Crises cambiais e estrutura decisória: a política de recuperação econômica na
Argentina e no Brasil
Por que alguns países emergentes se recuperam mais rapidamente de crises em
suas relações econômicas externas do que outros? Para responder a essa pergunta
concentramos a análise no processo de formulação de políticas econômicas.
Pressupomos que os problemas de política econômica geralmente têm soluções mais
ou menos aceitáveis para uma maioria da população, se puderem ser
implementadas. Na nossa opinião, os problemas fundamentais dos governantes têm
menos a ver com a formulação de uma política econômica tecnicamente adequada e
mais com a construção de um consenso viável a respeito das mudanças
distributivas que as inovações nessa área costumam acarretar.
Este artigo busca explicar por que países vizinhos, com economias de mercado
emergentes, reagem de modo distinto a crises cambiais de causas e magnitudes
semelhantes. Admitimos que, nas democracias, os presidentes precisam construir
coalizões que lhes garantam sustentação política para a realização de mudanças
significativas na economia. As questões-chave deste artigo são as seguintes:
quando e por que foram adiadas desvalorizações cambiais necessárias? Que
condições facilitaram ou dificultaram a formação de uma coalizão de apoio a um
regime de austeridade fiscal em seguida à desvalorização? Afirmamos que a
existência de diferentes estruturas político-institucionais, responsáveis pela
criação de incentivos diversos à cooperação e ao conflito entre os políticos e
outros atores sociais, explica boa parte da diferença de intensidade das crises
de desvalorização nos dois países.
Tanto o Brasil quanto a Argentina passaram recentemente por ataques
especulativos à moeda, que resultaram em desvalorizações desordenadas seguidas
de crises bancárias, recessões e perturbações políticas. O Brasil recuperou-se
rapidamente da desvalorização forçada e da crise político-financeira interna
subseqüente. A crise argentina, aparentemente similar, e que levou o país a
abandonar seu rígido sistema de paridade monetária e a permitir a flutuação do
peso em dezembro de 2001, foi, no entanto, extraordinariamente prolongada, o
que debilitou a estrutura produtiva do país e provocou uma súbita perda de
renda para a maioria da população. A moeda brasileira sofreu novo ataque
especulativo durante a campanha eleitoral de 2002. E outra vez sobreviveu à
investida sem graves danos. Por que a diferença?
A nosso ver, os atributos, muitas vezes considerados virtudes, das instituições
políticas argentinas (como a força e a disciplina dos partidos políticos e um
Executivo forte em comparação com o Legislativo e as províncias) parecem ter
sido obstáculos ao ajustamento do país a uma desvalorização penosa. O
"hiperpresidencialismo" (Ducatenzeiler e Oxhorn, 1994) argentino admitia poucos
atores políticos de influência no processo decisório, mas muitos atores com
poder de veto, tornando extremamente difícil o estabelecimento de acordos
relativos às reformas econômicas. Já as instituições políticas "desorganizadas"
do Brasil asseguraram o acesso de muitos atores ao processo decisório, tanto no
Estado quanto na sociedade. Contudo, os presidentes brasileiros tiveram de se
defrontar com um número reduzido de atores com poder de veto. A conhecida
flexibilidade e falta de coerência ideológica da política brasileira facilita,
paradoxalmente, a ação dos presidentes brasileiros na construção de coalizões
viáveis em torno de inovações na política econômica.
A ECONOMIA DO CÂMBIO FIXO, DO CÂMBIO FLUTUANTE E A DESVALORIZAÇÃO MONETÁRIA
As taxas fixas de câmbio sempre pareceram atraentes aos planejadores econômicos
e aos setores nacionais ligados ao comércio exterior, pois, por definição,
tornam previsíveis os preços futuros das exportações e importações. Pode-se
argumentar que as taxas cambiais fixas aumentam a eficiência econômica porque
poupam recursos que de outro modo seriam gastos (ou desperdiçados) na previsão
de oscilações inesperadas e adversas das taxas de câmbio ou na cobertura contra
elas. Os criadores do regime econômico internacional de Bretton Woods, no final
da Segunda Guerra Mundial, estavam convencidos de que um sistema de câmbio fixo
entre as moedas das principais economias capitalistas fortaleceria a
prosperidade mundial (Helleiner, 1994). Desde o abandono do sistema de taxas
fixas de câmbio entre os países de industrialização avançada, no início da
década de 70, a falta de estabilidade cambial tem sido muito lamentada. C. Fred
Bergstern preconizou que o grupo das sete maiores economias do mundo se
empenhasse mais a fundo na coordenação de intervenções em suas taxas de câmbio
com o propósito de reduzir as oscilações prejudiciais para a economia
(Bergstern, 1998; Bergstern e Henning, 1996). David Felix (2002) chega a
atribuir o crescimento mais rápido registrado entre 1950 e meados da década de
70, em comparação com o que se verificou entre meados dos anos 70 e 90,
diretamente ao colapso do regime de câmbio fixo nos países industriais
avançados ocorrido no começo do último período citado.
Por outro lado, as taxas fixas de câmbio podem ser vistas como um luxo
dispendioso, cujo custo total não é imediatamente aparente aos desavisados. Do
ponto de vista de uma única economia, o problema é resumido no conceito de
"trindade impossível", cunhado por Benjamin J. Cohen (1993), de acordo com o
qual um país não pode ter simultaneamente uma taxa de câmbio fixa, uma conta de
capital externo aberta e uma política monetária interna independente (ver
Mundell, 1960). Em vez disso, a gestão macroeconômica de um país torna-se refém
da necessidade de gerenciar os fluxos de capital estrangeiro, exigindo, por
exemplo, taxas de juros geradoras de recessão quando o capital privado se
dispõe a sair do país ' mesmo que por motivos inteiramente exógenos à economia
interna, devido, por exemplo, a um aumento da taxa de juros em algum outro
lugar do mundo. Quanto mais aberta for a conta de capital do país e mais
voláteis os fluxos de capital na economia global, tanto mais esta restrição
constrange os formuladores da política econômica nacional.
A experiência latino-americana com a "trindade impossível" tem sido um tanto
fora do comum. Na América Latina, o câmbio fixo foi a regra por mais de duas
décadas depois que as democracias capitalistas avançadas permitiram a flutuação
entre suas taxas de câmbio, no início dos anos 70. Nesse meio tempo, as contas
de capital permaneceram relativamente abertas, embora a volatilidade dos fluxos
de investimentos e empréstimos privados na década de 70 estivesse longe da que
se verificou na de 90. Ainda assim, os verdadeiros custos associados a taxas
cambiais fixas foram mascarados na América Latina, durante a década de 80, pelo
fato de que a maioria dos países mantinha numerosas barreiras tarifárias e não
tarifárias ao livre comércio. Em outras palavras, mesmo se as taxas fixas de
câmbio fossem sobrevalorizadas, geralmente por uma inflação interna superior às
taxas vigentes nas principais economias, os déficits comercial e de balanço de
pagamentos podiam ser evitados, ou minorados, pelo recurso a barreiras
administrativas às importações, bem como por controles diretos do capital.
No início da década de 90, dois fatores adicionais tornaram as taxas fixas de
câmbio bem mais problemáticas na América Latina. Primeiro, a exaustão do modelo
de industrialização por substituição de importações tornou-se patente na crise
da dívida externa dos anos 80. Nessa década, os fluxos negativos de capital e
de serviço da dívida chegaram a substanciais 3% ou 5% da renda nacional em toda
a região. Em parte por pressões externas do FMI e do Banco Mundial, mas também
em conseqüência de uma convicção interna, a maioria dos países resolveu, no
final da década de 80, reorientar significativamente seus marcos regulatórios
econômicos nacionais para adequá-los aos incentivos de mercado (Biersteker,
1995; Armijo e Faucher, 2002). Mas, com o desmantelamento das barreiras
tarifárias e o afrouxamento dos controles ao capital, as rigorosas restrições
associadas às taxas fixas de câmbio tornaram-se mais evidentes. A redução das
barreiras ao comércio exterior provocou déficits comerciais. Além disso, as
autoridades econômicas descobriram, na década de 90, que políticas
macroeconômicas internas e orçamentos quase equilibrados resultavam em
constantes fugas de capital e em pressões de baixa sobre a taxa de câmbio1. A
única política econômica alternativa capaz de salvaguardar a taxa de câmbio
fixa no contexto de fluxos de capital abertos e déficits públicos e dívidas
persistentes foram as altas taxas de juros reais, que induziam rapidamente à
recessão interna.
Outra característica da década de 90, e possivelmente ainda mais importante, é
que, no correr dos anos, os regimes de câmbio fixo foram desaparecendo em todo
o mundo ' freqüentemente em violentas conflagrações financeiras como as do
Mecanismo Cambial (ERM) da Europa Ocidental, em 1992; a crise do peso no
México, em 1994; e as crises cambiais da Tailândia, Coréia do Sul, Filipinas e
Indonésia em 1997-1998. Embora se possa afirmar que há muitas vantagens numa
arquitetura financeira global caracterizada por taxas fixas de câmbio, as taxas
de câmbio flutuantes tendem a substituir as fixas, porque o número crescente
das primeiras estimula a especulação contra as segundas (Hausmann et alii,
1999). No médio prazo, pode ser quase impossível para um país com moeda fraca
manter uma taxa de câmbio fixa quando as outras estão flutuando. Existe,
portanto, uma tendência secular que torna o câmbio fixo cada vez mais
arriscado. Contudo, para os planejadores da economia nacional, habituados a
pensar que os indicadores econômicos geralmente refletem fundamentos
macroeconômicos internos, essa conclusão pessimista é muito inconveniente e
acaba sendo ignorada.
Uma segunda característica da história dos regimes de câmbio fixo na América
Latina contemporânea é a de que a fixação da taxa de câmbio ' quando feita
explicitamente no contexto da abertura da conta de capital e da liberalização
comercial ' foi vista por muitos economistas, em fins dos anos 80 e na década
seguinte, como uma "receita milagrosa" para domar uma inflação descontrolada
(Corden, 2000; Bruno, 1991; Westbrook e Willett, 1999). Desapontados com a
prodigalidade das assembléias legislativas democráticas, os planejadores
esperavam usar a flexibilidade inerente às contas externas, em condições de
liberalização financeira, para disciplinar os desregramentos fiscais internos.
Na iminência de um recrudescimento inflacionário, o combate à inflação seria
feito pela redução das divisas externas e por um aperto das condições
monetárias internas (seja por meios automáticos, como no caso do sistema de
paridade monetária argentino, seja por um aumento deliberado das taxas de juros
pelo Banco Central, no caso brasileiro), ainda que à custa de uma inibição do
crescimento da economia real. Portanto, em boa parte da América Latina ' e em
contraste com a maioria dos países do Leste asiático, onde os déficits fiscais
e a inflação têm sido historicamente um problema menor ', um atrativo
importante do câmbio fixo, em lugar do flutuante, foi sua suposta utilidade
como arma antiinflacionária.
É bem verdade que os responsáveis pela política econômica latino-americana não
podiam prever, no início da década de 90, as crises cambiais que se avizinhavam
nem a crescente rarefação dos regimes cambiais fixos ainda existentes no final
do século XX. Ainda assim, já em 1990 estava claro que a adoção de um plano de
estabilização da inflação apoiado numa "âncora de câmbio nominal" seria uma
estratégia arriscada e custosa, que exigiria uma rigorosa e constante aplicação
de um regime de austeridade fiscal. O objetivo da austeridade fiscal sempre foi
difícil de alcançar na América Latina, onde os conflitos setoriais e sociais
foram durante décadas acomodados pelo distributivismo inflacionário (Hirschman,
1968; Baer, 1991), e onde as soluções técnicas anteriores, como a indexação de
contratos financeiros e outras, geraram por vezes distorções econômicas
terríveis (Baer e Beckerman, 1974). Os formuladores de política econômica que
optaram pela estabilização via uma âncora de câmbio nominal (na Argentina, em
1991, e no Brasil no início de 1995) pareciam convencidos ' e com boas razões '
de que restavam a seus países poucas outras opções de combate à inflação, dadas
a história recente de tentativas dramáticas, mas fracassadas, de estabilização
e a escalada da hiperinflação (Amann e Baer, 2000; Cardoso, 2000; Wise, 2000).
Na Argentina, o ministro da Economia, Domingo Cavallo, esperava que o
automatismo do sistema de paridade monetária, que faria com que a oferta de
moeda interna se contraísse de imediato sempre que o Banco Central perdesse
reservas cambiais, proporcionaria finalmente ao Executivo as ferramentas ou o
suporte indispensável para resistir às demandas de gastos, geradoras de
déficit, provenientes do Legislativo, das províncias e de grupos de interesses
especiais. No Brasil, o ministro da Fazenda, Pedro Malan, admitiu abertamente
que uma pequena sobrevalorização cambial no contexto da liberalização comercial
era até bem-vinda, na medida em que contribuía para impedir que os empresários
nacionais de setores industriais oligopolizados aumentassem seus preços.
Embora essa situação também não fosse óbvia no início dos anos 90, estudos
comparativos recentes mostraram que os programas de estabilização que recorrem
a âncoras cambiais nominais apresentam uma trajetória típica marcada por uma
extremamente fácil implementação inicial e um desenvolvimento muito mais
problemático (Calvo e Végh, 1999). Controlada a inflação, muitas vezes ocorre
um surto de crescimento devido à rápida expansão do consumo, já que as pessoas
fazem compras há muito adiadas para aproveitar os preços. Também pode haver uma
antecipação de compras, se os consumidores recearem que o plano de
estabilização não se sustenterá no tempo. Entretanto, na ocorrência de uma
inflação interna, mesmo pequena (e, portanto, uma sobrevalorização da taxa de
câmbio), o consumo doméstico progressivamente se transfere dos produtos
fabricados no país para os importados, o que contribui para arrefecer a demanda
interna e gerar um déficit comercial externo. A fim de combater a
sobrevalorização, as autoridades econômicas têm de pôr em ação medidas de
austeridade fiscal (a reação macroeconômica preferida) ou uma contração
monetária (que pode ser politicamente mais simples), ambas medidas recessivas.
Se a sobrevalorização for mantida, a recessão será prolongada. Assim, as
âncoras cambiais podem gerar um boom econômico inicial, seguido de uma "queda"
e de uma recessão. Uma política de minidesvalorizações ' pequenas
desvalorizações regulares para compensar a inflação passada ' é mais fácil de
administrar do que uma taxa totalmente fixa, como no caso de uma paridade
monetária, porque uma profunda sobrevalorização será menos provável.
Por todas essas razões, uma moeda fixa será vulnerável aos ataques,
especialmente em um ambiente externo onde as taxas de câmbio flutuantes são
majoritárias. Torna-se, portanto, imperativo que os planejadores da política
macroeconômica contem com uma estratégia de saída, ou um plano para uma
passagem ordenada a um regime de câmbio flutuante, caso os operadores do
mercado privado preparem um ataque irresistível. Só que a possibilidade de
saída não pode ser discutida publicamente pelos políticos, pois se o fizerem
estarão obviamente precipitando um ataque especulativo imediato. Em meados de
2001, por exemplo, o ex-ministro da Economia argentino, Domingo Cavallo,
reconduzido ao poder por um desesperado presidente De la Rúa, lançou um balão
de ensaio. Ele mencionou a idéia, objetivamente razoável, de uma mudança na
âncora da paridade monetária, que deixaria de estar atrelada unicamente ao
dólar norte-americano e passaria a manter uma ligação mais flexível com uma
cesta de moedas fortes, refletindo o fato de que boa parte do comércio exterior
argentino se realizava com regiões fora da área do dólar, como a Europa e o
Japão. A reação do mercado foi tão negativa que Cavallo teve de desistir da
idéia, sensata do ponto de vista macroeconômico, e fortalecer a relação
exclusiva do peso argentino com a moeda norte-americana.
Contudo, as desvalorizações forçadas podem ocorrer, e ocorrem, quando os países
não conseguem manter a "trindade impossível", isto é, uma taxa de câmbio fixa,
uma conta de capital aberta e uma política monetária cem por cento voltada a
assegurar a manutenção da paridade cambial. De fato, as desvalorizações
forçadas podem ainda ocorrer quando os países mantêm uma rigorosa política
monetária a fim de sustentar a taxa de câmbio. Razões típicas para um ataque
surpresa à moeda incluem: (a) o surgimento de um déficit comercial ou em conta
corrente (que pode acontecer mesmo quando a inflação interna é baixa, devido a
variações nos termos de trocas internacionais do país ou da demanda por seus
produtos); (b) um déficit fiscal ou uma dívida pública substancial, que os
agentes de mercado supõem que possa transformar-se em inflação interna e, por
conseguinte, em déficits comerciais em algum momento futuro; (c) uma mudança
política no plano interno, que os agentes de mercado entendem ser um sinal de
futuros déficits fiscais, como a democratização política ou a eleição de um
político de esquerda, e, a mais injusta de todas, (d) o "contágio" externo, ou
seja, a corrida à moeda nacional provocada pelos problemas cambiais de um
terceiro país, que os participantes do mercado acreditam, grosseira ou
equivocadamente, ser "semelhantes" aos enfrentados pelo seu.
E, finalmente, há o desafio do ajustamento pós-desvalorização. O primeiro ponto
a observar é que a renda nacional em termos reais diminuiu porque todas as
importações ficaram mais caras em moeda local, fazendo com que a população
compre menos com a mesma renda nominal. É bem verdade que pode haver um aumento
das exportações, mas isso demora algum tempo. Enquanto isso, o governo federal
deverá enfrentar um aumento das demandas de renda, especialmente se houver
dívidas contraídas em dólar [dollar-denominated debt], mas a adoção do câmbio
flutuante não vai causar uma diminuição significativa dos problemas
relacionados com a manutenção da sua "credibilidade" externa. As políticas
públicas que um país precisará adotar para que sua economia absorva a
desvalorização forçada e se reoriente no sentido do crescimento sustentável,
sob um regime de câmbio flutuante, geralmente incluem: (a) solucionar os
problemas jurídicos pendentes com os credores externos (caso a crise monetária
ou a subseqüente desvalorização tenham desencadeado uma inadimplência total ou
parcial); (b) admitir a necessidade de uma gestão ativa da taxa de câmbio no
futuro, em condições de taxas flutuantes (por exemplo, conferindo ao Banco
Central a liberdade para aumentar a taxa de juros, se necessário, e permitindo-
lhe manter substanciais reservas de divisas); (c) criar e sustentar um
equilíbrio fiscal semipermanente, inclusive níveis moderados de endividamento
público, já que de outra forma poderiam ocorrer constantes corridas à moeda e,
portanto, inflação endêmica; e (d) resolver problemas pendentes no sistema
bancário nacional. Além disso, o governo deverá tomar providências para: (e)
restaurar o crédito para as empresas públicas e privadas; (f) compensar ou
reduzir o sofrimento das pessoas que perderam suas poupanças em conseqüência da
desvalorização; e (g) recuperar o crescimento econômico. Em outras palavras, a
reforma econômica após a desvalorização exige austeridade fiscal e monetária,
ainda que os setores internos que tiverem perdas decorrentes da austeridade
venham a exigir uma assistência imediata. Os governos precisam convencer os
eleitores da necessidade do sacrifício. Isto é particularmente difícil quando
as políticas anteriores, adotadas com a finalidade de tentar salvar o regime de
câmbio fixo, já haviam imposto recessão e austeridade.
A FORMAÇÃO DE COALIZÕES FAVORÁVEIS À DESVALORIZAÇÃO E À REFORMA PÓS-
DESVALORIZAÇÃO
As explicações aqui examinadas focalizam as características estruturais dos
ambientes decisórios nacionais que permitem aos chefes do Executivo e à sua
equipe de planejadores exercerem uma liderança efetiva em países emergentes
afligidos por crises monetárias. As variações das preferências e tendências dos
atores internacionais, as diferenças na estrutura dos interesses
socioeconômicos e as características das instituições políticas nacionais podem
afetar a capacidade de um presidente para construir uma coalizão de apoio que
lhe permita (a) desvalorizar ou deixar flutuar sua moeda, se necessário do
ponto de vista econômico, e/ou (b) implementar um pacote de austeridade fiscal
após a desvalorização.
Diferenças no Tratamento Proporcionado pelos Atores Internacionais
O tratamento diferenciado recebido dos governos dos países ricos e das IFI
(instituições financeiras internacionais) pode explicar o sucesso ou insucesso
dos governantes em países que enfrentam crises monetárias. A economia
internacional é muitas vezes "parcial" nos golpes que desfecha sobre economias
menos desenvolvidas, os quais podem variar desde choques de preços de
commodities ao contágio de crises financeiras. Instituições-chave oferecem
conselhos incoerentes e estendem ajuda desigual a países pobres atingidos por
crises econômicas internacionais. Os tratamentos diferenciados variam de acordo
com os interesses do Grupo dos Sete e das IFI. Alguns países são considerados
"grandes demais para quebrar". Contudo, interessa às IFI usar o exemplo de
pequenos países afligidos por problemas com empréstimos externos para diminuir
a probabilidade de um "risco moral" no sistema financeiro mundial. Finalmente,
alguns países em desenvolvimento têm maior importância geoestratégica ou
econômica ' até cultural ' para a política econômica de algumas democracias
prósperas. É possível alegar, portanto, que a crise cambial brasileira teve
melhor desfecho do que a argentina porque o Brasil recebeu um tratamento
especial, provavelmente por ser um país grande e importante demais para
fracassar, do ponto de vista da estratégia dos Estados Unidos com respeito à
América Latina.
Diferenças na Estrutura dos Interesses Socioeconômicos
A estrutura dos interesses socioeconômicos ajuda a prever o grau de risco que
mudanças específicas na política econômica poderão acarretar para o governo.
Estudos recentes afirmam que o risco político da desvalorização monetária para
um governante aumenta quando o número ou o peso político dos setores perdedores
é especialmente importante e diminui quando o número ou a relevância dos
setores ganhadores é excepcionalmente grande (Frieden e Stein, 2001; Wise,
2000). As reformas da política econômica subseqüentes à desvalorização ' cortes
orçamentários, por exemplo ' impõem ainda a concordância de vários segmentos
sociais. As dificuldades que um governante tem de enfrentar para negociar um
pacote de austeridade pós-desvalorização aumentam: (a) quando grupos de
interesse fundamentais têm melhores condições de suportar a recessão do que
outros (e por isso podem aguardar uma solução que lhes seja particularmente
favorável) (Alesina e Drazen, 1991); e (b) quando grupos de interesse
fundamentais na arena nacional são de origem estrangeira (e por isso podem
recorrer à solidariedade e ao apoio de atores externos para conseguir uma
distribuição dos custos do ajuste que lhes seja excepcionalmente favorável). Na
Argentina, a "guerra de desgaste" [war of attrition] que se travou entre os
setores que saíram lucrando e os que saíram perdendo prolongou-se porque
interesses socioeconômicos decisivos (por exemplo, o "capital industrial", o
"capital financeiro" e/ou os "trabalhadores") estavam mais dispostos a aceitar
os custos de uma recessão continuada do que a capitular e concordar em dividir
os sacrifícios em termos de renda corrente e privilégios para alcançar o ajuste
fiscal necessário à retomada do crescimento econômico.
Diferenças nas Instituições Políticas
A estrutura das instituições políticas influi nos métodos usados por um
governante para formar uma coalizão de apoio à mudança da política econômica.
Observadores descobriram virtudes em instituições políticas que incentivam a
cooperação entre as várias esferas do Estado (Executivo, Legislativo,
Judiciário e burocracia permanente). Sugerem que a existência de maior número
de atores com poder suficiente para obstruir decisões de políticas públicas,
ou, pelo menos, de exigir uma compensação por sua cooperação, pode causar
problemas para os chefes de Executivo que estejam tentando modificar a política
econômica, por exemplo, no caso de uma crise (Haggard e McCubbins, 2001;
Tsebelis, 1995). Haveria um supostotrade off entre a eficiência tecnocrática na
formulação da política e a legitimidade democrática. Mark Gasiorowski (2000)
afirma que as pesquisas quantitativas "proporcionam apoio empírico ao argumento
pessimista de que a democracia mina o desempenho macroeconômico por causa dos
efeitos adversos de uma participação política não controlada" (Geddes, 1994).
Presume-se que as decisões tomadas por um poder Executivo que se mantém
distante das pressões dos políticos por concessões para seus eleitores gozam de
mais "credibilidade" perante os investidores, especialmente os estrangeiros.
Mas tais decisões também são menos "democráticas", porque representantes de
vários grupos da sociedade não são consultados ou incluídos. Se as políticas
econômicas forem determinadas de cima para baixo em lugar de serem negociadas
entre representantes dos grupos de interesse, é menos provável que a população
venha a aceitar sacrifícios. Para essa literatura, a excelência econômica
muitas vezes se dá à custa da democracia ' e vice-versa. Resultados econômicos
superiores são associados a planejadores insulados, ou àqueles que são mais
"decisivos" (Maxfield, 1998; Cukierman et alii, 1992; Dillinger e Webb, 1998;
Sola et alii, 2002).
Sustentamos que são necessários dois conceitos teóricos: "veto players" e
"policy players". Os veto players são os atores do processo decisório que devem
ser persuadidos a cooperar pelo chefe do Executivo, se ele deseja mudar o
status quo
2. Somente um veto player pode obstruir a mudança da política agindo
isoladamente. Um policy player é todo aquele, indivíduo ou empresa, que tem um
papel nas decisões e espera ser consultado pelo poder Executivo quando se trata
de decidir importantes mudanças nas políticas públicas. Se um policy player não
é consultado, ele pode protestar e tentar retardar ou atrapalhar a tramitação
das mudanças desejadas pelo presidente. Todos os participantes no processo
decisório controlam algum recurso politicamente relevante (votos, dinheiro para
contribuições de campanha, informações, legitimidade democrática perante o
público) e são aliados potenciais do Executivo ' ou dos que lideram a oposição
aos projetos de mudança das políticas públicas ' numa coalizão de apoio. Entre
os policy players podem estar políticos que exercem funções institucionais nos
níveis federal e estadual do governo, dos partidos políticos, e representantes
de importantes interesses sociais ou empresariais.
Propomos as seguintes hipóteses: (a) quanto maior o número de policy players e
quanto mais transparente e óbvia for sua participação, maior será a
probabilidade de que a população considere legítimo o processo de tomada de
decisões no país, e (b) quanto maior for o número desses atores de relevo,
tanto mais difícil será obter a concordância de todos, o que representa, no
mínimo, um complicador a mais na construção de um consenso. Entretanto, poucos
policy players têm poder de veto. Esta característica pode se tornar
importante.
AS ESTRATÉGIAS DE RECUPERAÇÃO NA ARGENTINA E NO BRASIL
O Brasil e a Argentina são países de renda média com economias importantes.
Ambos realizaram amplas reformas econômicas orientadas para o mercado e se
tornaram mais abertos ao comércio e aos fluxos de capital depois de 1990. Nos
anos 80, os dois países fizeram transições estáveis para a democracia liberal,
com sufrágio universal e sistemas presidencialistas. Na Argentina e no Brasil a
volta à democracia coincidiu com uma fase de descontrole das despesas públicas
e de taxas de inflação anuais de quatro dígitos. Ambos fixaram sua moeda em
relação ao dólar americano, pois os planejadores econômicos acreditavam que uma
política monetária estrita ajudaria a combater a inflação.
O Brasil sofreu um ataque especulativo à sua moeda no terceiro trimestre de
1998 e o FMI e o Tesouro americano concederam-lhe um pacote de socorro no
montante de US$ 41 bilhões. Ainda assim, em janeiro do ano seguinte, o país foi
obrigado a desvalorizar a moeda e adotou uma taxa de câmbio flexível, mas não
surgiram agitações sociais e crises políticas. Em maio de 1999, a economia
voltou a crescer, as entradas líquidas de capital estrangeiro recomeçaram e,
com isso, não se ouviu mais falar em "crise". Em novembro de 2001, o presidente
De la Rúa, sob forte pressão financeira e incapaz de sustentar a paridade fixa
do câmbio, enfrentando ainda intensos boatos de iminente colapso do sistema
bancário, decretou o congelamento dos depósitos. A crise política resultante
provocou grandes manifestações populares nas principais cidades; choques com a
polícia resultaram em 34 mortos. Em dezembro de 2001, a Argentina, que
conseguira negociar dois importantes pacotes com o FMI em 2000 e 2001, declarou
a moratória de sua dívida externa. Incapaz de obter apoio do Congresso para
responder à situação com políticas públicas conseqüentes, o presidente Fernando
de la Rúa renunciou. Enquanto a oposição dividida lutava pelo poder, todas as
contas bancárias foram congeladas e a economia parou. Um ano depois de iniciada
a crise, o FMI cedeu, com muita relutância, e estendeu à Argentina um acordo de
empréstimo para permitir ao país manter-se à tona até o fim da eleição
presidencial de 2003. No Brasil, especuladores receosos de uma vitória da
esquerda nas eleições presidenciais lançaram, em agosto de 2002, outro ataque à
moeda brasileira, que flutuava livremente, determinando uma perda de 50% de seu
valor em poucos dias. O FMI aprovou, com apoio do Tesouro americano, um novo
crédito de US$ 30 bilhões ao Brasil. Todos os principais candidatos à
Presidência da República se comprometeram a honrar, se eleitos, a carta de
acordo que acompanhou o empréstimo. Conforme previsto, o candidato do Partido
dos Trabalhadores ' PT, Luiz Inácio Lula da Silva, foi eleito e os predadores
do mercado saíram em busca de outra presa.
A Argentina: O Colapso do Sistema de Paridade Monetária
Depois de muitas tentativas fracassadas de pôr fim à inflação argentina, o
presidente Carlos Saul Menem adotou, em 1991, um rigoroso regime de
estabilização alicerçado na taxa de câmbio para restaurar a confiança do
mercado na moeda. A "lei de conversibilidade" instituiu um sistema de paridade
monetária para assegurar a livre conversibilidade do austral em dólar, com uma
relação de mil para um entre as duas moedas. O austral foi substituído pelo
peso em 1º de janeiro de 1992. O peso e o dólar passaram a circular com uma
relação de um para um. O sistema de paridade monetária agia como âncora da taxa
de câmbio, e as reservas do Banco Central garantiam que os pesos em circulação
pudessem ser convertidos à paridade. Essa medida ousada obteve sucesso e foi
seguida por uma sucessão de reformas de mercado. A inflação caiu de 2.300% para
4% entre 1990 e 1994. Com o retorno das entradas de capital, que geraram uma
expansão da oferta de moeda, os investimentos recomeçaram e o crescimento
econômico foi retomado.
Em 1989 o presidente Menem formou uma coalizão de governo, reunindo o apoio das
grandes empresas agrícolas, industriais e comerciais à tradicional aliança
peronista entre os sindicatos e as pequenas e médias empresas (Lewis, 1990;
Wynia, 1990; Corrales, 2002b). Essa ampla base era crucial para o sucesso das
reformas de mercado (Weyland, 2002; Armijo e Faucher, 2002). O FMI, o governo
dos Estados Unidos e outros deram apoio ao Plano Cavallo, assim designado por
ter sido formulado pelo ministro da Fazenda Domingo Cavallo. Foi aprovado um
empréstimo stand-by e a Argentina foi incluída no Plano Brady de redução da
dívida. Os capitais internacionais acorreram ao país (Starr, 1997). O apoio
eleitoral a Menem ampliou-se com a incorporação dos consumidores nacionais. O
presidente contava com o respaldo do seu partido (Corrales, 2002a) e tirou
proveito de uma divisão tríplice da liderança sindical, enquanto os
trabalhadores lhe estendiam um crédito de confiança.
O sistema de representação federal ajudou o Executivo na negociação dos ajustes
fiscais, da redução do emprego no setor público e da privatização das empresas
estatais. Menem combinou a disciplina partidária com uma estratégia que tirava
vantagens das disparidades de tamanho entre as províncias para formar uma
coalizão favorável ao controle fiscal (Dillinger e Webb, 1998; Gibson, 1997).
Apesar disso, a recessão se instalou, e as tensões aumentaram com a queda das
receitas públicas e a subseqüente necessidade de restrição fiscal derivada da
própria lógica do sistema de paridade monetária. O governo não conseguiu
combater o desemprego, que atingiu 18%. Em fins de 1995, a aprovação popular a
Menem caía para 19% (Starr, 2003). A oposição ao presidente dentro do Partido
Justicialista crescia, não obstante as tentativas de Menem de virar o partido
contra Eduardo Duhalde, seu ex-vice-presidente, eleito governador da Província
de Buenos Aires.
O apoio parlamentar do Partido Justicialista ao governo começou a fraquejar em
1996. Apesar de o Congresso ter aprovado uma redução orçamentária, dois
projetos do Executivo foram rejeitados. Numa Câmara dos Deputados dominada
pelos peronistas, a bancada sindical derrotou o projeto do governo de
flexibilizar a legislação trabalhista. Uma segunda proposta orçamentária do
Executivo, paralisada em 1996, pretendia reduzir as transferências de recursos
federais para as províncias, o que tornaria inviáveis as administrações locais
que passavam por uma difícil situação fiscal. Em vez disso, as transferências
do governo federal aumentaram substancialmente entre 1997 e 1999, à medida que
Menem se empenhava na compra de apoio político (Gibson, 1997; Starr, 2002).
Em meados de 1997, a crise financeira dos países do Leste asiático espalhou-se
para todos os mercados emergentes. Em junho de 1998, uma emissão de títulos do
governo argentino não conseguiu atrair um número suficiente de compradores. Em
agosto, a moratória russa provocou uma crise monetária no Brasil, o qual obteve
do FMI, em outubro, um pacote que tinha o objetivo de "restabelecer a
confiança" na estabilidade da economia. Na Argentina, a coalizão radical
FREPASO, conhecida como Alianza, elegeu a maioria dos membros da Câmara dos
Deputados nas eleições parlamentares de outubro de 1998. Em janeiro de 1999, os
formuladores da política econômica brasileira se renderam ao inevitável e
admitiram a flutuação do real, que rapidamente caiu 40% em relação ao dólar
americano ' e, em conseqüência, ao peso argentino. O Brasil era o maior
parceiro comercial da Argentina (embora o inverso não ocorresse). O superávit
comercial da Argentina com o Brasil desapareceu de imediato. A oposição tomou
as ruas quando Menem impôs, mediante decretos presidenciais, cortes nas
transferências para a educação e para as províncias. Sob intensa pressão, Menem
revogou seus decretos e pediu publicamente a ajuda de seu rival político,
Duhalde. O Congresso aumentou os gastos e os mercados financeiros começaram a
pôr em dúvida a credibilidade da Argentina. O Produto Interno Bruto ' PIB caiu
mais de 3% nesse ano. Em dezembro de 1999, a Argentina elegeu o presidente
Fernando de la Rúa, candidato da Alianza.Embora fossem tomadas medidas de
austeridade e o Congresso finalmente aprovasse a reforma da legislação
trabalhista, os investidores não se convenceram de que o novo governo, apoiado
por uma aliança instável de partidos, pudesse cumprir suas promessas de
austeridade fiscal (Starr, 2003). Entretanto, essa demonstração de compromisso
com a ortodoxia rendeu ao país uma linha de crédito de US$ 39,1 bilhões do FMI,
em dezembro de 2000 (Corrales, 2002a; Mussa, 2002). Entre 2000 e 2001, as
receitas fiscais caíram 18%, os impostos sobre os lucros 23% e as receitas do
imposto sobre o valor adicionado 38%, perfazendo uma perda de receitas no
montante de US$ 13 bilhões (Salama, 2002). Apesar das garantias de adesão à
conversibilidade, e das garantias das subsidiárias locais de bancos
estrangeiros de que os depósitos em dólar estavam assegurados, a classe média
argentina começou a retirar suas poupanças. Quando o movimento assumiu
proporções epidêmicas, o governo congelou todas as contas, provocando protestos
de rua e outras manifestações de frustração popular.
A recusa do FMI de alongar um empréstimo de US$ 1,2 bilhões em novembro
assinalou o colapso do sistema de paridade monetária. Em face dos protestos e
abandonado por seu Partido Radical e pelos aliados da FREPASO, De la Rúa
renunciou. Depois de uma sucessão de cinco presidentes em duas semanas, em 2 de
janeiro de 2002 Duhalde foi designado presidente interino3. A "coalizão" de
Duhalde incluía desde políticos radicais aos partidários de Menem. O único
ponto de acordo dessa aliança foi o desmantelamento do modelo econômico da
década de 90 ' da paridade monetária. Um decreto do dia 6 de janeiro revogou a
lei de conversibilidade e o peso foi desvalorizado. Os contratos em dólar foram
abertos à renegociação e os depósitos e empréstimos bancários convertidos ao
peso desvalorizado. Em 2002, o PIB se contraiu em 18%, o desemprego aumentou
para 22%, a inflação anual foi de 40% e a moeda perdeu 70% de seu valor (The
Economist, 11/1/2003, "Storm Abated, Outlook Still Unsettled"). Quinze meses
após essa substancial desvalorização, ainda se discutiam seus custos para a
sociedade argentina.
O FMI recusou-se a fazer novos empréstimos à Argentina, alegando que não haviam
sido feitos progressos no sentido de se chegar a um plano econômico
politicamente viável. Somente em janeiro de 2003 o Fundo concedeu um
"empréstimo ponte" de seis meses, no valor de US$ 6,6 bilhões, suficiente
apenas para cobrir os pagamentos ao Fundo e esperar as eleições presidenciais.
Em abril de 2003, os peronistas (ou seja, os membros do Partido Justicialista),
divididos internamente, apresentaram três candidatos à Presidência. Nestor
Kirshner, o candidato de Duhalde, venceu Menem, que, sentindo-se derrotado,
desistiu de concorrer no segundo turno.
O Brasil: Encontrando um Modo Próprio para Sair da Crise
A experiência fracassada de sete planos de estabilização econômica adotados
desde o retorno à democracia, em 1985, ensinou aos brasileiros que o remédio
pode ser pior que a doença. No Plano Real, de 1994, o gradualismo e a
construção do consenso substituíram o tratamento de choque (Cardoso e Helwege,
1999; Cardoso, 2001; Amann e Baer, 2000; Baer, 1991; Smith e Messari, 2001). Em
face de uma inflação anual que, em 1994, atingira quatro dígitos, o ministro da
Fazenda do presidente Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, e sua equipe
econômica criaram uma nova unidade financeira de conta, a Unidade Real de Valor
' URV, que inicialmente funcionou como mais um índice de inflação. Aplicada
durante seis meses, a URV permitiu que os grupos de interesse, que achavam que
seus preços, salários ou rendas tinham caído mais que outros, tivessem tempo
suficiente para pressionar os legisladores a aprovarem medidas de ajustamento.
O real foi fixado em relação ao dólar americano e respaldado por reservas de
divisas no Banco Central que chegavam a cerca de US$ 41 bilhões. O governo
apertou os controles sobre o déficit e negociou com os estados, visando limitar
seus gastos deficitários e solucionar o problema das dívidas acumuladas pelos
bancos públicos. Entretanto, a liberalização comercial desestimulou o aumento
de preços por parte das empresas brasileiras (Kingstone, 1999). Embora o ritmo
da reforma de mercado no Brasil fosse mais lento que o da Argentina, o governo
brasileiro conseguiu fazer modificações significativas no ambiente regulatório
(Weyland, 2002; Armijo e Faucher, 2002).
A prova da viabilidade da "âncora" do programa de estabilização, o câmbio fixo,
seria se os cortes nos gastos públicos conseguissem diminuir os déficits do
governo ou gerar superávits, permitindo ao Executivo começar a amortizar a
dívida herdada de governos anteriores. Só que as taxas de juros eram muito
altas, o que provocava uma contração do investimento privado e da receita
tributária, além de uma elevação do custo do serviço da dívida pública em
circulação, que começou a pesar mais nos gastos do governo federal (Amann e
Baer, 2000; Cardoso, 2001). Com o sucesso do Plano Real e as pesquisas de
opinião mostrando um bom retorno político, era tarde para que a oposição, até
então silenciosa, reivindicasse uma parte do crédito nesse êxito. A sorte de
Lula, o candidato do Partido dos Trabalhadores, estava selada (Faucher, 1999;
Armijo, 2003), e Fernando Henrique Cardoso foi eleito presidente.
A natureza desordenada do processo de formulação de políticas no Brasil obrigou
o presidente Fernando Henrique a formar uma coalizão para governar. Mas o
sistema eleitoral brasileiro de representação proporcional de lista aberta
enfraquecia a lealdade partidária dos políticos, com exceção dos deputados
federais do PT (Lacerda, 2002). Assim, as principais táticas de formação de
coalizão foram a persuasão e os açodamentos, e estes acabaram contribuindo para
aumentar o déficit fiscal. Era fundamental que o país tentasse resolver esse
déficit para manter a estabilidade da taxa de câmbio no médio prazo. Os
políticos pertencentes ao partido de Fernando Henrique detinham menos de 20%
das cadeiras em cada uma das Casas do Congresso. Para aprovar seus projetos de
lei, o Executivo precisava conquistar o apoio de representantes do conservador
PFL (Partido da Frente Liberal), do PMDB (Partido do Movimento Democrático
Brasileiro), do PPB (Partido Progressista Brasileiro) e de partidos menores
como o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). O PFL tinha relações estreitas com
os grandes e tradicionais fazendeiros da região Nordeste, menos
industrializada, enquanto o PPB representava um segmento da indústria e dos
interesses financeiros paulistas. Esses partidos desejavam participar de um
governo bem-sucedido e manter a inflação sob controle, mas tinham preferências
contraditórias com relação às políticas públicas. Os políticos esperavam ser
recompensados com verbas e benefícios clientelistas em troca de seu apoio ao
programa de reformas do presidente.
O grande sucesso do primeiro mandato de Cardoso foi a gradativa suspensão de
algumas transferências de receita aos governos estaduais e municipais que a
Constituição brasileira de 1988 havia determinado. Como as dívidas estaduais
eram vulneráveis às flutuações de curto prazo nas taxas de juro, elas se
avolumaram e tornaram inevitável a inadimplência. O governo federal reagiu em
1995 com um programa de reestruturação e ajuste fiscal das finanças estaduais.
Essas medidas "federalizaram", por assim dizer, as dívidas estaduais. A relação
da dívida pública líquida com o PIB aumentou de 28% em 1995 para 44% em 1998
(Cardoso, 2001). Ao longo de 1997, o crescimento econômico se manteve vigoroso.
Mas o crescente déficit comercial combinado com taxas de juros elevadas, que
tinham o objetivo de prevenir o contágio financeiro da crise mexicana,
contribuiu para jogar a indústria brasileira numa difícil situação. A reforma
do sistema previdenciário foi adiada por parlamentares que deviam seus mandatos
às campanhas de mobilização eleitoral patrocinadas pelos sindicatos de
funcionários públicos. Em face da crescente oposição de sua própria coalizão,
Cardoso lançou na arena política o tema de sua reeleição, que exigia uma emenda
constitucional. Em outubro de 1998, o presidente foi reeleito com uma votação
expressiva.
Em conseqüência do contágio financeiro externo, o PIB brasileiro, que crescera
3,27% em 1997, registrou aumento de apenas 0,13% no ano seguinte. Em fins de
1997, assustados com a crise financeira do Leste asiático, os investidores se
afastaram dos países de "mercado emergente". A moratória da dívida russa em
agosto de 1998 levou os nervosos investidores a saírem do Brasil. Em meio à
campanha presidencial, as reservas cambiais do Brasil caíram de US$ 75 bilhões
para apenas US$ 45 bilhões. Para incentivar a permanência no país dos capitais
externos emprestados, o Banco Central elevou as taxas de juros para 40%, o que
se refletiu negativamente no déficit público e na dívida estrangeira total do
país, que atingiu US$ 265 bilhões. Uma grande parte da dívida compunha-se de
títulos de curto prazo, metade dos quais pagavam juros indexados à taxa do
overnight. Em outubro, o governo anunciou um plano de estabilização fiscal e em
novembro o Congresso aprovou cortes de despesas e reformas estruturais (OECD,
2001).
O FMI garantiu apoio ao governo de Fernando Henrique sob a condição de que
houvesse uma redução do déficit orçamentário, então de US$ 65 bilhões,
equivalentes a 8% do PIB. Foi anunciado um empréstimo de US$ 41,5 bilhões, com
a participação do Tesouro americano, ficando ajustado que o Brasil não
desvalorizaria sua moeda. Mas a desvalorização se mostrou inevitável. Entre
dezembro de 1998 e março de 1999, o real caiu de R$ 1,22 por dólar para R$
2,16, uma desvalorização acumulada de 74%. Isso criou uma situação de quase
pânico no sistema bancário, causou a desarticulação do apoio popular e
parlamentar ao governo recém-eleito e aumentou a dívida pública em cerca de 10%
do PIB. A taxa de câmbio acabou por se recuperar e alcançou o patamar de R$
1,63 por dólar americano, equivalente a uma desvalorização líquida de 25% do
real (Lara Resende, 1999). O crescimento econômico foi retomado, mas permaneceu
vulnerável aos caprichos dos investidores internacionais. O presidente Fernando
Henrique Cardoso, agora apoiado por outra coalizão multipartidária, voltou à
delicada tarefa de obter sustentação política para reformas econômicas de
mercado. Um êxito de seu segundo mandato foi a aprovação, em 2001, da nova Lei
de Responsabilidade Fiscal, que impôs rigorosos limites ao endividamento da
União, estados e prefeituras, e proibiu o governo federal de refinanciar as
dívidas dos governos estaduais e municipais.
A moeda brasileira, agora flutuante, sofreu outro ataque especulativo associado
à eleição presidencial de 2002, combinada com os indicadores, ainda altos, do
endividamento público. Os eleitores brasileiros escolheram o candidato do PT,
que obteve grande número de votos no primeiro turno da eleição. Os mercados
financeiros entraram em pânico. O spread dos títulos do governo brasileiro em
relação aos do Tesouro dos Estados Unidos atingiu 2.400 pontos-base (24%) em
setembro, e o real caiu mais de 38% entre maio e outubro. Em 6 de setembro, um
mês antes do primeiro turno das eleições, o FMI concedeu um pacote de créditos
no total de US$ 30,7 bilhões, cujo cronograma previa a maioria dos desembolsos
após o segundo turno da eleição e estava condicionado ao fato de o Brasil
cumprir as metas fiscais aprovadas pelo Fundo.
Os candidatos à Presidência da República comprometeram-se a cumprir o acordo de
2002 com o Fundo. Eleito com significativa maioria dos votos no segundo turno,
o presidente Luiz Inácio Lula da Silva manteve o rigoroso ajuste fiscal
iniciado em fins de 1998. Sua administração aumentou o superávit primário do
governo federal previsto para 2003 de 3,75% do PIB, na gestão de Fernando
Henrique Cardoso, para 4,25% do PIB. O presidente do Banco Central aumentou a
taxa de juros básica para 26,5% em fevereiro. A anunciada agenda de reformas
incluiu cortes na Previdência Social e nos benefícios aos trabalhadores. A
montagem de uma coalizão de governo também teve custos para os petistas mais
idealistas. A fim de alcançar uma maioria crucial no Senado, o senador
peemedebista pelo Maranhão e ex-presidente da República, José Sarney, foi
eleito presidente do Senado com apoio do PT. O presidente Lula entendeu que o
equilíbrio macroeconômico, mesmo ao custo de um sacrifício de curto prazo, é
fundamental para o crescimento econômico brasileiro.
AS RAZÕES DA DERROCADA DA ARGENTINA E DA RECUPERAÇÃO DO BRASIL
Por que as autoridades econômicas argentinas tiveram mais dificuldades para
reconhecer a probabilidade da desvalorização e a necessidade de formular um
plano viável para enfrentá-la? Por que foi mais difícil obter respaldo político
para uma reforma econômica pós-desvalorização na Argentina do que no Brasil4?
Os Preconceitos dos Atores Internacionais
O FMI destinou recursos substanciais ao apoio ao sistema de paridade monetária
da Argentina, incluindo US$ 40 bilhões de um programa de empréstimos (dos quais
US$ 14 bilhões do Fundo e US$ 5 bilhões do Banco Interamericano de
Desenvolvimento e do Banco Mundial). Do ponto de vista do Fundo, a situação
começou a se deteriorar em fins de 1998 (Krueger, 2002). No início, o FMI foi
transigente em termos de ajuste fiscal. Os investidores privados só se
retiraram quando a perda de credibilidade dos fundamentos da economia argentina
afetou seu próprio crédito. Contudo, o repetido descumprimento das metas
fiscais minou desastrosamente a confiança no país.
Pode-se alegar que o FMI enviou sinais confusos aos mercados pela maneira como
tratou a Argentina. Houve uma considerável demora entre a situação
aparentemente irrecuperável da Argentina e o anúncio do FMI de que não mais lhe
concederia empréstimos. Teria isso ocorrido porque um aumento substancial da
dívida em moeda estrangeira significava que a desvalorização seria
inevitavelmente acompanhada por uma moratória (Fronti et alii, 2002), o que
acarretaria graves problemas para os credores externos do país5? O Fundo
esperou mais de um ano para restabelecer as linhas de crédito da Argentina, o
que acabou aprofundando a grave crise interna do país. A própria gerência
tecnocrática do Fundo queixou-se através da mídia de que a prorrogação do
empréstimo de janeiro de 2003 fora uma conseqüência, sobretudo, das pressões
dos principais países doadores do FMI. Os Estados Unidos e outras democracias
capitalistas avançadas estavam preocupados com a estabilidade da democracia em
um dos principais países da América Latina, bem como com a idéia que se
difundia em algumas regiões de que o Fundo prejudicava as economias dos países
pobres ' para não falar na classificação de crédito das próprias agências de
classificação de crédito, na medida em que a Argentina estava prestes a deixar
de pagar um de seus compromissos com o Banco Mundial.
Nesse entretanto o Brasil obtinha um pacote de socorro no valor de US$ 41
bilhões, em fins de 1998. Isso não impediu o país de desvalorizar sua moeda e
torná-la flutuante, mas proporcionou aos formuladores da política econômica
brasileira uma saída mais airosa da crise no início de 1999. Em setembro de
2002, o Brasil recebeu um novo empréstimo de US$ 30 bilhões, o que o ajudou a
combater a especulação monetária associada à próxima vitória eleitoral de Lula.
O Brasil recebeu um tratamento especial? No empréstimo de 1998 não se exigiu
que o país desvalorizasse sua moeda, o que convinha aos interesses dos credores
americanos. Os representantes europeus no Fundo desconfiavam de que os
investidores americanos desejavam tirar seu dinheiro do Brasil sem as perdas
ocasionadas pela desvalorização, e que eles contavam com o apoio do Tesouro
americano (Sachs, 1999). Os investidores europeus estavam mais envolvidos com a
Argentina, mas o Fundo não lhes estendeu igual benevolência. E, no entanto, em
1998, o Fundo tinha reais preocupações quanto a um possível contágio da crise
financeira internacional (Edwards, 2002). A desvalorização brasileira teria um
grande impacto sobre a Argentina, que poderia ter de abandonar sua âncora fixa,
o que punha em dúvida o sistema de paridade monetária de Hong Kong. Um ataque
especulativo contra o dólar de Hong Kong poderia dar início a um ciclo de
desvalorizações na Ásia com possíveis efeitos danosos às já combalidas
instituições financeiras ocidentais. O Brasil era considerado a última etapa
antes do colapso de todo o sistema (Blustein, 2001). Quanto ao auxílio de
emergência durante a campanha eleitoral de 2002, muitos outros países em
desenvolvimento desejaram que o FMI tivesse por eles a mesma consideração.
Acrescente-se a tudo isso as avaliações externas sobre a competência da equipe
econômica. Enquanto o sistema de paridade monetária argentino encontrou de
pronto muitos defensores em Washington, o FMI avaliou a princípio que o Plano
Real brasileiro era "demasiado impraticável e artificial" (idem:341). Quando o
Plano começou a dar certo, o Fundo, o Tesouro dos Estados Unidos e os
investidores financeiros privados mudaram de opinião sobre o ministro da
Fazenda Pedro Malan e os demais membros da equipe econômica brasileira, que
passaram a ser vistos como capazes de avaliar o momento adequado de tomar a
arriscada decisão de abandonar o câmbio fixo. Já o entra-e-sai de ministros da
Fazenda do governo de De la Rúa causava muita preocupação aos observadores
externos.
Em suma, é justo observar que o tratamento dado pelo Fundo aos dois países foi
de certa forma "politizado" e um tanto sensível às preferências dos principais
governos credores. Ao mesmo tempo, pode-se alegar que o FMI obedece ao preceito
de não emprestar a um país cujos líderes políticos não conseguem se unir em
torno de um plano. Em nossa opinião, o tratamento aparentemente diferente dado
pelo FMI à Argentina e ao Brasil também tem muito a ver com a incapacidade dos
beligerantes políticos argentinos de se unirem em torno de um plano viável. É
razoável dizer que o FMI apoiou o presidente Fernando Henrique em 1998
principalmente porque ele tinha suficiente apoio político interno para lidar
com a crise externa, e que retirou seu apoio a De la Rúa em 2001 somente depois
que seus antigos aliados internos o largaram de mão. Em 2002, os investidores
privados estrangeiros ficaram muito preocupados quando o candidato de Fernando
Henrique à sua sucessão, José Serra, começou a perder pontos nas pesquisas de
intenção de votos, e assumiu a liderança o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da
Silva, que em campanhas presidenciais anteriores se posicionara contra as
reformas de mercado e a favor de uma moratória da dívida externa. Os capitais
externos começaram a retirar-se do país. Contudo, nessa conjuntura, o candidato
Lula comprometeu-se a respeitar qualquer acordo com o FMI firmado pelo governo
que estava saindo. Contrapondo-se à opinião dos mercados financeiros, o FMI
apoiou Lula da Silva, empossado presidente do Brasil em janeiro de 2003, ao
mesmo tempo que relutava visivelmente em apoiar o presidente interino da
Argentina, Duhalde, por ainda não haver no país o necessário consenso político
interno, considerado uma precondição essencial para uma reforma econômica
viável. Somente em setembro de 2003, quando o novo presidente Kirchner começava
a unir o país em torno de seu governo, o FMI abriu uma linha de crédito para a
Argentina.
Diferenças na Estrutura dos Interesses Socioeconômicos
Grande parte da literatura da Economia Política (Frieden e Stein, 2001)
pressupõe que os governos reagem às preferências dos interesses socioeconômicos
de forma quase mecânica. As variações na estrutura das instituições políticas
são relativamente pouco importantes uma vez que se tenha dado conta das
influências políticas da estrutura dos interesses socioeconômicos. Essa
explicação parece útil mas incompleta. Os interesses que podem lucrar com uma
taxa de câmbio fixa, mesmo no contexto de uma substancial sobrevalorização,
incluem os detentores de dívidas contraídas em moeda estrangeira, seus credores
externos e os consumidores com acesso a importações artificialmente baratas. O
setor de bens comercializáveis, inclusive os exportadores e os ramos de
atividade que concorrem com as importações, perdem. A presença desses grupos
nas duas economias é idêntica em 1990. Será que a explicação para a obstinação
argentina em manter o sistema de paridade monetária estaria na forte
preferência da população pelo fim da inflação? No entanto, é razoável presumir
que a preferência antiinflacionária dos brasileiros fosse igualmente intensa.
De fato, parece que os passos tomados pelo governo argentino para reforçar a
credibilidade de seu sistema de paridade monetária aumentaram o "peso" dos
interesses sociais contrários à desvalorização e à transição para um regime de
câmbio flutuante. O incentivo às empresas e aos indivíduos para assumirem
dívidas ancoradas no dólar ou converterem seus depósitos em dólar no exterior
em depósitos denominados em peso nos bancos que operavam na Argentina alterou a
estrutura dos interesses argentinos no sentido de uma preferência pela
manutenção de uma relação fixa entre peso e dólar. Ao assumir grandes dívidas
ancoradas no dólar, o governo federal argentino aumentou sua própria
"determinação" e a credibilidade do seu compromisso de nunca desvalorizar. Os
legisladores criaram intencionalmente os interesses que deram apoio à paridade
monetária. A estrutura dos interesses socioeconômicos na Argentina em fins da
década de 90 explica, em parte, a extrema relutância do país em desvalorizar a
moeda, quanto mais para adotar uma taxa de câmbio flutuante.
Após uma desvalorização forçada, a "guerra de desgaste" tende a prolongar-se se
os interesses socioeconômicos fundamentais estiverem mais propensos a aceitar
os custos de uma longa recessão do que a concordar em compartilhar os
indispensáveis sacrifícios, em termos de renda corrente e de privilégios, em
prol da obtenção do ajuste fiscal necessário para retomar o crescimento
econômico (Alesina e Drazen, 1991). O motivo pelo qual os grupos de interesse
argentinos estariam menos dispostos do que os brasileiros a cooperar na
alocação dos sacrifícios mútuos no presente em favor dos benefícios coletivos
do futuro não é óbvio. Na verdade, a trajetória de crescimento relativamente
mais difícil na Argentina nos últimos anos, seus níveis de desemprego mais
altos do que os brasileiros e suas taxas de juros reais punitivas para a
comunidade empresarial como um todo parecem reduzir a capacidade dos grandes
grupos socioeconômicos de suportar uma recessão futura, tornando-os, portanto,
mais predispostos a transigir na Argentina do que no Brasil.
Mas há uma exceção importante: a prevalência, na Argentina, da propriedade
estrangeira no segmento dos bancos de varejo e nas empresas de serviços
públicos privatizados, ao passo que no Brasil predomina a propriedade nacional.
Os investidores diretos estrangeiros provenientes de países poderosos tendem a
exercer, nos países em desenvolvimento, uma influência que é não raro maior que
a dos capitalistas nacionais. A diferença pode estar no fato de que os
capitalistas estrangeiros na Argentina (em comparação com a maioria dos
capitalistas brasileiros no país vizinho) possuem outros interesses globais e
têm acesso a recursos não argentinos. Dadas essas circunstâncias, pode-se supor
que eles constituam um grupo cujo interesse no adiamento de um ajustamento pós-
desvalorização, na esperança de desgastar os demais participantes e obter
melhores condições no final, é uma estratégia racional.
A abordagem da Economia Política explica, em parte, a relativa incapacidade da
Argentina para aceitar a desvalorização e chegar a um consenso sobre um
ulterior programa de reformas. A presença de agentes internos endividados em
moeda estrangeira e de capitalistas estrangeiros como importantes atores no
jogo político nacional da Argentina parece adicionar um complicador objetivo ao
processo de negociação de um acordo entre os vários setores interessados.
Contudo, é difícil ignorar o papel desempenhado pela inimizade pública
demonstrada entre os presidentes argentinos e os aspirantes ao posto, inclusive
Alfonsín, Menem e Duhalde, no adiamento e no súbito abandono das negociações.
Parece conveniente examinar os incentivos criados pelas diferentes formas de
estruturação das instituições políticas na Argentina e no Brasil.
Diferenças nas Instituições Nacionais de Tomada de Decisões
Embora o padrão nacional de tomada de decisões econômicas da Argentina envolva
um número limitado de policy players, vários deles detêm um efetivo poder de
veto. Os chefes do poder Executivo não precisam fazer consultas amplas quando
formulam decisões importantes de política econômica e podem agir de modo
autocrático. Contudo, há participantes específicos cujo apoio se faz
necessário. Já o processo decisório no Brasil tem um caráter disperso,
participativo e mesmo aparentemente caótico que, ainda assim, admite uma boa
margem de independência do Executivo. As decisões incluem muitos participantes,
e um presidente sábio deve buscar a participação de todos no processo de
formulação de políticas públicas. Mas poucos desses atores podem criar
obstáculos a uma importante proposta de política quando agem sozinhos: são
raros os atores com verdadeiro poder de veto. Todos os atores que participam do
processo decisório no Brasil acreditam que a formação de coalizões é de seu
interesse por causa dos incentivos proporcionados pelas tão criticadas
instituições políticas do país (Palermo, 2000).
A Argentina possui um antigo sistema de dois partidos políticos dominantes.
Tanto os radicais quanto os peronistas foram "partidos fortes" que se
consideravam "movimentos" que representavam a "nação" (McGuire, 1995:200). Mark
P. Jones nota que entre os pontos fortes da democracia argentina incluem-se o
sistema bipartidário dominante, a disciplina partidária "entre moderada e alta"
no comportamento parlamentar e uma estrutura federativa que permite uma
limitada autonomia local (Jones, 1997:261-262). Um chefe do poder Executivo que
tem o apoio do seu partido no Legislativo está numa situação privilegiada para
conseguir aprovar inovações de política econômica, principalmente quando seu
partido controla a Câmara dos Deputados e o Senado. Essa era a situação de
integração entre Estado e partido [state-with-party condition] (Corrales,
2002b) que imperava quando Menem e o Congresso argentino aprovaram a Lei de
Conversibilidade, em abril de 1991, e outras reformas de mercado. Menem
utilizou-se do controle do Partido Justicialista no Congresso para aprovar a
Lei de Reforma do Estado e a Lei de Emergência Econômica, que sancionava o uso
de decretos emergenciais do Executivo para fazer passar a legislação de reforma
econômica. O presidente Menem comportou-se de modo "autoritário" para superar
possíveis resistências, agindo de forma rápida e determinada, antes que a
potencial oposição às mudanças na política pudesse se unir. Na Argentina, os
decretos presidenciais são "mecanismos destinados a concentrar a autoridade
decisória nas mãos do presidente, marginalizando o papel do Legislativo e dos
partidos políticos" (Oxhorn, 2002). Não obstante, partidos políticos
disciplinados e programáticos implicam que o partido do presidente detém um
poder de veto sobre qualquer iniciativa proveniente do poder Executivo. Se uma
fração significativa do partido governante deixa de apoiar o presidente, pode
obstruir as iniciativas do Executivo, conforme aconteceu com Menem perto do
final de seu mandato. Além disso, se o partido do presidente não controla as
duas Casas do Congresso argentino, ou se uma de suas facções lhe faz oposição,
um partido oposicionista também pode atuar como um veto player.
Grupos de interesse organizados no plano nacional também podem agir como veto
players, quando se trata de políticas específicas6. Em conseqüência da crise
cambial e financeira, dois interesses econômicos se organizaram nacionalmente.
Os bancos privados e os consumidores-cidadãos mobilizaram, durante todo o ano
de 2002, uma capacidade de veto sobre as medidas governamentais relativas à
política fiscal pós-desvalorização. Tanto os depositantes quanto os bancos
comerciais, em aliança com as empresas estrangeiras de serviços públicos,
recusaram-se a arcar com a parte dos custos coletivos do ajustamento que a
administração Duhalde tentou imputar-lhes.
O poder dos governadores argentinos se exerce por intermédio de sua liderança
nos dois poderosos partidos nacionais: os peronistas e os radicais. Por outro
lado, não se resolveu o problema da repartição dos custos do ajustamento. As
províncias emitiram suas próprias moedas para pagar o funcionalismo público e
os aposentados. No início de 2003, os títulos provinciais representavam 25% da
moeda em circulação (Buenos Aires Herald, 14/3/2003). O Judiciário federal é
tanto um veto player quanto um poderoso aliado para uma coalizão oposicionista.
Por isso, os setores contrários aos planos de ajuste fiscal pós-desvalorização
procuraram a ajuda do poder Judiciário. A decisão da Suprema Corte declarando
ilegal o ato do governo Duhalde de tornar obrigatória a conversão dos depósitos
bancários em pesos é outro exemplo da continuação da "guerra de desgaste" em
torno do ajuste pós-desvalorização que debilitou a Argentina (The Economist, 8/
3/2003, "Defaulter of Last Resort"). Em resumo, a polarização tornou
aparentemente impossível resolver o conflito distributivo posterior à
desvalorização e, na opinião de alguns, poderia levar a uma solução extra-
institucional (Oxhorn, 2002). Quinze meses após a desvalorização com moratória,
a batalha sobre a distribuição das perdas imediatas ainda persistia, enquanto
as negociações sobre os custos da reconstrução de um pacto social viável não se
tinham iniciado. A solução milagrosa que determinaria como administrar o ajuste
fiscal exigido sem aumentar a desigualdade econômica e sem comprometer a rede
de seguridade social ainda está para ser encontrada.
Observadores da política brasileira geralmente concordam que há numerosos
policy players com influência nas mudanças políticas realizadas por intermédio
do Legislativo. Em comparação com a Argentina, os grupos de interesse
brasileiros são mais fracos, menos disciplinados, mais inclinados a favorecer
objetivos regionais em detrimento de preocupações setoriais coletivas e
representam menos indivíduos ou setores sociais (Mainwaring e Shugart, 1997;
Ames, 2001). Contudo, eles têm um papel nas decisões e podem retaliar se não
forem consultados. Os lobistas dos setores dos laticínios e do açúcar, os
empregados do Banco do Brasil, os governadores e os prefeitos das capitais,
todos têm forte presença em Brasília e consideram parte de suas funções deixar
claro a todos os parlamentares, qualquer que seja sua filiação partidária,
quais são suas políticas prioritárias. Mas nenhum deles exerce um poder de
veto. Todos os atores envolvidos na formulação de políticas reconhecem que não
são indispensáveis e por isso buscam formar coalizões para evitar ser excluídos
de barganhas factíveis. Uma dinâmica semelhante se aplica ao federalismo
brasileiro (Montero, 2000; Samuels, 2001). Os governadores têm poder mas nenhum
deles pode fazer ou desfazer uma coalizão política. O Judiciário federal também
é um participante influente nas decisões e aquele a quem os outros atores
recorrem para construir uma coalizão contrária aos projetos do Executivo. Mas o
poder Judiciário não pode vetar políticas desejadas por uma maioria do
Legislativo, tão-somente adiá-las. O Brasil possui um sistema político muito
pluralista e descentralizado. O da Argentina é menos pluralista e mais
centralizado.
O processo decisório no Brasil é inclusivo. Até o uso de medidas provisórias
para introduzir leis é interpretado por alguns participantes e observadores do
processo de tomada de decisões no Brasil como outro exemplo das negociações em
curso entre o Executivo e o Congresso visando à formação de amplas coalizões
(Amorim Neto e Tafner, 2002). É também uma oportunidade para fazer experiências
com leis antes de submetê-las ao longo e oneroso processo de debate e múltiplas
votações nas duas Casas do Congresso. Essa fina habilidade dos brasileiros para
a perpétua conciliação, cujas raízes se encontram na estrutura institucional
tradicional, pode ser decisiva para a resolução dos problemas gerados pelas
crises cambiais e pelo difícil ajuste posterior. O presidente Lula e seu
partido, tal como seus antecessores, têm recorrido a consultas e à formação de
coalizões. Por exemplo, na tentativa de dar seqüência à sua agenda de reformas
tributária e da previdência social, este governo convocou uma reunião de
governadores em Brasília, a que se seguiu uma consulta a autoridades municipais
que contou com a participação de 2 mil prefeitos (Fleischer, 2003).
A formulação da política econômica na Argentina oscila entre uma excessiva
centralização, autonomia e capacidade de resolução ' quando os principais
atores com poder de veto estão do lado do presidente ' e, no extremo oposto, um
processo decisório polarizado, imobilista e disfuncional ' quando um ou mais
atores com poder de veto se opõem ao chefe do Executivo. No Brasil, o
compromisso e a conciliação continuam sendo a norma na formulação de políticas.
A crise financeira argentina aumentou o número de atores envolvidos na decisão
de políticas, mas não diminuiu a influência dos grupos com poder de veto. A
classe trabalhadora sindicalizada perdeu força, mas os empresários ganharam
influência devido à grande concentração da propriedade num pequeno número de
grandes conglomerados. A classe média, usada como peão no jogo da "destruição
mutuamente assegurada" empreendido pelos dois principais partidos, conquistou
voz própria. Os depositantes e aposentados tomaram as ruas para obrigar o
Congresso e os tribunais a ouvir suas exigências. O capital estrangeiro, que se
manteve distante durante a maior parte do ciclo industrial do pós-guerra,
retornou na década de 90 para vingar-se. Ele hoje controla a maior parte das
empresas de serviços públicos e uma grande fatia do setor bancário. A Argentina
pode estar ingressando em um ambiente decisório nacional ' muitos atores
envolvidos na formulação de políticas e também muitos grupos com poder de veto
' no qual as iniciativas do Executivo ficam freqüentemente paralisadas.
CONCLUSÕES
Consideramos três possíveis explicações políticas para o fato de os presidentes
brasileiros terem se saído melhor que os argentinos das crises cambiais por que
passaram seus respectivos países. Com respeito à primeira, o Brasil teve a
sorte de sofrer a crise de 1998-1999 no quadro geral do "contágio" financeiro
internacional, mas o FMI e o Tesouro americano avaliaram que a desvalorização e
a moratória da Argentina, três anos mais tarde, não teriam efeitos devastadores
para as nações vizinhas. Não obstante isso, concluímos que o tratamento dado
pelo FMI à Argentina não foi nem incoerente com seus preceitos nem
dessemelhante ao que normalmente concede à maioria dos demais países, inclusive
o Brasil. Como explicação para os diferentes resultados observados nos dois
casos, consideramos inconvincente a alegação de um comportamento político
internacional tendencioso do Fundo.
Quanto à segunda explicação, reconhecemos que um efeito do sistema de paridade
monetária argentino, em contraste com as lentas minidesvalorizações cambiais
brasileiras, foi criar novos interesses socioeconômicos que sairiam perdendo em
toda e qualquer ocorrência de desvalorização. Isso tornou ainda mais difícil
para um presidente democrático optar por essa solução. Mas nos perguntamos por
que o sistema de paridade monetária foi projetado ' e conscientemente reforçado
' dessa maneira, dado que outras formas tecnicamente viáveis, mas mais
flexíveis, seriam possíveis (Bresser-Pereira e Nakano, 2002).
A terceira explicação parece-nos mais convincente, qual seja, o exame das
instituições que compõem o ambiente decisório com que se deparou o chefe do
Executivo de cada um dos países. Uma grande mudança na política econômica, como
é o caso das desvalorizações, envolve considerável risco político. Não é
possível haver um acordo prévio sobre qual deveria ser a nova taxa de câmbio,
nenhuma consulta, nenhum debate franco com os políticos eleitos. É um momento
de teste para as instituições democráticas. Em relação à capacidade da
sociedade para lidar com situações de crise, Corrales afirma que em
"democracias fracas" (possivelmente o caso da Argentina) "há uma maior
polarização dos cidadãos" e uma "proliferação de sentimentos anti-
establishment" (Corrales, 2002a). Os problemas inerentes ao funcionamento dessa
estrutura decisória talvez tenham levado Menem e seus principais assessores a
adotar, no início da década de 90, a âncora cambial fixa em seu programa de
estabilização, da forma mais rigorosa possível, a fim de aumentar sua
"credibilidade" perante os investidores. Infelizmente, a estratégia de
aprisionamento (lock-in) exigida para tornar viável a estabilização e para
convencer os credores estrangeiros só é confiável se todos os atores envolvidos
na decisão entenderem que há custos políticos implícitos em fazer mudanças.
Estas escolhas assombraram os legisladores argentinos quando, em fins da década
de 90, outras políticas econômicas nacionais e estrangeiras se tornavam cada
vez mais distorcidas para sustentar o sistema de paridade monetária. Em nosso
modelo sobre a capacidade de um país para formar uma coalizão vencedora a fim
de obter a aprovação de medidas econômicas, o "hiperpresidencialismo" argentino
representa uma situação oposta à das instituições políticas brasileiras,
consideradas "desorganizadas" e "ineficazes". Nelas, há muitos atores
envolvidos na formulação de políticas, mas poucos têm poder de veto.
Possivelmente, apenas a maioria do Legislativo é um veto player, e organizá-la
é pelo menos tão difícil para a oposição quanto para o presidente.
Os dois casos analisados neste artigo ilustram a importância das instituições
políticas na produção de sinais propícios à construção da confiança necessária
à estabilidade do mercado. O Brasil se mostra como um modelo de estabilidade.
Mas essa vantagem é frágil. Deve-se recordar que em 1992, quando o presidente
Collor estava sendo investigado em processo de impeachmente a inflação atingia
30% ao mês, a Argentina representava para o mundo e para o FMI um ideal de boa
governança e economia sólida. Assim, um sistema partidário "robusto", como o
argentino, pode produzir decisões mais rápidas e firmes quando o partido
dominante cerra fileiras em torno do presidente. No entanto, com o passar do
tempo, esse apoio firme pode resultar numa diminuição da capacidade de negociar
e ceder. No Brasil, a habitual capacidade de adaptação salvou novamente o país
da crise.
NOTAS
1. O Tratado de Maastrich, de 1991, obrigou os Estados membros da União
Européia que desejassem aderir à União Monetária Européia ' UME a manter
déficits orçamentários não superiores a 3% do PIB e uma relação PIB/dívida
pública de até 60%. Em anos recentes, os atores financeiros privados foram bem
menos complacentes com a falta de disciplina fiscal da América Latina.
2. Após a renúncia de De la Rúa, Ramón Puerta, presidente do Senado, tornou-se
presidente interino. Após uma sessão de 15 horas, o Congresso, dominado pelos
peronistas, escolheu para a Presidência da República Adolfo Rodriguez Saa, que
também renunciou em 30 de dezembro e foi substituído por Ramón Puerta. No dia
seguinte, Puerta cedeu o posto a Eduardo Camano, o peronista presidente da
Câmara dos Deputados. Camano, então, "transferiu" a posição a Eduardo Duhalde,
que o tempo todo vinha agindo na sombra.
3. Cogitando sobre esses problemas, partimos de importantes pressuposições.
Primeira, que a diferença não está na qualidade dos economistas ou dos
especialistas técnicos dos dois países: todos têm suficiente competência nesta
área. Segunda, não consideramos que a magnitude das crises puramente econômicas
seja muito diferente na Argentina e no Brasil. O fato de a Argentina ter
declarado a moratória da dívida externa quando procedeu à desvalorização
complicou sua situação, mas não a ponto de tornar os desafios econômicos
incomparáveis. Terceira, a qualidade da liderança presidencial variou nos dois
países. Apesar disso, não atribuímos a esse fator a causa das substanciais
diferenças observadas nos dois países. Antes, nosso foco recaiu sobre o
ambiente político dentro do qual o chefe do Executivo de cada país tinha de
atuar.
4. "A reestruturação de dívidas soberanas insustentáveis tornou-se mais difícil
a partir da década de 80, com a mudança dos empréstimos de grupos de bancos
para a emissão de títulos. Os credores tornaram-se mais numerosos e diversos,
criando problemas de coordenação, ação coletiva e equilíbrio entre credores,
quando a reestruturação se torna necessária. Com 88 emissões de títulos
circulando em cinco jurisdições legais, a Argentina é um bom exemplo" (ver
Krueger, 2002).
5. Na Argentina, o alto grau de polarização dos grupos de interesse e a falta
de confiança são, de acordo com Ducatenzeiler e Oxhorn (1994:43), razões que
contribuem para explicar por que a política pode ser vista como um jogo de soma
zero.