Regras eleitorais importam? Modelos de listas eleitorais e seus efeitos sobre a
competição partidária e o desempenho institucional
O objetivo deste artigo consiste em analisar as conseqüências provocadas por
diferentes modelos de listas eleitorais sobre a configuração dos sistemas
partidários e o desempenho de instituições poliárquicas. Modelos alternativos
de listas eleitorais podem ser compreendidos como regras que definem quem
ordena a distribuição de cadeiras partidárias entre candidatos individuais, com
variações entre o ranqueamento prévio dos candidatos legislativos ' fixado por
lideranças partidárias ' até formatos que permitem maior influência dos
eleitores na definição da composição das bancadas eleitas por cada partido
através do voto nominal atribuído a candidatos individuais.
O debate sobre reforma política, de presença crônica na agenda institucional
brasileira, justifica a pertinência de um estudo comparativo sobre o impacto
produzido por diferentes modalidades de listas eleitorais, ao oferecer um
recurso de controle sobre as hipóteses propositoras da adoção de modelos
eleitorais alternativos. Desta forma, este artigo pretende avaliar até que
ponto as conseqüências atribuídas ao modelo de lista aberta são, de fato,
verificadas em outras democracias e se existe, realmente, uma associação entre
listas partidárias fechadas e maior organização dos partidos. Em outras
palavras, regras eleitorais de ordenamento de listas partidárias importam mesmo
para a configuração de sistemas partidários e o desempenho institucional?
Inicialmente, buscou-se reconstituir as interpretações encontradas nos estudos
eleitorais sobre os efeitos produzidos pela adoção de diferentes modelos de
ordenamento de listas partidárias. Na seqüência, procurou-se examinar as
conseqüências associadas ao funcionamento de diferentes modalidades de lista
eleitoral, organizadas em torno de dois grupos: regras eleitorais que (1)
reservam aos partidos o monopólio do ranqueamento eleitoral e (2) oferecem aos
eleitores a chance de interferir sobre a composição final das nominatas
partidárias legislativas. Inicialmente, foi buscada a origem do sistema em
vigor em cada caso nacional, considerando o período da implantação e o modelo
eleitoral prévio. Em uma segunda etapa, descartando países não-democráticos
(not-free, segundo a classificação Freedom House), fórmulas eleitorais
majoritárias e mistas, a análise concentrou-se sobre 51 casos nacionais com
regras de representação proporcional. Buscou-se, nesta parte, examinar o
impacto exercido pelo voto preferencial sobre a dinâmica dos sistemas
partidários (número de partidos efetivos, turnout e volatilidade eleitoral) e o
desempenho institucional (accountability e corrupção). Os resultados
evidenciaram que modelos distintos de listas eleitorais não são capazes de
provocar diferenças significativas nestes quesitos, permitindo rediscutir as
premissas e interpretações até aqui apresentadas pela literatura especializada.
CONSEQÜÊNCIAS POLÍTICAS DAS REGRAS ELEITORAIS: O ESTADO ATUAL DO CONHECIMENTO
SOBRE O TEMA
Até recentemente, as grandes controvérsias acerca dos efeitos produzidos pelas
regras eleitorais sobre a competição partidária focalizaram a discussão sobre
os fatores mecânicos e psicológicos produzidos pelas fórmulas de conversão de
votos em cadeiras legislativas e seus incentivos ao voto estratégico (Duverger,
1954; 1986; Nohlen, 1981; Fisichella, 1984; Taagepera, 1984; Lijphart, 1990;
Sartori, 1996; Blais e Massicotte, 1996; Cox, 1997; Blais, Young e Turcotte,
2005), nos mecanismos de alocação de sobras e nas conseqüências geradas pela
magnitude eleitoral (Rae, 1967; Taagepera e Shugart, 1989). Menor atenção foi
conferida às regras para a ocupação da cota de cadeiras parlamentares entre
candidatos partidários. Um exemplo deste descaso pode ser registrado no recente
e exaustivo estudo de Lijphart (1999) sobre as variações institucionais nas
poliarquias institucionalizadas. O capítulo dedicado a descrever as
alternativas disponíveis para a organização de sistemas eleitorais ' com
detalhes acerca das regras eleitorais das 36 democracias em exame, como
fórmula, magnitude, barreiras, dimensões do corpo legislativo,
desproporcionalidade ' menciona variações no sistema de listas apenas em uma
nota de rodapé.
Fórmulas para a conversão de votos em cadeiras legislativas correspondem a uma
parte da engenharia institucional dedicada à produção da representação
política. No caso das instituições de representação proporcional, torna-se
relevante fixar como devem ser distribuídas as cadeiras da cota proporcional de
cada partido entre seus candidatos parlamentares: conforme ranqueamento
decidido previamente nas organizações partidárias ou pelo voto preferencial
expresso pelo eleitor.
A forma mais freqüente de ordenamento promovido previamente pelo partido tem
sido o modelo de listas fechadas, como registrado, entre outros casos, na
Argentina, Indonésia, Noruega, Portugal, Espanha e África do Sul. Neste
formato, partidos apresentam, antecipadamente, uma relação ordenada de seus
candidatos, restando aos eleitores um sufrágio impessoal na lista (legenda) de
sua preferência. As cadeiras são distribuídas entre os candidatos partidários
conforme a ordem previamente estabelecida, até completar-se a cota proporcional
partidária. O ordenamento partidário de listas pode ser encontrado, ainda, em
sistemas eleitorais mistos, sejam paralelos como o da Geórgia, Japão, Coréia e
Rússia, ou mistos-congruentes, como o da Alemanha, Hungria, Bolívia e Nova
Zelândia.
O modelo mais usual de ranqueamento definido pela interferência do eleitor na
definição da ordem final consiste na lista aberta, ou não-ordenada, encontrada
em países como Brasil, Finlândia, Suécia, República Tcheca e Chile, e
corresponde a um formato no qual partidos indicam seus candidatos sem uma ordem
de preferências prévia, sendo prerrogativa dos eleitores definir esta
hierarquia através de voto nominal conferido ao postulante de sua escolha.
Somados os votos dos candidatos de cada partido, estabelecida a cota
proporcional de cadeiras que cabe a cada legenda, estas são distribuídas
conforme a ordem de votos nominais obtidos por cada candidato. Listas
flexíveis, como a do sistema eleitoral belga, representam uma variação neste
procedimento, quando partidos apresentam listas eleitorais previamente
ordenadas, havendo, contudo, possibilidade de o eleitor alterar este
ordenamento, na medida em que deposite votos preferenciais para algum candidato
em quantidade suficiente para reposicioná-lo na lista final, ordenada após a
apuração dos sufrágios. No sistema de lemas, o eleitor vota em uma lista
subpartidária, determinando a cota proporcional partidária e, simultaneamente,
a distribuição intrapartidária de cadeiras, entre os diferentes lemas. Embora
cada sublema constitua uma lista pré-ordenada, a definição da nominata final
dos candidatos partidários eleitos depende da distribuição intrapartidária de
preferências do eleitorado, permitindo alocar o Uruguai entre os casos de voto
preferencial (Colomer, 2004; Rose, 2000). A Colômbia apresenta mecanismo
semelhante. No entanto, sua fórmula de conversão de votos em cadeiras baseada
no quociente eleitoral, combinado à primazia das maiores sobras, elimina o
recurso da transferência e compartilhamento intrapartidários dos sufrágios
(Archer e Shugart, 1997). Por fim, o single transferable vote, aplicado na
Irlanda e em Malta, permite uma ordenação prévia das preferências do
eleitorado, dirigindo a transferência do voto, caso as primeiras opções sejam
desperdiçadas. Após uma primeira apuração, descartam-se as primeiras opções dos
candidatos menos votados, bem como dos votos em excesso daqueles que alcançaram
o quociente eleitoral. Este procedimento é repetido sucessivamente, até que as
vagas em disputa sejam preenchidas.
INTERPRETAÇÕES SOBRE LISTAS ELEITORAIS E SUAS CONSEQÜÊNCIAS
A matriz para os diagnósticos produzidos sobre os efeitos de diferentes regras
de ranqueamento eleitoral de candidatos partidários pode ser localizada no
modelo de electoral connection, originalmente formulado por David Mayhew
(1974). Investigando as estratégias de carreiras de legisladores norte-
americanos, Mayhew encontrou evidências de que a busca de reeleição os
induziria a cultivar reputações personalizadas, e a promover uma oferta de
incentivos seletivos e particularísticos para sua constituency como melhor
resposta para esta estrutura de oportunidades. A relação entre manutenção de
carreira política, busca de votos personalizados e mandatos legislativos
orientados para a captura de recursos dirigidos para o reduto eleitoral ' com
foco ainda em distritos uninominais ' foi identificada em outros contextos,
além daquele observado originalmente (Cain, Ferejohn e Fiorina, 1987).
Um dos primeiros trabalhos a empregar o modelo de electoral connection para
interpretar a dinâmica da competição sob voto preferencial foi apresentado por
Scott Mainwaring (1991). Examinando as regras eleitorais operando no Brasil
desde 1946, Mainwaring indicou que, ao anteceder à institucionalização de
organizações partidárias nacionais, listas abertas teriam criado incentivos
para a fraca disciplina e fidelidade dos candidatos em relação a seus partidos.
Não prevendo a possibilidade de as lideranças partidárias efetuarem uma
hierarquia prévia dos candidatos, este procedimento teria reduzido custos
eleitorais para a violação de identidades partidárias, uma vez que sua eleição
dependeria da quantidade de sufrágios personalizados conquistados, principal
condição para definir o ordenamento dos candidatos. Desta forma, ao incentivar
a competição intrapartidária, o mecanismo de lista aberta seria o responsável
por provocar infidelidade, migração interpartidos, menor disciplina
legislativa, votos personalizados, reproduzindo uma situação endêmica de
fragilidade partidária.
Um quadro comparativo mensurando incentivos institucionais promovidos por
diferentes modelos de listas eleitorais sobre a geração de reputação partidária
ou pessoal como recurso para carreiras políticas foi elaborado por Carey e
Shugart (1996), criando um escore para medir os meios de controle à disposição
da liderança partidária: prerrogativa das nominações e ordenamento dos eleitos
(ballot), transferência de votos (pool), restrições à competição
intrapartidária e a existência de barreiras à formação de novos partidos,
promovida pela magnitude dos distritos eleitorais. Nesta direção, lista aberta,
candidatos natos e elevada magnitude das circunscrições eleitorais
incrementariam o potencial de competição intrapartidária, reduzindo,
paralelamente, o controle da liderança partidária sobre seus membros e
candidatos e ampliando o valor de reputações pessoais como capital político.
Nesta perspectiva, fórmulas majoritárias uninominais, com nominação partidária,
como a do Reino Unido e Canadá, e representação proporcional ' RP com lista
fechada (Israel, Espanha) seriam exemplos de instituições que, ao conferir
maior estoque de recursos à disposição das lideranças partidárias, gerariam
menor incentivo à manutenção de reputações partidárias. Em contraste, as
múltiplas listas partidárias com transferência limitada da Colômbia
constituiriam regras com maiores incentivos para a captura de votos pessoais.
Em um caso como o brasileiro, a transferência interpartidária de votos nominais
poderia ser um fator capaz de mitigar o efeito reputacional causado pelo modelo
de listas abertas. Por outro lado, conforme Carey e Shugart (1996), o
incremento da magnitude eleitoral provocaria conseqüências opostas, ampliando o
valor de votos personalizados como fator de distinção na competição
intrapartidária.
Argumento distinto sobre as conseqüências relacionadas com a magnitude
eleitoral pode ser encontrado em estudo em que Wessels (1999), examinando
orientações de parlamentares em 15 países da União Européia, observou que o
impacto da magnitude eleitoral sobre a reputação pessoal e a electoral
connection teria direção inversa daquela prescrita por Carey e Shugart (1996).
Quanto menor (e não maior) a magnitude da circunscrição, mais forte a
relevância da reputação personalizada e de orientações distributivistas nos
representantes.
Analisando seis casos nacionais na América Latina, Crisp et alii (2004)
isolaram duas variáveis como recursos explicativos para a geração de padrões de
electoral connection: procedimentos partidários de seleção de candidaturas, de
indicações centralizadas, como no Chile, Costa Rica e Honduras, até
descentralizadas, como na Colômbia, passando pelos casos intermediários da
Argentina e Venezuela; paralelamente, regras eleitorais de lista fechada ou com
competição intrapartidária (compreendendo lista aberta e listas
subpartidárias). Assim, decisões descentralizadas, combinadas à competição
intrapartidária, constituiriam o contexto mais favorável à disputa por votos
personalizados e políticas particularísticas.
Tem sido muito atraente, para a literatura, fixar uma conexão entre: (a) regras
eleitorais baseadas em voto preferencial; (b) incentivos para a promoção de
reputações personalizadas como estratégia dominante; e (c) um padrão de conexão
eleitoral baseado no reforço de lealdades paroquiais e no uso do pork barrel de
forma a reduzir a incerteza gerada por elevados custos de informação ao
eleitor, provocados pelo incremento no número de candidatos individuais e pela
competição intrapartidária. Assim, Carey e Shugart relatam que
"a reputação pessoal é associada freqüentemente por cientistas
políticos norte-americanos com o particularismo legislativo '
orientada para políticas do tipo pork barrel para beneficiar
distritos específicos e serviços para resolver problemas de eleitores
individuais com a burocracia governamental" (1996:419, tradução do
autor).
Em direção semelhante, Norris é enfática a respeito ao afirmar que
"onde os cidadãos exercem um voto preferencial (também conhecido como
'aberto' ou 'não-bloqueado'), há um reforço nas possibilidades de
alteração no ranqueamento original e, conseqüentemente, que
determinados candidatos da lista sejam eleitos. Sob estas regras, os
políticos têm incentivos moderadamente fortes para oferecer
benefícios particularísticos como forma de ultrapassar seus rivais
dentro de seu próprio partido" (2002:4-5, tradução do autor).
Em contraste, segue Norris, "espera-se que listas fechadas em distritos
plurinominais, onde os eleitores podem apenas escolher legendas partidárias e
não apoiar um candidato particular, gerem incentivos para a oferta de
benefícios programáticos e coletivos, reforçando coesão e disciplina de
bancadas parlamentares partidárias" (idem, tradução do autor). Por fim, Crisp
et alii insistem que
"procedimentos de seleção de candidatos e o tipo de cédula eleitoral
determinam a natureza da conexão eleitoral entre deputados e
eleitores. Deputados que devem satisfazer bases locais para entrar na
lista ou que competem contra seus próprios correligionários terão um
incentivo para focalizar sua atuação em projetos concentrados, com os
quais possam reivindicar crédito junto a eleitores potenciais.
Deputados que integram organizações partidárias que contem mais no
cálculo dos eleitores do que seus atributos individuais (porque os
eleitores não podem escolher entre candidatos de um mesmo partido)
têm a oportunidade de focalizar sua atuação em bens públicos ou em
leis com impactos relativamente difusos" (2004:831, tradução do
autor).
Pode-se extrair destas proposições que, enquanto uma oferta programática e
partidária cultivaria reputações partidárias e avaliação retrospectiva segundo
identidades e compromissos partidários, regras eleitorais que incentivam
reputação pessoal como capital eleitoral reforçariam oportunidades para pork
barrel, estimulando a indiferença dos eleitores em relação a políticas
redistributivas e ao compromisso com lealdades partidárias pelos candidatos
escolhidos personalizadamente (idem).
Ilustração para esta inferência pode ser reconhecida na reconstituição
promovida por Ames (2003) das estratégias eleitorais e de diferentes padrões de
distribuição espacial de votos dos candidatos eleitos no Brasil sob regra de RP
com lista aberta. Induzidos a cultivar redutos eleitorais baseados em reputação
personalizada, candidatos eleitos apresentariam quatro diferentes formatos de
electoral connection no Brasil: (1) concentrado/dominante, correspondendo a
redutos eleitorais exemplares de políticos tradicionais, baseados na
patronagem, clientelismo e ligações familiares; (2) concentrado/compartilhado,
encontrado em candidatos ligados a sindicatos e categorias profissionais, bem
como a movimentos ambientalistas; (3) disperso/dominante, característico de
políticos com carreiras construídas a partir de postos de direção na
administração pública; e, por fim, (4) disperso/compartilhado, observado em
candidatos eleitos a partir do apoio emprestado por igrejas evangélicas e
também grupos étnicos (idem:65).
Em síntese, o argumento convencional produzido pela literatura sugere que, sob
regras de voto preferencial, no qual a ordem dos candidatos a ocupar as vagas
geradas pela cota proporcional de cada partido é definida pela votação
individual de cada candidato, a conseqüência será estratégias baseadas na
reputação pessoal, viabilizadas preferencialmente por políticas
distributivistas de alocação concentrada de recursos públicos (verbas,
empregos) na constituency a ser conservada como condição para a manutenção e/ou
mobilidade na carreira política.
Diagnóstico ainda mais severo quanto à eficácia da lista aberta em promover não
apenas reputações partidárias, mas qualquer modalidade de voto retrospectivo, e
aptidão dos eleitores em punir ou recompensar seus representantes pode ser
encontrado em estudo de Nicolau (2002). Nas eleições legislativas realizadas
entre 1986-1998, no Brasil, apenas um terço dos eleitores teriam votado em
candidatos eleitos. Os restantes dois terços teriam dispersado suas
preferências em postulantes derrotados, embora estes votos tenham contribuído
para, pelo mecanismo da transferência (pool), eleger outros candidatos. O
efeito disto, conforme Nicolau (idem), seria um incremento no custo para
monitorar o desempenho dos representantes. Como a reputação partidária, medida
pelo voto na legenda, e a memória do voto não-desperdiçado representariam um
contingente minoritário dos eleitores, seriam os cidadãos sem o registro de sua
última escolha, que acompanham retrospectivamente vários deputados, ao lado dos
que escolheriam com base na oferta existente no momento eleitoral, sem o uso de
um mecanismo retrospectivo, que terminariam predominando no comportamento dos
eleitores brasileiros, sob a estrutura de oportunidades oferecida pela
configuração RP com lista aberta.
Regras eleitorais exercem, nesta perspectiva dominante, efeitos do tipo
positive feedback (Pierson, 2004): votos personalizados em distritos de
magnitude elevada reforçam a importância de reputações pessoais como critério
de escolha e, no fim do mandato, de avaliação retrospectiva. A importância
marginal de reputações partidárias incentiva estratégias de migração
interpartidárias ' dado o baixo risco de punição pelo eleitor ' o que, por sua
vez, incrementa os custos para a formação de reputações partidárias, reforçando
reputações pessoais como parâmetro de distribuição de votos. Por fim, custos
elevados para a informação necessária à escolha pelos eleitores ' em
decorrência da precariedade de reputação partidária ' incentivam a
transferência concentrada de recursos como moeda eleitoral, gerando efeitos
distributivos agregados. Em resumo, competição intrapartidária implicaria que
reputações personalizadas e lealdades paroquiais deveriam sobrepor-se a
identidades e fidelidade partidária, repercutindo em maior fragilidade nas
legendas partidárias.
Uma das poucas proposições em direção contrária à condenação corrente da lista
aberta pode ser localizada no argumento de Fabiano Santos (2003). Uma vez que
um contingente residual de candidatos é eleito com número de sufrágios que
corresponde ao quociente eleitoral, Santos (idem) indica que, efetivamente, a
maioria dos parlamentares deve sua eleição à transferência de votos que pode
ocorrer dentro de um partido ou mesmo entre vários partidos que compõem uma
coalizão eleitoral legislativa. Isto significaria, segundo Santos, que a
constituency eleitoral destes candidatos seria virtual, ou desconhecida mesmo
para o candidato, uma vez que é composta por votos conferidos a outros. Mais do
que a conexão eleitoral com um reduto geograficamente delimitado e alimentada
pelo pork, a condição de êxito dos políticos brasileiros estaria no desempenho
do conjunto do partido ou coalizão, quer dizer, os votos obtidos por candidatos
que atingem ou ultrapassam o quociente, bem como por aqueles que, ficando muito
distantes deste, terminam sendo derrotados, mas têm seus votos transferidos
para candidatos melhor posicionados no ordenamento individual. Neste caso,
enfatiza Santos (idem), a estratégia mais racional consistiria não em maximizar
a conexão com o reduto eleitoral, mas em apostar no desempenho partidário, o
que incentivaria disciplina, em vez de comportamentos do tipo free rider. O
problema, contudo, deve-se ao fato de o valor do pool de votos não ser
simétrico entre todos os candidatos de um partido/coalizão. Em outras palavras,
para efetivamente beneficiar-se com a transferência de votos daqueles
candidatos que tenham ultrapassado o quociente, e também dos derrotados, é
imprescindível que o aspirante alcance posição privilegiada (determinada pela
cota proporcional partidária) na ordem nominal de votos da legenda. E, para
isso, precisará de votos personalizados que, se podem ser insuficientes para
assegurar a eleição direta do candidato, não o são na competição
intrapartidária (ou coalizacional) pelos votos transferidos.
Uma interpretação distinta acerca da conversão de reputação pessoal em
reputação partidária nos sistemas de voto preferencial poderia ser buscada
através do isolamento dos efeitos exercidos pelo tempo sobre a competição
intrapartidária. Em outras palavras, trata-se de considerar a possibilidade de
que a rotina eleitoral, gerada pela estabilidade da oferta partidária, possa
contribuir para uma gradual conversão de prestígio personalizado em identidade
partidária. Ou seja, a partir de escolhas eleitorais originais baseadas "na
pessoa e não no partido" ' provavelmente em decorrência de custos mais baixos
de informação decorrentes desta modalidade ', o eleitor, uma eleição após a
outra, termina transferindo as qualidades atribuídas ao candidato de sua
preferência para o partido deste. A redução nas taxas de volatilidade eleitoral
observadas no Brasil (PNUD, 2004) poderia, assim, indicar um processo
incremental de assimilação de conversão de reputações pessoais em reputações
partidárias, a despeito dos incentivos gerados pelo voto nominal.
LISTAS ELEITORAIS EM PERSPECTIVA COMPARADA
A severidade dos diagnósticos pronunciados contra sistemas de lista aberta ou
flexíveis contrasta com a escassez de exames comparativos capazes de por à
prova estes argumentos, examinando até que ponto existe uma conexão regular
entre a competição intrapartidária gerada pelo ordenamento nominal dos
candidatos eleitos e os efeitos supostos, na forma de enfraquecimento dos laços
partidários e incentivos a políticas de cunho distributivo como resultado
agregado do comportamento de candidatos buscando reforço de reputações pessoais
e apoios eleitorais seguros.
Para mensurar as conseqüências efetivas de distintos modelos de lista
eleitoral, este estudo buscou realizar um exercício comparativo a partir das
instituições eleitorais contemporâneas. Foram descartados da análise países
apontados como "not free", segundo a classificação da Freedom House para o
período 2003-2004, desconsiderando, assim, casos nacionais em que eleições e
regras eleitorais, embora eventualmente com existência formal, não configuram
competição eleitoral efetiva. Por outro lado, foram excluídos, igualmente,
países democráticos ou semidemocráticos com fórmula eleitoral majoritária (60)
ou mista (19). Neste caso, considerou-se que as singularidades significativas
estabelecidas neste procedimento de competição eleitoral produziriam uma
comparação artificial com sistemas de representação proporcional, quando
observado o problema do ordenamento partidário ou preferencial de candidaturas
legislativas.
Feitas estas exclusões, foram examinados 51 casos nacionais, compreendendo
instituições free (39) e partly free (12). Considerando a fórmula eleitoral, o
conjunto está dividido em representação proporcional de lista (49) e single
transferable vote (2). A amostra foi dividida em dois grupos: o de instituições
eleitorais nas quais o ranqueamento dos candidatos legislativos é promovido
exclusivamente pelas instâncias partidárias, previamente à disputa pelo voto do
eleitorado, designadas, na seqüência, de lista fechada (28 casos), e
procedimentos eleitorais que oferecem diferentes modalidades de interferência
dos eleitores na definição da ordem final dos candidatos que deverão ocupar a
cota partidária de cadeiras legislativas, compreendendo lista aberta, lista
flexível, voto em lemas, single transferable vote, ou, ainda, panachage,
englobados, por economia analítica, sob a rubrica voto preferencial (23
países).
Uma dúvida que poderia ocorrer a esta altura seria a da possibilidade de
classificar-se, em uma categoria única de voto preferencial, procedimentos
distintos como listas inteiramente não-ordenadas, listas previamente ordenadas,
mas sujeitas a alteração pelos eleitores, doble voto simultáneo, panachage e,
ainda, single transferable vote. Sem desconhecer as peculiaridades de cada um
dos procedimentos disponíveis que prevêem a interferência do eleitor na
distribuição das cadeiras partidárias, sua equivalência parte da premissa de
que qualquer esforço analítico de interpretação de processos políticos implica
um exercício de redução pelo qual algumas propriedades são subsumidas, enquanto
outras, salientadas. O mesmo se passa ao utilizar "representação proporcional"
como categoria de análise: a despeito das singularidades existentes nas
instituições que empregam RP, decorrentes de diferentes fórmulas para a
distribuição de sobras, magnitude eleitoral, threshold, tipos de listas e
preenchimento das cadeiras partidárias, ela tem sido utilizada como uma
variável para explicar graus de proporcionalidade, dispersão partidária ou
desempenho institucional1. O que se está acentuando ao empregar-se "voto
preferencial" como uma categoria analítica são suas semelhanças quanto à
possibilidade de interferência do eleitor e a competição intrapartidária como
condições para a definição da ocupação de cadeiras partidárias2, procurando, a
seguir, testar se os efeitos decorrentes deste modelo correspondem àqueles
previstos pela literatura.
América do Sul (8), África (7) e Centro/Leste europeu (5) constituem os
continentes de maior presença de procedimentos eleitorais de lista fechada,
enquanto a Europa ocidental (12) é responsável por 34,8% dos casos de voto
preferencial nas democracias contemporâneas. Quando se considera o tipo de
Executivo (presidencialismo/parlamentarismo), verifica-se uma associação maior
entre lista fechada e presidencialismo (67,9%) e mais equilibrada nos casos de
RP com voto preferencial.
O ponto de partida para o exame foram os procedimentos eleitorais de ocupação
de cadeiras partidárias vigentes nos 70 casos em funcionamento no ano de 2004,
procurando identificar as condições de implantação de cada caso. Para isto,
foram considerados os procedimentos de ranqueamento prévios ao sistema vigente
e o período em que ocorreu a reforma para a fórmula presente. As informações
obtidas foram divididas, considerando os grupos lista fechada e voto
preferencial.
Dois elementos destacam-se na observação dos casos nacionais com regras
eleitorais de lista fechada vigentes em 2004: na grande maioria dos casos, sua
adoção ocorreu no período do segundo pós-guerra, sendo que quase metade das
eleições vigentes sob lista fechada foram implantadas somente após 1990. Mais
ainda, entre as 27 nações com regras que atribuem aos partidos a prerrogativa
de decisão sobre o ranqueamento de candidatos legislativos, apenas três
(Noruega, Holanda, Islândia) estabeleceram-nas antes de 1945 e permaneceram
desde então sob esta configuração eleitoral.
Em segundo lugar, a preferência por listas fechadas parece estar associada a
contextos marcados por um antecedente de ausência de competição eleitoral: 23
dos 27 casos sob este formato foram adotados logo após processos de
independência ou da transição de regimes autoritários, sem prévia competição
eleitoral efetiva. Nesta situação pode ser encontrada a Espanha, que, tendo
conhecido diferentes tipos de sistemas majoritários (com voto em bloco ou
limitado, em distritos plurinominais ou uninominais) entre 1836 e 1931, adotou
RP com lista fechada em 1977, após um longo intervalo eleitoral de quatro
décadas produzido pelo franquismo; ou, ainda, Portugal, que alterna sistemas
majoritários e mistos, entre 1822 e 1915, adotando fórmula proporcional de
lista fechada após ciclo autoritário de 46 anos. Nações da América Latina
(Argentina, Costa Rica, República Dominicana, El Salvador, Guiana, Nicarágua,
Paraguai), África (África do Sul, Benin, Burkina-Faso, Moçambique, Namíbia,
Níger, Serra Leoa), Ásia (Indonésia, Turquia) e Leste Europeu (Bósnia-
Herzegovina, Romênia, Iugoslávia) completam o grupo de casos nacionais que
adotaram ranqueamento de candidatos efetuado pelas organizações partidárias em
contexto imediatamente pós-autoritário. Considerando fórmulas de maioria
uninominal como caracterizadas por graus mais restritos de disputa eleitoral,
pode-se agregar nesta direção, ainda, outros dois casos de adoção do
procedimento de lista fechada em substituição a um sistema de competição mais
concentrada. Em outras palavras, 92,6% dos casos nacionais contemporâneos de
lista fechada constituíram alternativa face ao status quo de restrita ou
ausente competição eleitoral.
Em contraste, a introdução de lista fechada em substituição à regra anterior de
voto preferencial possui apenas um registro, na Polônia, com a reforma
implementada em 2001 que substituiu a fórmula de lista aberta, vigente desde
1991, pela prerrogativa partidária de ranqueamento dos candidatos legislativos.
Embora o contexto prévio à introdução de sistemas de voto preferencial não
apresente um padrão nitidamente predominante, como no caso de regras de lista
fechada, é possível identificar uma freqüência significativa de casos em que
procedimentos que atribuem ao eleitor alguma margem de interferência no
ordenamento de candidatos são adotados em substituição à anterior prerrogativa
partidária de definição do ranking de candidatos, configurado pelo modelo de
listas fechadas. Combinado à reforma no procedimento de ocupação das cadeiras
partidárias, verifica-se em quatro dos seis casos que substituem lista fechada
por voto preferencial uma ampliação paralela na magnitude eleitoral, alcançando
valores médios de magnitude eleitoral (M) superiores a nove.
Deve-se destacar, igualmente, presença relativamente mais significativa de
longevidade em instituições eleitorais com voto preferencial. Isto pode ser
comprovado tanto pelo número de casos cuja adoção desta modalidade eleitoral é
anterior a 1945, quanto, principalmente, quando se compara o tempo médio de
funcionamento de regras em vigor em 2004: 39,9 anos para os sistemas de voto
preferencial contra 25,5 anos em instituições baseadas em lista fechada.
REGRAS ELEITORAIS E SISTEMAS PARTIDÁRIOS
Os prognósticos mais insistentes sobre o desempenho de regras eleitorais de
representação proporcional com lista aberta ou voto preferencial sugerem que a
conseqüência provável deste formato consistiria no incentivo à competição
intrapartidária, fenômeno que contribuiria, por sua vez, para minar lealdades
organizacionais e identidades partidárias. O resultado da competição interna
por votos personalizados seria, sempre nesta perspectiva, menor controle
exercido pelos órgãos dirigentes partidários sobre a seleção de candidatos a
postos legislativos, redução nas taxas de disciplina parlamentar e maior
importância atribuída ao prestígio e reputação pessoal em detrimento de
reputações partidárias, como recurso para a competição na arena eleitoral. Em
síntese, as várias modalidades de voto preferencial tenderiam a vir
acompanhadas por precária institucionalização partidária e legendas frágeis.
Considerando institucionalização partidária como processo correlato à
capacidade dos partidos em controlar a oferta de representação política,
implicando congelamento de estruturas organizacionais e estabilidade no
comportamento político (Mair, 1997), pode-se isolar um elenco de critérios
utilizados para a mensuração do fenômeno. Em primeiro lugar, a
institucionalização dos partidos políticos é resultado de maior estabilidade
nas escolhas efetuadas pelos eleitores, indicando uma relação mais continuada
entre partidos e votantes tradicionais, com um eleitorado flutuante marginal. A
seu lado, a ocupação do espaço de competição por organizações mais longevas
reduz as possibilidades para o surgimento de novos partidos relevantes. Disto
resulta uma situação em que partidos e candidatos são constrangidos, por custos
elevados, a defecção e transgressão a identidades firmadas, e eleitores não
recebem novas ofertas eleitorais.
Este quadro pode ser verificado quando se mensura a consistência dos vínculos
entre eleitores e legendas e a dispersão na oferta partidária na arena
eleitoral. Três indicadores** são convencionalmente utilizados para medir a
estabilidade existente na arena eleitoral e foram utilizados aqui como
variáveis dependentes: número efetivo de partidos, participação eleitoral e
volatilidade partidária (Nicolau, 1997)3.
Ao lado das conseqüências inferidas do modelo de voto preferencial sobre a
dinâmica dos respectivos sistemas partidários, a literatura tem sugerido a
existência de efeitos colaterais provocados por sufrágios personalizados:
perdas de eficácia no monitoramento e accountability exercidos pelos eleitores
sobre seus representantes; um padrão de electoral connection no qual a
manutenção ou mobilidade na carreira política depende da capacidade em cativar
redutos eleitorais geograficamente concentrados, incentivando estratégias
eleitorais e de carreira política voltadas para o pork barrel, o que, por sua
vez, seria responsável por gerar condições favoráveis a políticas distributivas
e corrupção. Como a constituency de cada legislador seria insensível a apelos
programáticos, respondendo apenas a contrapartidas seletivas do tipo
transferência concentrada de recursos, parlamentares mover-se-iam entre agentes
privados interessados em concessões públicas e autoridades públicas, detentoras
da prerrogativa de liberar as verbas de interesse dos eleitores e financiadores
eleitorais. Paralelamente, o número de candidatos e os procedimentos de
transferência de votos dificultariam o acompanhamento e o controle de mandatos
parlamentares, além de tornar difusa a clareza de responsabilidade de cada
representante individual em relação às políticas governamentais.
Buscando testar este argumento, o procedimento adotado consistiu em considerar
a relação entre voto preferencial e accountability. Para isto, foi utilizado o
índice voice and accountability do World Bank, que atribui notas a 190 países,
de acordo com seu desempenho neste quesito. No grupo das nações aqui analisadas
(free e partly free, com representação proporcional), os piores desempenhos
foram encontrados em países como Serra Leoa, Colômbia e Paraguai, e as melhores
performances localizadas na Suécia, Finlândia e Dinamarca.
A última etapa consistiu em examinar a relação entre voto preferencial e
corrupção governamental. Para isto, foi utilizado mais uma vez o indicador do
World Bank, que classifica 191 países no mundo entre os valores 0 (altamente
corrupto) e 10 (altamente transparente). Na amostra de 51 nações analisadas
neste artigo, os piores desempenhos nesta dimensão foram representados por
Paraguai, Indonésia e Moçambique, e os melhores, novamente, Suécia, Finlândia e
Dinamarca.
Como variáveis independentes, foram utilizados lista eleitoral (1 para voto
preferencial, 0 para lista fechada), tempo médio de existência dos partidos em
cada caso nacional e desenvolvimento econômico, mensurado através do Produto
Interno Bruto ' PIB per capita, valores de 2000. Os resultados podem ser
verificados na Tabela_3.
Inicialmente, procurou-se testar o efeito isolado de regras de ordenamento
eleitoral baseadas em voto preferencial com as variáveis escolhidas. A primeira
questão a ser respondida é se haveria uma relação entre a ausência de
mecanismos que assegurem o monopólio das direções partidárias sobre a definição
da ordem dos candidatos a ocupar a cota de cadeiras partidárias (voto
preferencial) e o incentivo para defecções, com a criação de novos partidos.
Facções e candidaturas personalizadas podem constituir elemento potencial de
dispersão partidária, repercutindo em aumento no número de legendas efetivas?
Os resultados mostraram relação moderadamente significativa entre este
procedimento eleitoral e a dispersão na oferta partidária.
Se a relação entre voto preferencial e incremento nominal de legendas não
parece controversa, a questão passa a ser o sinal atribuído a esta associação.
Em outras palavras, a variação no número efetivo de partidos em instituições
eleitorais com regra de voto preferencial representa um atributo positivo ou
negativo a ser creditado a esta modalidade? A premissa que orienta a
interpretação aqui desenvolvida é que a dispersão partidária das preferências
deve ser considerada um handicap negativo quando representar incremento no
custo de informação para os eleitores, a ponto de constituir incentivo para a
alienação eleitoral ou para a flutuação acentuada na distribuição temporal das
preferências partidárias do eleitorado, ou seja, se o número de partidos
implicar um aumento no volume de informação relevante e necessária para o
eleitor decidir participar da competição eleitoral e que direção conferir ao
seu voto, a ponto de, ante a impossibilidade de diferenciar entre uma oferta
demasiado elástica de legendas, optar por abster-se ou, quando votar, o fizer
de forma errática e imprevisível entre as legendas disponíveis.
Um fenômeno de elevada abstenção eleitoral pode representar potencial de
instabilidade no sistema partidário, uma vez que este contingente de eleitores
represente incentivo para estratégias de defecção eleitoral de dentro para fora
das organizações partidárias já existentes, ou para o ingresso de outsiders na
arena eleitoral. Assim, trata-se de testar se existe uma relação negativa entre
voto preferencial e participação eleitoral: em que medida a suposta relação
entre voto preferencial e reputações personalizadas pode incrementar os custos
de informação para a escolha partidária, contribuindo para a indiferença dos
eleitores em relação aos partidos, uma vez que não sejam capazes de estabelecer
os contrastes efetivos entre eles. Ou, ainda, que o incremento da competição
intrapartidária entre candidaturas personalizadas possa representar um maior
volume de informação relevante (as diferenças entre os candidatos, não apenas
entre os vários partidos, como também dentro de cada legenda), incentivando a
evasão e apatia do eleitorado.
Se as sentenças sobre modalidades de voto preferencial e sua associação com
reputação personalizada estiverem corretas, deve-se encontrar uma relação
significativa entre regras eleitorais que permitem a interferência dos
eleitores na determinação da ordem final dos candidatos eleitos e, com isto,
competição intrapartidária e instabilidade na distribuição partidária das
preferências eleitorais. Isto porque, se reputações personalizadas (em
detrimento de partidárias) constituírem o melhor recurso de arregimentação de
votos sob esta configuração eleitoral, deve-se esperar uma variação
longitudinal significativa no desempenho partidário agregado, uma vez que este
irá sofrer a influência da entrada e saída de nomes e biografias das nominatas
apresentadas por cada legenda em cada eleição. Inversamente, quando reputações
partidárias são relevantes, parece razoável prever estabilidade no
comportamento do eleitorado, menos sensível à oferta nominal em cada ocasião.
Volatilidade eleitoral pode constituir, nesta perspectiva, uma proxy para a
presença de reputações exclusivamente pessoais no interior da arena eleitoral.
Não foi possível confirmar nenhuma destas suposições. A relação entre voto
preferencial e participação eleitoral é positiva e significativa a 10%,
indicando moderada associação entre sufrágios nominais, competição
intrapartidária e maior proporção de eleitores que participam da disputa
eleitoral. Da mesma forma, não foi possível detectar relação entre voto
preferencial e maiores taxas de volatilidade eleitoral. Contrariando a
suposição de que a competição intrapartidária por votos nominais preferenciais
pudesse provocar flutuação temporal de preferências partidárias, o coeficiente
encontrado apresenta sinal negativo, embora não seja estatisticamente
significativo. Chama a atenção que as relações entre lista, participação e
volatilidade tenham apresentado valores referentes ao erro padrão
significativamente elevados. O tamanho do N observado e a presença de outliers
representados pelos casos de Burkina-Faso, Serra Leoa e Colômbia (participação
eleitoral), Malta e Chipre (volatilidade) provavelmente contribuíram para este
resultado. Uma alternativa para corrigir esta distorção poderia ser promovida
com a supressão dos outliers. Contudo, mesmo com este procedimento, os
coeficientes permaneceram estatisticamente não significativos com altos valores
do erro padrão, não indicando uma inferência precisa sobre o impacto do modelo
de lista eleitoral nos níveis de turnout e de volatilidade eleitoral. O que, de
qualquer forma, não compromete a direção da interpretação que orienta esta
análise, uma vez que se sugere, justamente, a relevância marginal das fórmulas
de listas eleitorais para explicar padrões de comportamento eleitoral, neste
caso, decisão e direção do voto, e a relação mais eficiente a ser verificada
por outros fatores.
A questão seguinte passa a ser os efeitos sobre o desempenho institucional. Com
base na literatura, dever-se-ia esperar que, sob procedimentos de voto
preferencial, fosse encontrada uma relação negativa com a performance referente
ao quesito accountability. Contudo, isto também não ocorre. Contrariando a
suposição de que a competição intrapartidária por votos preferenciais '
sobretudo quando combinada à transferência nominal destes sufrágios ' pudesse
significar maior custo para a identificação das conexões entre voto-partido-
governo-políticas e para a percepção das responsabilidades decorrentes do
exercício do mandato legislativo e da posição em relação às políticas
nacionais, instituições com mecanismos de interferência do eleitorado na
confecção das listas parlamentares apresentam significativa (a 1%) relação
positiva com o indicador de accountability.
Uma competição intrapartidária por votos preferenciais, ao criar incentivos
para reputações personalizadas, (supostamente) reforçar pressões distributivas
e alocação particularística de benefícios, possuir a necessidade de arrecadação
para financiar campanhas eleitorais individuais e, ainda, (supostamente) com
custos mais elevados para o monitoramento institucional, terminaria por criar
uma estrutura de oportunidades mais favorável à geração de corrupção nas
instituições públicas? Contrariando esta suposição, o coeficiente obtido pela
relação entre voto preferencial e as notas atribuídas pelo World Bank quanto à
presença de práticas ilícitas e desvio de recursos públicos indicam uma
associação inversa entre democracias que adotam regras de competição
intrapartidária e sufrágios nominais e corrupção.
Contudo, quando controlada pelas variáveis "idade média dos partidos" e "PIB
per capita", os efeitos provocados pela variação nos procedimentos de
ranqueamento eleitoral deixam de ser estatisticamente significativos, indicando
a inexistência de relação entre modelo de lista eleitoral proporcional,
estabilidade partidária e desempenho institucional. Mais uma vez, os valores
relativos ao erro padrão da associação entre lista, turnout e volatilidade
apresentaram-se expressivamente elevados.
O desenvolvimento econômico, medido através da renda média, mostrou-se uma
variável significativa para mensurar a dinâmica da arena eleitoral e o
desempenho institucional. Inicialmente, convergindo com as teorias da
modernização, foi possível encontrar relação entre renda, dispersão na oferta
partidária e participação eleitoral. A capacidade preditiva do fenômeno
desenvolvimento econômico parece indicar um contexto antigamente batizado como
sociedade afluente, revelando vínculos cognitivos e dispersão de recursos
econômicos e culturais necessários para instrumentalizar o eleitor potencial a
identificar os vínculos entre as decisões públicas e seus interesses
particulares.
A intuição de que o incremento no PIB per capita ' acompanhado por moderação,
julgamento retrospectivo governamental, dinâmica centrípeta ' pudesse afetar
positivamente a estabilidade na distribuição das preferências eleitorais e
menor deslocamento rotineiro do eleitorado não foi confirmada. O coeficiente
obtido apresenta sinal negativo, embora não seja estatisticamente
significativo. Em contraste, o desenvolvimento econômico apresenta uma robusta
relação com o desempenho institucional, indicando que bem-estar social e
incremento na renda, ao ampliar o acesso a informações e recursos de
monitoramento, podem ampliar a capacidade de responsabilização pública e inibir
fenômenos de corrupção.
Sugestiva parece ser a relação entre a antiguidade do sistema partidário e a
estabilidade na distribuição das preferências partidárias do eleitorado. Foi
possível captar uma relação estatisticamente muito significativa entre maior
tempo médio de vida de partidos em cada caso nacional e a redução no número de
partidos efetivos, sugerindo um efeito temporal sobre a sedimentação da oferta
partidária. Mais revelador, ainda, foi a associação detectada entre a idade de
cada sistema partidário e menores taxas de volatilidade eleitoral. Isto parece
indicar que o custo da informação necessária para o eleitor incorporar o
significado associado às diferentes legendas partidárias é maior quanto menor o
tempo de existência partidária, contribuindo para a instabilidade na
distribuição longitudinal dos votos. Inversamente, parece válido extrair a
conclusão que o incremento no tempo de vida dos partidos pode exercer um efeito
de positive feedback (Pierson, 2004), permitindo economia dos custos para a
aquisição de informação relevante e gerando maior previsibilidade eleitoral. Na
mesma direção, o cotejo das médias simples relativas ao tempo de vida dos
sistemas partidários nos grupos de representação proporcional com lista fechada
e voto preferencial não confirma a relação suposta entre lista fechada/maior
sedimentação partidária: enquanto a idade média dos partidos em instituições
com ordenamento baseado no procedimento de lista fechada era, em 2004, de 32,4
anos, nas democracias com representação proporcional e diferentes modelos de
voto preferencial, o tempo médio de vida de suas respectivas organizações
partidárias alcançava 48,6 anos.
CONCLUSÃO
Modelos de lista eleitoral proporcional nos quais a definição da ordem dos
candidatos com direito a preencher a cota proporcional de cadeiras partidárias
é ditada pela competição intrapartidária por votos preferenciais podem ser
considerados responsáveis por fragilidade partidária e déficits no desempenho
institucional de democracias, traduzidos em menor accountability e maior
corrupção? A julgar pelo mainstream dos estudos eleitorais e pela agenda dos
reformadores políticos brasileiros, sim. Considerando os resultados
apresentados neste artigo, não.
Regras eleitorais baseadas em votos preferenciais não apresentaram associação
com maior instabilidade na distribuição temporal de sufrágios e demonstram
pequena probabilidade de vir acompanhadas por incremento no número efetivo de
legendas partidárias. Paralelamente, este modelo de lista eleitoral indicou
relação com aumento nas taxas de participação eleitoral, responsabilização das
instituições políticas e menor presença de casos de corrupção.
Quando controlada por outras variáveis ' desenvolvimento econômico e
antiguidade partidária ', listas mostraram-se irrelevantes para explicar
diferenças partidárias e institucionais observadas nos casos analisados. Estes
fatores apresentaram associação mais significativa com a competição eleitoral e
o desempenho institucional: o desenvolvimento econômico confirmou exercer
influência sobre a dispersão partidária e o incremento na participação
eleitoral, paralelamente à robusta relação com accountability e baixa
corrupção. A antiguidade das organizações partidárias mostrou-se um forte
preditor sobre a estabilidade na distribuição temporal de votos: quanto maior o
tempo de vida médio dos partidos, menores as taxas de volatilidade eleitoral.
Se a estabilidade na distribuição partidária das preferências eleitorais
constitui um indicador apropriado sobre a consistência dos vínculos entre
eleitores e partidos e, em decorrência disto, as oportunidades para estratégias
de deserção e infidelidade partidária (Marenco dos Santos, 2003; 2004), então,
a criação de incentivos para a geração de votos estáveis e identidades
partidárias parece resultar menos de reformas institucionais ' a indiferença
dos modelos de listas sobre a volatilidade demonstram isto ' e mais da rotina
eleitoral provocada pela manutenção, uma eleição após a outra, durante largo
período de tempo, das mesmas legendas. Esta parece constituir a indicação mais
favorável para a conversão de reputações personalizadas em reputações
partidárias.
NOTAS
1. Dentro dos modelos de sistemas eleitorais classificados como proporcionais,
listas RP e voto único transferível são freqüentemente unidos e tratados como
opostos a fórmulas eleitorais de pluralidade (Grofman, 2005:736, tradução do
autor).
2. Em direção semelhante à empregada por Crisp et alii: "Múltiplas (ou sub)
listas partidárias e, ainda, listas abertas significam que candidatos a
cadeiras legislativas devem não apenas distinguir-se de candidatos de outros
partidos, mas também de candidatos de suas próprias legendas" (2004:830,
tradução do autor).
3. Número de partidos efetivos (Np) = 1/Spi2, onde p corresponde à proporção
partidária de votos; Participação eleitoral = votos válidos/população em idade
de votar; Volatilidade Partidária (Vp) = [(P1-P1')+(P2-P2')+...(Pn-Pn')]/2.
4. Como a escala 0 a 10 de valores do Índice World Bank atribui valores mais
baixos (próximos de 0) a casos de maior corrupção, os coeficientes positivos
encontrados indicam, na verdade, associação das variáveis independentes com
menor corrupção.