Executivo, legislativo e sindicatos na reforma previdenciária Argentina
INTRODUÇÃO
Aprodução acadêmica sobre poder sindical é tributária de duas grandes
tradições: 1) o pluralismo e 2) o corporativismo. A tradição pluralista trata o
poder como atributo intrínseco dos atores sociais (coletivos ou individuais).
No caso das organizações sindicais, o pluralismo enfatiza recursos como
capacidade de mobilização, número de afiliados, concentração espacial,
patrimônio financeiro etc. Na tradição corporativista, ao contrário, o poder
deixa de ser resultado de atributos próprios das organizações e passa a
depender das características particulares do sistema de intermediação de
interesses (Almeida, 1998). Neste caso, os estudiosos dedicam sua atenção a
variáveis como grau de centralização, monopólio de representação, modalidades
de recrutamento etc.1 A tradição de estudos sindicais na América Latina foi
fortemente influenciada por esta segunda vertente. Entretanto, a amplitude de
arranjos político-institucionais que podem ser classificados como
corporativistas colocou aos estudiosos do sindicalismo latino-americano a
necessidade de se definir, com maior precisão, as especificidades que esses
sistemas assumem em diferentes países da região, ou mesmo, em contextos
históricos distintos de um mesmo país.
Ruth Collier e David Collier (1979), por exemplo, argumentam que o
corporativismo não deve ser tratado como uma variável dicotômica (presente ou
ausente), mas sim como uma variável contínua, em que é possível observar
diferentes graus de corporativismos. No modelo analítico proposto por esses
autores, é de fundamental importância distinguir se o Estado se limita a
controlar e subordinar os sindicatos ou se também promove uma política de
incentivo e fortalecimento da organização sindical (inducements versus
constraints)2. Igualmente preocupado com a variedade de arranjos que podem ser
classificados sob o genérico rótulo de corporativismo, Alfred Stepan (1980)
distingue entre corporativismo inclusivo e exclusivo. No primeiro caso,
mediante promoção de políticas redistributivas e de bem-estar social, o Estado
incorpora os grupos de interesse ao sistema político e econômico. No segundo
caso, ao contrário, por meio de medidas coercitivas, o mesmo atua no sentido de
excluir os grupos de interesse. Assim como a distinção proposta por Collier e
Collier (1979) sobre os mecanismos de incentivos e constrangimentos presentes
nos arranjos corporativistas, a formulação de Stepan (1980:102) não é
dicotômica. Segundo este autor, as políticas inclusivas e exclusivas devem ser
entendidas como dois "pólos" ao redor do qual gravita a relação Estado-
sociedade.
Nos últimos anos, a emergência de novas formas de relacionamento entre Estado e
grupos de interesse reacendeu a preocupação dos estudiosos latino-americanos
sobre os arranjos políticos corporativos3. No entanto, cumpre observar que os
estudos recentes têm enfatizado muito mais a interação sindicalismo-governo do
que a relação sindicato-Estado. Esta mudança de foco é importante, pois chama a
atenção para o padrão negociado de implementação de mudanças, mais do que para
a mera subordinação ou cooptação dos grupos de interesse pelo aparelho
estatal4.
Com efeito, uma variada gama de estudos já demonstrou que, sem que houvesse
mudanças significativas no sistema de intermediação de interesses, em algumas
áreas setoriais das reformas, os governos foram mais suscetíveis à inclusão do
sindicalismo no processo decisório do que em outras (Almeida, 1998; Cheibub e
Locke, 1999; Etchemendy e Palermo, 1998). Sendo assim, considero que, para
responder a questão do porquê os governos decidem negociar com as entidades
sindicais, além de analisar as características particulares do sistema de
intermediação de interesses, é necessário investigar o perfil dos arranjos
político-institucionais que delimitam a participação sindical no processo
decisório das reformas5.
Em um conhecido estudo comparativo sobre a reforma dos programas de seguro
social de saúde na França, Suécia e Suíça, Ellen Immergut (1996) demonstrou que
a mudança de uma determinada política exige uma sucessão de votos afirmativos
em diferentes instâncias de decisão (decision points). Portanto, governos
empenhados em promover reformas devem reunir votos favoráveis e reafirmar sua
posição nas diferentes instâncias decisórias do processo reformista6. Nessa
perspectiva, a análise dos procedimentos formais que definem as regras do jogo,
bem como a composição partidária de cada uma das instâncias de decisão, é de
fundamental importância para entendermos as possibilidades abertas para os
grupos de interesse intervirem nos processos de mudança das políticas públicas.
Na mesma linha de argumentação, mas deslocando o foco da análise das instâncias
de veto para os atores com capacidade de veto, Tsebelis (1997) fez uma
importante contribuição à análise institucional ao demonstrar que a
estabilidade ou mudança das políticas varia de acordo com o número de veto
players, o grau de congruência entre eles (a diferença entre suas posições
políticas) e sua coesão (a similaridade das posições políticas das unidades que
constituem cada um deles). De acordo com esse modelo analítico, as mudanças
terão menores chances de serem bem-sucedidas nos arranjos institucionais nos
quais há um grande número de atores com capacidade de veto, alto grau de coesão
e baixo grau de congruência. Inversamente, as mudanças terão maiores chances de
serem implementadas onde há um pequeno número de veto players, com baixa coesão
e alta congruência7. Neste ponto, cumpre destacar que, tanto Immergut (1996)
quanto Tsebelis (1997) concentram a análise na lógica do processo decisório. Os
grupos de interesse são tomados como atores externos às instâncias de decisão.
Esses autores não tratam da possibilidade de os grupos de interesse contarem
com representantes no interior das arenas decisórias8.
Neste artigo, todavia, lançarei mão das noções de instância de veto e de atores
com capacidade de veto para estudar a implementação de mudanças em contextos
político-institucionais em que os grupos de interesse possuem representantes no
interior do próprio processo decisório da reforma, mais precisamente na arena
legislativa. Como veremos, faz diferença se as entidades sindicais possuem
representantes localizados em instâncias decisórias do processo reformista, ou
apenas exercem pressão sobre os atores com poder de veto institucional. Essas
situações não são excludentes; entretanto, a primeira alternativa aumenta a
probabilidade de organizações sindicais serem incluídas em um processo
negociado de reforma da previdência.
O PRIMEIRO PROJETO DO EXECUTIVO ' JUNHO DE 1992
Em 5 de junho de 1992, o governo Menem enviou à Honorable Cámara de Diputados
de la Nación seu primeiro projeto de reforma da previdência. Tratava-se de uma
reforma estrutural do sistema previdenciário argentino. A exemplo da
experiência chilena, a proposta inicial era transferir do Estado para a
iniciativa privada o papel de principal agente na provisão de benefícios
previdenciários (Alonso, 1998; 2000; Ghilarducci e Liébana, 2000). A
justificativa para a reforma era a profunda crise vivida pelo regime público de
repartição, manifesta na incapacidade de autofinanciamento do regime, nos
baixos benefícios pagos aos aposentados, no persistente déficit previdenciário,
na iniqüidade no pagamento dos benefícios e na ineficiência estatal na
administração dos recursos arrecadados (HCDN, 1993a).
O principal apelo do projeto era a possibilidade de recompor os benefícios
previdenciários aos níveis estabelecidos em lei. Segundo Menem, a reforma
permitiria o aumento imediato das aposentadorias: "Tão logo o Congresso
sancione os projetos de reforma da previdência e de privatização da YPF
[Yacimientos Petrolíferos Fiscales], todos os aponsentados passarão a receber
82% do salário da ativa. No entanto, qualquer mudança improvisada nestes
projetos será objeto de veto presidencial e ficaremos sem lei, sem reforma e
sem solução para os aposentados" (Ámbito Financiero, 3/6/1992:3, tradução do
autor).
O governo Menem tentava impor à reforma previdenciária o estilo "decisionista"
que havia sido uma das principais marcas dos seus primeiros anos de mandato
(Matsushita, 1999; Palermo, 1998; Torre e Gerchunoff, 1999). No entanto, ao
contrário das reformas que a antecederam, a reforma da previdência implicaria
um amplo processo de negociação envolvendo o Executivo, o Legislativo e
diversos grupos de interesse. O prenúncio da forte oposição que a reforma do
sistema previdenciário sofreria no Congresso argentino foi sintetizado na
reação indignada do deputado da Unión Cívica Radical ' UCR, Raul Baglini: "em
nenhuma hipótese aceitaremos a chantagem do Presidente da República, que
decidiu tomar os aposentados como reféns para forçar a privatização do sistema
previdenciário e o leilão da YPF". Após semanas afirmando que não é possível
conceder aumento aos aposentados, o presidente volta a mentir quando diz que é
necessário votar os referidos projetos para aumentar os benefícios
previdenciários e instala uma falsa confrontação entre o Congresso e os
aposentados (Ámbito Financiero, 4/6/1992, tradução do autor).
A iniciativa do Executivo também fue una bomba para a bancada justicialista. A
complexidade técnica e alta visibilidade política da reforma colocavam os
deputados peronistas em uma situação pouco confortável para aprová-la sem um
debate prévio de suas conseqüências econômicas, políticas e sociais (Nino,
2003). Assim, não obstante as pressões por uma rápida aprovação, a apreciação
do projeto de reforma previdenciária passou por um moroso e acirrado debate nas
comissões de Previsión y Seguridad Social ' PySS e Presupuesto y Hacienda '
PyH. Nos quase dois anos de trâmite legislativo, a discussão parlamentar contou
com a participação de entidades representativas de trabalhadores, empresários,
associações de aposentados e diversos especialistas na área previdenciária
(Isuani e San Martino, 1993). A resistência à introdução do sistema de
capitalização partiu, sobretudo, dos deputados radicais e da bancada sindical
peronista. Os opositores da reforma apresentaram quatro críticas centrais ao
projeto do Executivo.
A primeira referia-se à desvinculação do sistema previdenciário do conceito de
seguridade social. Os partidários dessa crítica argumentavam que o regime de
capitalização se enquadrava no sistema de poupança, e não no sistema de
seguridade social, o qual teria como objetivo oferecer proteção também àqueles
que, durante sua vida ativa, não desenvolveram capacidade de poupança
(Armendáriz, 1996). A segunda, à ausência de um estudo preliminar sobre os
custos de administração do novo sistema. O projeto enviado pelo Executivo não
estabelecia teto para as taxas de administração a serem cobradas pelas
administradoras de fundos de pensão. Neste caso, os legisladores alertavam para
o risco de "cartelização" do mercado previdenciário. A terceira referia-se à
falta de mecanismos de reconhecimento das contribuições recolhidas ao regime
antigo. Conforme o projeto enviado pelo Executivo, todos os menores de 45 anos
seriam compulsoriamente transferidos para o regime de capitalização, mas o
processo de transição de um regime para o outro não previa o reconhecimento dos
aportes passados. A adoção de tal medida representaria uma perda significativa
para os trabalhadores com idade próxima à linha de corte (45 anos). Finalmente,
no que diz respeito à capacidade de regulamentação estatal, os opositores da
reforma alegavam que não havia motivos para crer que o Estado ' considerado
ineficiente para administrar o sistema público ' seria eficiente na supervisão
do sistema privado. A essa crítica agregavam a incompatibilidade da
administração privada vis-à-viso disposto constitucional que estabelecia a
organização de entidades nacionais e provinciais de seguro social
"administradas pelos segurados com participação estatal" (HCDN,2004, tradução
do autor). Além das críticas, a proposta de reforma previdenciária defendida
pelo Executivo suscitou a apresentação de projetos alternativos nas comissões
de PySS e PyH. Os que receberam maior atenção, no debate político e acadêmico,
foram os projetos apresentados pela UCR e pelo Consejo Federal de Previsión
Social ' Cofepres.
PROJETOS ALTERNATIVOS
O projeto alternativo apresentado pela UCR propunha uma reforma paramétrica do
sistema previdenciário argentino. Entre outras coisas, previa a criação de um
organismo de participação dos filiados na administração do sistema, denominado
Assembléia (Asamblea), que teria a responsabilidade de analisar a situação
econômica e financeira do sistema e a gestão administrativa do novo regime de
repartição9. Os afiliados ao sistema também elegeriam um corpo de
representantes para a Comisión Asesora de la Secretaría de Seguridad
Social,encarregada de formular propostas e projetos na área de previdência
social e encaminhá-las às autoridades competentes. Os integrantes da Assembléia
seriam eleitos pelos Centros de Jubilados y Pensionados e se reuniriam
anualmente mediante a convocação da Secretaría de Seguridad Social.
O modelo previdenciário proposto pela UCR unificaria os regimes dos
trabalhadores autônomos e aqueles em relação de dependência (a adesão das
províncias seria facultativa). O sistema seria financiado pela contribuição de
10% do salário dos trabalhadores em relação de dependência, 16% dos
empregadores e 26% da renda dos trabalhadores autônomos. A aposentadoria por
idade seria aos 65 anos para os homens e aos 60 para as mulheres, com 20 anos
de contribuição. A aposentadoria por invalidez seria concedida somente aos
trabalhadores que estivessem total y permanentemente impossibilitados de
exercer suas atividades profissionais. Os benefícios pagos pelo sistema
estariam situados entre 40% e 82% do salário recebido em atividade, a depender
dos anos de contribuição dos trabalhadores. O projeto também estabelecia um
teto de 10 vezes o benefício mínimo da aposentadoria ordinária. Finalmente, a
reforma estabelecia um benefício básico universal por idade a todos os
argentinos com mais de 70 anos e às pessoas incapacitadas com mais de 15 anos.
O projeto alternativo apresentado pelo Cofepres, órgão integrado por organismos
previdenciários provinciais, também defendia a manutenção do regime público de
repartição, o qual seria suplementado por um regime de capitalização
voluntário. Esse projeto previa o aumento imediato da idade mínima para 65
anos, no caso dos homens, e 60 anos, para as mulheres. Também aumentava a idade
de contribuição para 25 anos. O benefício previdenciário seria determinado em
2% por cada ano de contribuição, atualizados dentro dos últimos 10 anos de
serviço, e seu teto seria de 3 mil pesos. Os benefícios seriam móveis,
reajustados no prazo de 30 dias após o aumento dos salários dos trabalhadores
ativos. O Estado não teria obrigação de assegurar um benefício mínimo. As
aposentadorias por idade avançada deixariam de ser concedidas, e aquelas por
invalidez seriam outorgadas apenas no caso de incapacidade total e permanente
para o trabalho. No que se refere às pensões, o valor pago estaria condicionado
ao número de dependentes: 50% do benefício, em caso de um único dependente;
67%; 75%; e 80% no caso de dois, três e quatro, respectivamente.
Neste primeiro momento, sem um projeto próprio, a posição da Confederación
General del Trabajo ' CGT-RA era muito próxima daquela defendida pela oposição
ao governo justicialista, qual seja, uma reforma paramétrica do sistema
previdenciário, cujas principais medidas seriam o aumento da idade da
aposentadoria e do tempo de contribuição (MTSS, 1992). No início do trâmite
legislativo da reforma, a bancada de deputados sindicalistas aliou-se aos
deputados de oposição para obstruir a tentativa de o Executivo obter um visto
bueno para o projeto enviado ao parlamento argentino. Essa dissidência do bloco
sindical peronista ficou conhecida como Alianza Sindical-Radical. A
possibilidade de realizar alianças ad hoccom setores de oposição dentro do
Congresso aumentou o poder de barganha da CGT-RA no jogo da reforma
previdenciária. De um lado, os deputados sindicalistas aliaram-se à oposição
para bloquear o trâmite legislativo da reforma; de outro, intensificou-se a
mobilização sindical por mudanças na política econômica do governo Menem.
A AMEAÇA DE GREVE DE JULHO DE 1992
Em 1º de julho de 1992, um mês após o envio do projeto de reforma
previdenciária ao Congresso, o Comité Central Confederal da CGT-RA anunciou o
primeiro chamado de paro general no governo Menem. A ameaça de greve marcava o
início de um período de crescentes dificuldades para manter o apoio sindical à
política de reformas estruturais implementada no País. O indicativo de greve,
anunciado em 28 de julho, coincidia com o prazo que o Executivo havia dado ao
Legislativo para aprovar a reforma da previdência. Não por acaso, a rejeição à
reforma tornou-se uma das principais bandeiras da paralisação. No mesmo
período, a CGT-RA orientou o bloco sindical na Câmara dos Deputados a postergar
o tratamento da reforma previdenciária até que os sindicatos apresentassem um
projeto alternativo (Ámbito Financiero, 2/7/1992:17). A reforma da previdência
também se tornou um dos elementos centrais nas negociações para suspender o
chamado de greve geral. Em meados de julho, o jornal Ámbito Financiero
anunciava que o governo Menem havia rejeitado a proposta da CGT-RA de suspender
a greve em troca do arquivamento do projeto de reforma do sistema
previdenciário argentino.
Diante dos boatos de que o governo estaria negociando um novo "pacto negro" com
o sindicalismo, Menem veio a público anunciar que o decreto da produtividade, a
desregulamentação do sistema de obras sociales e a privatização do sistema
previdenciário não seriam negociados10. Ademais, orientou seu gabinete a deixar
claro, para toda a sociedade, que "A reivindicação da CGT-RA é para a cúpula
sindical, não para os trabalhadores" (Clarín, 17/7/1992:3, tradução do autor).
Ainda que na mídia Menem radicalizasse seu discurso em relação aos seus velhos
aliados do movimento sindical, nos bastidores representantes do governo e da
CGT-RA trabalhavam para encontrar uma solução para a crise instaurada.
Menem designou seus principais ministros para negociar com a direção da CGT-RA,
entre eles Domingo Cavallo (Economia), Rodolfo Díaz (Trabalho) e Julio César
Aráos (Saúde e Ação Social). Entre as concessões a serem oferecidas estavam a
criação de uma comissão para estudar as mudanças no sistema de obras sociales,
a emissão de um bônus estatal para liquidar as dívidas desse sistema e a
convocação do Consejo del Salario, la Productividad y el Empleo. Em troca, o
governo exigia a assinatura de uma cláusula de paz social, na qual a CGT-RA se
comprometia a apoiar o projeto de reforma da previdência e não exercer medidas
de fuerza em um período de três anos.
A direção da Central considerou a proposta inaceptable. Segundo os dirigentes
da CGT-RA, a cláusula de paz social seria uma carta blancapara o governo. Em 16
de julho de 1992, a direção cegetista comunicou ao então ministro do Trabalho,
Rodolfo Díaz, que nos próximos dias seria definida a data da greve geral
(Clarín, 17/7/1992:3). A ameaça da CGT-RA surtiu efeito. Avaliando o impacto
negativo da greve sobre o programa de estabilização econômica que começava a
dar seus primeiros sinais positivos, o governo Menem abriu uma nova rodada de
negociações com a Central. O próprio ministro da Economia, Domingo Cavallo,
principal artífice do Plan de Convertibilidad, foi designado para oferecer um
novo pacote de concessões aos dirigentes sindicais.
O acordo representou um recuo importante em relação à postura intransigente
assumida pelo governo Menem no início do conflito. Pontos até então
considerados fora da pauta de negociação foram incluídos no protocolo assinado
pelos dirigentes da CGT-RA e o ministro da Economia. Entre as principais
concessões figuravam a revisão do decreto que vinculava os aumentos salariais à
produtividade, o repasse direto dos recursos das obras sociales para os
sindicatos, a emissão de títulos públicos para pagamento da dívida do sistema
de obras sociales, o fim da transferência compulsória dos menores de 45 anos
para o regime de capitalização e um aumento emergencial para as aposentados.
A seguir os principais pontos da ata assinada por representantes da CGT-RA e do
governo:
1. Negociação Coletiva ' compromisso de buscar a sanção do projeto de lei de
negociação coletiva, contemplando os interesses e os princípios dos atores
sociais. Com a sanção da lei, será permitida a negociação coletiva entre as
partes e serão ampliados os critérios para negociação salarial dentro do marco
da estabilidade, eqüidade e justiça social. Da mesma forma, serão contemplados
mecanismos de participação e consulta à Confederación General del Trabajo para
a regulamentação da referida lei;
2. Sistema de Arrecadação ' a arrecadação será feita mediante o sistema de
boleto bancário, em uma única operação de pagamento. O boleto da Administración
Nacional de la Seguridad Social ' Anses e o de cada obra social serão
separados, o da Anses será acompanhado de um talão de informações. O boleto das
obras sociales será confeccionado de forma que permita o processamento de dados
magnéticos. Os depósitos serão diretos nas contas das obras sociales, sem conta
intermediária. A fiscalização e execução dos aportes e das contribuições
estarão a cargo das obras sociales;
3. Obras Sociales ' compromisso de estabelecer mecanismos de participação e
consulta para reformar o sistema de obras sociales. A reforma deve contemplar a
reestruturação do sistema, a garantia das prestações, o equilíbrio financeiro,
a eficiência administrativa e o princípio de solidariedade;
4. Passivo das Obras Sociales e Planos de Vivienda ' conforme a Lei nº 24.070,
se estabelece o compromisso de regulamentar o passivo das Obras Sociales e
Planos de Vivienda dentro do prazo de 30 dias, estando o cumprimento da lei a
cargo dos ministérios de Salud y Acción Social, Trabajo y Seguridad Social e
Economía, com intervenção do Tribunal de Cuentas;
5. Sistema Previdenciário ' reconhecer a necessidade de reformar a legislação
vigente a fim de garantir os direitos dos trabalhadores ativos, dos aposentados
e dos pensionistas. Com o intuito de melhorar o projeto do Executivo, buscar-
se-á garantir os direitos básicos dos trabalhadores de todas as idades,
evitando cortes discriminatórios. Reajuste emergencial para aposentados e
pensionistas, implementando mecanismos que permitam ampliar a arrecadação do
sistema;
6. Consejo Nacional del Empleo, la Productividad y el Salario Mínimo y Móvil '
iniciará suas atividades de forma imediata, de acordo com as propostas dos
atores sociais, ratificadas pelo Decreto nº 1.148/92 do presidente da
República. Este ato referenda o compromisso de diálogo e participação a fim de
melhorar a situação econômica e social, implementando mecanismos que permitam
encontrar soluções e garantir a paz social (Página 12, 18/7/1992:3; Ámbito
Financiero, 20/7/1992:12).
No que tange à reforma da previdência, o acordo abria o caminho para o
desmembramento do projeto original em duas partes distintas: a primeira
trataria da recomposição dos benefícios aos patamares previstos em lei; a
segunda incumbia-se da reforma propriamente dita. Cumpre observar que esta era
a proposta defendida pela bancada de deputados sindicalistas no interior do
Legislativo. Em agosto de 1992, Menem enviou um novo projeto de reforma da
previdência ao Congresso. Entre as principais mudanças estavam o fim do limite
de idade para adesão ao novo sistema e o reconhecimento das contribuições ao
antigo regime de repartição. Contudo, mesmo considerando um avanço em relação
ao projeto anterior, a bancada de deputados sindicalistas decidiu não apoiar a
nova proposta enviada pelo Executivo. No mesmo período, Menem decidiu abrir um
canal exclusivo de interlocução com representantes de empresários e
trabalhadores. Em 15 de setembro de 1992, por meio do decreto presidencial nº
1.717/92, foi criado o Consejo Nacional Económico para la Producción, la
Inversión y el Crecimiento ' CNEPIyC. Este órgão se converteria no principal
instrumento utilizado pelo governo para lograr o apoio da direção da CGT-RA à
reforma da previdência (entrevista concedida ao autor pelo vice-presidente da
Comisión de Previsión y Seguridad Social, Juan Manuel Moure, 13/8/2003).
REFORMA PREVIDENCIÁRIA E CONCERTAÇÃO SOCIAL
A criação de um órgão especial de consulta e assessoramento ' reunindo
representantes dos empresários, governo e trabalhadores no âmbito do Ministerio
de Economía y Obras y Servicios Sociales ' MEOSS ' foi anunciada como um novo
período no processo de implementação das reformas estruturais na Argentina. Em
uma publicação interna, justificando a criação do CNEPIyC, a equipe técnica do
Ministerio de Economía classificava a experiência argentina de participação
social na formulação de políticas públicas em três tipos diferenciados de
órgãos de consulta: 1) Tecnocráticos ' limitados a elaborar planos e programas
que se esgotam no teórico ou são apenas parcialmente adotados pelos políticos
no poder; 2)Participacionistas ' caracterizados por seu compromisso prévio com
um determinado governo ou plano econômico, ao qual aportam idéias ou correções,
mas sem exigências substanciais; 3)Concertacionistas ' aqueles em que os atores
sociais (sindicatos e grupos empresariais) avançam sobre a decisão política e
se convertem em virtuais parceiros do Estado (MEOSSP, 1992).
De acordo com essa classificação, o governo Menem estaria passando de uma
situação na qual predominavam os conselhos do tipo tecnocráticos e
participacionistas para um período quando predominariam os conselhos
concertacionistas, os quais se destacavam pelo maior espaço para os grupos de
interesse influenciarem nas decisões políticas. Um aspecto de fundamental
importância na criação do CNEPIyC foi a abertura de um canal de negociação no
interior do próprio Ministerio de Economía, uma antiga reivindicação do
sindicalismo argentino, haja vista que este ministério centralizava as
principais decisões do governo11. Trinta e duas entidades representativas dos
trabalhadores e empresários foram convidadas a compor o CNEPIyC. No caso da
CGT-RA, foram designados cinco titulares: Aníbal Martinez (construção civil),
José Pedraza (ferroviários), José Rodríguez (mecânicos), Oscar Baldassini
(correios) e Oscar Lescano (eletricitários).
A abertura oficial do CNEPIyC ocorreu em 15 de outubro de 1992 nas dependências
do Ministerio de Economía. Nesta ocasião, a pauta restringiu-se à estrutura,
regimento e funcionamento do Conselho. Entre as entidades convidadas,apenas a
Federación Agraria Argentina ' FAA não enviou representante. A CGT-RA foi
representada por três dos seus cinco secretários-gerais: José Pedraza, Oscar
Baldassini e Oscar Lescano. Na primeira reunião ordinária, realizada em 22 de
outubro de 1992, os integrantes do CNEPIyC acordaram os requisitos básicos que
deveriam orientar o estabelecimento de um novo marco regulatório de Promoción
Industrial.Na reunião seguinte, que se deu em 29 de outubro de 1992, entraram
para a agenda do Conselho a reorganização do comércio exterior, o acordo fiscal
com as províncias e a desregulamentação dos serviços profissionais (Acta
delCNEPIyC, 29/10/1992). Nessas duas primeiras reuniões, o CNEPIyC havia sido
bem-sucedido na formulação de políticas consensuais entre seus membros.
Entretanto, um novo impasse na interação sindicalismo-governo ofuscaria a busca
de soluções concertadas no âmbito do Conselho. Em novembro de 1992, a CGT-RA
realizaria a sua primeira greve geral contra a política econômica menemista, a
qual exigia, entre outras coisas, o cumprimento do acordo firmado com a Central
em julho do mesmo ano.
A GREVE GERAL DE NOVEMBRO DE 1992
A greve geral realizada em 9 de novembro de 1992 deve ser analisada dentro do
contexto das divisões internas do sindicalismo argentino. Desde a vitória
peronista nas eleições de 1989, o movimento sindical esteve dividido entre
sindicalistas "leais" e aqueles que assumiram uma postura crítica em relação ao
novo modelo socioeconômico (McGuire, 1997; Murillo, 1997; 2001). Do lado
menemista situava-se o grupo dos Quince e dos Veinticinco, liderados por
Guerino Andreoni (comerciários), Raúl Amin (mecânicos) e Luis Barrionuevo
(gastronômicos); de outro, os sindicalistas alinhados a Lorenzo Miguel
(metalúrgicos), Saúl Ubaldini (cervejeiros) e Juan Palácios (transportes).
Desta divisão, emergiram duas centrais: a CGT-San Martín, liderada por Guerino
Andreoni; e a CGT-Azopardo, conduzida por Saúl Ubaldini. Menem contou com o
apoio da CGT-San Martín para implementar parte importante de sua agenda
política: privatizações, regulamentação do direito de greve, demissão de
servidores públicos, suspensão dos convênios coletivos no setor público etc.
Por outro lado, as principais mobilizações contra a política econômica
menemista foram realizadas pelos sindicatos organizados na CGT-Azopardo.
Após mais de dois anos de ruptura, os sindicalistas da CGT-San Martín e da CGT-
Azopardo decidiram iniciar um processo de reunificação da Central. A principal
justificativa para a unificação era a necessidade de enfrentar de forma
unitária os desafios colocados pela reforma trabalhista, previdenciária e do
sistema de obras sociales. No processo de reunificação, os cargos de direção da
CGT-RA foram subdivididos para comportar as diferentes orientações políticas:
cinco secretários-gerais, cinco secretários-adjuntos, cinco secretários-
financeiros etc. A direção cegetista seria ocupada, a cada ano, por um dos seus
cinco secretários-gerais (entrevista concedida ao autor pelo assessor sindical
da CGT-RA, Mario Gasparri, 11/9/2003). O primeiro ano de gestão foi entregue ao
"independente" Oscar Lescano (Luz y Fuerza). Na composição da primeira
diretoria colegiada da CGT-RA, houve um claro predomínio dos sindicalistas
moderados: Oscar Lescano (eletricitários), José Rodríguez (mecânicos), Alberto
Martinez (metalúrgicos). O bloco menemista estava representado por José Pedraza
(ferroviários) e os combativos por Juan Manuel Palácios (transportes).
As divergências em relação à política econômica implementada no país e o
sistemático não-cumprimento dos acordos firmados entre a direção moderada da
CGT-RA e o governo Menem fortaleceram a posição dos setores mais combativos da
Central, os quais ameaçaram com uma nova ruptura, caso os sindicalistas
moderados não adotassem uma medida de fuerza. Neste contexto de crescentes
desavenças entre os grupos que compunham a direção da CGT-RA, o chamado de
greve geral de novembro de 1992 foi uma clara concessão do grupo moderado ao
grupo dos combativos, com o objetivo de evitar uma nova ruptura da CGT-RA. O
movimento foi bem-sucedido no setor industrial, base tradicional do
sindicalismo cegetista. A Dirección Nacional de Relaciones Laborales,
subordinada ao Ministerio de Trabajo, registrou que 100% dos trabalhadores da
Autolatina acataram o chamado de greve, 90% dos trabalhadores em
concessionárias, indústria têxtil, naval e de vidro; 70% dos trabalhadores da
Mercedez Benz, 60% da construção, 43% dos plásticos e 30% dos trabalhadores em
confecção e vestuário. A Unión Industrial Argentina estimou a participação dos
trabalhadores industriais em 70% (Noticias Gremiales,18/11/1992:2).
Nos demais setores, a avaliação do sucesso do movimento variou muito. Enquanto
a direção colegiada da CGT-RA avaliava que, em média, 90% dos trabalhadores
haviam acatado o chamado de paro general, o governo e os meios de comunicação
avaliavam que, no máximo, 40% dos trabalhadores haviam participado da
paralisação12. Para além do debate quantitativo sobre a porcentagem de
trabalhadores que aderiram à paralisação, cumpre observar que a CGT-RA não
logrou nenhuma concessão por parte do governo Menem em conseqüência da greve
geral. Não por acaso, a novidade do cenário pós-greve ficou por conta de uma
nova cisão no interior do sindicalismo argentino, que deu origem àCentral de
los Trabajadores Argentinos ' CTA13.
A PROPOSTA ALTERNATIVA DA CGT-RA
Poucos dias após a nova cisão da CGT-RA, a direção cegetista apresentou ao
governo Menem sua proposta de reforma da previdência, a qual representava uma
importante mudança na posição da Central em relação à reforma do sistema
previdenciário. A principal novidade era a reivindicação de as entidades sem
fins lucrativos (cooperativas, fundos mútuos, entidades sindicais) organizarem
seus próprios fundos de pensão.
A seguir os principais pontos da proposta elaborada pela direção da CGT-RA:
1. Manter a estrutura do regime público e limitar o regime de capitalização a
um sistema de caráter suplementar e voluntário, descartando o caráter
obrigatório deste último;
2. Ampliar as entidades capazes de administrar os fundos de previdência. Além
dos bancos, poderão cumprir a função de Administradoras de Fondos de Jubilación
y Pensión ' AFJP, os sindicatos, os fundos mútuos, as cooperativas e as
sociedades anônimas;
3. Diferenciar os aportes que serão destinados ao regime público, que serão
depositados em nome do Sistema Único de la Seguridad Social ' SUSS, dos aportes
voluntários para regime de capitalização, os quais serão depositados
diretamente na conta individual de cada empregado;
4. O trabalhador que optar por contribuir para o regime de capitalização
individual deverá ter a liberdade de escolher a modalidade de capitalização,
não podendo haver um único modo de capitalizar;
5. A única modalidade de recebimento do benefício será a renda vitalícia
assegurada, ficando expressamente proibida a renda programada;
6. Para melhorar o valor do benefício previdenciário, será incorporado à lei um
artigo com a finalidade de incentivar os empregadores a desenvolverem programas
contributivos a favor dos empregados. Estes incentivos serão integralmente
dedutíveis do imposto de renda;
7. Todos os agentes que integram o sistema de capitalização, e que não são
definidos como AFJP, serão controlados pelos organismos legais que atualmente
já exercem essa função (Clarín, 12/11/1992: 23; Noticias Gremiales, 18/11/1992:
10).
A proposta apresentada pela CGT-RA antecipava duas das principais modificações
a serem incluídas no projeto original do governo: a possibilidade de outras
entidades, inclusive sindicatos, constituírem AFJP(s); e o caráter opcional do
regime de capitalização, isto é, a possibilidade de o trabalhador escolher
entre continuar no regime de repartição ou migrar para o regime de
capitalização. Uma semana após a apresentação do projeto cegetista, governo e
sindicalistas anunciavam a assinatura de um novo acordo a respeito da reforma
da previdência, o qual incluía, no projeto original do Executivo, algumas das
demandas apresentadas pela direção da CGT-RA. Entre elas a possibilidade das
entidades sindicais conformarem seus próprios fundos de pensão.
A seguir os 11 pontos da ata resultante da negociação estabelecida no âmbito
CNEPIyC:
1. Permitir que, além das sociedades anônimas, outras instituições de diferente
natureza jurídica, tais como entidades sem fins lucrativos (sindicatos,
fundações, fundos mútuos, cooperativas, associações civis etc.), possam criar
Administradoras de Fondos de Jubilación y Pensión ' AFJP. Todas as AFJP,
qualquer que seja sua constituição jurídica, ficarão sujeitas à totalidade das
normas estabelecidas pelo Sistema Integrado de Jubilaciones y Pensiones ' SIJP
e pelo seu único órgão de controle (Superintendencia de AFJP);
2. Com o objetivo de garantir a livre escolha da(s) AFJP(s) por parte dos
contribuintes, se estabelece que deve ficar terminantemente proibido subordinar
a concessão de benefícios, qualquer que seja sua índole, à afiliação e
transferência do trabalhador a uma determinada AFJP;
3. Garantir a participação dos empregados, dos empregadores e dos beneficiários
do sistema previdenciário por intermédio de um organismo que assegure o
cumprimento dos objetivos de fiscalização e regulação do SIPJ;
4. Assegurar que as rendas vitalícias das administradoras se ajustem, em
matéria de esperança de vida, às regras ditadas em conjunto pela
Superintendencia de Seguro de la Nación e pela Superintendencia de las
Administradoras de Fondos de Jubilación y Pensión;
5. Aprofundar as definições relacionadas à cobertura de aposentadoria por
invalidez;
6. Explicitar no texto legal os requisitos e procedimentos necessários para a
abertura ou o fechamento das administradoras;
7. As contribuições que correspondam à(s) AFJP(s) serão creditadas
automaticamente, uma vez recebidos os depósitos pela entidade bancária;
8. Definir de maneira precisa o conceito de remuneração, de tal forma que
fiquem fora dele os denominados benefícios sociais;
9. Evitar a dupla tributação ocasionada pelo tratamento fiscal conjunto das
comissões das AFJP(s) e do primeiro pagamento das companhias de seguro (morte
ou invalidez). Assegurar, além disso, o tratamento fiscal homogêneo para todas
as AFJP(s);
10. Detalhar no texto da lei as sanções a que estão sujeitos os diferentes
atores, tais como empregados, empregadores, funcionários do setor público e
privado (administradoras e companhias de seguros), por não cumprirem as novas
normas legais;
11. Dar conhecimento ao Honorable Congreso de la Nación e aos distintos blocos
parlamentares sobre os aspectos consensuados na presente ata (Ámbito
Financiero, 27/11/1992:27; Clarín, 27/11/1992:18).
A ata do acordo continha dois pontos de fundamental importância para o apoio da
CGT-RA à reforma da previdência: 1) a permissão para entidades sem fins
lucrativos constituir administradoras de fundos de pensão; e 2) a criação de um
organismo de supervisão do sistema previdenciário, composto por representantes
de empresários, governo e trabalhadores. No entanto, o apoio formal da CGT-RA
ao projeto de reforma previdenciária ainda não significava o aval para a
bancada sindical votar à favor do projeto do Executivo nas comissões de PySS e
PyH do Congresso. A Central condicionaria o voto favorável dos deputados
sindicalistas à aprovação de uma nova Ley de Convenios Colectivos:
"O Consejo de la Producción, la Inversión y el Crecimiento,composto
por representantes do governo, da CGT e dos empresários, logrou,
finalmente, chegar a um consenso sobre o projeto de reforma
previdenciária, cuja sanção parlamentar ocorrerá até o final do ano,
desde que se obtenha previamente uma rápida aprovação da Ley de
Convenios Colectivos. Em todo caso, os representantes sindicais no
Consejoanteciparam que os deputados sindicalistas não votarão a favor
da reforma do sistema previdenciário até que nova norma sobre
paritarias tenha força de lei" (Noticias Gremiales, 3/12/1992:10,
tradução do autor).
A condicionalidade para o apoio da CGT-RA ao projeto de reforma previdenciária,
assinalava que, a partir de então, o ator central no debate da reforma passaria
a ser o bloco de parlamentares sindicalistas na Câmara dos Deputados. Assim,
longe de representar o fim de um longo debate, o apoio da Central à reforma
previdenciária apenas constituía uma nova fase no processo de negociação entre
sindicalismo e governo.
A BANCADA SINDICAL
Um passo importante na análise das reformas previdenciárias é identificar quais
são os atores com efetivo poder de veto institucional. O movimento sindical,
como outros movimentos sociais, pode pressionar aqueles que decidem a sorte das
reformas, mas não possui poder institucional para vetá-las (Immergut, 1996;
Tsebelis, 1997; 1998). No entanto, legisladores vinculados ao movimento
sindical podem defender os interesses de seus representados no interior do
Parlamento e, neste caso, a bancada de deputados sindicalistas pode constituir
um ator político com capacidade de bloquear (total ou parcialmente) os projetos
em trâmite legislativo.
A reforma previdenciária foi encaminhada à Honorable Cámara de Diputados de la
Nación sob o formato de projeto de lei do Poder Ejecutivo. De acordo com o
regimento interno da Câmara, a proposta foi encaminhada para as comissões de
PySS e PyH. Segundo esse mesmo regimento, o projeto não poderia ser apreciado
pelo Plenário sem antes receber um parecer favorável da maioria absoluta dos
membros das duas comissões em reunião conjunta14. No final de seus trabalhos,
as comissões legislativas encarregadas de analisar o projeto de reforma
previdenciária deveriam apresentar um parecer favorável (dictamen de mayoría)
com a assinatura de todos os deputados que se manifestaram a favor do
substitutivo a ser encaminhado ao Plenário da Câmara dos Deputados.
No interior da comissão de PySS, os deputados justicialistas detinham 12 dos 25
cargos (48,0%); portanto, necessitavam de mais um voto para alcançar a maioria
absoluta. Essa situação se repetia na comissão de PyH, em que o Partido
Justicialista ' PJ contava com 17 deputados dos 34 titulares (50,0%). O segundo
partido com maior número de titulares, a UCR, contava com nove votos (36,0%) na
comissão de PySS e 13 votos (38,2%) na comissão de PyH. Os demais partidos
contavam com quatro titulares (16,0%) na comissão de PySS e quatro titulares
(11,7%) na comissão de PyH. Ou seja, em sessão conjunta das duas comissões, os
peronistas detinham 29 titulares (49,1%), e os não-peronistas, 30 titulares
(50,8%).
Não obstante possuir um peso reduzido no Congresso, no interior das comissões
de PySS e PyH, em que o projeto deveria receber um parecer favorável antes de
ser enviado para o Plenário da Câmara, a bancada sindical contava com uma
posição privilegiada para bloquear o trâmite legislativo da reforma da
previdência. Na comissão de PySS, o bloco sindical perfazia 20,0% de seus
titulares e 41,6% da bancada peronista. Na comissão de PyH, os deputados
sindicalistas perfaziam 5,9% dos titulares e 11,7% dos representantes do PJ.
Considerando que o Executivo necessitava da votação coesa de sua bancada (e
mais um voto) para lograr um parecer favorável em reunião conjunta destas
comissões, a bancada sindical estava na situação de "fiel da balança"15.
Valendo-se de sua localização estratégica,os deputados sindicalistas bloquearam
várias tentativas de o Executivo aprovar o projeto de reforma previdenciária no
interior das comissões de PySS e PyH. Como veremos, além das concessões
referentes à própria reforma previdenciária, a bancada sindical também utilizou
seu poder de veto para forçar o governo Menem a abrir negociações em outras
áreas de interesse do sindicalismo argentino.
UM "ACUERDO GLOBAL"
O ano de 1993 foi particularmente importante na relação dos deputados
sindicalistas com o Executivo. Após quase quatro anos de uma tensa relação
entre a bancada sindical e o governo peronista, a renovação de parte do
Legislativo e o projeto de reforma constitucional (incluindo a reeleição para
presidente da República) constituíam um incentivo para governo e sindicalistas
iniciarem um novo período de aproximação. Entre os anos de 1991 a 1993, havia
18 deputados sindicalistas na Câmara de Deputados, sendo que 13 finalizariam o
mandato em dezembro de 1993. Portanto, a proximidade das eleições representava
um forte incentivo para a CGT-RA buscar uma maior aproximação com o governo e
ampliar sua participação na lista peronista16. Por outro lado, nesse mesmo ano,
iniciavam-se as articulações para a reforma constitucional, na qual um dos
principais pontos seria a possibilidade de reeleição para a presidência da
República. Portanto, era igualmente importante para o governo Menem garantir a
coesão de sua base parlamentar a favor da reforma constitucional.
Em 7 de janeiro de 1993, Menem anunciou o lançamento do Plan Social. As medidas
anunciadas neste plano contemplavam, entre outras coisas, a implementação de
programas de emprego para jovens, subsídios para os aposentados, reestruturação
do sistema hospitalar, incentivo à microempresa e desregulamentação parcial do
sistema de obras sociales. A oposição denunciou o lançamento do plano como mais
uma manobra eleitoral do governo. Entretanto, o Plan Social também era uma
resposta aos apelos de setores da base governista, entre os quais se destacam
os dirigentes sindicais, que exigiam políticas compensatórias para as camadas
sociais atingidas de forma negativa pelo plano de estabilização econômica e
pelas políticas de reformas estruturais. Inicialmente, a reação da direção
cegetista ao Plan Social foi ambígua. Um grupo de sindicalistas liderados pelos
dirigentes estatais Andrés Rodríguez (Unión del Personal Civil de la Nación '
UPCN) e José Luis Lingeri (Federación Nacional de Trabajadores de Obras
Sanitarias ' FENTOS), em reunião com o Gabinete Social da Presidência, declarou
apoio ao programa. No entanto, esse apoio foi rejeitado em uma reunião do
Consejo Directivo da CGT-RA, e os sindicalistas que aderiram ao plano, sem
consulta prévia à Central, foram invitados a rever suas posições (Noticias
Gremiales,13/1/1993:3).
No centro da polêmica estava a desregulamentação do sistema de obras sociales.O
sindicalismo argentino opunha-se à desregulamentação total desse sistema.
Entretanto, a desregulamentação parcial proposta pelo governo, ou seja, a
possibilidade de os sindicatos competirem entre si, opunha os interesses dos
maiores sindicatos ao dos menores. Diante da divisão dos sindicatos em relação
à desregulamentação parcial, o Consejo Directivo da CGT-RA decidiu apoiar as
medidas sociais anunciadas pelo governo e rechaçar a desregulamentação do
sistema de obras sociales. A esse respeito, Oscar Lescano, co-secretário-geral
da CGT-RA declarou que: "A CGT aceita a complementação entre as obras
socialespor intermédio da implementação de um sistema de contra-prestações, mas
nunca a concorrência entre elas" e acrescentou que "de nenhuma forma
aceitaremos a aplicação deste decreto" (Noticias Gremiales,13/1/1993:3,
tradução do autor).
A oposição pontual da CGT-RA ao Plan Social era o sinal de que se abria mais um
espaço de negociação entre sindicatos e governo. Iniciava-se a construção de um
acuerdo globalque envolveria, entre outros temas, a desregulamentação parcial
do sistema de obras sociales, a flexibilização dos critérios de produtividade,
a reforma do sistema previdenciário e a reforma política. Após várias reuniões
com representantes do governo, a adesão da CGT-RA ao Plan Social foi anunciada
no final de janeiro de 1993. Na mesma ocasião, Gerardo Martínez, dirigente da
Unión Obrera de la Construcción de la República Argentina ' UOCRA, foi
designado supervisor do programa de eliminação das escuelas rancho e José Luis
Lingeri (Fentos), foi designado para integrar a comissão encarregada pelo plan
de saneamiento de aguas (Noticias Gremiales,27/1/1993:3).
O novo acordo foi comemorado pelas principais lideranças da CGT-RA. Em reunião
com os membros do Gabinete Social da Presidência, José Pedraza, co-secretário-
geral cegetista, enfatizou que a participação dos sindicatos no Plan Social
iria "muito além das formalidades", acrescentando que "quem deve decidir se um
presidente deve seguir no seu cargo é o povo e não alguns dirigentes" (Noticias
Gremiales,27/1/1993:3, tradução do autor). A última fase do acordo dar-se-ia em
torno da negociação de um novo decreto que desvincularia, parcialmente, os
reajustes salariais dos índices de produtividade. Em reunião com o então
ministro do Trabalho, Henrique Rodríguez, os dirigentes da Central
comprometeram-se em orientar o voto favorável da bancada sindical na reforma da
previdência, mediante o compromisso do governo em editar um novo decreto que
substituiria o Decreto nº 1.334/91 (produtividade).
Na edição de 19 de fevereiro de 1993, o jornal Ámbito Financieroanunciava a
realização de mais um pacto negro entre o governo Menem e a CGT-RA: "Agora se
trata da nova política de negociação do salário. Põe-se seriamente em risco o
princípio da produtividade de Domingo Cavallo como limite para os aumentos
salariais. Em troca, o governo obtém no Congresso o apoio dos sindicalistas
para lograr a aprovação da demorada reforma previdenciária" (Ámbito Financiero,
19/2/1993:1, tradução do autor). Em 24 de fevereiro de 1993, em uma tumultuada
sessão conjunta das comissões de PySS e PyH, o governo Menem, finalmente,
logrou o dictamen de mayoría necessário para enviar o projeto de reforma da
previdência para o Plenário da Câmara dos Deputados. A bancada justicialista
apresentou um parecer favorável com exatamente 29 assinaturas. Entre as 29
firmas que endossavam o parecer, seis pertenciam ao bloco sindical. Entre os
deputados sindicalistas, apenas Luis Guerrero da Unión Obrera Metalúrgica ' UOM
não assinou o dictamen de mayoría apresentado pela bancada justicialista.
Um mês depois de aprovado o parecer favorável ao projeto de reforma da
previdência nas comissões de PySS e PyH, o diário oficial argentino (Boletín
Oficial) trazia dois decretos de interesse para o sindicalismo: o Decreto nº
447/93, de 17 de março de 1993, e o Decreto nº 470/93, de 18 de março de 1993.
O primeiro regulamentava a Ley nº 24.185 (convenios colectivos para
trabajadores del estado). Esta lei, sancionada em 16 de dezembro de 1992, havia
sido proposta pelo deputado sindicalista German Abdala (PJ) e definia critérios
para a negociação coletiva no setor público (Orlansky, 2000). O segundo abria
espaço para a desvinculação dos ajustes salariais em relação aos critérios de
produtividade. O novo regime de negociação coletiva seria misto: a vinculação
dos aumentos salariais ao incremento da produtividade continuaria válida para
os convênios por ramo de atividade; mas, no âmbito das empresas, prevaleceria a
"livre negociação" entre sindicatos e empresários.
Mais uma vez, a reação da CGT-RA ao decreto expedido pelo governo foi ambígua.
De um lado, o grupo de sindicalistas menemistas, liderados por Andrés Rodríguez
(UPCN), manifestou seu apoio ao decreto: "Estamos de acordo em tudo, não há
críticas a serem formuladas" (Página 12, 2/4/1993, tradução do autor). Por
outro lado, o grupo de sindicalistas moderados e combativos rejeitou a proposta
de descentralização das negociações coletivas. Oscar Lescano, um dos principais
articuladores do acordo, declarou que teria sido enganado pelo ministro do
Trabalho Enrique Rodríguez. Segundo ele, a primeira versão do Decreto nº 470/93
não previa a descentralização da negociação coletiva: "Estou realmente
decepcionado. Este homem [Enrique Rodríguez] nos enganou. Foram acrescentadas
três linhas que não contaram com o apoio sindical. Este não é o texto acordado"
(Página 12, 2/4/1993, tradução do autor). O fato é que, não obstante os
desentendimentos sobre o conteúdo do decreto, o acordo entre a CGT-RA e o
governo Menem destravou o trâmite da reforma previdenciária nas comissões
legislativas e, ao mesmo tempo, estabeleceu um novo marco para o regime
salarial argentino, tanto no que se refere à descentralização das negociações
coletivas quanto à revogação da produtividade como único critério de aumento
salarial.
NEGOCIAÇÃO EM MÚLTIPLAS ARENAS
A passagem do projeto do Executivo para o Plenário da Câmara dos Deputados
coincidiu com uma importante mudança na direção da CGT-RA. No começo de abril
de 1993, o metalúrgico Naldo Brunelli, dirigente da UOM, assumiu o comando da
Secretaria Geral da Central. É digno de nota que a mudança na direção da CGT-RA
ocorreu justamente quando os sindicalistas "moderados" tiveram suas principais
reivindicações atendidas: abertura dos fundos de pensão às organizações
sindicais, inclusão do sindicalismo no Plan Social, desregulamentação parcial
do sistema de obras sociales,regulamentação do convênio coletivo no setor
público e desvinculação das negociações salariais aos índices de produtividade.
A partir desse momento, a direção da CGT-RA foi entregue ao grupo de
sindicalistas que se opunha ao caráter compulsório da previdência privada, um
dos principais pontos ainda pendentes no debate legislativo da reforma
previdenciária. Naldo Brunelli era da direção de um dos sindicatos industriais
mais críticos à política econômica menemista. Atingida negativamente pelo
processo de privatizações e reestruturação produtiva, a UOM realizou mais
greves durante o governo Menem do que durante o governo Raúl Alfonsín.
No interior do Legislativo, os deputados da UOM eram os que mais resistiam à
proposta de reforma previdenciária enviada pelo Executivo. Os dirigentes da UOM
também apoiaram o abaixo-assinado nacional organizado pela Mesa Coordinadora de
los Jubilados ' MCJ e pela CTA, o qual reuniu um milhão de assinaturas
reivindicando a realização de um plebiscito nacional a respeito da reforma
previdenciária. No ato de entrega do abaixo-assinado, no qual também estiveram
presentes os sindicalistas Lorenzo Miguel e Saúl Ubaldini, o metalúrgico Naldo
Brunelli declarou que: "Não se pode falar em apoio da CGT ao projeto de reforma
previdenciária, nem ao trabalho dos deputados sindicalistas, porque na reunião
do Consejo Directivonão houve votação e nada foi decidido" (El Cronista,11/3/
1993:4, tradução do autor).
Em 14 de abril de 1993, após quatro tentativas malogradas, o governo Menem
conseguiu reunir o quórum necessário (130 deputados) para iniciar a apreciação
da reforma previdenciária no Plenário. O bloco sindical dividiu-se, mas a
maioria dos dirigentes seguiu a orientação do grupo moderado. Entre os
sindicalistas que continuaram a estratégia de boicotar o quórum para a
apreciação da matéria, três eram da UOM: Luis Guerrero, Horacio Salusso e
Roberto Monteverde17. O quórum para discussão colocava o projeto de reforma
previdenciária em um momento crucial. A cada instância que avançava, desde as
comissões até a discussão em Plenário, o bloco sindical tinha reduzido seu
poder de veto. Neste momento, a intensificação das negociações entre
representantes da CGT-RA e do governo tornou-se um elemento central no apoio à
atuação da bancada sindicalista no Congresso.
Na última semana de maio de 1993, governo e sindicalistas voltaram a ser reunir
' na pauta um novo acordo sobre a descentralização das negociações coletivas e
a proposta de adiamento da desregulamentação parcial do sistema de obras
sociales. No encontro, o ministro do Trabalho também apresentou um novo
anteprojeto da reforma trabalhista a ser discutido com os representantes de
empresários e trabalhadores18. No âmbito da reforma da previdência, a nova
direção da CGT-RA obteve uma concessão de fundamental importância: os
trabalhadores poderiam escolher entre permanecer no regime de repartição ou
migrar para o regime de capitalização. Com essas propostas, Menem conseguiu
retomar o apoio da CGT-RA ao projeto de reforma da previdência. No dia 29 de
abril de 1993, após quase um ano de negociações, a bancada sindicalista juntou-
se ao bloco peronista para votar a favor da reforma previdenciária. Conforme
registra o jornal Ámbito Financiero(30/4/1993:2, tradução do autor): "Em nenhum
momento anterior, o bloco do PJ havia reunido 112 deputados das suas próprias
fileiras".
Após a aprovação da reforma na Câmara dos Deputados, o Consejo Directivo da
Central recomendou a aprovação, sem mudanças, do projeto enviado ao Senado. A
seguir um trecho do documento no qual a CGT-RA faz um balanço do longo processo
de negociação da reforma previdenciária:
"a) Conseguimos converter o sistema em triplemente opcional: os
trabalhadores poderão permanecer no Estado, aportar ao Banco Nación
(com garantia) ou escolher um operador privado.
b) Reduzimos o custo do sistema privado, o Estado assumirá parte da
cobertura por falecimento e por invalidez dos trabalhadores que já
estavam no sistema. Assim, o setor privado só assumirá o risco que
lhe cabe.
c) Atendendo as prementes necessidades sociais insatisfeitas,
conseguimos direcionar os investimentos dos fundos do sistema privado
para a construção de moradias, estradas, e outras obras públicas,
haja vista que, além do benefício social que implicam, geram
reativação econômica e crescimento do emprego.
d) Garantimos o apoio às economias regionais por intermédio dos
investimentos facultados às AFJP(s).
e) Logramos que as entidades sem fins lucrativos possam formar
administradoras e entrar ou sair livremente do sistema de
capitalização.
f) O Estado Nacional, de acordo com as disposições constitucionais
aplicáveis, garantirá aos atuais aposentados os direitos adquiridos
pelas leis vigentes antes da promulgação da nova legislação".
No final do mesmo documento, a Central recomendava à Honorable Cámara dos
Senadores da República Argentina:
"Por tudo isso e diante do significado transcendental que a reforma
previdenciária assim conformada adquire para a totalidade dos
trabalhadores, solicitamos respeitosamente à Cámara de Senadores o
tratamento e aprovação do projeto aprovado pela Cámara de Diputados,
incluindo as iniciativas propostas pela CGT-RA; e ao PEN solicitamos
sua conseqüente promulgação. Tudo isso sem introduzir mudanças que
alterem ou desvirtuem o espírito da lei e os direitos que reconhece
aos trabalhadores" (Noticias Gremiales, 13/5/1993:11, tradução e
ênfases do autor).
Em setembro de 1993, seguindo a orientação do Executivo, o Senado argentino
sancionou, sem modificações, o projeto de reforma da previdência. No segundo
semestre de 1994, dois anos após o envio do projeto de reforma previdenciária
ao Congresso, entraria em operação o SIJP.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A CGT-RA utilizou recursos tradicionais do sindicalismo para introduzir suas
demandas no processo de reforma da previdência: greves, manifestações públicas,
lobbies, negociações tripartites etc. Entretanto, o principal instrumento
utilizado pela Central para forçar o governo Menem a atender suas
reivindicações foi a localização estratégica da bancada sindical no processo
decisório da reforma. As principais concessões obtidas pelo sindicalismo
argentino foram alcançadas no período em que o projeto de reforma da
previdência estava sob apreciação das comissões de PySS e PyH, instâncias de
veto nas quais o governo Menem dependia do apoio dos deputados sindicalistas
para avançar no trâmite legislativo da reforma. A reforma previdenciária
assumiu papel central em um complexo processo de negociação envolvendo temas
tão distintos quanto a desregulamentação parcial do sistema de obras sociales,
compensação para os custos sociais das reformas implementadas no país (Plan
Social), desvinculação dos aumentos salariais aos índices de produtividade e a
definição de um novo marco regulatório para a negociação coletiva no setor
público e privado.
Em linhas gerais, podemos dividir as concessões obtidas pelo sindicalismo
argentino no processo de reforma previdenciária em dois grandes grupos: 1)
concessões endógenas (intra-sistema previdenciário); e 2) concessões exógenas
(extra-sistema previdenciário). As primeiras foram aquelas relacionadas ao
próprio conteúdo da reforma: fim do limite de idade (45 anos), reconhecimento
das contribuições ao sistema anterior, supervisão tripartite, opção entre o
regime de repartição e capitalização, participação sindical nos fundos de
pensão etc. As segundas foram aquelas relacionadas a outras áreas de interesse
do sindicalismo, como a regulamentação da negociação coletiva no setor público,
a alteração do decreto que condicionava os aumentos salariais aos índices de
produtividade e a desregulamentação parcial do sistema de obras sociales. Em
ambos os casos, a localização estratégica da bancada de deputados sindicalistas
no trâmite legislativo da reforma previdenciária foi de fundamental importância
para aumentar o poder de barganha da CGT-RA e forçar o governo Menem a negociar
com o sindicalismo.
NOTAS
1. A clássica distinção entre pluralismo e corporativismo, elaborada por
Philippe Schmitter (1974), influenciou toda uma geração de pesquisas sobre o
sindicalismo latino-americano. As principais características do pluralismo,
segundo esse autor, são: número ilimitado de organizações competitivas, não-
ordenadas hierarquicamente, autodeterminadas, não especificamente autorizadas,
reconhecidas, subsidiadas, controladas ou criadas pelo Estado e que não exercem
monopólio de representação de suas categorias. Em contraposição, o
corporativismo distingue-se pelo número limitado de organizações compulsórias,
não-competitivas, hierarquicamente organizadas, funcionalmente diferenciadas,
autorizadas, reconhecidas, subsidiadas, controladas ou criadas pelo Estado e
que exercem monopólio de representação de suas categorias.
2. Cumpre observar que a distinção entre os mecanismos de subordinação e
cooptação presentes nos arranjos corporativos assumiu particular importância
nos estudos sobre o desenvolvimento dos sistemas previdenciários latino-
americanos. Destacam-se, neste caso, os diversos trabalhos que buscam elucidar
o papel do Estado e dos grupos de interesse na definição do caráter
estratificado da previdência social na América Latina (Mesa-Lago, 1977; Cohn,
1980; Malloy, 1986).
3. A produção acadêmica brasileira é farta de exemplos neste sentido. Ver,
entre outros, os trabalhos de Almeida (1995; 1996); Arbix (1996); Martins
Rodrigues (1990) e Noronha (1999).
4. Ver, por exemplo, os trabalhos de Acuña e Smith (1996); Almeida e Moya
(1997); Etchemendy e Palermo (1998) e Murillo (2001).
5. No caso brasileiro, a importância dos arranjos políticos institucionais na
mudança das políticas públicas tem sido ressaltada, entre outros autores, por
Almeida (1998), Arretche (1996), Coelho (1998), Figueiredo e Limongi (1998) e
Melo (1997).
6. Conforme Immergut (1996:146): "as posições de veto não são entidades
físicas, mas pontos de incerteza estratégica, decorrentes da própria lógica do
processo decisório. Até mesmo uma pequena mudança nas normas constitucionais ou
nos resultados eleitorais pode provocar mudanças na localização das posições de
veto e em sua importância estratégica. Assim, as normas constitucionais formais
e os resultados eleitorais determinam o contexto em que se dá a formulação das
políticas. É aí que se abre o espaço para a influência dos grupos de
interesse".
7. Nas palavras do próprio Tsebelis (1997:107): "Em linhas bem gerais, e
seguindo meu argumento, os sistemas que têm múltiplos veto playersincongruentes
e coesos deverão revelar níveis mais elevados de estabilidade no processo de
formulação de políticas do que os sistemas que contam apenas com um único veto
playerou com um pequeno número de veto playerssem coesão e congruentes".
8. Para ser mais preciso, Tsebelis (1997:99) considera essa possibilidade
apenas nos arranjos do tipo neocorporativo: "Por exemplo, nos países
corporativistas, as decisões sobre salários (que acarretam conseqüências
econômicas mais gerais) são tomadas pelo governo, mas com a aprovação de dois
veto playersadicionais: os representantes dos trabalhadores e das empresas".
9. Entre as principais medidas propostas, o projeto previa a criação da
Administración Nacional de la Seguridad Social, que seria responsável pela
gestão do Régimen Nacional de Jubilaciones y Pensiones, o Régimen Nacional de
Protección Social, o Régimen Nacional del Voluntariado de la Seguridad Social,
o Régimen Nacional de Subsidios Familiares e o Régimen Nacional de Subsidios
por Desempleo, os quais seriam financiados e administrados de forma
independente (Armendáriz, 1996).
10. O serviço de saúde argentino é composto por três sistemas: 1) o público; 2)
o pré-pago; e 3) as obras sociales. Este último é mantido com contribuição
obrigatória de trabalhadores e empresários e administrado pelas organizações
sindicais com personería gremial.Ao lado das mensalidades sindicais (entre 1% e
3% do salário), as contribuições para as obras sociales (8% dos empregadores e
6% dos empregados) representam um dos principais pilares da sustentação
financeira dos sindicatos argentinos. Há relativo consenso entre os estudiosos
de que a disputa pelo controle das obras sociales constituiu uma das principais
fontes de conflito entre Menem e a CGT-RA no processo de reformas estruturais
(Cortés e Marshall, 1999; Etchmendy e Palermo, 1998; Lodola, 1995).
11. Cumpre registrar que o secretário de Seguridad Social, formalmente
subordinado ao Ministerio de Trabajo, havia sido indicado pelo ministro de
Economía (entrevista concedida ao autor pelo então secretário deSeguridad
Socialdo governo Menem,Walter Schulthess, 4/9/2003). Sobre a importância dos
atores estatais (presidente, coalizão governista, burocracia ministerial) na
definição do escopo das reformas previdenciárias, ver Coelho (2003).
12. Em entrevista concedida ao autor em 28/7/2003, Rodolfo Daer, secretário-
geral da CGT-RA, atribuiu as dificuldades para expandir o movimento grevista ao
apoio da sociedade argentina ao processo de privatização promovido pelo governo
Menem.
13. Devido às restrições da legislação sindical, primeiro a CTA foi constituída
como uma "alternativa sindical", em 14 de novembro de 1992, para só mais tarde
ser reconhecida como uma "central sindical", oficialmente registrada pelo
Ministerio de Trabajo em 27 de maio de 1997. Conforme registra Castro (2001:
69): "Esta central foi reconhecida oficialmente pelo Ministério do Trabalho
como 'sindicato simplesmente inscrito' em 1997, um fato inédito na história
sindical argentina e que ocorreu devido às pressões provenientes do
sindicalismo internacional e da OIT, já que a Argentina ratifica a Convenção 87
sobre Liberdade e Autonomia Sindicais. A demora no reconhecimento foi de ordem
política, devido às pressões da CGT-RA, tendo o governo usado como
justificativa para sucessivas negativas o estatuto da CTA que contradizia a lei
de associações profissionais".
14. Para uma proposição ser apreciada pelo Plenário da Câmara, sem passar pela
comissão pertinente, é necessário o apoio de 2/3 dos parlamentares em sessão de
"informe" com a presença de representantes do Poder Executivo (HCDN, 1993).
15. A localização estratégica no interior das comissões legislativas oferecia
aos deputados sindicalistas um poder maior do que a sua efetiva representação
na Câmara dos Deputados e na bancada do PJ (Etchmendy e Palermo 1998; Torre,
1999; Torre e Gerchunoff, 1999). Entre 1983 e 1993, a bancada sindical havia
apresentado uma tendência decrescente no interior do Legislativo argentino. Em
1983, os deputados sindicalistas representavam 13,8% da Câmara e 31,5% da
bancada peronista; em 1993, representavam 3,9% da Câmara e 7,8% do bloco
justicialista.
16. O sistema eleitoral argentino é de representação proporcional de lista
fechada, ou seja, o eleitor vota no partido. Para uma discussão mais
aprofundada do sistema político e partidário argentino, ver Mustapic (2000).
Para uma introdução geral sobre sistemas eleitorais, ver Nicolau (2002).
17. Os outros dois eram Dante Camaño (gastrônomicos) e José Rodríguez
(mecânicos).
18. Inicialmente, a CGT-RA rejeitou o novo anteprojeto de reforma trabalhista
apresentado pelo governo Menem. O resultado do novo processo de negociação só
seria concretizado em 25 de julho de 1994 com a subscrição ' por representantes
dos empresários, governo e trabalhadores ' do Acuerdo Marco para el Empleo, la
Productividad y Equidad Social(MTSS, 1994).