Mulheres brasileiras em tempo de competição eleitoral: seleção de candidaturas
e degraus de acesso aos cargos parlamentares
INTRODUÇÃO
Neste artigo, a constituição de candidaturas no sistema partidário brasileiro é
examinada considerando-se os aspectos formais que submetem filiados e filiadas
a competir em uma eleição. É verificado se os estatutos partidários registram
um processo de pré-seleção de candidaturas parlamentares, considerando o
sistema eleitoral brasileiro inscrito no personal vote, e se mantêm um amplo
número de vagas para preenchimento de cargos legislativos.
À composição das listas se integram também critérios informais, tanto pela
demanda do partido (por um dado tipo de candidato), interessado em garantir sua
representatividade ao ganhar os votos do eleitorado, quanto pela oferta de
nomes de filiados/as desejosos/as de concorrer ao avaliarem, positivamente,
seus antecedentes sociais e políticos. Nesse caso, se não existem empecilhos
legais para a entrada das mulheres na competição eleitoral e se as vagas nas
listas partidárias na maioria das vezes não são preenchidas, por que as
candidaturas femininas ainda se apresentam em desnível em relação às
masculinas?
As seções deste artigo se detêm nas teorias sobre a formação dos tipos de ator
integrado ao jogo eleitoral e à seleção de candidaturas ou sobre a indicação
nominal nas listas partidárias, assuntos que têm sido estudados pela literatura
como uma função essencial dos partidos políticos (Duverger, 1970; Czudnowski,
1975; Gallagher e Marsh, 1988; Hazan, 2002; Pennings e Hazan, 2001), permeando
um mercado que oferta e demanda candidatos/as. Essa função é examinada,
primeiramente, a partir dos modelos do gatekeeper, de Norris e Lovenduski, e do
selectorate, de Reuven Hazan. Segue-se a aplicação desse último modelo na
avaliação de três estatutos de partidos brasileiros, verificando-se o tipo
formal do "selecionador" de candidaturas sobre os/as filiados/as partidários/
as. A terceira seção evidencia o acesso das mulheres ao Legislativo, enquanto
candidatas, em dois períodos (1946 a 1982; 1986 a 2002), mostrando o relativo
crescimento do número de filiadas que ascende a esse status e o percentual de
eleitas. Na última seção, é avaliado se o processo de seleção formal interfere
nos degraus de acesso das brasileiras aos cargos legislativos em que ainda se
acham sub-representadas e/ou se são outros os obstáculos que reduzem o ímpeto
da representação parlamentar desse gênero.
ATORES PARTIDÁRIOS E MODELOS DE SELEÇÃO DE CANDIDATURAS
O sistema democrático representativo se legitima pelo consenso de eleições
livres e do sufrágio universal, sendo os atores principais nesse sistema os
partidos políticos e os cidadãos e cidadãs que participam, seja com o direito a
se elegerem, seja com o direito a elegerem outrem para um determinado cargo
político em um período específico. O sistema eleitoral, que dita as regras do
escrutínio, e o sistema partidário, que expressa a organização dos/as cidadãos/
ãs para a conquista de cargos eleitorais, constituem as instituições mais
importantes para o desempenho da participação via representação política.
Os partidos políticos têm papel fundamental na organização das demandas
institucionais para o ingresso do cidadão e da cidadã (como eleitor/a e como
aspirante ao cargo eletivo) na vida política de um país. Duverger (1970) tratou
do assunto em regimes de democracia representativa, evidenciando os enfoques da
seleção diferenciada entre os tipos de partido e da relação entre pré-
escrutínio (pré-seleção) e designação de candidatos, observando a variabilidade
do grau de intervenção dos partidos e a sutileza que é usada na relação entre
estes e os candidatos na ratificação dos nomes - oficializada pelas
organizações partidárias - e nas negociações que ocorrem entre a indicação
integral e a aprovação das indicações. Outro aspecto em Duverger é o fator
explicativo sobre a categoria simpatizante partidário. Trata-se de um tipo que
se encontra na gênese do engajamento entre o cidadão e o partido, contribuindo
para entender a formalização do acesso do/a eleitor/a como adepto/a ou filiado/
a e sua intrínseca ligação com a estrutura partidária. Os critérios de adesão
são: inscrição regulamentada com apadrinhamento e decisão partidária;
contribuição financeira; cumprimento das normas e disposição para obedecê-las;
critérios constantes do estatuto partidário1. Os tipos de filiados/as são: os
estáveis e os sazonais, ou instáveis, ou seja, aqueles que mantêm atividades e
participação efetiva no partido e aqueles que surgem visando à competição
eleitoral (ibidem). Não há referência desse autor à situação das mulheres, com
sua ênfase na tecnologia partidária do processo seletivo tomando uma dimensão
genérica.
A Presença do Gatekeeper no Modelo de Norris e Lovenduski
A estrutura do recrutamento2 de candidaturas, na versão de Norris (1996),
recebe o impacto de três fatores: a) os sistemáticos e do contexto geral do
país, em que as circunstâncias do processo são estabelecidas pelo sistema
político em regulações do sistema legal, do sistema eleitoral (variáveis
contextuais) e do sistema partidário; b) os internos do contexto, com as regras
do jogo sendo determinadas no interior dos partidos, o que leva ao necessário
conhecimento do sistema partidário, de sua estrutura, poder, ideologia e
cultura; c) os específicos, que influenciam o recrutamento de candidatos
individuais, ou seja, recursos e motivação de aspirantes (nível da oferta) e a
atitude do gatekeeper, ou "porteiro"/selecionador (nível da demanda), podendo
comparar quem consegue ser selecionado, por que e quem seleciona. Esses fatores
estruturam as oportunidades dos pretendentes aos cargos parlamentares contidas
nas regras dos sistemas legal, eleitoral e partidário que determinam as
barreiras, além de custos e benefícios, para quem aspira candidatar-se.
O padrão de cidadania dos indivíduos (uma exigência quase universal) é definido
pelo sistema legal, que determina os direitos políticos e a soberania popular
exercida pelo sufrágio universal; pelos critérios de alistabilidade e
elegibilidade eleitoral (nacionalidade e idade); e pelas incompatibilidades que
se tornam as barreiras para o acesso à elegibilidade3. O sistema legal regula o
processo de recrutamento de candidaturas na maioria dos sistemas democráticos,
majoritários ou proporcionais, por meio dos partidos4.
Os sistemas eleitorais têm variação limitada, sendo alguns mais adotados por um
número maior de países do que outros. Três fatores influem no recrutamento dos/
as candidatos/as no interior desses sistemas e afetam a representação das
mulheres: a) a estrutura do voto (se majoritário ou proporcional); b) a
magnitude do distrito (número de cadeiras por distrito); c) o grau de
proporcionalidade (alocação de votos por assentos). O primeiro fator,
diretamente relacionado a este estudo, evidencia o tipo de lista eleitoral
utilizado nos sistemas proporcionais, sendo que, na lista aberta, a relação
nominal de candidatos/as apresentada pelos partidos é definida pelos eleitores,
focando as qualidades individuais dos/as competidores/as. Já na lista fechada,
é controlada pelo partido, que ordena previamente os nomes dos/as candidatos/
as, e os eleitores votam exclusivamente na legenda. Nos sistemas majoritários,
a seleção partidária é de um único candidato por distrito. Norris e Lovenduski
(1995:194) consideram os sistemas proporcionais de lista, seguidos dos sistemas
mistos, mais do que os majoritários, favoráveis à seleção e à eleição de
mulheres, estando todas as condições constantes.
Nas democracias liberais, o sistema partidário é o principal "porteiro" em um
processo de recrutamento de candidaturas. Regidos institucionalmente por regras
internas (estatutos), os partidos vertebram as relações entre os órgãos
decisórios e os/as filiados/as, os procedimentos eleitorais e o processo de
seleção de candidatos/as, definindo-se a natureza democrática interna dos
partidos e as regras controladoras da entrada dos que aspiram a um assento no
Parlamento, cujas decisões são tomadas por líderes nacionais, membros da base
partidária e/ou dirigentes locais. Esse processo decisório é complexo, visto
que, de certa forma, todos os participantes representam algum papel no
recrutamento, variando quanto ao grau de institucionalização e de
centralização, com regras formais e informais e decisões centralizadas ou
localizadas. Resultam quatro combinações: quando a seleção de candidatos é
controlada pela elite partidária central, decidindo por meio de barganha entre
si e as facções internas, diz-se que o recrutamento é centralizado informal.
Nesse caso, as regras são simbólicas e os membros partidários representam um
frágil papel em uma organização sem tradição democrática. Nesse sistema,
se os líderes partidários são simpáticos à necessidade de promover a
igualdade de gênero, por exemplo, se eles desejam atrair mais
mulheres eleitoras, eles têm considerável poder para fazê-lo. Através
da patronagem, eles podem melhorar a posição das mulheres nas listas
partidárias ou lugares em bons distritos (Lovenduski e Norris, 1993:
323).
No entanto, ao contrário, se eles não desejam essa promoção da mulher, então
podem bloquear-lhe as oportunidades. Quando a decisão sobre quais candidatos
entram na lista partidária é da chefia nacional ou executiva que tem autoridade
constitucional para isso5, diz-se que o recrutamento é formalmente
centralizado. O mais comum entre os partidos liberais é o recrutamento
localizado formal, que estabelece diretrizes normativas nos âmbitos nacional e
estadual para a padronização do processo, podendo resultar em eqüidade e
justiça para com os pretendentes, porque as regras devem determinar a
transparência nas escolhas. Essa estrutura de decisões é tomada, grandemente,
em nível do distrito eleitoral, com os órgãos regionais também tendo parte na
representação. No recrutamento localizado informal, é o distrito local que
determina os procedimentos gerais da seleção e a decisão final da escolha
individual de candidatos, e "repousa nas mãos de cada eleitorado partidário
local, e não há regras partidárias padronizadas interessando o processo de
indicação ou revisão da lista partidária global [...]" (ibidem). Esse tipo está
exemplificado pela seleção em eleições primárias (abertas) e os Estados Unidos
se encontram nesse caso.
O recrutamento é influenciado por fatores individuais que têm funções
específicas internas nos processos de oferta e de demanda de candidatos. A
oferta é explicada pelo desejo de os aspirantes se lançarem na carreira
política, oferecendo seus nomes para concorrerem. Os fatores motivacionais
(impulso, ambição e interesse) e o capital político (recursos que trazem para o
processo, como tempo, dinheiro, experiência, conexão política) estimulam os/as
aspirantes à competição eleitoral. A demanda ou procura por candidatos/as
relaciona diretamente o aspirante aos que selecionam, determinando critérios
apropriados à escolha de aspirantes aos cargos políticos, dentro de um padrão
que garanta a lógica do mercado. A seleção depende então da percepção do
"porteiro" (gatekeeper) quanto aos recursos dos aspirantes em habilidades,
experiências e qualificação. Essa percepção pode conter, entretanto, níveis de
discriminação que permearão o processo de escolha. Norris e Lovenduski (1995)
relacionam dois tipos de discriminação no mercado político: a direta e a
imputada. A direta é percebida por meio de um julgamento positivo ou negativo
de pessoas, com base em características consideradas comuns para seu grupo, e
não para os indivíduos, levando estes a serem julgados por suas características
de grupo, quando o gatekeeper tem baixas informações sobre ele. A imputada
favorece certa categoria de candidatos, mas, como há sempre baixa demanda, eles
não são escolhidos, porque a expectativa é a de que não atraiam votos. Nesse
caso, há dificuldades para as mulheres, haja vista que, além do peso cultural
que as afasta dos degraus de acesso à competição, há a tradição de os
"porteiros" escolherem os homens pela demonstração destes nos serviços
partidários, entre outros afazeres.
Oferta e demanda interagem. Aspirantes que buscam um cargo elegível podem ser
desencorajados a competir por líderes partidários, ao perceberem que tal
pretendente pode trazer prejuízos. O grau dessa interação é pouco visível, pois
é um "modelo de sistema que produz uma curva fechada de retroalimentação para o
retorno do resultado para o grupo daqueles que aspiram a uma carreira política"
(ibidem:15)6.
O Selectorate no Modelo de Reuven Hazan
A seleção de candidaturas é uma função primordial dos partidos e nem sempre
evidencia com clareza os estágios do processo. O modelo de Hazan (2002)
apresenta quatro dimensões: a candidatura; o selectorate; a descentralização; e
o mecanismo de votar versus nomear (ou indicar). Essas dimensões são
explicativas conforme o continuum dos níveis de inclusão e de exclusão da base
do selectorate. A candidatura é o pólo da inclusividade e estabelece que todo/
a cidadão/ã eleitor/a pode ser elegível. O selectorate é o órgão selecionador
de candidatos/as cuja composição varia de uma pessoa, várias ou de um
eleitorado, podendo ser representado por um único líder de partido e pelas
agências partidárias cujas dimensões estabelecem a soma de inclusiveness
(inclusividade) ou de exclusiveness (exclusão) com que os selecionadores são
classificados. Por exemplo, as Convenções são mais amplas do que os comitês
centrais e estes são maiores do que os órgãos executivos. A descentralização
encerra seu oposto, a centralização, conforme o tipo de selectorate determinado
em sua composição (um, vários ou muitos) por selecionadores partidários locais,
grupos sociais intrapartidários ou grupos sectários. Pode ser uma
descentralização territorial (quando os selecionadores são locais, comitês de
filiação partidária, membros partidários ou eleitores em distrito eleitoral) ou
incorporada (ao assegurar representação funcional a grupos sindicais, de
mulheres, minorias, entre outros). As cotas para mulheres exemplificam a
descentralização incorporada; e o processo de seleção via eleição versus
indicação determina os diferenciais da posição de controle sobre a lista
partidária. No primeiro caso, nenhum selectorate poderá mudar essa posição; já
no segundo, pode haver mudanças. Para Hazan (ibidem), a estrutura de análise de
qualquer método de seleção de candidato deve centrar-se em um país particular e
em dado momento específico, com isso dificultando as generalizações por ser
desconhecida a base do modelo de seleção.
Esse autor extrai duas generalizações dos tipos de candidato que são produzidos
pelos vários métodos de seleção: os que têm as melhores e/ou as piores chances
de serem escolhidos. Entre os primeiros encontram-se os do sexo masculino que
buscam reeleição (titulares que já têm um perfil diferente dos aspirantes
porque já se encontram no ambiente político e podem ser selecionados
novamente); entre os segundos estão as mulheres, que já entram no sistema de
seleção em desequilíbrio, daí se submetendo à descentralização incorporada -
sistema de cotas.
Esses dois modelos transnacionais de seleção de candidatos demonstram uma
função partidária com recursos definidores da competição eleitoral, mas pouco
visíveis nos estudos sobre os partidos e as eleições no espectro brasileiro.
Por considerar que há significativa interligação entre a atitude de "fazer
candidatos/as" e a ação de competir por um cargo parlamentar, examinando outras
variáveis pertinentes no processo - o peso dos antecedentes sociais e a
trajetória pessoal de aspirantes a esses cargos na elaboração da lista
partidária -, reitera-se a convicção de que, nesse aspecto, é preciso avaliar
como é conduzida a seleção das mulheres filiadas partidárias que aspiram
competir.
AS REGRAS NA ESCOLHA DE CANDIDATOS E CANDIDATAS NO SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO
As Leis Formando a Cidadania Política e Eleitoral
Avaliando o processo de competição eleitoral no sistema político brasileiro,
verifica-se que há regras, inscritas nas constituições e nas leis eleitorais
que foram sendo elaboradas desde o Império até a República (Álvares, 2004),
para que o cidadão e a cidadã se tornem eleitores e elegíveis. Nesses códigos,
vértebras da participação e da representação política nacional pela formação de
partidos e da justiça eleitoral, há clara exclusão da cidadania política das
mulheres. Para romper essa discriminação contida nas leis, elas abriram espaço
na educação e na profissionalização e também provocaram uma revisão do Código
Civil, que as submetia às práticas de um discurso tradicional e subsidiava as
normas vertidas nas leis eleitorais vigentes. Gradualmente, os obstáculos à sua
participação política foram cassados por meio das denúncias e da intervenção
dos movimentos feministas e de mulheres letradas, além de alguns parlamentares
sensíveis à questão, que exigiram a reformulação das leis e a garantia
constitucional dos direitos das mulheres. O autoritarismo e a democracia
alternaram-se nos anos republicanos brasileiros, dando margem a surtos de
mudança nas regras eleitorais, com as mulheres sendo gradualmente qualificadas
na condição de eleitoras e de elegíveis.
Embora em 1932 o novo Código Eleitoral, o primeiro vigente no país, registrasse
mudanças para a representação proporcional, para o voto universal e direto, e
para o sufrágio feminino, o direito de voto concedido às mulheres era
facultativo e seletivo. Na redação do anteprojeto desse Código, segundo Porto
(2002:238-239), as eleitoras estão referidas de acordo com duas
características: o estado civil e a dependência econômica relacionada ao estado
civil, demonstrando a forte conexão com o casamento e com a ocupação exercida
de forma livre, mas sob a autorização do marido para qualquer "profissão
lícita". Essa redação do anteprojeto não foi incorporada, mas o Código
Eleitoral manteve as restrições, somente podendo votar as mulheres que
exercessem profissões lucrativas.
Mesmo que a partir desse período se observem algumas eleitoras, raras
candidatas e, ainda mais, raras eleitas, as restrições legais permaneciam nas
cláusulas eleitorais, aliando-se ao ranço secular da exclusão da cidadania
política feminina. Na Constituinte de 1933, poucas mulheres fizeram seu
registro eleitoral. No Rio de Janeiro, na sede do ativismo sufragista que se
articulava mais agressivo desde 1922, somente 15% dos eleitores filiados eram
mulheres. Nesse período, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino criou a
Liga Eleitoral Independente, que se propunha a promover a educação política das
mulheres e apresentar candidatas. No entanto, nenhuma das sufragistas da
Federação se elegeu para a Câmara dos Deputados, salvo Bertha Lutz, que ficou
na suplência da paulista Carlota Pereira de Queiroz, a primeira mulher eleita
para a Câmara dos Deputados não associada ao movimento. O desenho de um quadro
eleitoral e partidário sem o efetivo feminino trouxe marcas acentuadas da
cultura política dicotômica entre homens e mulheres. Nas discussões da
Constituição de 1934, dois movimentos sufragistas da época, a Federação
Brasileira pelo Progresso Feminino, presidida por Bertha Lutz, e a Aliança
Nacional de Mulheres, dirigida por Natércia da Silveira, prestaram ampla
contribuição para a reformulação dessas restrições.
Os dispositivos de exclusão da cidadania política às mulheres, constando das
leis eleitorais anteriores, que seletivamente afastavam da cidadania ativa e
passiva as "que não exerciam profissão lucrativa" (arts. 5º e 6º), somente
deixaram de constar do Código Eleitoral em 1965, promulgado pelos militares na
Quarta República (1964-1985). Também pela primeira vez há referência à
necessidade de filiação partidária do aspirante ao cargo eletivo e outras
cláusulas a serem observadas pelo candidato7 para ser incluído na lista
partidária.
Quanto à indicação de candidatos/as, até 1995 o sistema eleitoral brasileiro
era regulamentado pela Lei nº 5.682/71, sendo um processo uniforme entre todos
os partidos. Com a Lei nº 9.096/95, excluiu-se da legislação nacional o
processo de indicação de candidatos, formalizando-se esse procedimento nos
estatutos dos partidos8. No Capítulo III - Do Programa e do Estatuto -, o art.
15, ao enfatizar o conteúdo normativo partidário (filiação, direitos e deveres
dos membros, fidelidade e disciplina partidária), dispõe, em seu item VI, sobre
as "condições e forma de escolha de seus candidatos a cargos e funções
eletivas". Nota-se a ênfase no processo de escolha de candidatos/as,
estabelecido na formalização dos princípios e das normas de conduta a serem
seguidas pelo/a filiado/a, figura que se efetiva quando os partidos se
regularizam. Na Justiça Eleitoral9, os filiados crescem de importância ao
assumir incumbências formais, administrativas, integram-se às atividades sob
sua competência, postos determinados nos degraus intrapartidários e ainda com
possibilidade de eleger-se parlamentar ou outro cargo de seu interesse.
Os arranjos de filiação partidária e as cláusulas sobre disciplina, direitos e
deveres dos/as filiados/as têm precedência entre os demais assuntos
estatutários, visto ser a forma de caracterizar os membros do partido e
classificá-los em setores de direção e ação. A idade de um/a filiado/a está
entre 16 e 18 anos, de nacionalidade brasileira, gozando os direitos políticos
e comprometido/a com o programa e com o estatuto do partido. A condição de
votar e ser votado (para os órgãos partidários ou para cargos eletivos) é o
requisito estatutário comum a todos/as e a garantia de aspirarem a uma carreira
política.
Na Figura_1, pode ser percebida a escada cujos degraus um eleitor ou eleitora
(que esteja no gozo de seus direitos políticos) deve subir se aspira a um cargo
eletivo. Vale dizer que são estes os passos do aspirante no processo que
formaliza a inscrição do/a filiado/a como membro partidário.
Os/as Filiados/as Partidários/as no Brasil
O atributo de alistável garante a participação do cidadão ou cidadã em uma
eleição como eleitor ou eleitora, mas, para concorrer a um cargo eletivo, terá
de estar filiado/a a um partido. Essa prática é circunstanciada pela engenharia
institucional dos órgãos partidários para sensibilizar simpatizantes, criar
adeptos e transformá-los em candidatos potenciais, seguir algumas normas
básicas estatutárias, ser pré-selecionado e indicado por outro membro do
partido ou agência partidária investido da função de selecionador, com o nome
do selecionado constando da lista final homologada em Convenção.
Considerando esse processo, é pertinente a visão do quadro geral do eleitorado
brasileiro distribuído entre os percentuais de filiados/as e não filiados/as e
o total de eleitores. Na Tabela_1, estão computados os registros das eleições
de 2002.
Em estudos comparados de Mair e Biezen (2001), para verificar os níveis de
filiados individuais de partidos políticos em vinte democracias européias
contemporâneas, os autores demonstraram que, nos anos 1990, houve declínio
significativo dos/as filiados/as partidários/as nesses sistemas. A Áustria, que
em 1980 apresentava um quadro de 28,48% de membros, em 1999 rebaixa esse
percentual para 17,66%.
O fato de o/a filiado/a ser um agente importante no estabelecimento do fundo
partidário que sustenta as campanhas eleitorais nesses países se revela uma
vertente da discussão atual no questionamento sobre a veracidade ou não dos
números registrados. A dúvida recai na suposição de que as lideranças
partidárias precisam confirmar uma ampla massa de adeptos na base para o
reconhecimento de sua legitimidade na sociedade e, por isso, eles tendem a
declarar uma política ativa no engajamento de cidadãos, visto que os/as
filiados/as são considerados/as a fonte dessa legitimidade tanto dentro quanto
fora dos partidos.
Nessas vinte democracias, a média de filiados/as foi de 4,99%10. Isso quer
dizer que o quadro de filiados partidários no Brasil se encontra em uma boa
posição, equivalendo-se à Polônia, que tem 9,65% de membros. A identificação
partidária dos/as filiados/as brasileiros/as em 2002 é mostrada na Tabela_2,
classificando-se do maior para o menor percentual de mulheres filiadas.
Há estudos que apontam a maior presença das mulheres eleitas nos partidos de
esquerda e em partidos novos (Matland, 2002; Htun, 2002).
No caso deste artigo, essa presença foi avaliada no estágio das filiações
partidárias entre blocos ideológicos11 e entre os partidos configurados em
tamanho12 para identificar qual deles teve um percentual significativo de
mulheres na base partidária antes da competição13. Assim, tomando o bloco
ideológico e o percentual de filiação, em 2002 foi verificado que, entre os
partidos da direita (grandes, médios e nanicos), PT do B, PTC, Prona, PRP, PMN,
PSL, PHS, PSC, PSDC, PTN, PRTB e PAN exibem percentuais significativos de
filiação de mulheres com uma variação em relação à filiação masculina entre -
5,9% e -12,3%14. Os que têm maior número de filiados/as, como PFL, PP e PTB,
apresentam percentuais diferenciais de -16,3%, -12,6% e -12,8%,
respectivamente, para as filiações de mulheres. Os partidos de direita são os
que mais contribuem percentualmente com o total de filiados brasileiros: 45,9%.
Entre os três partidos que representam o bloco de centro, o percentual de
variação de filiações de mulheres em relação aos homens está entre -11,7%, -12%
e -13,1%, apontando um nível de equilíbrio de variação entre eles. O PMDB
registra maior percentual de mulheres filiadas. Esse bloco contribui com 37,9%
do total de filiados brasileiros.
No bloco de esquerda, PCB, PSTU e PCO registraram maior percentual de filiadas,
quer como interblocos, quer como intrablocos. Os partidos com estrutura
estável, como PT, PSB e PPS, têm maiores percentuais de homens entre seus
filiados, com o primeiro apresentando quase 60% de seu quadro partidário
masculino. O bloco contribui com 16,3% do total de filiados/as.
No período de formação do PT, as mulheres filiadas empreenderam uma forte luta
para garantir seu lugar entre os membros dirigentes. Borba, Faria e Godinho
(1998) argumentam que, à medida que o partido se organizava, elas perdiam
espaço. As mudanças para o incremento da presença das mulheres nos órgãos de
direção, exclusivamente masculino, dependeram de intensa luta para a inclusão,
entre as disposições estatutárias, dos 30% de mulheres entre os dirigentes,
ocorrendo formalmente em 1991, com a presença significativa de mais mulheres.
No processo de filiação partidária, há outros fatores que podem explicar a
tendência do eleitorado a se constituir em simpatizante ou não do partido para
o avanço nesse degrau de acesso. Evidenciando o programa e a ideologia
partidária, Bey-Ling Sha (2003) analisou o Democratic Progressive Party - DPP,
o principal partido da oposição em Taiwan, demonstrando a dificuldade do
engajamento da eleitora como simpatizante e membro do partido, porque as
mulheres resistiam às informações que tinham dele - "provocativo e violento".
O argumento de Inglehart e Norris (2003b) trata das barreiras culturais de
determinadas sociedades que explicam as atitudes tradicionais para a igualdade
de gênero, influenciando o nível de avanço (alto ou baixo) das mulheres para os
cargos eletivos, que podem estar em estágios anteriores, como o de não-
simpatizantes e, portanto, não-adeptas ao programa do partido: "Em culturas com
valores tradicionais sobre o papel da mulher no lar e família, muitas mulheres
podem se recusar a concorrer e, se elas procuram um cargo, elas podem deixar de
atrair apoio suficiente para vencer" (ibidem:133; tradução da autora).
Em todo caso, a situação das mulheres nos partidos brasileiros merece uma
atenção maior. Se compararmos os 40% de filiadas ao percentual masculino, há
desnível, mas não se pode dizer que esse valor seja inexpressivo. O problema
está na passagem de filiadas para as listas partidárias de candidaturas.
No estágio de entrada das mulheres na representação parlamentar, alguns
partidos mantêm regras estatutárias aos degraus de acesso. O percentual de
filiados/as partidários/as brasileiros/as se encontra no mesmo nível dos
partidos das democracias ocidentais (Mair e Biezen, 2001); e o percentual de
40% de mulheres filiadas é bastante significativo no quadro nacional.
A presença do "selecionador" nos estatutos partidários: avaliando um "degrau"
de acesso às candidaturas
O sistema democrático representativo se legitima pelo consenso verificado por
meio de eleições livres e do sufrágio universal, sendo os atores principais
nesse sistema os partidos políticos e os cidadãos e cidadãs que participam,
quer com direito a se eleger, quer com direito a eleger outrem para um
determinado cargo político em um período específico.
Os partidos políticos têm papel fundamental na organização do ingresso do/
a cidadão/ã na vida política (como eleitor/a e aspirante ao cargo eletivo) de
um país. Duverger (1970) tratou do assunto em regimes de democracia
representativa evidenciando os enfoques da seleção diferenciada entre os tipos
de partido e a relação entre pré-escrutínio (pré-seleção) e designação de
candidatos, observando a variabilidade do grau de intervenção dos partidos e a
sutileza que é usada na relação entre estes e os concorrentes na ratificação
dos nomes, oficializada pelas organizações partidárias, e nas negociações que
ocorrem entre a indicação e a aprovação dessas indicações.
No Brasil, o papel dos partidos políticos na organização das demandas
institucionais (representação nos órgãos da Justiça Eleitoral e na legislação
eleitoral) para o ingresso do cidadão na vida política (eleitor e elegível)
teve maior destaque com a criação da Lei Agamenon (nº 7.586/45), que exigiu o
registro dos partidos em bases nacionais, confirmada pela Constituição de 1946.
A indicação de candidatos/as como um processo uniforme entre todos os partidos
foi regulamentada pela Lei nº 5.682/71, e a Lei nº 9.096/95 deslocou essa
função para os estatutos partidários.
Para verificar a existência de critérios que possibilitam reconhecer um tipo de
"selecionador" de candidaturas, ou quem está qualificado pelo partido a
preencher essas condições, e para saber quem elabora as listas nominais votadas
nas convenções partidárias, foram examinados os estatutos do PT, do PMDB e do
PP, escolhidos por critérios históricos, ideológicos e, no caso do primeiro,
por fazer constar, entre os itens do documento, um capítulo específico sobre o
processo seletivo de candidaturas15. Aplicou-se o modelo de Rahat e Hazan
(2001) para identificar a função de selecionador entre os membros das várias
agências partidárias e a situação de maior/menor inclusão/exclusão desse
selecionador16. Considera-se, contudo, os diferenciais dos modelos anglo-
americanos que subsidiaram esse estudo.
O controle da oferta de candidatos/as aos cargos eletivos do PT (arts. 127 a
134) se dá para os cargos parlamentares e majoritários, distribuídos entre os
níveis municipal, estadual e federal, em três ou quatro formas de apoio,
segundo a competência da indicação, para posterior encaminhamento à Comissão
Executiva.
Considerando a abordagem da literatura internacional sobre a função de votar ou
indicar os/as candidatos/as pelo selecionador partidário, no Quadro_1,
registra-se o modelo em que o selecionador de candidaturas circula entre a
indicação, a votação e a homologação17, cada processo centralizado nos membros
filiados que detêm cargos do Diretório em níveis nacional (no caso de
presidente da República), estadual ou municipal, para os quais foram eleitos,
ou em Núcleos de Base municipal ou setorial18.
Na Figura_2, a configuração apresenta os estatutos do PT com os tipos de
selecionador e os implicados em uma seleção prévia de filiados/as.
A avaliação aponta um processo que evidencia a média inclusão (selecionadores 1
e 2) ao limite médio da maior exclusão (selecionador 3), em se tratando da
posição centralizada do selecionador ou nível de democracia interna do partido.
Se todos os filiados/as contribuem financeiramente para o partido e têm outros
requisitos constantes de seus direitos e deveres estatutários, o mais
democrático, ou o nível de maior inclusão, seria que todos tivessem acesso à
escolha dos que participam da lista votada na Convenção e apresentada ao
eleitorado para ser sufragada, uma vez que os/as eleitos/as passarão a fazer
parte da bancada parlamentar ou majoritária do partido.
O PMDB19 identifica o selecionador no Capítulo I das Disposições Gerais
estatutárias, no art. 109, ao se referir às "eleições prévias para a escolha de
candidatos a cargos executivos ou a cargos parlamentares sujeitos ao sistema
majoritário". Essas eleições são disciplinadas pela Resolução do Conselho
Nacional20, sendo o resultado proclamado pela respectiva Convenção. Não há um
capítulo específico se referindo a uma pré-escolha de candidatos/as, salvo as
atribuições de competências das várias agências partidárias (Diretórios
Municipal, Estadual e Nacional) em que está evidente o papel da Convenção
quanto a escolher e proclamar. As eleições prévias estão sujeitas a uma
Resolução do Conselho Nacional, mas nada indica sua efetivação, a exemplo dos
estatutos do PT. Outro aspecto dessa escolha prévia é o indicativo de
causalidade da situação (quando houver eleição prévia) e não a regularidade do
evento, prevalecendo, nesse caso, o papel dos subscritores da lista nominal.
Quadro_2
O PMDB apresenta dois tipos de selecionador. Um primeiro consta do art. 23, §§
1º e 3º, sendo as Convenções o órgão máximo de escolha de candidatos/as para as
eleições proporcionais. No caso da existência de somente uma chapa, esta será
eleita, em toda a sua composição, se alcançar pelo menos 20% dos votos dos
convencionais. O § 3º acrescenta que até 48 horas antes do início da Convenção
"o grupo de subscritores poderá promover a substituição de nomes na chapa
proposta, bem como a fusão de chapas". Isso revela a existência de uma pré-
seleção de nomes compondo uma lista elaborada por membros partidários que
previamente indicaram os/as candidatos/as da relação de filiados/as
prospectivos e que será submetida à votação na Convenção de cada área. Essa é a
primeira esfera do selecionador. A segunda é a votação dos membros partidários
e delegados convencionais.
Na Figura_3, o selecionador cuja composição está identificada como um "grupo de
subscritores" é considerado o selecionador 1 na célula da maior exclusão porque
a seletividade do conjunto pode estar considerando um grupo da elite partidária
com destaque nas lideranças, ou uma organização de base com ênfase em movimento
setorial, para apresentar uma lista de nomes de candidatos/as. O selecionador 2
é a Convenção; posiciona-se no limite médio da maior exclusão porque, nesse
caso, houve uma maior abertura para a presença de delegados de todos os órgãos
do partido. Nos dois aspectos, a seletividade faz pensar na exclusão de um
maior número de membros apoiadores filiados da base partidária exercendo a
indicação, pois não aparece uma explicação logística (cálculo percentual) para
garantir o tamanho do selecionador, conforme referido na etapa prévia dos
apoiadores de candidaturas do PT.
A média exclusão é a tendência de o selecionador abrir-se para mais filiados/as
qualificados/as, ou fazendo parte das agências partidárias, ou que assumiram
postos internos (membros do Diretório, da Executiva etc.) por via de eleição.
A conclusão a que se chega é a de que o PMDB apresenta um processo de seleção
tendente a um modelo de indicação, votação e homologação cujo primeiro estágio
está centrado em apoiadores sem identificação definida nos artigos
estatutários; já o segundo e o terceiro são estabelecidos pelos filiados
delegados da Convenção.
O estatuto do PP21 apresenta as competências dos membros do partido desde a
condição de fundadores efetivos e beneméritos até a escolha de candidatos/as na
Convenção em cada área (nacional, municipal e estadual), adotando duas fórmulas
- indicar e escolher - que têm alguma importância na análise política. O fato
de o selecionador ao cargo majoritário de presidente e vice se constituir por
meio de uma indicação, via Convenção Nacional, implica uma deferência elitizada
se comparada ao aplicado no processo para os demais cargos. Há também o fato de
as implicações políticas sobre esse cargo refletirem indicações por lideranças
regionais, além de a avaliação pela cúpula nacional considerar a inviabilidade
da indicação. Isso aponta para o centralismo da tomada de decisões no partido.
O processo de escolha de candidatos/as não está em um item específico, mas há
indicação da formação de chapas partidárias às eleições proporcionais no art.
115, § 1º das Disposições Especiais, quando trata dos movimentos de apoio22.
Quadro_3
O estatuto do PP tem afinidade com o do PT ao assegurar às mulheres, enquanto
integrantes de um órgão de colaboração do partido, tal como os demais
movimentos (trabalhadores, juventude), o direito à representação em cada
Diretório (arts. 11 a 113) em que estejam organizadas. Enquanto representantes
dos Diretórios, os movimentos de apoio, como agências partidárias, fazem parte
do selecionador, podendo formar suas chapas e, conforme o prazo estipulado,
encaminhar à Executiva do partido para que sejam apresentadas e homologadas na
Convenção. O diferencial do PT é que as mulheres fazem parte dos órgãos de
direção e de atuação do partido, e não somente dos órgãos de colaboração e de
apoio.
A Figura_4 mostra a posição do PP e o grau de inclusão/exclusão do selecionador
no processo de escolha de candidatos configurado no modelo de Hazan (2002).
É possível observar que, embora se evidencie controle na indicação de
candidatos/as, a relação destes com o partido não é tão forte, apesar da
necessidade de formalização da candidatura. O selecionador 1 posiciona-se na
célula da maior exclusão e o selecionador 2 encontra-se na célula da média
exclusão. No primeiro caso, situam-se membros categorizados do partido; no
segundo, há uma dualidade entre selecionadores: os delegados de todos os órgãos
do partido homologam as candidaturas parlamentares e algumas majoritárias, mas,
ao atuarem na indicação do cargo de presidente e vice, restringem os membros
para os que fazem parte da Convenção Nacional, ocorrendo assim uma exclusão
maior desses membros. Há outra perspectiva: a indicação de candidaturas no
selecionador 1 se dá por "grupos de subscritores" - que podem estar
relacionando apenas as lideranças e os dirigentes partidários; e por movimentos
de apoio, que, embora tenham uma base social maior para selecionar seus
candidatos, são restritos nos percentuais (20% de lugares a que o partido tem
direito) e também na regra de filiação partidária. O grau de média exclusão
evidencia a participação de mais filiados/as na Convenção enquanto delegados/as
e dirigentes partidários reconhecidos na base do selecionador municipal,
estadual e nacional.
Nos três exemplos extraídos do processo formal de indicação de candidaturas,
ficou evidente que há regras partidárias que sustentam a oferta e a demanda dos
pretendentes aos cargos eletivos, tornando exposta a distribuição do poder no
interior da organização partidária nos limites de média e baixa inclusão e de
média e alta exclusão.
Embora os estatutos possam dimensionar institucionalmente a pré-escolha de
candidatos/as e a aprovação de uma lista nominal na Convenção partidária, a
questão levantada relaciona a prática usual, entre os partidos brasileiros, de
apoiarem os nomes de filiados/as interessados/as em concorrer ou saídos da
indicação de líderes representativos do partido que, prevendo resultados
eleitorais satisfatórios, se centram em dois aspectos: a) interesse em aumentar
os votos válidos tendo em vista inscrever-se como partidos efetivos, com
preenchimento de cadeiras parlamentares; b) incentivo à competição de filiados/
as com o preenchimento integral das listas nominais, haja vista a necessidade
de comporem a cota partidária para concorrerem, sendo esta bastante elevada.
Para as eleições proporcionais, por exemplo, podem registrar até 150% do número
de lugares a preencher (Lei nº 9.504/97, art. 10, caput)23.
A representação por Estados e pelo Distrito Federal é estabelecida por um
número de cadeiras distribuído proporcionalmente à população. Essa cota nem
sempre se completa pela demanda e oferta de candidatos/as, e os partidos
geralmente inscrevem nas listas os/as filiados/as que, mesmo sem motivação para
concorrer, funcionam como "soldados do partido", aceitando indicar seu nome
para o preenchimento das vagas abertas. Há também os que são inscritos para o
serviço partidário nas eleições (campanhas etc.). Esses procedimentos suscitam
algumas perguntas: se todos os filiados ou filiadas estão aptos a concorrer,
qual é o potencial de cada filiado/a ser apresentado (oferta e demanda) na
lista do partido? Nesse caso, qual é o potencial das mulheres?24
O critério utilizado é o da aceitabilidade dos que querem concorrer, com peso
no julgamento informal, implícito e subjetivo, prevendo que cada candidato/
a possa dispor da preferência eleitoral para aumentar os votos válidos do
partido.
No que pode ser observado, o selecionador não obedece a uma situação de gênero
para dispor de suas regras. O degrau de acesso das mulheres ao Parlamento não
está sendo impedido por essa via de entrada formal. Se há filiadas oferecendo
sua candidatura, elas são incluídas e passam a competir por votos. Há demanda
partidária por candidaturas femininas caso os partidos verifiquem a força
nominal de uma filiada. Essa é a situação que pode ser avaliada no jogo de
formalidades desse primeiro degrau de ingresso das mulheres na competição
eleitoral. Não há pré-seleção ou seleção formal de candidaturas femininas.
ACESSO DAS MULHERES AO LEGISLATIVO BRASILEIRO
As Candidaturas Femininas no Período de 1946 a 1982
O modelo do sistema eleitoral brasileiro é de representação proporcional de
lista aberta apresentando critérios para a distribuição de cadeiras
conquistadas pelos partidos entre os candidatos de cada lista com os nomes de
filiados/as -, votada em Convenção e apresentada para a competição com o
ordenamento nominal sendo feito pelos eleitores ao escolherem seus candidatos/
as preferenciais.
Em nível estatutário, a competição eleitoral ocorre dessa forma porém, há
outras nuanças subjacentes e pouco evidentes. O avanço da posição de filiado
para a condição de aspirante ao cargo eletivo e sua inclusão em uma lista de
candidatos apresentam outros percursos - além das atribuições formais de um
processo vigendo somente para ratificar os enredos eleitorais nas Convenções e
de ser o partido oficialmente inscrito pelos Tribunais Regionais Eleitorais -
TREs, na competição do período. Incluem procedimentos de indicação mais
frouxos, o que configura o sistema partidário brasileiro como oligárquico
(Santos, 1994; Lima Junior, 1983; 1991). Prevalece a composição da lista
nominal como arranjo dos dirigentes partidários sem que haja uma consulta
direta aos/às filiados/as. Contudo, a Convenção mantém o poder das lideranças
partidárias que estabelecem cotas de delegados para essa ocasião. O aspecto
informal está subjacente na entrega de uma única relação de competidores para
aprovação pela assembléia, conforme explica Mainwaring (2001:305):
As Convenções geralmente recebem uma chapa única e isso significa que
as decisões foram tomadas antes da assembléia. Somente quando as
forças concorrentes se mantêm em apertado equilíbrio é que a
Convenção decide sobre a composição da chapa do partido. Por isso as
Convenções dão a impressão de ser meras formalidades por trás das
quais um pequeno grupo de líderes controla o "verdadeiro" mecanismo
de seleção de candidatos.
Por esses critérios, preferencialmente frouxos, e pela tradição cultural as
mulheres têm sido penalizadas.
As leis eleitorais que incorporavam as cláusulas do Código Civil dificultaram o
percurso das brasileiras nos degraus de acesso à representação política,
determinando os procedimentos de submissão patriarcal instruídos pela cultura e
pelos costumes estabelecidos. Quem se alistava e se candidatava para concorrer
a uma eleição, após a vitória do sufragismo em 1932, eram sobretudo as
professoras da escola pública. Os litígios regionais da década de 1930 entre o
governo das interventorias e as elites remanescentes da Primeira República
podem ser contabilizados também na rarefação do número de mulheres entre os
candidatos de partidos regionais (Álvares, 1990).
Com a nacionalização dos partidos pela Constituição de 1946 e as regras
eleitorais ainda definidas pelas cláusulas estabelecidas de forma seletiva para
a entrada das mulheres na cidadania ativa (eleitora) e passiva (candidatura),
até 1965 se verifica uma tímida evolução do percentual de mulheres candidatas
no período de 1946 a 1982 à Câmara dos Deputados e às Assembléias Legislativas,
conforme Tabela_3.
Utilizando as informações subjacentes em dados documentais, é possível concluir
que, além dos cenários em que a participação eleitoral teve o predomínio
oligárquico de grupos partidários (1945-1962) e das regras eleitorais
restritivas à candidatura de mulheres - somente as que exerciam profissões
lucrativas -, há também os condicionantes socioculturais definindo o campo da
política formal aos homens e ao tipo de jogo político marcado por situações
litigantes entre os grupos que aspiravam ao comando local. Por outro lado,
nesse mesmo quadro, somam-se resquícios do tempo em que as fraturas
constitucionais do período militar mantiveram o plebiscito eleitoral e a
formação de um sistema bipartidário, embora ferindo os princípios democráticos
pela exacerbação da violência política contra os opositores ao regime (1964-
1982). Essa situação, que levou à cassação de mandatos dos parlamentares
acusados de subversão da ordem política implementada em 1964, favoreceu a
candidatura de esposas e irmãs que tiveram seus maridos e parentes nessa
condição. Tabak e Toscano (1982:68) registram que, das treze candidatas à
Câmara dos Deputados, nas eleições de 1965-1966, das quais saíram seis eleitas,
[...] cinco foram apresentadas pelo MDB e, destas, somente uma tinha
eleitorado próprio, pois há quinze anos vinha tendo seu mandato
renovado. As quatro deputadas que ingressaram na Câmara Federal, com
apoio no eleitorado de seus respectivos cônjuges, tiveram por sua vez
os mandatos cassados em 196925.
Em 1982, com a distensão política, a criação de novos partidos e a
efervescência dos movimentos de mulheres agregadas aos partidos de oposição,
houve aumento significativo de candidaturas femininas aos cargos parlamentares,
prevalecendo a demanda maior para as Assembléias Legislativas. Quanto às
eleitas, o número não foi correspondente, pois, das 58 que competiam à Câmara
dos Deputados, somente oito (13,8%) se elegeram. Das 134 que concorreram às
Assembléias Legislativas, apenas 28 foram exitosas (20,9%). Todavia, se
comparado aos percentuais do período militar, houve ampliação expressiva do
quadro de candidatas e de eleitas.
A Década da Mulher (1975-1985), se de um lado não expressou um padrão de
crescimento de candidaturas, conforme se expandiam os grupos feministas e os
movimentos de mulheres em nível nacional, de outro serviu de estímulo à demanda
maior de mulheres aos cargos parlamentares. Sem esquecer que, nesse período,
houve, além da reformulação das leis partidárias, a criação de novos partidos e
os eflúvios da redemocratização - ponto decisório nos rumos do país em 1985.
Com uma nova Constituinte após um período autoritário, as mulheres ainda
permaneceram entre percentuais baixos nos espaços legislativos, forçando novas
regras para o aumento desses números. Em suma: as leis eleitorais no Brasil e a
interpretação jurídica apoiaram-se na situação de homens e mulheres descrita no
Código Civil e nos costumes, e seguiram duas linhas: a) não ferir
institucionalmente os dispositivos desse Código; b) não ferir os costumes
naturalizados. Como a racionalidade do partido é alcançar representatividade
(garantir o maior número de votos e cadeiras), o nível de acesso das mulheres
ainda era incipiente nessa organização, porque não dispunha de políticas de
inclusão de simpatizantes nem de filiadas enquadradas nos modelos do mercado.
Que modelo é esse? O peso da tradição sexista encarecendo o capital político
caracteriza os competidores entre aqueles que possuem capital social acumulado
na base familiar, no ativismo político ou em profissões que favoreçam
reconhecer uma significativa trajetória política aos que aspiram competir. Sem
um perfil direcionado para esse mercado a maioria das mulheres deixou de ser
"selecionada" e/ou de oferecer seu nome para candidatura. No entanto, isso não
quer dizer que elas estavam "de fora" do ativismo político, pois sua presença
sempre se constituiu significativa nos movimentos sociais, nos centros
comunitários, nas associações de bairro, ou seja, em outras formas de ação
política integradas a uma área mais direta às deliberações públicas enquanto
lideranças efetivas. Se a presença nos partidos era insignificante, há registro
de mulheres que se dedicavam aos serviços de panfletagem ou à organização de
eleitores em tempo eleitoral quando o direito do voto ainda permanecia entre as
aspirações das sufragistas26.
O Quadro das Eleições Proporcionais de 1986 a 2002 e o Acesso das Mulheres ao
Parlamento
Em um partido, filiados e filiadas podem se sentir motivados/as para a carreira
política. Se historicamente o acesso à competição eleitoral se reduzia à
demanda masculina, hoje as mulheres estão nos dois lados do mercado eleitoral
(demanda e oferta), embora ainda se mantenham absorvidas tanto pela cultura
sexista dos papéis tradicionais de gênero quanto por outras transversais que
afloram em suas opções pessoais e também na própria atividade política. Uma
variável explicativa das condições de maior acesso da mulher à participação
política é o processo de modernização social e o índice de urbanização e de
desenvolvimento humano, traduzidos pela implementação do desenvolvimento
socioeconômico determinante das mudanças culturais e pela ruptura com os
valores tradicionais e transformadores da vida das pessoas e da própria esfera
pública (Norris e Lovenduski, 1995; Norris e Inglehart, 2000; Inglehart e
Norris, 1999; 2003a; 2003b). Essas mudanças trouxeram a erosão da família
tradicional, liberalizaram os padrões do comportamento sexual, criaram outra
expectativa em torno do casamento e do divórcio e ampliaram a aceitação entre
os homens e as mulheres dos novos papéis sexuais ao favorecerem os valores pós-
modernos de igualdade de gênero no lar, no trabalho, no espaço público. Afirmam
Inglehart e Norris (2003a:133):
Onde uma cultura de igualdade de gênero predomina, gera um clima de
esperança pelos direitos legais traduzidos de fato em algumas
práticas com implementação de reformas institucionais no espaço do
trabalho e na esfera pública onde as mulheres vão abraçar
oportunidades ampliadas de alfabetização, educação e emprego e em que
os papéis tradicionais de homens e mulheres serão transformados
dentro de casa e na família (tradução da autora).
Com essas novas oportunidades de incremento educacional, presença na força de
trabalho e mudança nos padrões dos papéis tradicionais sexuais, registra-se o
progresso das mulheres nos cargos de representação parlamentar. Por outro lado,
os partidos têm demonstrado certo interesse em agregar mulheres em seus
quadros. A avaliação dos estatutos partidários brasileiros identificou
registros de grupos identitários de mulheres, tornando-se uma das fontes de
recrutamento de candidatura. Erickson (1993) analisou resultados satisfatórios
dos partidos canadenses (Liberal e New Democratic Party - NDP) quando estes
apoiaram os núcleos de mulheres com programas e inclusão delas em atividades
partidárias desvinculadas das tradicionais.
O quadro de inovações e mudanças foi avaliado por Álvares (2004) por meio da
análise dos antecedentes sociais de candidatos e candidatas que se apresentaram
nas eleições de 1998 e de 2002 e das convergências e divergências do desenho
dessas candidaturas em torno de variáveis como faixa etária, nível de educação,
status ocupacional, estado civil, tipo de partido em que as mulheres entraram
para a competição eleitoral. Em virtude do espaço destinado a este artigo, não
será possível apresentar as tabelas com essas variáveis, mas é possível
sumarizar as informações extraídas com os percentuais das candidaturas
femininas desde 1986, quando as mudanças da estrutura de oportunidades no
Brasil favoreceram um maior avanço das mulheres na competição. O cálculo da
evolução dessas candidaturas possibilita avaliar, em nível comparado em gênero,
os pontos percentuais entre os competidores e a procura de cargos nas duas
casas legislativas.
Se comparada à Tabela_3, do período de 1946 a 1982, vê-se, na Tabela_4,
percentuais de concorrentes bem maiores. Esse avanço projeta o crescimento dos
movimentos de mulheres, a partir do final dos anos 1970, em todo o Brasil27. A
junção de forças transformou as lideranças dessas entidades - as quais
mantinham vínculo com os movimentos nacionais pela anistia e contra a
exploração e o conflito no campo, os movimentos nacionais de direitos humanos,
os movimentos contra a violência doméstica etc. - na espinha dorsal dos
partidos de oposição, como PC do B, PT, PSB e MDB (quando este se opunha ao
regime militar). O trabalho de recrutamento político para os movimentos sociais
nascentes conferiu respeitabilidade às demandas das mulheres nos bairros
urbanos, na zona rural, nos sindicatos e nas fábricas.
Em 1986, a bancada da Câmara dos Deputados detinha a incumbência de elaborar a
nova Constituição. Desde 1985 os grupos organizados de mulheres encaminharam
propostas de mudança sobre a situação feminina, reivindicando melhores
condições de vida e melhores oportunidades para o desempenho de suas
atividades, entre outras demandas. Elas participaram dos debates da
Constituinte opinando sobre os pontos que queriam modificar, exigindo um novo
enfoque sobre seus direitos sociais. Nesse sentido, apresentaram propostas
encampadas por um comitê de feministas, que foram incorporadas ao texto da
Constituição de 1988.
Sobre a cidadania eleitoral, com a demanda pela igualdade de acesso ao processo
decisório, apesar dos debates entre esses grupos, não houve tantos avanços.
Silvia Pimentel (1988), coordenadora do comitê assessor dos grupos de mulheres
na Constituinte, levantou algumas hipóteses sobre a situação a respeito da
baixa presença feminina na competição eleitoral: a) organização incipiente das
mulheres e falta de apoio político-eleitoral; b) falta de experiência política
(prática específica desse "agir"); c) indiferença do eleitorado à contribuição
da mulher no Legislativo; d) dificuldades no entrosamento entre o partido e as
mulheres e insensibilidade dos partidos para a superação do problema; e)
discriminação contra a mulher candidata; f) falta de recursos financeiros para
a campanha28. Mesmo assim, representando 5,3% (1986), 5,8% (1990) e 6,2%
(1994), as mulheres eleitas à Câmara dos Deputados constituíram discreto
crescimento entre os diversos partidos e Estados da Federação; para as
Assembléias Legislativas, 3,3% (1986), 5,5% (1990) e 3,1% (1994)29.
Quanto às eleições de 1998-2002, os percentuais de candidaturas femininas aos
cargos legislativos mostraram evolução crescente. A demanda pela Assembléia
Legislativa foi bem maior do que pela Câmara dos Deputados.
É preciso registrar que desde 1995 o Brasil convivia com uma lei de cotas
nacional aprovada pelo Legislativo, uma emenda de lei eleitoral apresentada
pela então deputada Martha Suplicy, garantindo um percentual de 20% das vagas
de cada partido ou coligação para preenchimento de candidaturas de mulheres nas
eleições municipais de 1996. Os debates legislativos, tanto relativos à
constitucionalidade da medida quanto para mostrar o peso das barreiras
culturais em interpretações sobre a mulher em cargo eletivo, favoreceram uma
nova redação da emenda para aprovação e novas propostas para a Comissão de
Constituição, Justiça e Redação - CCJR, sendo votada a legislação eleitoral e
aprovado, em definitivo, em 1997, o texto final assegurando a adoção de uma
cota partidária mínima de 30% e máxima de 70% para qualquer um dos sexos. Deve-
se esclarecer que esse dispositivo da política de cotas não alcançou o mérito
desejado, conforme estudos de Araújo (1999).
Nesses dois períodos, o conjunto de dados de antecedentes sociais dos
candidatos e candidatas coletado e analisado por Álvares (2004) favoreceu
outras informações. Por exemplo: mostrou que brasileiros e brasileiras se
candidatam, para as duas casas legislativas, em idade madura (41 a 50 anos); há
predomínio de casados/as, em um percentual equilibrado; a escolaridade é alta,
com as mulheres alcançando maior percentual educacional do que os homens; estão
distribuídos/as em ocupações cuja freqüência centrou-se, para as mulheres,
entre as professoras de 1º e 2º graus (atuais ensinos fundamental e médio) e,
para os homens, entre comerciantes e advogados, para a Assembléia Legislativa e
Câmara dos Deputados.
Um aspecto que chamou a atenção diz respeito a candidaturas de mulheres com a
ocupação atribuída de dona-de-casa, levando a reavaliar essa categoria
ocupacional com o potencial que está agregando no ativismo político por meio da
formação de associações de classe30.
Sobre a posição partidária, proporcionalmente, no índice relativo à
distribuição de candidaturas e filiados/as, constatou-se que os partidos
pequenos (P) e "nanicos" (N) do bloco de esquerda têm melhor desempenho na
indicação de mulheres para concorrer, aproveitando melhor seu quadro de
filiados/as na competição eleitoral, enquanto os partidos grandes (G) têm
menores percentuais de indicação de candidaturas femininas, sendo, entretanto,
os que elegem mais mulheres, seguidos dos partidos médios (M). A Tabela_5 é uma
referência para tal asserção. Quanto aos blocos ideológicos, a distribuição
demonstra que a esquerda (67) elege mais mulheres, com 38,9%; o centro (60),
com 34,8%; e a direita (45), com 26,2%.
O PROCESSO DE SELEÇÃO DE CANDIDATURAS E A CARREIRA LEGISLATIVA DAS MULHERES
O estudo sobre seleção de candidaturas objetivou avaliar um dos degraus de
acesso da mulher à carreira política considerando os arranjos partidários
formais e informais que submetem os/as cidadãos/ãs aptos/as a entrar na
competição eleitoral. A trajetória das mulheres que aspiram a um cargo
parlamentar segue a formação de praxe, sendo construída desde o engajamento
partidário em dois graus: simpatizante e membro filiado. Esses níveis exercem
barreiras ao avanço das mulheres nesse âmbito da política eleitoral em virtude
da cultura dominante no imaginário social responsável pela definição de um
modelo de aspirante ao cargo legislativo, desconectado das condições históricas
a que as mulheres foram submetidas nas relações sociais, com a predominância
hierarquizada do homem, branco e com experiência nesse nível de participação
política. Isso concorreu para a baixa motivação e presença delas nos partidos,
com informação deficiente para se tornarem simpatizantes; pelo não-
pertencimento partidário, não se filiam.
Os desenhos do recrutamento de candidaturas demonstraram que a escolha de
candidatos/as: é um importante estágio da disputa eleitoral; apresenta fatores
institucionais (elegibilidade), partidários (filiação) e pessoais (motivação);
ocorre dentro dos partidos, evidenciando a natureza de centralização/
descentralização interna dessa organização; e, por sua natureza, difere entre a
indicação e a eleição de filiados/as para a composição das listas de
candidatos/as. Trata-se de um pré-escrutínio de nomes avaliados pelas
lideranças (demanda) e pelo/a próprio/a aspirante (oferta), conforme apresentem
antecedentes sociais que se adaptem ao reconhecimento de um perfil de
competidor/a com uma carreira política valorizada pelo mercado político. Nessa
interação entre oferta e demanda de nomes, verificam-se os obstáculos à entrada
das mulheres na competição tanto pela parcimônia dos recursos pessoais desse
gênero, enfraquecendo a motivação para concorrer (experiência política), quanto
pela avaliação do partido àqueles/as com mais qualificação e que expressem
prospecção de força eleitoral. Aqui o campo social fornece os subsídios para
pensar que, enquanto os homens constroem sua trajetória valorizada,
socialmente, na profissão, na política, sendo o papel esperado deles, as
mulheres originariamente se reproduziram sob forte desqualificação de tarefas,
julgando-se com dificuldades de realização pessoal, embora consigam ultrapassar
essa emblemática configuração social.
Quanto ao modelo do selecionador, distribui-se entre os membros partidários
(Executiva, Diretórios etc.), entre as agências de representação partidária
(convenções) e, sobretudo, entre as lideranças do partido. Define-se entre a
maior inclusão (quando os selecionadores estão em uma base ampliada) ou a maior
exclusão (redução da dimensão do selecionador para um único líder), medindo com
isso a democracia partidária. Nesse estágio de definição de candidaturas, as
mulheres e as minorias têm sido tratadas de forma diferenciada, como prova o
sistema de cotas a que se submetem para equilibrar a seleção, sendo esse o
processo de descentralização incorporada evidenciado no modelo de Hazan (2002).
A montagem das listas partidárias e o perfil dos/as selecionados/as constatam a
predominância de homens na disputa, com as mulheres apresentando crescimento
percentual significativo ao dos parceiros na procura de cargos parlamentares,
conforme as tabelas apresentadas.
Mais de 80% de homens são indicados pelos partidos e estão interessados na
competição, com a presença das mulheres sendo ainda residual - um nível de
desequilíbrio que se pode originar das dimensões do sistema cultural secular
sexista e do habitus às regras institucionais que, por muito tempo,
obstaculizaram a progressiva presença desse gênero na política eleitoral e,
conseqüentemente, a entrada no partido político e a escolha pelo eleitorado
(outra forma de seleção). É possível que esse sistema cultural tenha deslocado
a ambição delas para outros tipos de ativismo, como a organização de
associações as mais diversas, entre as quais hoje é notória a de donas-de-casa,
em que elas exercem uma liderança específica com avanços atuais na demanda por
um cargo eletivo.
O âmbito da trajetória política está construído em uma seqüência temporal e
estrutural de fatores integrantes do capital social. Pode-se constituir também
uma síntese inicial em um vetor específico da política: o partido e a
competição eleitoral. No aspecto mais amplo dessa trajetória, o acúmulo de
representatividade profissional e o ativismo político atraem um potencial de
informações que favorece a exposição pessoal e a dimensão da atividade
exercida, estágios que evidenciam a popularidade pública do/a filiado/a,
convergindo para o incentivo partidário à competição e conseqüente seleção de
seu nome à lista partidária. No caso de essa trajetória iniciar no estágio da
atuação partidária, a filiação deve ser a primeira fase de sedução pelo
partido, e nessa integração se encontram as diversas atividades geradas e
acumuladas até o momento de maturidade para o exercício de um mandato em cargo
executivo e/ou parlamentar, culminância dessa trajetória, além de revivência
para outros vôos da carreira política.
As experiências advindas dessa trajetória político-eleitoral são as que mais
enredam os homens e se tornam obstáculos à presença da mulher: a baixa
integração desse gênero ao partido, sua ausência no ativismo partidário e nos
cargos estatutários mais evidentes, e a baixa competição aos cargos eletivos.
Tornam-se fatores dessa emblemática relação mulher e política eleitoral: o
tempo de exclusão da cidadania política; o acúmulo de papéis domésticos, que
acarretam falta de tempo para as práticas políticas, ou brokerage occupations
(Offerlé, 1999) a marca do preconceito (direto e indireto) ao "que fazer"
feminino; a visão equivocada sobre a ascensão feminina ao cargo político.
A motivação para a competição eleitoral e a convivência com as "coisas da
política" ainda se tornam um forte empecilho para os resultados mais
equilibrados na competição eleitoral entre os gêneros. Quanto à demanda do
partido pelas candidaturas femininas, está em uma fase em que essa organização
se encontra impactada pela presença das mulheres explodindo em todos os
ambientes nos quais se integram. Os valores negativos que a política carreou
para afastá-las de suas hostes ("a política é suja", "há corrupção na
política", entre outros) hoje têm sido apresentados para tentar seduzir esse
gênero à criação de recursos de "saneamento básico" para uma das áreas de maior
importância na vida de uma nação. É uma fase em que o "casamento" se depara com
probabilidades asseguradas de sobreviver somente se houver certeza de atração
de votos. O partido é movido racionalmente por esse recurso de domínio da
democracia eleitoral; e a relação direta entre ele e o/a potencial filiado/a se
encontra nesta equação: o/a filiado/a está para o voto assim como o voto está
para o aumento do poder político do partido.
NOTAS
1. Para Duverger (1970), a aferição do número de adeptos tem dois tipos de
estudo: evolução dos partidos e sua composição. Um terceiro a ser considerado é
o recrutamento dos simpatizantes do partido. Essa abordagem duvergeriana sobre
o grau de influência dos partidos na designação dos candidatos para a
composição da lista nominal e sobre os fatores presentes nessas indicações,
como o peso das lideranças na eleição e na indicação (na forma de cooptação),
subsidiou os novos e atuais trabalhos de outros estudiosos da área.
2. Em seus estudos, Norris (1993) e Norris e Lovenduski (1995) usam o termo
para analisar tanto o recrutamento político quanto o legislativo como uma das
funções básicas de todo o sistema político, investigando fatores específicos,
como: quem se torna candidato, como e por que isso ocorre.
3. Certas ocupações de cargo público ou das Forças Armadas, Judiciário e
polícia e executivos de corporação pública, conduta pessoal, razões de
insanidade, critérios de escolaridade, não quitação de débitos, entre outros.
4. Contudo, há os que são controlados em detalhes por leis nacionais, como
Estados Unidos, Alemanha, Noruega, Finlândia, Turquia e Argentina. Nesses
casos, a seleção de candidaturas se distribui em eleições primárias abertas
(Estados Unidos), em que qualquer cidadão eleitor do país entra na escolha
votando nos candidatos de sua preferência; e em eleições primárias fechadas,
permitidas somente aos filiados partidários para escolherem seus candidatos.
5. Hoje, nas democracias liberais, poucos partidos se utilizam desse método
para selecionar candidatos.
6. Sobre as questões levantadas em torno do gatekeeper e do recrutamento de
candidaturas de mulheres, ver também Norris (1997).
7. Como a apresentação de folha corrida da polícia, a declaração de bens, a
inscrição do prenome ou do nome abreviado ("desde que a supressão não
estabeleça dúvida quanto à sua identidade", segundo o Código Eleitoral de 1965)
etc.
8. Cf. o texto da Lei nº 9.096/95, com minúcias na definição de quem se filia,
prazos entre a filiação e a candidatura e outros itens exigidos ao candidato.
9. Foram analisados os 27 estatutos partidários oficialmente registrados no
Tribunal Superior Eleitoral - TSE, em 2002. Dessa análise, foi elaborado um
quadro com o arcabouço estatutário da formação da base de seleção e do perfil
do filiado.
10. Mair e Biezen (2001) registram, em seus estudos entre grandes e pequenas
democracias, assim como entre novas e velhas, o declínio do quadro de filiados
partidários desses sistemas políticos.
11. Convencionalmente foram os partidos determinados em blocos ideológicos de
direita, centro e esquerda, que necessariamente não podem ser congelados em um
mesmo padrão entre os diversos sistemas partidários. Utilizo a categorização de
Veiga (1999) e a minha perspectiva própria das eleições analisadas: bloco de
direita: PPB/PP; PFL, PL, PTB, PSD, PMN, PMB, Prona, PRN, PSC, PT do B, PTC,
PRP, PSL, PHS, PSDC, PTN, PRTB, PAN; centro: PMB, PSDB, PDT; e esquerda: PT,
PSB, PC do B, PCB, PPS, PV, PSTU, PCO.
12. O tamanho do partido foi estudado por Rae (1967) através do percentual dos
votos obtidos nas eleições e/ou do percentual de assentos partidários no
Parlamento. Para essa classificação, foi extraída a média do índice de força
eleitoral - IFE dos partidos paraenses que competiram em 2002 (Assembléia
Legislativa e Câmara dos Deputados), daí saindo a classificação utilizada,
constando: grandes: PMDB, PL, PDT, PP, PSDB, PT e PTB; médios: PSD e PSB;
pequenos: PST, PC do B, PPS e PFL; micros ou "nanicos": PV, PSL, PT do B, PSTU,
PRP, PTC, PCB, PGT, Prona, PAN, PMN, PRTB, PSDC, PSC, PHS e PTN.
13. Os partidos novos não foram classificados aqui.
14. A variação foi extraída do percentual de mulheres filiadas sobre o
percentual masculino de cada partido.
15. O PMDB e o PP trazem as raízes do multipartidarismo criado após o golpe de
1964, advindo das siglas MDB e Arena, respectivamente, depois PMDB e PDS, com
esse último sendo retificado nas siglas PPR e PPB. Incluem-se entre os partidos
dos blocos ideológicos do centro e da direita. O PT, caracterizado de esquerda,
é histórico não só por ser da fase do multipartidarismo pós-1964, como também
por sair do interior da classe operária e ter mobilizado, em pouco tempo, um
contingente significativo de simpatizantes e filiados/as.
16. Os autores anglo-americanos enfocados anteriormente tratam da situação dos
partidos europeus, mas o que chamou a atenção para sua utilização foi a
referência de seus estudos ao sistema eleitoral aos quais esses partidos se
inscrevem, tanto em um sistema majoritário quanto em um de representação
proporcional de lista. Considerando que o sistema eleitoral brasileiro se
enquadra nas características desse último e que o modelo de Hazan (2002) trata
de seleção de candidaturas na base partidária nesses sistemas, a aplicação do
modelo procurou ater-se a um objeto verificável - o estatuto partidário - que
evidencia o sistema formal de elaboração das listas pelos partidos brasileiros.
17. Hazan (2002) confere apenas dois: indicação e votação.
18. Este Núcleo de Base agrupa nove filiados, mas é aberto a não filiados de
âmbito municipal ou setorial.
19. Estatuto aprovado na Convenção de 24/3/1996 (3ª ed.), Brasília, junho de
1999, pp. 29-32.
20. Esse Conselho (arts. 71 e 72) é formado pelos membros da Comissão Executiva
Nacional; pelos presidentes dos Diretórios Estaduais; e sendo filiados ao
partido: os ex-presidentes nacionais, ex-presidentes da República, governadores
do Estado, presidentes da Câmara dos Deputados e Senado; ex-presidentes da
Câmara dos Deputados e Senado; e ex-líderes do partido nas duas casas.
21. Ex-PPB. Estatuto aprovado nas Convenções Nacionais de 3/4/2001. Diretório
Nacional do PPB. Senado Federal.
22. Os movimentos disponibilizados aos Diretórios das três áreas organizadas
são considerados os de: Juventude Progressista; Ação da Mulher Progressista; do
Trabalhador Progressista.
23. Para as coligações, independentemente do número de partidos integrados, os
registros de candidatos serão até o dobro do número de lugares a preencher (Lei
nº 9.504/97, art. 10, § 1º). Cf. Instrução nº 53/2002.
24. Essa questão foi avaliada por Álvares (2004) em uma fórmula que dimensionou
o índice potencial de candidaturas e filiação - IPCF, demonstrando-se em
percentuais o desempenho dos partidos na indicação entre homens e mulheres.
25. Situação semelhante também ocorreu em Taiwan, conforme relato de Bey-Ling
Sha (2003), no qual a autora revela que, historicamente, entre os partidos
taiwandeses, as esposas de maridos presos políticos assumem uma candidatura
para ocupar o lugar deles. São atitudes que se instalam no período outside the
party, ou dang-wai, quando o DPP foi perdendo a coalizão organizada de
políticos oposicionistas e foi se instalando esse fenômeno de as esposas
tomarem o lugar dos maridos, sendo indicadas tanto pelo DPP quanto pelo
Kuomintang Party - KMT, mas não são vistas nas mesmas situações, pois os
primeiros foram aprisionados por questões políticas e os do KMT são presos por
pertencerem a gangland connections. Essa diferença distingue os papéis que as
mulheres assumem ao tomarem o lugar dos maridos. As do DPP dizem que assumiram
porque são ativistas e acompanham os mesmos ideais democráticos dos maridos
presos. Interessante pesquisar, nos estados brasileiros, a quantidade de
esposas que assumiram o papel político do marido, a partir das eleições pós-
1964, e que se transformaram em lideranças, com eleitorado próprio.
26. Em estudo anterior, Álvares (1990) identifica a adesão das mulheres
paraenses às facções partidárias por meio das ligas femininas que, no Pará,
desde 1912 se envolviam em litígios políticos oligárquicos. Em outro trabalho
(Álvares, 1999), avalia a presença das mulheres nos estatutos do PSD,
mobilizadas no alistamento eleitoral.
27. Cf. Hellmann, 1995; Pinto, 1992. Segundo Alvarez (2000), esses grupos de
mulheres se articularam durante as décadas de 1960-1970, sendo a maioria
fundadora da segunda onda do feminismo latino-americano. Reagindo às políticas
estatais neoliberais opressivas, engajando-se em organizações clandestinas de
esquerda e nos partidos legais de oposição, concentradas no ativismo das
mulheres operárias e pobres, dos grupos de mulheres comunitárias, lutas de
sobrevivência, sindicatos e movimentos pelos direitos humanos, trabalhando
junto às mulheres dos setores populares, esses grupos ficaram conhecidos como
"movimento de mulheres". Há detalhes mais aprofundados do descentramento do
movimento feminista latino-americano. Salvo uma referência a Organizações Não-
Governamentais - ONGs feministas articuladas em rede e incluindo nesta os
partidos políticos, não há nenhuma referência ao formato desses grupos que
chamo de "grupo de feministas de núcleo partidário". Delgado e Soares (1995),
entretanto, referem-se a eles.
28. Pimentel (1985; 1988) tem dois trabalhos importantes que tratam dessas
questões e analisam os textos constitucionais brasileiros em nível comparado.
29. Os percentuais encontrados são resultados da extração do número de eleitas
pela bancada.
30. As donas-de-casa passaram a fazer parte do cenário político nacional
organizando-se em associações estaduais, além de criarem uma confederação
compondo parcerias diversificadas tanto entre instituições públicas quanto
privadas, com demandas específicas de cidadãs, lutando pelos direitos de
proteção e defesa do consumidor, e pelo reconhecimento da identidade de
trabalhadoras e da garantia previdenciária. Desde 1988 elas têm direito à
aposentadoria, mas esse benefício tem sido pouco utilizado. Com a nova lei da
Previdência Social, entrou no debate um projeto de emenda constitucional de
autoria da deputada federal Luci Choinacki (PT/SC) cuja matéria procurou
assegurar às donas-de-casa, a partir dos 60 anos, uma pensão no valor de dois
salários mínimos, desde que não disponham de qualquer fonte de renda, ou
benefício de assistência, ou previdenciário. Recentemente, o Senado Federal
aprovou a Proposta de Emenda à Constituição - PEC (nº 358/05), que garante essa
aposentadoria, em regime especial, das donas-de-casa sem renda própria ou de
baixa renda, com o benefício de um salário mínimo.