereira, 1960); depois em um artigo "O Empresário Industrial e a
Revolução Brasileira" (Bresser-Pereira, 1963); e em um segundo texto para a
Revista Brasileira de Ciências Sociais, da Universidade Federal de Minas
Gerais, que só não foi publicado porque a revista foi extinta pelos militares '
este trabalho, afinal, se constituiu no capítulo 3 de Desenvolvimento e Crise
no Brasil: 1930-1967(Bresser-Pereira, 1968). Nas demais edições deste livro o
capítulo não sofreu nenhuma alteração.
14. Para tanto, era necessário, porém, distinguir o "velho nacionalismo", que
considerava o capital estrangeiro contrário à industrialização brasileira, do
"novo nacionalismo", que afirmava simplesmente o interesse nacional em cada
caso em que este interesse estivesse em jogo, em lugar de cair no equívoco do
cosmopolitismo de não distinguir o capital nacional do estrangeiro.
15. O poder é "extroverso" porque o Estado é a única organização cujas normas
regulam não apenas os seus membros (políticos, burocratas e militares), mas
toda a população do Estado nacional.
16. Ver, principalmente, Roland Corbisier (1955), Álvaro Vieira Pinto (1957;
1960), Alberto Guerreiro Ramos (1955; 1957), Hélio Jaguaribe (1956; 1962) e
Candido Mendes de Almeida (1963). Entre esses trabalhos, aquele que sintetiza o
conceito de desenvolvimento do ISEB é o de Hélio Jaguaribe, Desenvolvimento
Econômico e Desenvolvimento Político(1962). Meu primeiro livro, Desenvolvimento
e Crise no Brasil: 1930-1967(1968), busca avançar em relação à visão do ISEB do
desenvolvimento brasileiro, a partir da crise que se desencadeia no início dos
anos 60, mas é essencialmente fiel ao seu conceito de desenvolvimento.
17. Guerreiro Ramos (1955) identificou especificamente a "jeunesse dorée" com
os pensadores católicos Alceu Amoroso Lima, Afonso Arinos de Melo Franco e
Otávio de Faria, mas estes apenas foram destacados por representarem o que
havia de mais sofisticado então em termos de pensamento brasileiro.
18. E podia ser celebrada por uma representante da escola de sociologia de São
Paulo, Emília Viotti da Costa (1978:178), que afirma: "A crise do populismo que
culminou com o golpe militar de 1964 colocou os analistas sociais em uma nova
direção. O modelo da 'dependência' tomou lugar do modelo 'dualista'".
19. Para a crítica da "estratégia de desenvolvimento com poupança externa" ' a
maneira pela qual os países ricos vêm procurando neutralizar a capacidade de
concorrência representada pelos países de desenvolvimento intermediário como o
Brasil ', ver Bresser-Pereira (2001; 2003a) e Bresser-Pereira e Nakano (2003).
20. Ignácio Rangel (1992; 1961), apesar de suas posições inequívocas de
esquerda, acreditava que a industrialização teria capacidade de absorver o
setor tradicional agrícola e, por isso, opôs-se à reforma agrária.
21. Ver, também, Sachs (2002), em que essas idéias são aplicadas ao Brasil.
22. As primeiras experiências nesse sentido ocorreram quando André Franco
Montoro foi governador de São Paulo e Mário Covas seu prefeito (1983-1985).
23. Para uma análise do papel da reforma agrária no processo de desenvolvimento
a partir dessa perspectiva social de elevação da qualidade de vida, ver Afrânio
Garcia e Moacir Palmeira (2001) e os trabalhos incluídos no livro organizado
por José de Souza Martins, Travessias(2003),particularmente a análise da
experiência pernambucana realizada por Maria Nazareth Wanderley (2003).
24. Não confundir a expressão "auto-sustentado" com "auto-sustentável", que diz
respeito ao meio ambiente e que mais tarde se tornaria um problema central para
o desenvolvimento.
25. A crítica atinge, naturalmente, a mim mesmo. Meu livro Desenvolvimento e
Crise no Brasil: 1930-1967 (1968) começa com um capítulo sobre o conceito de
desenvolvimento. Neste livro, adotei essencialmente uma perspectiva aprendida
no ISEB, à qual acrescentei minha própria contribuição.
26. Foi especialmente Elmar Altvater (1973) quem originalmente salientou esse
papel do Estado.
27. No grupo de centro-esquerda temos Fernando Henrique Cardoso, José Serra,
José Arthur Giannotti, Juarez Brandão Lopes, enquanto no de esquerda são
figuras centrais Francisco de Oliveira, Lúcio Kowarick, Paul Singer, Roberto
Schwarz.
28. Meu caminho foi percorrido a partir de uma preocupação em defender a
interpretação do ISEB, e os meus primeiros trabalhos datam do início dos anos
60 (Bresser-Pereira, 1960; 1963), enquanto os da escola de sociologia são
posteriores e se preocupavam, expressa ou implicitamente, em se colocar como
uma alternativa ao trabalho dos intelectuais do ISEB. Meu texto sobre a
concentração da renda e a recuperação da economia brasileira (Bresser-Pereira,
1970) foi escrito antes de tomar conhecimento do livro de Cardoso e Faletto
(1969).
29. A transição democrática no Brasil irá ocorrer a partir de 1977, quando a
burguesia começa a romper sua aliança autoritária com a tecnoburocracia militar
e o pacto democrático começa a se formar. Analisei especificamente este pacto
político em dois livros (Bresser-Pereira, 1978; 1985) e todos os principais
pactos políticos desde 1930 em Bresser-Pereira (2003b).
30. O Plano Cruzado, em vez de expressar um novo desenvolvimentismo, acabou
sendo um exemplo de política econômica populista. Ao assumir o Ministério da
Fazenda em seguida ao colapso do Plano Cruzado, tentei definir as bases de uma
nova estratégia de desenvolvimento a partir da solução da crise fiscal e da
crise da dívida externa, mas já não havia condições políticas para isso.
31. A valorização do câmbio, cujos efeitos são mortais para o desenvolvimento
econômico, tornou-se dramática entre 1995 e 1998 e terminou com uma crise do
balanço de pagamentos e na flutuação do câmbio. Mesmo depois disso, porém, a
taxa de câmbio continuou relativamente valorizada, na medida em que o Banco
Central mantinha a taxa de juros básica muito elevada (Bresser-Pereira, 2003a).
32. Não confundir o populismo político ' a relação direta do líder político com
o povo sem a intermediação dos partidos políticos ' com o populismo econômico '
o Estado gastar mais do que arrecada, aumentando a dívida pública (populismo
fiscal); ou a nação gastar mais do que arrecada, aumentando a dívida externa
(populismo cambial).