Os sindicatos brasileiros em face das inovações tecnológicas e organizacionais
"Nós ficamos falando que o modelo toyotista japonês é ruim como se o modelo
anterior fosse bom. Como nós queremos trabalhar, essa é uma discussão central
para nós, para a Central, para o movimento sindical do mundo inteiro.
Se nós ficássemos desde o início só falando que a reestruturação é uma
estratégia do capital para cooptar os trabalhadores, sem tentar interferir, nós
íamos ficar falando sozinhos. [...] Se você ficar de fora, simplesmente já
perdeu [...]"
(Valter Sanchez, engenheiro, membro da Comissão de Fábrica da Mercedes-Benz de
São Bernardo do Campo, em entrevista concedida em 2001).
Neste artigo, é examinada a relação entre sindicatos brasileiros filiados à
Central Única dos Trabalhadores - CUT1 e processos de inovação tecnológica e
organizacional em curso nas empresas brasileiras desde os anos 1990. Os motivos
que me conduziram a este estudo, que tem como foco principal a problemática da
influência sindical sobre os processos de inovação, são diversos. Na origem
está minha perplexidade em face da dificuldade encontrada pelos valores
democráticos - presentes em outras esferas da vida social - de se fazerem
presentes nas empresas, notadamente no que concerne às decisões que envolvem a
produção. Outro motivo é a expectativa de que os sindicatos venham a ampliar e
qualificar seu engajamento nesses temas tidos como de exclusiva competência
gerencial e cuja importância para a vida social é inequívoca.
Os excertos apresentados a seguir põem em destaque o lugar comumente ocupado
pelo tema inovação tecnológica e organizacional na vida sindical:
Os conflitos e negociações entre capital-trabalho no século XX foram
caracterizados pela discussão de salários e condições gerais de
trabalho (horário, segurança, benefícios, etc.) e não pelos temas de
organização do trabalho e gestão [...] (Salerno, 1999:202).
Os sindicatos (com raras exceções), mantidos na porta das fábricas,
não criam expertise para negociar em pé de igualdade com as empresas
a renovação dos processos produtivos, com o que elas puderam fazê-lo
de forma quase sempre unilateral (Cardoso, 1999:167; ênfases do
autor).
Também me conduziu a este estudo a discordância com posturas recorrentes no
movimento sindical (mas não exclusivamente) que protelam a atuação sindical
sobre os assuntos da produção em nome de projetos de transformação social mais
amplos, supondo que aquela dimensão da atuação sindical seria factível somente
a partir da superação do Estado capitalista. Ao revés, acredito que os projetos
de transformação social ficam fortemente comprometidos se os trabalhadores não
afirmam no presente sua utopia para o trabalho.
A identificação dos obstáculos que se opõem à proatividade sindical nos
assuntos relativos ao processo de trabalho constitui um campo de estudo - para
o qual este artigo pretende contribuir - que ainda carece de pesquisas
empíricas e de aprimoramento analítico.
O PROBLEMA DE PESQUISA
Desde meados dos anos 1980, a CUT tem formulado e atuado sobre as inovações
tecnológicas e organizacionais avaliando as conseqüências da reestruturação
produtiva para as relações de trabalho; definindo, em seus congressos,
posicionamentos (formais) sobre os processos de inovação; afirmando a
pertinência de atuar sobre os assuntos da produção tidos como prerrogativa
essencialmente gerencial; produzindo experiências em diferentes frentes - micro
e mesorregulatórias, institucionais e legais - que, direta ou indiretamente,
ensejam possibilidades de influência sobre os processos de inovação.
O principal argumento que pretendo demonstrar nesta investigação é que a CUT e
as entidades a ela filiadas, apesar de afirmarem majoritária e formalmente a
pertinência e o objetivo de influir sobre os processos de inovação2 e de
procurar fazê-lo em diferentes níveis e dimensões, obtiveram limitado êxito
nesse sentido. Na produção desse resultado, estiveram implicados fatores sobre
os quais a governabilidade do sindicalismo "cutista" é reduzida, tais como:
sistema de relações de trabalho; decisões políticas de cunho macroeconômico;
cultura empresarial refratária à negociação dos processos de inovação;
assimetria de poder entre capital e trabalho; entre outros. Entretanto,
conforme busco enfatizar e demonstrar, o reduzido êxito do sindicalismo cutista
em influenciar os rumos das inovações esteve associado também a suas próprias
limitações: as estruturas internas dos sindicatos pouco adaptadas e capacitadas
para formular mudanças tecno-organizacionais e para interagir com elas; o
afastamento dos sindicatos dos locais de trabalho; os limitados vínculos
sociais; entre outros constrangimentos que, a rigor, estão mais próximos de sua
governabilidade.
Antes de discorrer sobre a metodologia empregada na pesquisa, faz-se necessário
esclarecer que, embora todas as entidades sindicais examinadas sejam filiadas a
uma central sindical, não se verifica homogeneidade na forma de conceber e
tratar os processos inovativos no trabalho. Ao contrário, conforme será visto,
estamos diante de um sujeito social heterogêneo no que concerne aos recursos
materiais disponíveis e às estratégias de ação política. Fatores como história
da entidade, tamanho de sua base, importância econômica do setor ao qual
pertence, vínculos sociais, capacidade de proposição e de mobilização de
recursos políticos, concepções sobre o papel dos sindicatos, entre outras
variáveis, concorrem para a determinação de diferenças substantivas na forma e
no conteúdo das ações das diferentes entidades.
A pesquisa realizada e o exame da literatura permitiram a identificação de
quatro posturas sindicais no que concerne ao envolvimento sindical em face dos
processos de inovação tecnológica e organizacional.
Acredito que uma das posturas mais recorrentes no sindicalismo brasileiro em
relação a inovação pode ser chamada de silenciosa. Remete a uma situação na
qual o tema da inovação no trabalho está formalmente presente nas negociações
coletivas; porém, paradoxalmente, ausente de todas as demais atividades do
sindicato. A incorporação de cláusulas sobre os processos inovativos nas
negociações se dá por força do "contágio" com outras entidades. As cláusulas
são literalmente copiadas e passam de entidade a entidade sem que seja
promovida nenhuma mudança interna nos sindicatos a fim de dar suporte ao tema
do processo de trabalho e da inovação. Pode-se afirmar que o envolvimento
sindical nos assuntos da produção com vistas à negociação não é objeto de
problematização por parte da entidade, restando apenas o silêncio. Uma parcela
dos sindicatos examinados neste artigo se enquadra nesse tipo de postura.
Outro conjunto de entidades sindicais assume uma postura que denomino
refratária ao envolvimento sindical nos assuntos da produção. A intenção de
negociar os processos inovativos é interpretada como uma ação legitimadora dos
interesses de valorização do capital. Essas entidades são formalmente
contrárias ao envolvimento sindical nesses assuntos. São minoritárias no
interior da CUT e não estão entre as entidades examinadas neste artigo.
Foram identificadas ainda entidades que assumem uma postura que chamo de
sensibilizada. São sindicatos que, ao contrário do "silêncio" e da atitude
"refratária", manifestam formalmente a concordância com a necessidade do
envolvimento sindical nos assuntos da produção com vistas à negociação.
Contudo, essa "sensibilidade" para com o tema se dá exclusivamente no plano
discursivo, sem que seja promovida nenhuma prática efetiva para levar a termo
suas manifestações discursivas. A diferença em relação à postura "silenciosa"
reside no fato de afirmarem, ainda que apenas discursivamente, a importância de
os sindicatos atuarem sobre os processos inovativos no trabalho. A maior parte
das entidades examinadas no presente artigo são portadoras de uma postura
"sensibilizada".
Somente um número diminuto de sindicatos no Brasil apresenta uma postura que
aqui denomino afirmativa com respeito à necessidade e à pertinência de influir
nos assuntos da produção. Trata-se de entidades que procuram desenvolver
capacitação e recursos políticos que viabilizem as estratégias de influência
sindical nos temas relativos às inovações tecnológicas e organizacionais. São
entidades que procuram identificar e superar os obstáculos que estão mais
próximos de sua governabilidade promovendo mudanças internas nas entidades,
dotando-as de meios técnicos e organizacionais adequados à perspectiva de
influência sindical nos assuntos da produção.
METODOLOGIA
No presente artigo, são consideradas âmbito empírico de pesquisa as entidades
sindicais majoritariamente filiadas à CUT. É analisado o teor das cláusulas de
acordos e/ou convenções coletivas celebrados no período de 1990 a 2005, entre
sindicatos e empresas, envolvendo o tema da inovação. Em outro momento da
pesquisa, busco compreender, por meio de entrevistas com dirigentes sindicais,
o que ocorreu após a contratação das cláusulas, ou seja, se a influência
sindical sobre os processos de inovação foi efetiva ou aparente. Em decorrência
da pesquisa, sugiro a existência de um conjunto de obstáculos à disposição
sindical de influir sobre os processos de inovação. É enfatizada a análise dos
obstáculos (endógenos) mais próximos da governabilidade sindical.
Tendo em vista a inexistência de um banco de dados que acolha e consolide o
universo das negociações coletivas dos sindicatos brasileiros, este estudo se
baseia nas seguintes fontes para identificar e analisar as cláusulas de acordos
e/ou convenções coletivas: no Sistema de Acompanhamento de Contratações
Coletivas/Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos -
SACC/Dieese; na literatura que versa sobre o tema; e na pesquisa desenvolvida
por mim com as entidades sindicais.
O sistema de acompanhamento de cláusulas do Dieese é integrado,
majoritariamente, por convenções coletivas. Desde 1993, quando foi implementado
o sistema, até 2002, o Dieese coletou anualmente 94 documentos (acordos e
convenções coletivas) que abrangem cerca de trinta categorias profissionais em
quatorze unidades da Federação. A partir de 2003, a base de dados do sistema
foi ampliada para 225 contratos coletivos por ano, abrangendo cinqüenta
categorias profissionais e dezesseis unidades da Federação:
[...] este é um levantamento de caráter qualitativo, dado que as
categorias que compõem o painel foram intencionalmente escolhidas.
Assim, por não se tratar de uma amostra estatística, seus resultados
não são passíveis de generalização, embora as informações permitam
identificar a situação das negociações coletivas das categorias
profissionais que historicamente se colocam como referência no
panorama sindical brasileiro (Dieese, 1999:10; ênfase do autor).
O Dieese procura orientar a escolha das entidades levando em consideração a
diversidade e a representatividade política dos sindicatos nas diferentes
regiões do Brasil. As cláusulas examinadas tiveram origem em mais de cinqüenta
entidades sindicais e federações de trabalhadores. Possuem uma significativa
abrangência e diversidade geográfica: Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro,
Distrito Federal, Rio Grande do Sul, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do
Norte, Pernambuco, Ceará. É extenso também o número de categorias profissionais
envolvidas nas negociações: metalúrgicos, petroquímicos, jornalistas,
telefônicos, construção civil, mobiliário, vestuário, farmacêuticos,
radiodifusão e televisão, aeroviários, gráficos, rodoviários, entre outras. Do
total de cláusulas acordadas examinadas, mais da metade pertence a categorias
do setor industrial, seguidas pelas categorias dos setores serviços e comércio.
Após a análise das cláusulas que incidiam sobre os processos de inovação, teve
início uma série de entrevistas com os dirigentes sindicais em 35 entidades
sindicais promotoras das negociações para apurar o que ocorreu após a
contratação das cláusulas3.
Uma das experiências de negociação mais importante realizada no Brasil
envolvendo inovações, nos anos 1990, foi levada a termo pelo Sindicato dos
Metalúrgicos do ABC, pela Comissão de Fábrica da Mercedes-Benz e pela empresa
Mercedes-Benz de São Bernardo do Campo. Essa experiência, por sua singular
riqueza, impõe a necessidade de um espaço mais amplo - para descrição e análise
- do que o possível nos limites deste artigo, ficando assim ausente do presente
estudo4.
AS ENTIDADES SINDICAIS CONTRATANDO PROCESSOS DE INOVAÇÃO: ACORDOS E CONVENÇÕES
COLETIVAS
Características das Cláusulas Contratadas: Limites e Oportunidades
O exame das cláusulas negociadas, diretamente relacionadas aos processos de
inovação, permitiu identificar que seu conteúdo versa basicamente sobre cinco
pontos: treinamento; reaproveitamento; comunicação referente a processos de
inovação; comissões paritárias; e inovação/emprego.
A seguir, à guisa de ilustração, é apresentada uma relação de excertos de
algumas cláusulas contratadas ordenadas por conteúdo5:
Treinamento em face da introdução de inovações
- "[...] as empresas promoverão, quando necessário, treinamento para
os trabalhadores."
- "[...] as empresas promoverão, quando necessário e ao seu critério,
treinamento para os empregados."
- "[...] recomenda-se treinamento para aprendizagem na eventual
ocupação de novas funções."
- "As empresas propiciarão treinamento em outro cargo [...] desde que
exista vaga em outro setor e que o trabalhador esteja em condições de
assumi-lo."
Reaproveitamento em face da introdução de inovações
- "[...] os trabalhadores [...] contarão com o empenho do empregador
para o seu aproveitamento em outra função."
- "[...] a empresa se compromete a reaproveitar, sempre que possível,
trabalhadores atingidos [...]."
- "[...] estudar remanejamento interno mediante requalificação
profissional."
- "[...] reaproveitar, sempre que possível, em outros setores os
trabalhadores atingidos [...]."
Comunicação ao sindicato e/ou aos trabalhadores sobre eventuais processos de
inovação
- "[...] a empresa deverá comunicar o sindicato com antecedência de 6
meses em face da implantação de novos processos."
- "[...] manter os empregados informados."
- "As empresas [...] comprometem-se a manter os trabalhadores do
setor informados em relação aos projetos em andamento [...] desde que
não seja prejudicial aos interesses das empresas perante a
concorrência."
- "A empresa assegurará ao sindicato o conhecimento da implantação e
do tipo de automação que se pretende instalar e o número de atingidos
pelo respectivo projeto [...]."
Manutenção do emprego em face da introdução de inovações
- "[...] estabilidade de dois meses para empregados não aproveitados
no setor modificado."
Comissão paritária para tratar de assuntos relativos a inovação
- "[...] comissão paritária intersindical."
- "[...] criar comissão paritária."
A leitura dos excertos permite-nos verificar que se trata de cláusulas que
apresentam redações cujas formulações são predominantemente genéricas,
contingentes e defensivas. A generalidade das cláusulas pode ser creditada ao
fato de que a maioria delas tem, nas convenções coletivas, seu instrumento
jurídico. As negociações realizadas entre um sindicato e diversas empresas,
diferentemente do acordo coletivo, podem estabelecer algum impedimento a um
maior detalhamento das cláusulas. Existe, no entanto, outra face dessa
generalidade, que é a dificuldade, sentida pelas entidades, de precisar sua
demanda em relação aos temas da produção. A título de ilustração, cabe referir
a fala de um dirigente do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre. No início
dos anos 1990, esse sindicato contratou uma cláusula que lhe garantia direito
de informação por ocasião de inovações tecnológicas: "[...] informação ao
sindicato dos projetos de informática que alterem relações de trabalho".
Perguntado sobre o uso feito pelo sindicato durante a vigência dessa cláusula,
o dirigente respondeu:
[...] não havia uma regulamentação precisa deste acordo e a gente
também não sabia o que pedir [...] são acordos que não funcionam
[...] mais recentemente, nós participamos da comissão paritária
nacional que discute esta cláusula e nós temos problemas, porque a
gente até obtém as informações, mas não dá tempo de atuar, quando vê,
as mudanças foram feitas (dirigente do Sindicato dos Bancários de
Porto Alegre e Região; ênfase do autor).
A generalidade das cláusulas, portanto, não é expressão exclusiva da natureza
do instrumento jurídico, a convenção coletiva, mas também das dificuldades das
entidades sindicais de afirmar o que exatamente estão buscando.
As entrevistas realizadas com as entidades sindicais possibilitaram perceber
que, embora o número de cláusulas negociadas nos anos 1990 seja significativo,
nem todas foram originadas na entidade. Os sindicatos com menor força copiaram
ou adaptaram cláusulas de sindicatos mais fortes. Isso pode indicar que o teor
da cláusula não é expressão de uma dinâmica de ação e de reflexão interna do
sindicato.
Todas essas limitações estão associadas à precária presença dos sindicatos nos
locais de trabalho, à falta de conhecimento sobre o tema, além de outros
obstáculos específicos que serão analisados mais detalhadamente adiante.
Outra característica das cláusulas examinadas é seu conteúdo predominantemente
contingente. A redação de um grande número de cláusulas, conforme se observa
nos excertos anteriores, possui condicionantes que tornam sua aplicação
eventual e incerta: "recomenda-se treinamento"; "treinamento em outro cargo
[...] desde que exista vaga"; "[...] reaproveitar, sempre que possível [...]";
"empenho do empregador para o seu aproveitamento em outra função"; acesso a
informações sobre processos de inovação "desde que estas informações não
representem quebra de sigilo nem seja prejudicial aos interesses das empresas
[...]".
Finalmente, as cláusulas acordadas apresentam, em sua maioria, características
predominantemente defensivas e corretivas, ou seja, buscam intervir depois da
implementação das mudanças nas empresas, procurando corrigir as conseqüências
negativas para os trabalhadores.
Todavia, ainda que as cláusulas acordadas sejam preponderantemente defensivas,
genéricas e contingentes, elas ensejam possibilidades significativas para a
atuação sindical diante das transformações no mundo do trabalho. Entretanto,
para se concretizarem, essas possibilidades necessitam de um qualificado
investimento político e técnico por parte dos sindicatos.
A Efetividade da Contratação das Cláusulas sobre os Processos de Inovação
Quais foram os desdobramentos concretos das cláusulas sobre os processos
inovativos negociadas? O que ocorreu depois que as negociações foram
realizadas? Qual foi a interação dos sindicatos com os objetos contratados?
Preliminarmente, faz-se necessário considerar que, por meio de pesquisa
realizada junto ao SACC/Dieese e a entidades sindicais, foram verificadas três
ocorrências básicas com as cláusulas negociadas ao longo dos anos 1990:
deixaram de ser renovadas; sofreram alterações de conteúdo em sua redação; ou
permaneceram inalteradas.
Foi constatado que a maior parte das cláusulas vem sendo renovada a cada nova
negociação e, na maioria dos casos, sem alterações na redação. Ocorre que a
existência desses contratos não garante por si só sua aplicabilidade concreta.
Eles dependem, entre outros fatores, da postura e da capacitação dos sujeitos
sociais envolvidos. Nesse sentido, dois fatores principais atuam
simultaneamente: a postura patronal predominantemente refratária ao
envolvimento dos sindicatos nos assuntos da produção e as dificuldades
endógenas das entidades sindicais no tratamento do tema.
A constatação mais significativa, resultante da investigação realizada com os
dirigentes sindicais visando identificar o que havia ocorrido após a
contratação das cláusulas, é que nenhuma das quase quarenta entidades que
constaram da pesquisa teve êxito em tornar efetivo aquilo que foi contratado6.
Os depoimentos revelaram que as negociações conformaram um tipo de influência
sindical sobre as inovações denominado "aparente" por Bresciani (1994), ou
seja, firmado em contrato, mas sem ocorrer de fato.
A postura predominantemente refratária das empresas ao envolvimento sindical
nos assuntos da produção atua para que essas conseqüências sejam observadas.
Entretanto, temos de considerar que esse resultado decorre também das
insuficiências internas dos sindicatos em relação à temática da inovação,
notadamente o limitado desenvolvimento de capacitação nesse âmbito.
Durante as entrevistas realizadas com os dirigentes sindicais daquelas
entidades, foram encontradas diversas manifestações que atestam a existência
dessas dificuldades:
Isso praticamente não foi utilizado por nós [referindo-se à cláusula
relacionada ao direito à informação] [...] e a gente sabe que a
questão de fundo aí é o afastamento do sindicato do mundo do trabalho
(diretor do Sindicato dos Telefônicos de Recife).
Isto acontece porque a categoria não dá importância a estes temas,
eles querem discutir questões econômicas [referindo-se à cláusula
sobre treinamento e remanejamento interno que não se tornou
realidade] (diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Porto Alegre).
Nosso sindicato não tem perna para tocar estas questões de novas
tecnologias (diretor do Sindicato dos Aeroviários do Rio Grande do
Sul).
A gente tem esta cláusula, mas não usa; essa é uma cláusula nacional
(diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Ceará).
O sindicato não consegue fazer esta discussão direito (diretor do
Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro).
O forte da reestruturação produtiva já passou, então, este é um tema
que não mexe mais tanto (diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de
Curitiba).
Nós temos uma diretoria de tecnologia aqui, mas ela não funciona para
esses pontos (diretor do Sindicato dos Telefônicos do Rio Grande do
Sul).
Este é um problema [referindo-se à inovação tecnológica] muito maior
que os sindicatos, a gente não pode mudar nada aqui (diretor do
Sindicato dos Químicos de São Paulo).
Nós não conseguimos interferir nos cursos que a empresa faz porque
nós não temos know-how [referindo-se ao acordo sobre treinamento em
face da automação] (diretor do Sindicato dos Gráficos de São Paulo).
Vale referir também que encontrar diretores sindicais que soubessem fornecer
informações sobre os desdobramentos dos acordos foi um dos problemas
recorrentes durante o trabalho de campo, o que revela o lugar ocupado por esses
acordos na hierarquia de preocupações sindicais. Muitos nem sequer conheciam a
existência dos acordos. Não foi raro ouvir expressões como "[...] acho mais
fácil você obter esta informação no [Departamento] Jurídico".
Uma vez identificado o conteúdo genérico, contingente e defensivo das cláusulas
que versaram sobre os processos de inovação e a falta de efetividade das
mesmas, parece-me oportuno um esforço de caráter analítico para compreender
quais são os obstáculos enfrentados pelas entidades sindicais no caminho da
influência sindical sobre o processo de trabalho.
OS OBSTÁCULOS À INFLUÊNCIA SINDICAL SOBRE O PROCESSO DE TRABALHO
Na elucidação do objeto proposto, é indispensável considerar preliminarmente
que o reduzido êxito do sindicalismo cutista em influir sobre os rumos das
inovações não deve ser creditado a um exclusivo e determinante fator
explicativo. Ao revés, penso que diversos fatores se opuseram àquele objetivo
formalmente enunciado pela CUT. Para efeitos do presente artigo, os obstáculos
foram divididos analiticamente em dois tipos: exógenos e endógenos. O que os
diferencia é a maior ou a menor governabilidade que os sindicatos possuem sobre
esses obstáculos.
O termo governabilidade é aqui empregado em sua acepção etimológica para
destacar que as dificuldades sindicais em influir sobre os processos de
inovação não dependem, exclusivamente, do maior ou do menor constrangimento que
sofrem os sindicatos e as classes trabalhadoras. De um ponto de vista
relacional, as decisões políticas adotadas pelas direções sindicais e sua
prática efetiva também estão implicadas na maior ou na menor dificuldade de
influir sobre os processos de inovação. Não se trata aqui de "aplainar" a
assimetria de poder existente entre capital e trabalho, mas sim de posicionar,
em relevo, os espaços políticos que podem ser ocupados ou ampliados pelos
sindicatos. A criação de estruturas internas aos sindicatos capazes de apoiar
estratégias de influência sindical sobre os processos de inovação ou a
ampliação de seus vínculos sociais com atores relevantes para o tema em
questão, por exemplo, estão mais próximas da governabilidade sindical. A
ampliação da oferta de emprego ou o controle da inflação estão, no entanto,
mais distantes de sua governabilidade. A expressão governabilidade nos será
útil para enfatizar as margens de atuação sobre as quais os sindicatos podem e
devem ampliar sua presença como sujeitos.
Obstáculos Exógenos ao Caminho da Influência Sindical
Conforme já mencionado, este texto enfatiza a análise dos obstáculos endógenos.
Entretanto, considerando que os dois tipos de obstáculo estão mutuamente
referidos e que essa distinção arbitrária foi feita com finalidade analítica,
torna-se imperativo dedicar algumas páginas aos obstáculos exógenos que
dificultam a influência sindical sobre os rumos das inovações no trabalho.
Os assuntos relativos à produção permanecem sendo majoritariamente considerados
uma prerrogativa essencialmente privada que diz respeito exclusivamente à
gerência e à empresa - independentemente da posição ocupada nas classes
sociais. É amplamente aceito na sociedade, inclusive entre os trabalhadores,
que a forma de dispor dos meios privados de produção para atingir um
determinado objetivo é atribuição exclusiva das gerências. Desse modo, o
limitado interesse dos sindicatos com respeito a esse tema também é tributário
de um processo de reificação dos significados do trabalho.
O obstáculo anteriormente referido - inscrito na cultura - se manifesta
igualmente no plano legal. A gestão do trabalho e da produção é, em geral,
assegurada legalmente como uma prerrogativa eminentemente patronal - o poder
unilateral de mando do empregador. Na legislação brasileira, notadamente na
Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, a definição dos "entes" jurídicos
empregador e empregado confere explicitamente ao primeiro o poder de "dirigir"
e, ao segundo, a situação de estar "sob a dependência" do primeiro.
O sistema institucionalizado de relações de trabalho, dependendo de seu
arcabouço jurídico, pode restringir ou coibir a organização dos trabalhadores
nos locais de trabalho, fator-chave, embora não exclusivo, no caminho da
influência sindical sobre os assuntos da produção. A estrutura de negociação
entre capital e trabalho, quanto mais pulverizada, apresenta maiores
dificuldades de pôr em prática estratégias sindicais articuladas e coordenadas.
A ausência de estruturas meso ou macrorregulatórias do conflito entre capital e
trabalho limita à esfera da empresa a possibilidade da intervenção sindical nos
assuntos relativos à inovação tecnológica.
As particularidades históricas das formações sociais podem reforçar e atuar na
reprodução social do poder de mando unilateral nos assuntos da produção. O
escravismo no Brasil, por exemplo, cuja presença se fez sentir em cerca de dois
terços de nossa história, contribuiu sobremaneira para a difusão de uma cultura
de desvalorização do trabalho e para uma tradição autoritária no tratamento das
relações de trabalho. No âmbito da empresa, isso se expressa por meio de uma
postura gerencial refratária à negociação dos processos de inovação.
As formações sociais em que há expressiva concentração de renda, rebaixamento
salarial e instabilidade no emprego, como no caso brasileiro, induzem os
sindicatos a concentrarem esforços na defesa dos salários, no direito ao
trabalho e nos demais direitos sociais elementares. Embora não exista
incompatibilidade entre ações sindicais no âmbito econômico e aquelas referidas
ao processo de trabalho, é razoável ponderar que a deficiência nos indicadores
socioeconômicos oferece maiores obstáculos à atuação sindical.
A formação escolar e profissional deficiente é outro obstáculo. Quanto piores
os indicadores sociais nesse campo, mais dificuldades são postas ao
envolvimento dos trabalhadores na formulação de alternativas aos modelos de
organização do trabalho e de inovação tecnológica.
Em alguns segmentos econômicos, os grandes investimentos e mudanças
tecnológicas são realizados tendo por base estratégias corporativas. A
negociação coletiva se desenvolve em um nível, e as decisões sobre as inovações
em outro. Produz-se uma assimetria entre o nível mais importante das decisões
nas empresas e aquele no qual os sindicatos negociam.
A natureza e a aplicação dos "pacotes" de inovação tecnológica e organizacional
também são obstáculos, visto que, em geral, prevêem uma participação
instrumental dos trabalhadores sem que sejam considerados processos de
negociação envolvendo suas entidades representativas.
As experiências históricas, como o "compromisso fordista", que "trocou" o
acesso à renda e à proteção social aos trabalhadores pelo silêncio sindical em
torno do tema, também se constituem em um amplo obstáculo.
A experiência soviética, que poderia estabelecer contrapontos alternativos aos
modos de organização do trabalho no capitalismo, não o fez7. Ao contrário, a
ausência da democracia que caracterizou aquela experiência contribuiu
negativamente para o desenvolvimento da crítica às formas assumidas pelo
trabalho no capitalismo: criticar a organização do trabalho nas economias
industriais capitalistas seria o mesmo, dada a relativa semelhança, que
criticar a experiência soviética.
O rol de obstáculos enunciado demonstra que a efetiva influência sindical nos
assuntos da produção não depende exclusivamente da disposição dos sindicatos
para fazê-lo. Existem inúmeros constrangimentos a esse intento, conforme
procurei mostrar.
Ainda que tenha referido a existência de um conjunto de obstáculos exógenos à
influência sindical nos assuntos da produção, este artigo, como já mencionado,
confere prioridade ao exame dos obstáculos endógenos8.
Obstáculos Endógenos ao Caminho da Influência Sindical9
As entidades sindicais que julgam pertinente a busca da influência sobre os
rumos da inovação no trabalho terão diante de si outro conjunto de obstáculos.
Os obstáculos endógenos estão relacionados à ausência ou ao limitado
desenvolvimento de capacitação por parte da entidade sindical para formular,
propor, monitorar, negociar e mobilizar trabalhadores, sobretudo em relação aos
processos de inovação nos diferentes âmbitos em que se manifestam as variáveis
decisivas da produção: na empresa, nas instâncias legais, institucionais, meso
e macrorregulatórias.
A pesquisa realizada possibilitou identificar quatorze obstáculos que, em maior
ou menor grau, estiveram presentes nas entidades sindicais examinadas. A fim de
tornar mais fácil a compreensão desses obstáculos, eles serão mostrados sob a
forma de atributos sindicais que, estando ausentes ou parcialmente presentes,
se tornam obstáculos.
Evidentemente que, ao referir os atributos, minha intenção neste artigo não foi
propor um conhecimento normativo, uma "receita" a ser aplicada pelos
sindicatos, tampouco imagino ter esgotado os caminhos pelos quais essas
entidades poderiam capacitar-se para atuar de forma mais eficiente nos assuntos
da produção. Trata-se de um esforço de análise, fruto de pesquisa empírica,
para melhor compreender e demonstrar os constrangimentos que se interpõem entre
os sindicatos e o caminho da influência sobre o processo de trabalho.
A ausência ou o parcial desenvolvimento dos atributos por parte dos sindicatos
se traduzem em obstáculos à proatividade sindical nos assuntos da produção e,
por extensão, ao cumprimento dos objetivos majoritariamente propugnados pela
CUT de influir sobre os processos de inovação. Foram identificados, portanto,
na pesquisa realizada, os obstáculos apresentados a seguir sob a forma de
atributos:
1) Político (processo de trabalho)
Capacidade de reconhecer o(s) significado(s) político(s) do processo de
trabalho incorporando esse tema às atribuições de natureza sindical. Assumir a
prerrogativa de responder, em diferentes contextos, o que o trabalho significa
e que trabalho se quer.
Supõe a afirmação do processo de trabalho como um campo de conflito sobre o
qual a entidade sindical deve atuar. Significa, portanto, a ruptura com
concepções segundo as quais os assuntos relativos à gestão e à tecnologia na
produção são uma prerrogativa exclusivamente empresarial ou que o envolvimento
sindical com processos de negociação do processo de trabalho representa "gerir
ou cooperar com o capitalismo". Na ausência de organização, pressão e propostas
sindicais, as empresas seguem empunhando a bandeira da mudança do trabalho e
transformando-o unilateralmente. A determinação política de atuar sobre o
processo de trabalho deve estar substantivada na capacitação e na busca
permanente de respostas: como pensar a organização do trabalho em bases
diferentes? O que colocar no lugar daquilo que é criticado?
2) Constituição e/ou fortalecimento de vínculos sociais internos em direção à
empresa e/ou à cadeia produtiva
Capacidade de promover e de estimular a criação de organização dos
trabalhadores nas empresas sem que, no entanto, isso seja um fim em si mesmo. À
luz da problemática do processo de trabalho, responder às perguntas: para que
servem as comissões de fábrica ou os comitês sindicais de base nos locais de
trabalho? Como devem operar no cotidiano?
Alude-se aqui a um duplo obstáculo imposto às entidades sindicais: criar e
atribuir sentido estratégico às representações dos trabalhadores. Sem
organização nos locais de trabalho, pouco ou nada pode ser feito para influir
em seu processo. Poucas foram as entidades pesquisadas que possuíam organização
no interior das empresas, e todas, segundo os depoimentos, apresentavam
debilidades em seu funcionamento, sobretudo em acolher o tema do processo de
trabalho como uma prerrogativa de suas ações. Vale referir que a base sobre a
qual a pesquisa foi recortada - o SACC - envolve "[...] categorias
profissionais que, historicamente, se colocam como referência no panorama
sindical brasileiro" (Dieese, 1999:10).
Como o sindicato vai formular e controlar o resultado de uma negociação se
inexistem ou são frágeis os canais de representação por que as informações
sobre a empresa fluem?
Nós temos uma coisa parecida com comissão de fábrica, que é a
associação dos funcionários da Embratel, que atua no local de
trabalho atuando em temas internos, como as OLTs. Elas sempre
estiveram em sintonia com o movimento sindical, mas, a partir do
início dos anos 1990, com as mudanças no trabalho, nós perdemos
sempre as eleições, e essa associação agora atua desvinculada
totalmente do sindicato e é dirigida por gente identificada com a
empresa. Isso aconteceu porque a empresa fez um trabalho ideológico
junto à associação, e nós não soubemos responder a isso. [...] A
empresa ocupou melhor o seu espaço interno, que deveria estar sendo
disputado pelo sindicato [...]. Às vezes não sabemos contra o que
lutar (dirigente sindical do Sindicato dos Trabalhadores em
Telecomunicações - Sinttel de Recife, trabalhador da Empresa
Brasileira de Telecomunicações S.A. - Embratel; ênfases do autor).
Embora a criação de Organizações por Local de Trabalho - OLTs seja uma das
bandeiras mais aclamadas pela CUT, o número de experiências nesse sentido é
pequeno no Brasil. O rompimento com o imposto sindical compulsório, por
exemplo, é uma realidade em poucas entidades. A permanência e a persistência do
referido imposto permite que as entidades sobrevivam financeiramente,
independentemente de seu grau de aproximação com as bases.
Em geral, credita-se a existência precária ou a inexistência de OLTs nas
empresas exclusivamente a fatores exógenos, como a intransigência patronal e/ou
a ausência de legislação que garanta o funcionamento de representações dos
trabalhadores nos locais de trabalho. Embora isso seja verdadeiro, faz-se
necessário considerar que parte significativa das experiências de organização
dos trabalhadores nos locais de trabalho deixou de existir também por
dificuldades internas dos sindicatos, sobretudo de definirem atribuições
estratégicas e operações cotidianas, além das marcadamente genéricas, como
"marcar posição dentro da empresa". Essas limitações endógenas têm também
contribuído fortemente para o "esvaziamento" dessas experiências e para seu
posterior desaparecimento.
Uma experiência que acredito ser análoga a outras tantas no Brasil ilustra o
que se afirmou anteriormente. Na metade dos anos 1980, no município de Canoas,
Rio Grande do Sul, em uma grande empresa do setor metalúrgico (Massey
Ferguson), foi criada uma comissão de fábrica, resultado de uma greve que teve
a duração de dez dias10. A planta em questão possuía, na época, cerca de 3.500
trabalhadores, e a comissão de fábrica foi eleita e integrada por cinqüenta
trabalhadores, entre titulares e suplentes. A existência dessa comissão foi, no
entanto, breve, cerca de um ano e seis meses. Por que a comissão de fábrica
deixou de existir tão precocemente? As entrevistas realizadas com ex-membros do
sindicato e da comissão de fábrica nos oferecem interpretações pouco usuais no
meio sindical (Cotanda, 2001:204):
Agora a gente sente, pode ver mais claramente. Havia pouco empenho
nosso do sindicato, a gente tinha o temor que ela fugisse ao
controle, ficasse um poder paralelo (diretor do sindicato na época;
ênfase do autor).
Havia muita disputa entre os membros pra controlar a comissão de
fábrica, nem o sindicato nem a comissão de fábrica sabiam direito
para que ela serviria [...] nós queríamos fazer lá dentro uma luta
ideológica contra o capitalismo (dirigente da CUT Estadual-RS,
trabalhadora que participou das negociações que criaram a comissão de
fábrica; ênfase do autor).
A situação descrita denota um vazio de atribuições para a comissão de fábrica e
a falta de sintonia entre comissão e sindicato, o que se verifica em diferentes
categorias e regiões do Brasil ainda hoje. As comissões são constituídas a
muito custo, fragilizam-se e desaparecem. Evidentemente que contribui para tal
situação a intransigência patronal, mas fica evidente também a falta de
definições políticas e de atribuições por parte dos sindicatos para com as
comissões de fábrica. Para que serve uma comissão de fábrica? Que atributos
operacionais ela terá? Qual é seu trabalho cotidiano? "Fazer a luta ideológica
contra o capitalismo"? No entanto, qual é o conteúdo prático dessa adjetivação
(Cotanda, 2001)?
Permanecendo as dificuldades de definir estratégias e desenvolver capacitação
que possibilite incidir sobre as contradições da produção, as comissões de
fábrica estão fadadas ao enfraquecimento ou ao desaparecimento. Portanto, um
imenso obstáculo endógeno à atuação sindical sobre o processo de trabalho é sua
dificuldade não só em constituir uma representação dos trabalhadores, mas
também em mantê-la, entre outras razões, em face do "descolamento" prático e
conceitual em relação aos assuntos da produção.
3) Microanalítico (a)
Capacidade de conhecer e avaliar a composição técnica, política e cultural
existente na(s) empresa(s) objeto da ação sindical.
Outro obstáculo endógeno à influência sindical encontra-se no desconhecimento
e/ou na escassa valorização política da heterogeneidade da composição de classe
(técnica, cultural e política) de sua base. O discurso sindical voltado para a
finalidade de constituir sujeitos políticos nas empresas é, com exceções,
dirigido aos trabalhadores homens ligados ao trabalho operatório direto. Os
sindicatos, em geral, concedem pouca ou nenhuma valorização a outros segmentos
de trabalhadores e às distinções de gênero. A ação sindical que busca influir
sobre o processo de trabalho deveria estar alicerçada no conhecimento
sistematizado e formalizado da composição técnica, política, cultural e de
gênero dos trabalhadores na empresa. Esse conhecimento tem desdobramentos
diretos no aprimoramento dos vínculos sociais internos. Trata-se, no entanto,
de um saber que as direções sindicais relutam, não abertamente, em obter. As
entidades sindicais têm dificuldades de aproximação política sobretudo com
trabalhadores de maior qualificação técnica. Estes geralmente estão situados em
postos-chave nas empresas, com amplo conhecimento sobre a produção e as
estratégias das mesmas, sendo, portanto, fundamentais para as ações voltadas ao
processo de trabalho e aos processos de inovação em particular.
4) Microanalítico (b)
Capacidade de produzir e/ou de levantar informações sobre o processo de
trabalho na(s) empresa(s) e/ou na(s) cadeia(s) produtiva(s): políticas de
gestão do trabalho (salários e rendimentos, rotatividade, seleção, qualificação
profissional, disciplina), de organização da produção, processos de
terceirização e incorporação de tecnologia na empresa.
É imperativa a construção de canais de comunicação por que possam fluir
diferentes ordens de informação sobre a empresa e/ou a cadeia produtiva. O
sindicato e a representação dos trabalhadores devem, como pressuposto, saber
que tipo de informações estão buscando. Esses canais podem ter expressão
formal, proveniente de negociação com a empresa (direito à informação
antecipada sobre inovações tecnológicas e organizacionais), ou informal, por
meio das organizações dos trabalhadores nos locais de trabalho.
5) Microanalítico (c)
Capacidade de, em face da variedade de informações relativas à produção de uma
empresa, analisar e depreender o que é substantivo no processo de trabalho.
Estando disponíveis canais formais e/ou informais que viabilizem o fluxo de
informação sobre diferentes aspectos do processo de trabalho na empresa, fazem-
se necessários o tratamento e a análise dessas informações. Não raro, são os
sindicatos que obtêm informações sobre a empresa, mas têm enormes dificuldades
em conferir-lhes sentido.
6) Macroanalítico
Capacidade de reconhecer e avaliar o contexto político e socioeconômico em que
o sindicato, a empresa e o setor estão inseridos, bem como identificar
possíveis cenários no curto, no médio e no longo prazos.
A tecnologia e a organização do trabalho (sua forma e conseqüências) não são
orientadas por determinismos econômicos e tecnológicos. Entretanto, faz-se
necessário compreender e dimensionar a relação que a empresa e/ou a cadeia
produtiva (considerando seus produtos e mercados) guardam com as dinâmicas
política, econômica e social. As estratégias sindicais com vistas à negociação
do processo de trabalho devem ser direcionadas estrategicamente, levando em
consideração a situação presente da empresa e do setor, bem como seus produtos
e mercados.
7) Proposição (a) (em face da possibilidade de negociação formal ou informal)
Capacidade de formular propostas viáveis (considerando a correlação de forças/
inserção da empresa no mercado) de aspectos estruturantes do processo de
trabalho: programas de gestão do trabalho e de inovação tecnológica.
Significa que a entidade deve, diante de um processo de negociação, ser capaz
de formular propostas (o que colocar no lugar do que é criticado) considerando
a inserção da empresa (contexto macroeconômico e mercado) e a expressão da
correlação de forças. Propostas inviáveis, como "marcar posição", que
desconsiderem os referidos contextos, dificultam a contratação da influência.
Ser propositivo também significa "encarar" a negociação. Não é incomum que as
entidades sindicais tenham receio do processo negocial envolvendo temas da
produção, sobretudo quanto a "não ser enrolado" pela empresa ou a legitimar
determinada mudança tecnológica ou organizacional por meio da assinatura de um
acordo. Tal receio só será superado com a prática, rompendo, portanto, com a
perplexidade imobilizadora.
8) Proposição (b) (nível das micromudanças)
Capacidade de influir sobre propostas e ações cotidianas de mudanças de
processos no "chão de fábrica", oriundas dos próprios trabalhadores diretos ou
viabilizadas a partir de sua atuação.
A influência sindical nem sempre se expressa contratualmente. Pequenas ou
grandes alterações no processo de trabalho podem ser negociadas informalmente,
por exemplo, entre trabalhadores de uma seção da empresa e a gerência. O
sindicato deve ser capaz de influir sobre esses processos informais.
9) Monitoramento
Capacidade de monitorar a implementação dos acordos formais e/ou informais.
É evidente a distância existente entre a contratação de uma reivindicação e sua
implementação prática. Uma vez realizados acordos (formais ou informais), o
sindicato e a representação dos trabalhadores na empresa devem ser capazes de
dispor de meios para acompanhar sua implementação.
10) Antecipação
Capacidade de "perceber", antecipadamente, possíveis ondas de inovação de
produtos e processos (tecnologia e organização) e de avaliar seus efeitos.
Sobretudo as empresas expostas à competição estão em constante processo de
mudanças (produtos, processos e mercados). O sindicato e a representação dos
trabalhadores na empresa devem desenvolver capacitação e vínculos sociais
externos que lhes permitam prever movimentos de inovação.
A fala do dirigente sindical, transcrita a seguir, mostra que a ação sindical
que ocorre após a implementação das mudanças organizacionais se reveste das
maiores dificuldades: "[...] a implantação deste programa11 foi feita de forma
muito sutil, envolvente, sem estardalhaço [...] o sindicato demorou demais para
entender e agir. Agora, o terreno a percorrer é muito maior" (dirigente
sindical do Sinttel de Recife, trabalhador da Embratel).
11) Mobilização
Capacidade de desenvolver estratégias de pressão que acompanhem o processo de
negociação.
Seguramente, a influência sindical nos assuntos da produção não será obtida
exclusivamente com base na pertinência das propostas. O desequilíbrio de forças
entre capital e trabalho impõe que estratégias de pressão, orientadas pelo
sindicato, acompanhem os processos de negociação.
12) Inserção institucional (setorial e nacional)
Capacidade de desenvolver atuação política em âmbito setorial e institucional
de sorte que se estabeleçam os nexos entre a dimensão micro do processo de
trabalho (espaço da empresa) e as determinações meso e macrorregulatórias.
Embora o processo de trabalho tenha existência concreta na empresa, as escolhas
envolvendo tecnologia e organização do trabalho são também influenciadas por
decisões em outros âmbitos, por exemplo, nas câmaras setoriais regionais, nos
programas de qualidade e produtividade, nos fóruns de política industrial,
entre outros. Cabe aos sindicatos mais do que simplesmente ocupar esses
espaços, atuar proativamente, diagnosticando, reivindicando e lutando para que
esses espaços estejam articulados a estratégias nacionais de política
industrial e de desenvolvimento. A atuação sindical local (na fábrica) e
institucional incide uma sobre a outra, fortalecendo-se mutuamente.
13) Constituição e/ou ampliação de vínculos sociais externos
Capacidade de desenvolver e/ou ampliar vínculos sociais com atores
significativos, externos ao sindicato, capazes de apoiar a consecução de
diferentes estratégias sindicais relativas ao processo de trabalho.
A complexidade das questões relacionadas à produção impõe ao sindicato o
desenvolvimento de vínculos sociais com diferentes entidades da sociedade civil
(universidades, ONGs, partidos políticos), bem como com outras organizações
sindicais dentro e fora do Brasil. A pauta sindical sugerida pela temática do
processo de trabalho é complexa, demandando amplo esforço de formulação. Os
vínculos sociais podem produzir importantes experiências de assessoria e de
capacitação, além de aproximação com outras entidades sindicais, sobretudo do
mesmo ramo, no Brasil e no exterior, possibilitando, além da troca de
experiências, o entendimento facilitado de dinâmicas produtivas globais.
14) Inovação e protagonismo
Capacidade de promover pesquisas e/ou de associar-se a centros de pesquisa
visando gerar conhecimento (desenvolvimento tecnológico) relativo a produtos e
a processos (tecnologia e gestão do trabalho).
As ações sindicais envolvendo o processo de trabalho ocorrem, em geral,
defensivamente, depois que as mudanças foram implementadas na empresa. A
entidade deveria ser capaz de, juntamente com estruturas de apoio, dar início a
um salto cultural: projetar de forma alternativa novos conteúdos para
tecnologia, produtos e processos (atuação ofensiva). Ações desse porte exigem
alto grau de desenvolvimento dos demais atributos mencionados anteriormente,
bem como atuações sindicais coordenadas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste estudo, tratei dos sindicatos filiados à CUT. Com base nas
pesquisas, busquei problematizar a relação dessas entidades sindicais com os
processos de inovação, possibilitando desenvolver um conjunto de argumentos,
dentre os quais se destacam:
- a análise das experiências de contratação de cláusulas que versam, direta ou
indiretamente, sobre os processos de inovação evidencia que o número de
cláusulas contratadas demonstra que o tema em questão esteve presente na agenda
dos sindicatos filiados à CUT, sobretudo nas categorias tidas como referência
no panorama sindical brasileiro. Em larga medida, esse fenômeno se deve ao
trabalho de sensibilização realizado pela CUT, bem como às experiências de
negociação levadas a cabo por alguns sindicatos, sendo o exemplo mais
expressivo o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC;
- o exame do conteúdo das cláusulas negociadas mostrou que este apresenta
características predominantemente defensivas, genéricas e contingentes;
- não obstante o número de acordos tenha aumentado se comparado à década de
198012, seu desdobramento prático não foi alentador, pois as entidades
investigadas não obtiveram o efeito prático para o qual as cláusulas
contratadas se destinavam. Sendo assim, a influência sindical se mostrou pouco
ou nada efetiva;
- a despeito desse resultado, a existência dos contratos significa um ponto de
partida importante para os sindicatos. Nesse sentido, a realidade dos acordos
poderia e pode ser outra, caso haja maior desenvolvimento de capacitação das
entidades no enfrentamento conceitual e prático do tema;
- a superação dos obstáculos - sobretudo os endógenos - à influência sindical
sobre os assuntos da produção supõe o desenvolvimento de capacitação em
diferentes dimensões. A análise procedida possibilitou a identificação de
quatorze expressões dessa capacitação que estiveram ausentes ou parcialmente
presentes nas entidades sindicais examinadas;
- de forma geral, o desenvolvimento de capacitação visando à influência
sindical nos assuntos da produção implicaria mudanças internas nas entidades,
bem como na ampliação de seus vínculos sociais13 externos (redes de apoio
técnico e político) e internos (junto à categoria). Evidentemente que, ao
referir os quatorze atributos, minha intenção não foi propor um conhecimento
normativo, uma "receita" a ser aplicada pelos sindicatos, tampouco imaginei ter
esgotado os caminhos pelos quais essas entidades poderiam capacitar-se para
atuar de forma mais eficiente nos assuntos da produção. Trata-se de um esforço
de análise para melhor compreender e demonstrar os constrangimentos que se
interpõem entre os sindicatos e o caminho da influência sobre o processo de
trabalho.
O fato de ter sido concedida ênfase à análise dos obstáculos aqui denominados
endógenos, em detrimento de uma análise mais exaustiva dos obstáculos exógenos,
não significa que tenha sido feita uma escolha influenciada pela relevância de
um sobre o outro na explicação dos fenômenos envolvendo a relação entre
sindicatos e inovação tecnológica e organizacional. O malogro em influenciar os
rumos da inovação por parte dos sindicatos deveu-se tanto aos fatores exógenos
quanto aos fatores aqui chamados de endógenos. Ao enfatizar os últimos, busquei
analisar um ambiente empírico que é menos problematizado na literatura sobre
sindicalismo. Essa escolha foi feita de modo consciente, reconhecendo que os
obstáculos possuem implicações mútuas, e a separação operada serve apenas a
propósitos analíticos.
Finalmente, gostaria de afirmar que o processo de trabalho foi concebido como
um campo que dialeticamente encerra a produção de conflito e de consenso e que
as inovações que o modelam tendem a desempenhar um papel na produção e na
reprodução das relações sociais, indo além, portanto, de sua dimensão técnica.
A importância da atuação sindical sobre os processos de inovação decorre
justamente da dimensão política do processo de trabalho. O eventual afastamento
desse campo de conflito por parte das entidades é fenômeno socialmente
produzido.
Os assuntos atinentes ao mundo da produção e as decisões sobre seus rumos são,
em geral, concebidos como de natureza privada, sendo ainda frágeis e limitadas
as manifestações de controle público e/ou de negociações envolvendo sindicatos
e empresas.
O sindicalismo, conforme argumentado, não é portador de um "destino objetivo"
(Laclau e Mouffe, 1987); e, por essa razão, faz-se necessário que ele afirme,
no presente, suas convicções e seus projetos referentes à forma e ao conteúdo
do trabalho. A ação sindical que busca influir nos assuntos da produção é, no
entanto, tolhida por obstáculos que se originam da referida assimetria de poder
entre capital e trabalho, bem como das próprias escolhas e estratégias
sindicais. Nesse sentido, os obstáculos à influência sindical sobre a
tecnologia e a organização do trabalho podem estar situados mais ou menos
próximos de sua governabilidade.
Concomitantemente à fragilização do trabalho e dos sindicatos nos anos 1990,
foi observado um interesse maior por parte destes em atuar no âmbito da
produção, ainda que essa atuação venha sendo feita de forma predominantemente
reativa. Não há incompatibilidade entre as lutas sindicais de cunho salarial e
as dirigidas ao processo de trabalho. A atuação sindical nesse campo de
conflito, ao contrário de produzir um confinamento no plano micro,
possibilitaria o estabelecimento de nexos entre os planos local e global das
empresas, e nisso residiria um expressivo potencial de conscientização
política. Para tanto, é necessário que os sindicatos vão além da mera reação
aos efeitos negativos dos processos de inovação e atuem de forma proativa sobre
o processo de trabalho, o que, no juízo deste estudo, contribuiria para a
revitalização do movimento sindical em novas bases.
NOTAS
1. A CUT, fundada em 28 de agosto de 1983, possui atualmente 3.428 entidades
filiadas. Trata-se de um número elevado de entidades filiadas, que, se de um
lado expressa o grau de penetração social da Central, de outro evidencia a
nefasta pulverização da representação sindical. A CUT possui 21.915.014
trabalhadores em sua base, sendo que, desses, 7.413.913 são associados a suas
entidades. Está organizada em 27 estados e no Distrito Federal. (Dados
fornecidos pela CUT em janeiro/2008.)
2. A afirmação de que a CUT possui formalmente o propósito de influir sobre os
processos de inovação está embasada em pesquisa documental realizada nas
resoluções dos oito congressos da CUT Nacional no período de 1984 a 2003,
conforme Cotanda (2001) e pesquisa de atualização realizada posteriormente.
3. A lista das entidades cujos dirigentes foram entrevistados consta do Anexo.
4. Análises que enfatizam essa experiência podem ser encontradas em Arbix
(1995); Bresciani (2001); Cotanda (2001); Paulino e Marcolino (1999); entre
outros.
5. Os grifos que constam das citações literais são meus.
6. Os dirigentes sindicais das entidades sindicais que estão localizadas nos
estados de Goiás, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Ceará
e Bahia foram consultados por intermédio de contato telefônico; os demais foram
entrevistados in loco.
7. Paradoxalmente, a importância do processo de trabalho para o entendimento
das relações de poder e dominação nas relações de trabalho está sobejamente
demonstrada na narrativa de Marx. Vale lembrar também as propostas da "oposição
de esquerda", liderada por Alexandra Kollontai, apresentadas em 1921 no XX
Congresso do Partido Bolchevique, visando conferir maior autonomia aos
trabalhadores nos assuntos relativos à produção. As propostas foram rechaçadas
por Trótski e, posteriormente, por Stálin.
8. Os obstáculos exógenos foram considerados de forma pormenorizada em Cotanda
(2001).
9. Agradeço a Luís Paulo Bresciani os comentários e sugestões relativos ao
desenvolvimento desse tópico.
10. As informações sobre a experiência vivida pelos trabalhadores da Massey
Ferguson e o Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Canoas foram obtidas
por ocasião da realização das pesquisas para minha tese de doutorado.
Informações adicionais sobre essa experiência podem ser obtidas em Cotanda
(2001); especialmente nas páginas 11 e 203.
11. O entrevistado refere-se ao "Programa de Qualidade" implementado na
Embratel, com o apoio da Fundação Christiano Ottoni, em 1990.
12. Conforme Cotanda (2001).
13. Devo a Scott Martin a idéia de vínculos sociais utilizada neste artigo.