Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

BrBRHUHu0011-52582006000200006

BrBRHUHu0011-52582006000200006

variedadeBr
ano2006
fonteScielo

O script do Java parece estar desligado, ou então houve um erro de comunicação. Ligue o script do Java para mais opções de representação.

Negociações coletivas e o poder normativo da Justiça do Trabalho

INTRODUÇÃO Uma característica singular do sistema brasileiro de relações de trabalho é o poder normativo da Justiça do Trabalho na solução dos conflitos coletivos. A solução judicial desses conflitos insere-se entre as prerrogativas constitucionais dos tribunais trabalhistas. Esses tribunais, no julgamento dos dissídios coletivos, estabelecem uma solução, na forma de regras aplicáveis às relações de trabalho em geral, mediante o uso das normas legais existentes ou da criação de novas normas. O único impedimento de caráter geral ao exercício desse poder de criação de normas é que o objeto da decisão judicial pertença aos campos da relação de emprego ou das relações entre sindicatos e empresas.

Portanto, quando os tribunais decidem sobre as disputas coletivas de trabalho, estão legalmente autorizados a desempenhar uma função tipicamente legislativa.

A mera existência desse poder normativo é suficientemente relevante para justificar uma análise de suas possíveis conseqüências sobre as negociações coletivas de trabalho1.

A literatura brasileira sobre o poder normativo da Justiça do Trabalho tem enfocado duas questões principais, a do escopo do seu exercício e a de sua influência sobre as negociações coletivas. A primeira dessas questões, que se tem mantido restrita quase que exclusivamente às discussões doutrinárias dos juristas, aborda a amplitude com que tal competência normativa pode ser legalmente exercida. Assim, opõem-se os partidários de um uso altamente limitado do poder normativo (Saad, 1995; Goldschmidt, 1996), quiçá mesmo de sua inconstitucionalidade (Romita, 1994), aos que propugnam que as restrições legais ao seu exercício são bastante mais brandas (Pereira Leite, 1981; Martins Filho, 1989, 1994; Teixeira, 1994). a tese central da segunda questão é que a competência normativa da Justiça do Trabalho, como forma de solução dos conflitos coletivos de trabalho, teria uma influência geral negativa sobre as negociações diretas, sendo inclusive um dos motivos que explicaria o estágio relativamente pouco desenvolvido das negociações coletivas no Brasil (Costa, 1984; Puech, 1984; Pastore e Zylberstajn, 1988; Maciel, 1990; Loguércio, 1994; Romita, 1994; Siqueira Neto, 1996; Barros, 1999).

Ainda que o problema das conseqüências do poder normativo sobre as negociações coletivas tenha despertado o interesse dos analistas do mundo do trabalho, não dispomos de estudos abrangentes acerca do conteúdo das decisões judiciais na solução dos dissídios coletivos. O argumento sobre a barreira ao desenvolvimento das negociações coletivas, que supostamente se ergueria em virtude do exercício do poder normativo, é construído exclusivamente com base no próprio conceito de poder normativo e na descrição da maquinaria institucional fabricada para sua aplicação. Embora as conseqüências hipotéticas do poder normativo sobre as negociações coletivas possam ser perfeitamente formuladas nesses termos, uma análise empírica do conteúdo das decisões judiciais é necessária para que se consiga determinar a extensão em que os tribunais trabalhistas efetivamente criaram novas normas de direito. Mais ainda, uma análise do conteúdo das decisões judiciais poderá identificar a ocorrência (ou a não-ocorrência) de mudança na conduta do Judiciário Trabalhista no que tange à solução dos conflitos coletivos. E, uma vez que o conteúdo dos acordos coletivos é, ao menos indiretamente, afetado pelo poder normativo, uma análise dos padrões de mudança no exercício desse poder pelos tribunais também poderá ajudar a explicar os resultados das negociações coletivas de trabalho.

Neste artigo, procurei caracterizar o exercício do poder normativo na corte superior do sistema judicial do trabalho no Brasil e examinei possíveis conseqüências da conduta do Tribunal Superior do Trabalho ' TST sobre as negociações coletivas nas décadas de 1980 e 1990. Para tanto, parti do conceito de poder normativo e da maquinaria utilizada no seu exercício a fim de estabelecer sua hipotética relevância para as negociações coletivas.

Analisarei, então, o conteúdo das decisões judiciais na solução dos conflitos coletivos de trabalho. Ao fazê-lo, enfoquei as decisões consolidadas do TST sobre os dissídios coletivos. Mais precisamente, minha atenção recai sobre o instrumento-chave pelo qual o poder normativo se expressou a partir dos anos 1980, qual seja, os precedentes normativos do TST (PN/TST). Esses precedentes são proposições normativas formais promulgadas pelo TST para utilização nas decisões dos dissídios coletivos.

O artigo divide-se em quatro seções, além desta introdução e de um comentário final. Na primeira seção, apresentei os instrumentos formais de jurisprudência pelos quais se manifestou o poder normativo, com particular atenção aos precedentes normativos do TST. Da segunda à quarta seções, analisei o conteúdo das decisões judiciais consolidadas nos precedentes normativos e em outros instrumentos formais: na segunda, abordei o escopo temático dos precedentes normativos; na terceira, examinei as regras de procedimento que fixam os pré- requisitos a serem satisfeitos pelos agentes da negociação quando submetem suas disputas à solução judicial; e na quarta seção, analisei os resultados da comparação entre os precedentes normativos e a legislação brasileira do trabalho. Em conjunto, essas seções abordam a questão geral da conduta do TST quanto ao exercício do poder normativo e suas hipotéticas conseqüências sobre as negociações coletivas.

AS DECISÕES CONSOLIDADAS DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO: PRECEDENTES NORMATIVOS E OUTROS INSTRUMENTOS FORMAIS Ao decidir sobre as condições de trabalho aplicáveis no âmbito das categorias profissionais e econômicas em processos de dissídio coletivo, a Justiça do Trabalho exerce sua competência normativa. Conceitualmente, o poder normativo é "a capacidade que tem o Judiciário Trabalhista de estabelecer normas ou condições de trabalho, sempre que, havendo litígio a respeito entre as classes econômicas e trabalhadoras envolvidas, a conciliação restar inviabilizada, inclusive pela recusa à negociação" (Teixeira, 1994:10).

No Brasil, as origens históricas desse poder de decidir regras remontam à Constituição Federal de 1946 (Pereira Leite, 1981; Puech, 1984)2. No art. 123, § , fixava-se a competência da Justiça do Trabalho para criar normas, porém expressamente sujeita à legislação complementar: "Art. 123 ' Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e as demais controvérsias oriundas de relações do trabalho regidas por legislação especial.

....................................................................................................

§ ' A lei especificará os casos em que as decisões, nos dissídios coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho".

Na Constituição de 1967, emanada do regime autoritário, o poder normativo da Justiça do Trabalho manteve-se nos mesmos termos estipulados anteriormente (art. 142, § ). Em 1988, a Constituição Federal que substituiu a carta do regime autoritário reafirmou a competência normativa do Judiciário Trabalhista, introduzindo uma alteração ao texto que tornou essa competência menos restrita.

Assim, no art. 114, § , a Constituição estabelece: "Art. 114 ' ....................................................................................................

§ ' Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídios coletivos, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho"3.

A competência normativa da Justiça do Trabalho é efetivamente exercida no ato de julgamento dos dissídios coletivos. Toda vez que um tribunal é chamado a decidir sobre o mérito de determinado conflito coletivo de trabalho, pode estabelecer um conjunto de regras aplicáveis à relação de emprego em uma ou mais empresas. Na medida em que decisões semelhantes são repetidas no julgamento de sucessivos dissídios, consolida-se um entendimento majoritário ou consensual dos juízes quanto aos vários objetos de decisão. Em outras palavras, são estabelecidas regras semelhantes, ou mesmo idênticas, para cada particular aspecto da relação de emprego nos vários dissídios. Um exemplo dessa reiteração, nos anos 1980, é a fixação do adicional de horas extraordinárias em 100% em diferentes sentenças normativas.

Uma tentativa do TST de formalizar suas decisões reiteradas em matéria de direito coletivo, no período imediatamente anterior ao analisado aqui, ocorreu em meados dos anos 1970. Assim, através do prejulgado 56, de 14/6/1976, esse tribunal estabeleceu umas poucas regras sobre reajustamento salarial e procedimentos que os agentes da negociação deveriam seguir ao submeter seus pleitos à decisão judicial. Essas regras foram posteriormente revisadas na instrução normativa 1, de 15/10/1982, que acrescentou novas normas àquelas previstas no prejulgado 56.

Ainda nos anos 1980, todavia, um passo mais decisivo foi dado pelo TST.

Inúmeras deliberações recorrentes em julgamentos de dissídios coletivos foram reunidas sob a forma de precedentes normativos. A partir dessa iniciativa, esperava-se que os ministros desse tribunal passassem a decidir, nos processos singulares, com base em precedentes formalizados. O escopo temático dos PN/TST abrangia um conjunto de tópicos sobre a relação de emprego, as relações entre os sindicatos e as empresas, e os pré-requisitos a serem satisfeitos na submissão de demandas ao escrutínio da Justiça do Trabalho.

Embora as raízes dos precedentes normativos estejam nas decisões efetivamente tomadas nos processos, eles mesmos não consistem em decisões a priori acerca das disputas reais trazidas à colação do TST. Além disso, nenhum magistrado nas cortes regionais estava obrigado a deliberar sobre as disputas coletivas com base naqueles precedentes. Não obstante a ausência de vinculação, os PN/TST constituíram um importante padrão de referência para o julgamento dos dissídios coletivos em qualquer corte trabalhista. A fim de ilustrar esse ponto, tome-se como exemplo o PN/TST 20, que obrigava a empresa a fornecer aos seus empregados o comprovante de pagamento com discriminação das parcelas pagas e dos descontos efetuados. Sempre que essa demanda fosse apresentada em processos de dissídio, a expectativa era de que os juízes decidissem nos termos do precedente, e isso em decorrência de uma razão singela: se uma das partes recorresse de solução diferente adotada em tribunal regional, o mais provável curso de ação do TST, nesse particular dissídio, seria o de reproduzir o conteúdo do PN/TST 20.

O ponto anterior merece um comentário adicional. No sistema brasileiro, a maioria das sentenças normativas origina-se de decisões tomadas nos tribunais regionais e sujeitas à revisão no TST. Em caso de recurso, o agente pode selecionar apenas aquelas cláusulas cuja solução não lhe agrada, não sendo necessário recorrer da totalidade da sentença prolatada no órgão inferior.

Voltando ao exemplo dado por mim, o sindicato patronal poderia recorrer apenas da decisão que obriga as empresas a discriminar as entradas dos comprovantes de pagamento; em decorrência, o TST manifestar-se-ia somente em relação a esse tópico, ocasião em que, muito provavelmente, manteria a decisão do tribunal regional similar ao PN/TST 20. Sob condições tais que um agente singular pode buscar a solução judicial do conflito sem necessitar da concordância do outro agente (mecanismo semicompulsório para a solução judicial)4 e o Judiciário efetivamente exercer sua competência normativa, uma conduta racional dos sindicatos é a de incorporar as regras dos precedentes normativos na sua pauta de reivindicações. Assim, se as negociações coletivas não lograrem êxito e o conflito bater às portas dos tribunais, esses provavelmente tomarão decisões favoráveis aos pleitos sindicais correspondentes aos PN/TST.

A promulgação dos precedentes normativos do TST nos anos 1980 estabeleceu um padrão de referência para as negociações coletivas. Em qualquer processo de negociação, os agentes estavam conscientes de que: a) qualquer agente singular poderia submeter seus pleitos ao escrutínio do Judiciário Trabalhista, independentemente da concordância do outro agente; b) a partir da decisão de mérito de um tribunal regional, qualquer agente singular poderia recorrer de cláusulas específicas da sentença normativa ao TST; e c) a decisão do TST muito provavelmente ocorreria em conformidade aos precedentes normativos e demais instrumentos formais de consolidação das decisões reiteradas.

Ao longo dos anos 1980, o TST editou 126 precedentes normativos, na sua maioria amparados em decisões tomadas em processos de dissídio coletivo ajuizados entre 1983 e 1985, aos quais se somaram 15 ementas de jurisprudência também aplicáveis ao julgamento dos dissídios. Essa diferença de rótulo entre precedentes e ementas aparentemente não ocasionou qualquer variação substantiva quanto ao seu uso no julgamento dos dissídios, e, por isso, me referi a essas 141 decisões consolidadas pelo título geral de precedentes normativos (a que denominarei PN/TST 1980 daqui em diante). Sobre a adoção dos precedentes, Pereira observa que: "A adoção de precedentes normativos, pela Justiça do Trabalho brasileira, teve origem em prática informal surgida, a partir de abril de 1985, no Tribunal Superior do Trabalho. De fato: por iniciativa do ministro Orlando Teixeira da Costa, aquela Corte, para abreviar a fundamentação dos votos de seus integrantes e agilizar, assim, o julgamento dos dissídios coletivos de sua competência originária e daqueles que examinava em grau de recurso, passou a invocar seus precedentes jurisprudenciais pertinentes, desde que estes representassem o pensamento da maioria absoluta de tais integrantes, vale dizer, da metade mais um deles, pelo menos" (1996: 41).

Em 1988, na esteira da promulgação da nova Constituição Federal, a Lei 7.701, de 21/12/1988, em seu art. , alínea d, estabeleceu a competência do Pleno do TST para "aprovar os precedentes de jurisprudência predominante em dissídios coletivos". Essa mesma lei previa ainda, em seu art. 14, que os regimentos internos dos Tribunais Regionais do Trabalho dispusessem sobre a uniformização das normas coletivas, ou seja, sobre a criação de precedentes normativos regionais.

Uns poucos anos se passaram até que, em 1992, por meio da resolução administrativa 37, de 25/6/1992, o TST aprovou um conjunto de precedentes normativos, os quais na verdade representavam uma sistematização da jurisprudência iterativa até então praticada. Assim, revisaram-se os precedentes que vinham sendo seguidos desde meados dos anos 1980, daí resultando 118 precedentes normativos (PN/TST 1992 doravante). Comparando-se o conteúdo dos precedentes de 1992 com os dos anos 1980, verifica-se que 111 precedentes normativos não se alteraram, quatro precedentes foram mantidos quanto ao seu tema, porém com alteração no conteúdo da regra, 26 foram simplesmente suprimidos, e 3 precedentes novos quanto ao tema e ao conteúdo foram adicionados.

Em 1998, o TST empreendeu uma nova revisão dos precedentes normativos, que se caracterizou essencialmente pelo cancelamento de algumas regras definidas em 1992. Assim, comparando-se os precedentes de 1998 com os de 1992, observa-se que 90 precedentes normativos foram mantidos sem qualquer alteração, 1 precedente foi alterado quanto ao seu conteúdo, 26 foram cancelados e 1 consistia em regra nova (esse, na verdade, aprovado em 1996). Ainda em 1998, o TST também aprovou um outro conjunto de regras aplicáveis aos dissídios coletivos, às quais denominou precedentes jurisprudenciais (PJ/TST). Esses estavam compostos de 32 regras, em sua maioria versando sobre requisitos para a instauração de dissídios coletivos. Em seu conjunto, os precedentes normativos e os precedentes jurisprudenciais reuniram 123 normas consolidadas (PN/TST 1998, daqui em diante).

Os dados da Tabela_1 sintetizam a evolução do número de precedentes normativos entre a década de 1980 e o ano de 1998, distinguindo a abrangência de sua aplicação quanto às categorias profissionais. Os precedentes agrupam todos os tipos de decisões consolidadas que mencionei anteriormente, independentemente das diferenças de rótulo entre si. A maioria dos precedentes normativos é de aplicação geral a todas as categorias profissionais. Alguns precedentes, contudo, são válidos no âmbito exclusivo de categorias específicas ' por exemplo, trabalhadores rurais ou bancários. Não se observou mudança relevante nas proporções desses tipos de precedentes ao longo do tempo.

Nesta seção, mostro que, com o intuito de amparar o exercício do poder normativo nos julgamentos dos dissídios coletivos, o TST formalizou, a partir dos anos 1980, decisões reiteradas em precedentes normativos. Dado o arranjo institucional para a solução dos conflitos coletivos no Brasil, esses precedentes normativos, juntamente com os demais instrumentos formais de consolidação de decisões, tornaram-se logicamente uma forte referência para as negociações coletivas de trabalho. Por esse motivo, investigarei, nas próximas seções, o conteúdo das decisões consolidadas e discutirei a provável influência da conduta do Judiciário Trabalhista, especialmente a mudança observada nessa conduta, sobre as negociações coletivas nos anos 1980 e 1990.

O ESCOPO TEMÁTICO DOS PRECEDENTES NORMATIVOS A análise do escopo temático dos precedentes normativos baseia-se em um sistema de classificação de cláusulas desenvolvido em Horn (2003, cap. 4). Nele, agrupo os precedentes segundo a dicotomia básica entre normas substantivas e normas de procedimento5. O número de precedentes, de acordo com essa distinção e com os temas que abordam, é apresentado na Tabela_2. As estatísticas mostram que quatro em cada cinco PN/TST consistiam em normas substantivas quando esses precedentes foram inicialmente formalizados nos anos 1980. A maioria das regras tinha a remuneração (47,5%) e a segurança no emprego (14,9%) como seu objeto temático. Os precedentes sobre remuneração enfocavam assuntos variados, como descontos, comprovantes de pagamento, cálculo da remuneração em caso de interrupção involuntária do serviço, auxílio ao acidentado e auxílio-educação.

Na revisão de 1992, a principal mudança promovida pelo TST foi a redução no número total de precedentes de 141 para 119. O escopo temático, quando observado com base na proporção de precedentes segundo o tema, permaneceu virtualmente inalterado. Um crescimento marginal na porcentagem das regras classificadas nos temas "férias e licenças remuneradas", "recrutamento e contrato de trabalho", "condições de trabalho" e "relações sindicais" ocorreu em contrapartida a reduções igualmente inexpressivas nas porcentagens dos temas restantes. Esses resultados demonstram que a revisão de 1992 teria sido orientada basicamente por um objetivo de redução no número de precedentes normativos, sem maior preocupação quanto ao seu escopo temático.

Um quadro de mudanças de maior alcance, porém, é o que emerge da análise da revisão ocorrida em 1998. Embora o montante total tenha sido acrescido de uns poucos precedentes, em comparação com o ano de 1992, um perfil diferente da distribuição desses precedentes segundo o escopo temático sinais de que uma mudança mais significativa na orientação do TST teria tomado forma ao longo da década. O número de regras sobre a relação de emprego reduziu-se de 97 para 81 PN/TST, ao passo que o número de regras de procedimento aumentou de 22 para 42 PN/TST. Isso indica que na revisão de 1998 o TST deu um passo a mais no sentido de auto-restringir a regulação judicial da relação de emprego, não apenas por meio do corte no número de precedentes substantivos ' uma decisão que reforçou o tipo de conduta adotado na revisão de 1992 ', mas também ratificando antigas e formalizando novas condições para que os agentes da negociação coletiva submetessem seus pleitos à decisão judicial.

O decréscimo no número de precedentes substantivos em 1992 e 1998, e o crescimento no número de regras que fixam requisitos formais para a instauração da instância em 1998, evidenciam uma mudança crucial na conduta do TST ao longo dos anos 1990. A corte trabalhista parece ter conscientemente abandonado uma política favorável ao exercício efetivo de sua competência normativa, que viera inclusive a determinar a consolidação de inúmeras decisões singulares em precedentes normativos nos anos 1980, passando a praticar uma política de construção de barreiras formais ao uso do Judiciário Trabalhista na solução dos conflitos coletivos.

Uma segunda mudança decorrente das revisões acontecidas em 1992 e 1998 também é de interesse. Desde sua primeira promulgação nos anos 1980, os precedentes normativos foram classificados ou como "precedentes positivos", ou como "precedentes negativos". Um precedente é dito positivo quando uma maioria de ministros do TST concorda que seu conteúdo normativo deve ser deferido nos julgamentos dos dissídios coletivos, ao passo que os precedentes negativos compreendem os conteúdos que a maioria do tribunal está propensa a indeferir. A importância dessa dicotomia reside na sinalização dada pelo TST aos agentes da negociação coletiva. Nos processos de negociação que não chegam a bom termo, no caso de o conflito ser submetido à arbitragem judicial, sabe-se de antemão que as demandas por regras iguais às dos precedentes positivos provavelmente serão acatadas pelo TST, ao passo que o contrário é mais provável de ocorrer quanto às demandas por regras iguais às dos precedentes negativos.

A dicotomia entre precedentes positivos e negativos é especialmente relevante no que se refere às normas substantivas. A formalização dos precedentes normativos nos anos 1980 pode ser entendida como uma reação do TST ao fenômeno da multiplicação das disputas coletivas que se observou com o ressurgimento do ativismo sindical em fins dos anos 1970. Um certo número dessas disputas veio a dar nas portas dos tribunais, avultando o montante de trabalho dos magistrados.

Ao se debruçarem sobre os processos, uma parte principal da matéria acerca da qual deveriam elaborar consistia na pauta de reivindicações dos sindicatos e se compunha, sobretudo, de questões sobre a relação de emprego. Assim, um precedente positivo pode ser visto como um sinal formal de concordância dos magistrados com a regra, normalmente derivada do exame das pautas de reivindicação dos sindicatos, senão quanto ao conteúdo específico, ao menos quanto ao assunto, enquanto um precedente negativo emite justamente o sinal contrário.

As Tabelas_3 e 4 trazem o número e a porcentagem dos precedentes positivos e negativos correspondentes às normas substantivas, conforme seu escopo temático.

Os dados mostram que a maior parte era composta de precedentes positivos. A redução no número de PN/TST observada nas revisões de 1992 e 1998 manteve virtualmente inalteradas as participações relativas de cada tipo de precedente.

Dado o maior número de precedentes positivos nos anos 1980, a estabilidade das freqüências relativas resultou de uma redução absoluta maior desses precedentes do que dos precedentes negativos. Em números absolutos, a supressão de 23 PN/ TST positivos e de nove PN/TST negativos acarretou uma redução líquida de 14 PN/TST positivos.

As principais conclusões que emergem das mudanças no escopo temático dos precedentes normativos do TST entre os anos 1980 e o ano de 1998 são as seguintes: a) o decréscimo no número de precedentes substantivos indica uma redução na propensão do TST de exercer o poder normativo na regulação da relação de emprego; b) a maior redução absoluta no número de precedentes positivos, em comparação ao de precedentes negativos, pode sugerir um viés contrário aos interesses daqueles sindicatos que buscam resolver os conflitos coletivos através da arbitragem judicial; c) o considerável acréscimo no número de precedentes referentes a normas de procedimento em 1998 ' uma boa parte dos quais consistindo em requisitos a serem observados no ajuizamento de ações ' evidencia uma política para barrar as pretensões dos agentes da negociação coletiva interessados em resolver as disputas no Judiciário.

RESTRINGINDO O ACESSO À SOLUÇÃO JUDICIAL DOS CONFLITOS Quando o TST empreendeu uma nova revisão dos precedentes normativos em 1998, metade das normas de procedimento então formalizadas correspondia a requisitos que os agentes da negociação coletiva precisavam satisfazer no caso de levarem suas disputas ao exame do tribunal. A promulgação desses precedentes ratificou as diretivas que o TST vinha observando, na prática, desde fins dos anos 1980.

Em 1993, inclusive, o tribunal havia substituído a instrução normativa 1, de 1982, pela instrução normativa 4, por meio da qual ampliou a lista dos requisitos de procedimento para ajuizamento de ações. Essas mudanças evidenciam a disposição da corte superior de restringir o acesso dos sindicatos e das empresas à solução judicial dos conflitos coletivos de trabalho.

No Quadro_1, detalho os vários procedimentos a serem seguidos pelos agentes da negociação quando do ajuizamento das ações de dissídio coletivo, segundo a Consolidação das Leis do Trabalho ' CLT e diferentes instrumentos normativos emanados do TST nas décadas de 1970 a 1990. O quadro mostra que alguns dos requisitos estipulados na instrução normativa 4 e nos precedentes normativos se encontravam presentes no corpo da CLT. Os requisitos fixados nesta, entretanto, costumavam ser apenas parcialmente observados pelos tribunais trabalhistas nos anos 1980. A maior parte das disputas trazidas à colação dos tribunais não satisfazia aqueles requisitos em sua completude e, mesmo assim, tinha seu mérito julgado6. Não era, pois, a ausência de regras, mas a conduta relativamente mais permissiva dos tribunais até os anos 1990 que autorizava os agentes da negociação a buscar uma solução judicial sem realizar rigorosa preparação.

A conduta dos tribunais trabalhistas no que tange à observação dos requisitos processuais começou a se modificar ao final dos anos 1980. Dado que a Constituição Federal de 1988, em seus arts. e , conferiu certa proeminência às negociações coletivas de trabalho como forma de ajuste entre as partes, uma interpretação que se tornou então corrente foi a de que esse alargamento da relevância constitucional das negociações coletivas teria como conseqüência um estreitamento do escopo de uso do poder normativo. Essa interpretação da norma constitucional veio a ser amplamente aceita no TST, o qual passou a agir com rigor maior quanto à observância dos requisitos formais para a arbitragem judicial dos conflitos coletivos. Na prática, a mudança de conduta resultou em um número crescente de disputas que permaneceram sem solução, uma vez que os tribunais se recusaram a lhes avaliar o mérito.

Conforme relatado no diário Gazeta Mercantil, em sua edição de 20/8/1996: "nos últimos anos, o Tribunal tem sido rigoroso na condução dos dissídios. Dos 707 julgados entre janeiro e junho deste ano, 202 foram extintos por irregularidades na documentação ou apresentação ' quórum insuficiente nas assembléias deliberativas, ata defeituosa ou ausência de negociação no processo" (Nascimento, 1996:A-6).

Portanto, na revisão dos precedentes normativos levada a cabo em 1998, o TST nada mais fez do que reforçar sua disposição de restringir o acesso à arbitragem judicial como forma de solução dos conflitos coletivos de trabalho.

Um montante de nove novos PN/TST com requerimentos processuais foram somados ao único precedente desse tipo existente na lista de 1992 ' o qual, diga-se de passagem, repetia regra encontrada na CLT. Além disso, dois precedentes consistiam em regra efetivamente nova, não fixada previamente na legislação do trabalho.

O maior número de precedentes processuais e, sobretudo, a mudança na conduta dos juízes quanto à aplicação dessas normas de procedimento indicam que uma notável alteração no padrão de comportamento do TST quanto à solução das disputas coletivas tomou corpo nos anos 1990. Pouco tempo antes, nos anos 1980, esse tribunal havia consolidado seu entendimento sobre inúmeras normas substantivas e de procedimento em precedentes normativos que o auxiliariam no exame do mérito das ações de dissídio coletivo. Nos anos 1990, a conduta do TST tomou um caminho completamente oposto, ao se impor uma lista ampliada de requisitos processuais e exigir-lhes estrito cumprimento. Isso revela uma restrição conscientemente auto-imposta ao exercício do poder normativo. O Quadro_2 oferece uma síntese desses distintos padrões de conduta do TST.

De acordo com os traços mais evidentes da conduta do TST sintetizados no Quadro 2, os anos 1980 caracterizaram-se pela alta propensão de que esse tribunal provesse uma solução dos conflitos coletivos com o julgamento de mérito das ações. Mesmo que os litigantes não observassem com precisão os requisitos processuais, os ministros do TST provavelmente decidiriam sobre o conteúdo material da ação. Essa propensão a dar uma solução de mérito, em um contexto em que um número crescente de disputas em busca de solução judicial, explica inclusive a consolidação das decisões recorrentes em precedentes normativos.

De modo contrário, nos anos 1990, o TST passou a exigir a estrita observância das regras para o ajuizamento de ações, além de apregoar novos requisitos processuais. Em decorrência, tornou-se crescentemente improvável a resolução dos conflitos coletivos de trabalho pelos tribunais. Esse padrão de comportamento foi reforçado, ademais, pela redução no número de precedentes substantivos positivos nas revisões de 1992 e 1998. Uma questão complementar sobre o conteúdo dos precedentes normativos diz respeito ao grau em que esses precedentes estipularam regras adicionais àquelas encontradas na legislação trabalhista. A análise dessa questão, que farei na próxima seção, envolve uma comparação entre o conteúdo normativo dos precedentes e a legislação trabalhista correspondente.

PRECEDENTES NORMATIVOS SUBSTANTIVOS E LEGISLAÇÃO ESTATAL O poder normativo da Justiça do Trabalho permite aos magistrados desempenharem uma função tipicamente legislativa de criação de normas legais. Nesta seção, examino se os precedentes normativos com regras que regulam diretamente a relação de emprego (regras substantivas) efetivamente originaram normas inexistentes na legislação brasileira do trabalho. Para tanto, utilizei o esquema de classificação de cláusulas desenvolvido em Horn (2003, cap. 5), adaptando-o à comparação entre precedentes normativos e normas estatutárias. O esquema de classificação é formado por cinco categorias, a saber: a) Categoria "sem norma estatal comparável" (ou, simplesmente, categoria "sem norma estatal"), que na comparação em questão agrupa os precedentes normativos cujo objeto temático não é regulado na legislação estatal.

b) Categoria "norma mais ampla" (categoria "mais ampla"), que se aplica aos precedentes normativos que, do ponto de vista dos empregados, estipulam normas mais favoráveis do que as previstas na legislação estatal.

c) Categoria "norma operacional" (categoria "operacional"). Esta refere-se aos precedentes normativos relacionados a normas estatais que não são plenamente operacionais e que requerem um complemento normativo para torná-las eficazes.

d) Categoria "norma que reproduz a norma estatal" (categoria "igual à lei"), que reúne os precedentes cuja regra, em escopo temático e conteúdo normativo, reproduz o conteúdo da legislação estatal.

e) Categoria "norma disputável" (categoria "disputável"), que agrupa os precedentes cuja norma tem razoável probabilidade de originar dissídios individuais, podendo ser considerada ilegal.

Os precedentes normativos classificados nas categorias "sem norma estatal", "mais ampla" e "disputável" correspondem a regras que não são encontradas na legislação estatal; portanto, esses precedentes compreendem regras adicionais à lei. alguma ambigüidade quanto ao fato de as normas "operacionais" pertencerem ou não ao domínio das regras adicionais, mas certamente não é esse o caso da categoria "igual à lei". A Tabela_5 mostra o número e a porcentagem dos precedentes normativos classificados de acordo com essas categorias.

As estatísticas da Tabela_5 mostram que a quase totalidade dos precedentes substantivos refere-se a normas que beneficiam os empregados (média de 94,4% do total de precedentes substantivos nos três anos de referência). que se assinalar, todavia, que a interpretação de um precedente positivo (caso em que o TST é favorável à norma) é diametralmente oposta à de um precedente negativo (caso em que o TST não é favorável à norma). Tendo isso em vista, verifica-se que os casos em que o TST se dispunha a decidir favoravelmente sobre normas que beneficiavam os empregados abarcavam cerca de 3/4 do total de precedentes normativos substantivos. Com as revisões de 1992 e 1998, o número absoluto desses precedentes se reduziu, mas as porcentagens praticamente não se alteraram.

Os dados da tabela mostram ainda que pouco mais de metade do total de precedentes fixou normas adicionais que beneficiam os empregados (média de 54,1% nos três anos de referência). A maior parte desses precedentes positivos compunha-se de regras "sem norma estatal", tendo inclusive sua participação no total geral, oscilando dentro de uma estreita margem, de 31,9% nos anos 1980 para 34,6% em 1998. a porcentagem dos precedentes classificados como "mais amplos" caiu de 23,0% para 18,5%. Eis, portanto, uma resposta geral à questão sobre a criação de normas adicionais nos PN/TST: se levada ao exame do TST uma pauta de reivindicações composta exclusivamente das normas de todos os precedentes, o tribunal deferiria pouco mais de 50% dessa pauta na forma de cláusulas que representassem direitos favoráveis aos empregados e que não eram encontrados, em escopo temático e conteúdo normativo, na legislação do trabalho à época. Quanto aos precedentes substantivos negativos, tanto o número quanto a porcentagem daqueles cuja regra se classifica como adicional à legislação estatal diminuíram entre os anos 1980 e 1990. Esses precedentes, que correspondiam a 21,2% do total nos anos 1980, recuaram sua participação para 14,8% em 1998. As regras classificadas como "mais amplas" explicam a maior parte do decréscimo, pois passaram de 7,1% para 2,5% do total.

As estatísticas da Tabela_5 reforçam as conclusões das seções anteriores acerca da mudança no padrão de conduta do TST entre os anos 1980 e 1990. Na década de 1980, o TST mostrava-se propenso a julgar o mérito das disputas coletivas submetidas à arbitragem judicial e, diante do aumento no seu número, reagiu através da consolidação de suas decisões reiteradas em mais de uma centena de precedentes normativos. Essa formalização dos precedentes trouxe consigo um quadro de referência para as negociações coletivas em virtude da natureza semicompulsória da arbitragem judicial no Brasil. Essa referência consistia em uma alta probabilidade de julgamento do mérito dos dissídios coletivos, que se faria com base em um total de 52 PN/TST com regras sobre a relação de emprego que não eram encontradas na legislação e que seriam deferidas no TST (ou seja, as cláusulas que os sindicatos ganhariam), e em um total de 24 PN/TST substantivos negativos (ou seja, as cláusulas que os sindicatos não ganhariam).

O exame do conteúdo dos precedentes normativos, entretanto, não é suficiente para que se possa indicar, sem ambigüidade, qual das partes da relação de emprego seria a principal beneficiária nos casos singulares de arbitragem judicial. Isso em face de pelo menos três razões.

A primeira razão corresponde ao fato de que o TST nunca chegou a formalizar um precedente sobre o tópico central das negociações coletivas no período, qual seja, o reajustamento dos salários nominais em um contexto de inflação alta e crônica. A ausência de uma referência consolidada em precedentes impunha aos agentes da negociação a necessidade de acompanharem, em cada momento, as decisões correntes dos tribunais trabalhistas com o intuito de avaliar os prós e contras de uma arbitragem judicial.

A segunda razão é que a existência de precedentes normativos positivos, mesmo aqueles com regras inexistentes na legislação trabalhista, não significava necessariamente uma vantagem para os empregados. Suponha-se, para fins de raciocínio, um acordo coletivo em que certo número de cláusulas fossem "mais amplas" do que as regras dos PN/TST. Ao termo do acordo, um dos possíveis cursos de ação do sindicato patronal seria o da recusa a um novo ajuste consensual, fazendo que o impasse viesse a dar às portas da corte trabalhista, na qual provavelmente os PN/TST seriam tomados como uma referência para a decisão. Como conseqüência, aquelas cláusulas que não se alinhassem aos precedentes normativos poderiam ser simplesmente suprimidas ou ter seu conteúdo rebaixado ao que dispunham os PN/TST.

Uma terceira razão está na própria existência dos precedentes negativos. O conhecimento de que um certo conjunto de normas substantivas seria indeferido em arbitragem judicial no TST reforçava a posição das empresas no sentido de se negarem a negociá-las com os sindicatos.

Nos anos 1990, como destacado anteriormente, o padrão de conduta do TST foi crescentemente marcado pela recusa em analisar o mérito dos dissídios coletivos. Além disso, a redução na porcentagem dos precedentes positivos classificados como "mais amplos" e o aumento na porcentagem dos precedentes "iguais à lei", como se observou na Tabela_5, sugere uma outra faceta do comportamento do TST nessa década. Os dados indicam uma certa propensão do TST, quando do exame do mérito dos dissídios, para evitar a criação de novas regras sobre tópicos regulados na legislação estatal. Tal fato completa o quadro sobre a mudança no padrão de conduta do TST nos anos 1990: primeiro, ocorre uma crescente recusa a julgar o mérito dos conflitos; segundo, no caso do exame desse mérito, uma crescente disposição de seguir a legislação estatal de modo mais aproximado, abdicando do poder de criar novas normas de direito.

COMENTÁRIO FINAL Neste artigo, analiso o poder normativo da Justiça do Trabalho e sua relação com as negociações coletivas. Esse poder normativo, previsto inicialmente na Constituição Federal de 1946, consiste na competência legal dos tribunais trabalhistas de criarem novas normas de direito nas decisões que proferem em dissídios coletivos. A simples existência de um poder normativo em um sistema caracterizado por arbitragem judicial semicompulsória das disputas coletivas7 faz as decisões dos tribunais trabalhistas transformarem-se em padrão de referência decisivo nas negociações coletivas. Assim, quando o TST consolidou várias de suas decisões em precedentes normativos nos anos 1980, magnificando o número de normas consolidadas a serem aplicadas nos julgamentos dos casos singulares, esses precedentes passaram a constituir uma referência para os agentes da negociação. Isso porque, avaliados os custos e independentemente da concordância do agente com quem negociava, qualquer agente singular poderia abandonar as negociações voluntárias e submeter seu pleito ao exame do tribunal, onde esperava obter uma sentença normativa que incorporasse ao menos as regras dos precedentes.

A natureza semicompulsória da arbitragem judicial e o poder normativo fazem da mudança no padrão de conduta do TST, entre os anos 1980 e 1990, um importante elemento explicativo dos resultados das negociações coletivas. Nos anos 1980, a expectativa predominante era de que o tribunal viesse a examinar o mérito dos conflitos submetidos à sua arbitragem, sem exigir uma observância estrita dos requisitos processuais formais. Além disso, ao decidir sobre os casos, o TST passou a levar em conta as suas decisões consolidadas na forma de precedentes normativos, o que poderia resultar na criação de normas novas aplicáveis na esfera das categorias litigantes ' com base nos precedentes positivos ' e na recusa a estipular regras sobre certos tópicos ' com base nos precedentes negativos. na década de 1990, em giro de 180°, o TST tornou-se consideravelmente mais rigoroso na exigência dos requisitos formais, ampliando a probabilidade de uma ação ser extinta sem o julgamento do seu mérito. Esse traço básico da nova conduta ' maior probabilidade de se recusar a solucionar as disputas, deixando que os agentes sindicais resolvam sozinhos suas divergências ' foi reforçado em 1992 e em 1998, com a supressão de inúmeras regras sobre a relação de emprego da lista dos precedentes normativos. Nessa década, o TST impôs a si mesmo consideráveis restrições ao exercício do poder normativo.

É possível aventar, por fim, que tanto a adoção inicial dos precedentes normativos e sua aplicação nos anos 1980 quanto à recusa ao exercício do poder normativo nos anos 1990 guardam alguma relação com as condições mais gerais do movimento sindical e das negociações coletivas em cada década. Uma relação em que a conduta do Judiciário explica-se, de um lado, pelas mudanças havidas no sindicalismo e no contexto das negociações coletivas de trabalho, e que virá a desempenhar, de outro, funções de monta para os resultados das negociações.

Assim, na década de 1980, as funções disciplinadora e de extensão de normas que os precedentes podem ter exercido em um momento de ascenso dos sindicatos foram bem mais importantes do que o singelo motivo operacional para a adoção dos precedentes normativos ' ou seja, conferir maior agilidade ao TST em vista do crescente número de disputas coletivas. Por função disciplinadora, devemos entender os efeitos de contenção sobre os sindicatos que lideraram o processo de fortalecimento das negociações coletivas de trabalho a partir de fins dos anos 1970. O surgimento dos precedentes normativos pode ter atuado como uma ducha de água fria nas pretensões desses agentes. Os sindicatos de trabalhadores assentavam a negociação em uma lógica de ganhos cumulativos de normas que favorecessem sua base e também a própria instituição sindical, com a busca, em cada ano, de novas regras ou da ampliação de direitos convencionados nas negociações anteriores. Nesse contexto, a formalização das decisões reiteradas do TST fortaleceu a posição negocial das empresas nos setores do sindicalismo mais militante, uma vez que as empresas tiveram uma forte justificativa externa para negar a concessão de determinadas reivindicações, a saber, as que asseguravam direitos mais amplos do que os dos precedentes positivos e as que se referiam a direitos negados pelo tribunal com base nos precedentes negativos. Em síntese, a formalização dos precedentes pode ter atuado como um freio ao processo de fortalecimento das negociações voluntárias liderado por uma ala do sindicalismo brasileiro.

Além da função disciplinadora, a consolidação dos precedentes pode ter ocasionado um fenômeno de extensão de direitos às bases dos sindicatos com menor poder de barganha. Ainda que a lógica de comparações típica do mercado de trabalho possa ter estado presente na extensão de cláusulas inovadoras, ajustadas pelos sindicatos de vanguarda, a sindicatos que vieram a adotar uma conduta pró-ativa nas negociações, não é provável que todas as negociações tenham resultado efetivamente na extensão daquelas cláusulas ' isso sem falar na massa de sindicatos que, em princípios dos anos 1980, ainda não havia retirado as negociações coletivas da atrofia virtual em que se encontravam até então8. Nestes casos, a extensão das normas obtidas nas negociações dos sindicatos mais ativos e com maior poder de barganha pressupunha a arbitragem judicial, porém no limite dado pelos precedentes normativos.

A função disciplinadora do poder normativo deixou de ter importância ao longo dos anos 1990, quando o movimento sindical passou a enfrentar crescentes restrições nas negociações coletivas de trabalho em face do baixo dinamismo da economia. O enfraquecimento da posição negocial dos sindicatos tornou desnecessário o papel disciplinador do Judiciário Trabalhista, substituído agora pela realidade de um mercado de trabalho com alto e crescente desemprego.

Nesse contexto, poder-se-ia conceber que, na arbitragem das disputas coletivas, os tribunais trabalhistas tomariam para si a função de manter as regras coletivas existentes e mesmo de criar novas regras favoráveis aos trabalhadores. Entretanto, como tratei de caracterizar ao longo deste artigo, o TST adotou um curso de ação completamente diferente, sancionando a disciplina do mercado através de sua crescente omissão no julgamento dos dissídios coletivos.

NOTAS 1. A análise apresentada neste artigo circunscreve-se a práticas anteriores à promulgação da emenda constitucional 45 (EC 45), de 8 de dezembro de 2004, que introduziu modificações no instituto do poder normativo. Nas primeiras análises jurídicas sobre o alcance dessas modificações, um autor chegou a afirmar taxativamente que "o poder normativo da Justiça do Trabalho acabou" (Garcia, 2005:396). Porém, como nada no mundo do direito transita sem que interpretações divergentes se apresentem no palco dos debates, outro autor declarou não integrar "a corrente que entende ter sido extinto o poder normativo dos tribunais do Trabalho, pois a sentença poderá criar ou rever regras e condições de trabalho, desde que o pedido integre a lide, respeitadas as disposições mínimas de proteção ao trabalho previstas em lei ou instrumento da negociação coletiva" (Süssekind, 2005:30). O curto período de tempo transcorrido desde a promulgação da EC 45, bem como o estágio do debate doutrinário sobre a nova norma inscrita no art. 114, § da Constituição Federal, impedem, por ora, uma conclusão mais segura sobre as conseqüências efetivas da mudança introduzida. De uma perspectiva de análise empírica, como a que realizei neste artigo, a abordagem do tema requer que se observe a conduta dos agentes das negociações coletivas e, sobretudo, do Judiciário Trabalhista por um período de tempo mais longo, com o que será possível estimar as repercussões da nova norma sobre o mundo das relações sociais reais.

2. Garcia (2005:384-385) situa as origens do poder normativo em um período anterior. Segundo esse autor, a primeira referência legal à solução de conflitos de interesse pela Justiça do Trabalho estaria presente no Decreto-Lei 1.237, de 1939.

3. Esse texto foi modificado, na emenda constitucional 45, de 8/12/2004, que assim dispôs: "recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente".

4. A partir da emenda constitucional 45, esse mecanismo semicompulsório para a solução judicial dos conflitos coletivos deixou de existir. Lembramos, uma vez mais, o que diz a nova redação do art. 114, § , da CF 1988: "recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente" (ênfases do autor). Portanto, a concordância das partes passa a valer como um pré-requisito da solução judicial. A forma efetiva que adquirirá esse pré-requisito na relação cotidiana dos agentes das negociações coletivas entre si e com a Justiça do Trabalho, todavia, é assunto ainda em aberto.

5. Trata-se de uma dicotomia consagrada na literatura sobre sistemas de relações de trabalho. As regras resultantes da operação de um sistema qualquer se classificam como substantivas ' quando regulam diretamente a relação de emprego ', ou de procedimento ' quando regulam indiretamente a relação de emprego, ao estipularem normas para a formulação, revisão e cumprimento das regras em geral e sobre as relações que os agentes da negociação mantêm entre si e com suas respectivas bases constituintes. Ver, a propósito, Dunlop (1993), Flanders (1970) e Wood et alii (1975).

6. Como não poderia deixar de ser, o giro de 180° na conduta do Judiciário Trabalhista quanto aos dissídios coletivos foi imediatamente percebido pelos operadores do direito do trabalho. Nas diversas entrevistas realizadas durante o trabalho de campo da tese que deu origem a este artigo, advogados de sindicatos de trabalhadores confirmaram o enrijecimento dos tribunais do Trabalho quanto à observância dos requisitos formais nos dissídios coletivos.

Por exemplo, Gisele P. Barreto Campos, do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Produtos Farmacêuticos e Defensivos Animais de Porto Alegre, afirmou que "com relação ao processo em si, o Tribunal [Regional do Trabalho da Região] vem sendo cada vez mais rígido quanto a formalidades. Isto denota que a tendência do Tribunal é a de não participar nas negociações, nos dissídios coletivos" (entrevista concedida ao autor em 8/5/1996). E Antonio Carlos Porto Jr., do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Novo Hamburgo, destacou que "a partir dali [anos 1990] se teve um política dura de acabar com os dissídios mesmo" (entrevista concedida ao autor em 13/5/1996). As motivações do TST para essa mudança de comportamento nos anos 1990 é um dos objetos de discussão de Silva (2004) em seu projeto de tese de doutoramento na PUC-RJ.

7. Arbitragem judicial semicompulsória era o caso do sistema brasileiro, convém novamente assinalar, até a promulgação da emenda constitucional 45, de 8/12/ 2004.

8. A expressão "atrofia virtual" foi tomada de empréstimo de Córdova (1989).

Este analista das relações de trabalho assinala que, a partir de fins dos anos 1970, as negociações coletivas no Brasil teriam começado a "to get over virtual atrophy" (idem:263).


transferir texto