Partidos políticos e governadores como determinantes do comportamento
legislativo na câmara dos deputados, 1988-2006
INTRODUÇÃO
O sistema democrático estabelecido na Constituição Brasileira de 1988 tornou-se
um importante caso para a análise comparativa institucional. De acordo com a
visão predominante na literatura comparativa, o regime brasileiro conteria
todos os elementos que deveriam solapar a consolidação da democracia: um regime
presidencial com um sistema partidário fraco e fragmentado; uma legislação
eleitoral extremamente permissiva, que favorece candidatos em detrimento dos
partidos políticos; um tipo forte de federalismo, que, de acordo com Stepan
(2000; 2004), é o mais demos-constrainingdo mundo; um Congresso fragmentado;
presidentes com poder e disposição de governar por decreto; e um modelo
generalizado de clientelismo e de ineficiências econômicas muito difundidas e
difíceis de conter.
Muito embora as expectativas dos analistas do Brasil não apontem mais para um
inevitável fracasso do sistema político (Armijo, Faucher e Dembinska, 2006),
muitas são as perguntas ainda sem respostas acerca da importância relativa das
diferentes forças que forjam o comportamento de protagonistas políticos
específicos e muitos são os mecanismos que permitem que o sistema opere de
forma razoavelmente satisfatória. Neste artigo, cuidamos de um aspecto
específico do sistema político brasileiro, a saber, a importância relativa das
forças regionais e nacionais no comportamento dos legisladores na esfera
nacional.
A preocupação com o papel das forças regionais e locais na formação - ou na
obstrução - da política nacional intensificou-se com o advento da democracia e
com o fortalecimento do federalismo na Constituição de 1988. Por outro lado, a
Constituição redistribuiu recursos por diferentes esferas da federação,
apoiando significativamente os governos subnacionais. De outro ponto de vista,
o ressurgimento do Congresso Nacional como um protagonista central do processo
de formulação de políticas forneceu uma arena renovada para a manifestação de
interesses regionais e locais.
As preocupações são justificáveis. Por exemplo, as Casas legislativas são os
locinaturais onde interesses regionais, em maior ou menor grau, podem se
expressar. Ao decidirem como se comportar na Câmara, os legisladores devem
considerar não apenas suas preferências pessoais mas também as de seu
eleitorado, as de seus partidos, assim como as dos líderes regionais e
nacionais. Essas preferências raramente coincidem, e a questão passa a ser
detectar qual desses interesses prevalece nas condições vigentes.
A forma como a Câmara dos Deputados é eleita no Brasil naturalmente vincula os
interesses dos congressistas aos das autoridades estaduais, especialmente aos
dos governadores. O Brasil é uma federação composta de 26 estados (mais o
Distrito Federal, Brasília), que constituem os distritos eleitorais pelos quais
os deputados são eleitos. Os governadores controlam imensos recursos, que são
de grande valor para os políticos interessados em progredir em suas carreiras.
Portanto, considerando o nível de recursos que os governadores controlam e a
coincidência entre seus distritos eleitorais e aqueles dos deputados federais,
é razoável esperar que os primeiros vão influenciar consideravelmente o
comportamento dos últimos e, em razão disso, definir o processo de formulação
de políticas na esfera nacional.
Os governadores são, portanto, fundamentais para o sistema político brasileiro.
De acordo com Abrucio (1998:170), a capacidade de formar suas próprias bancadas
no Congresso (as "bancadas dos governadores") define o poder dos governadores
no plano nacional. Para o autor, apolítica nacional segue uma lógica estadual
segundo a qual a lealdade às bases eleitorais locais domina as preocupações
nacionais e partidárias. Nesse sentido, o Congresso Nacional é transformado em
uma "Assembleia de estados": "vinte e sete 'bancadas estaduais' são formadas
com grande independência dos partidos políticos" (ibidem:178-179).
A importância dos governadores no sistema político brasileiro é incontestável.
Desde a Constituição de 1891 - radicalmente federativa -, o papel dos líderes
regionais na formulação das políticas nacionais tem sido uma referência
obrigatória em qualquer caracterização do processo político no Brasil1. Os
mecanismos informais criados para amarrar interesses locais e nacionais no
contexto da descentralização formal - a "política dos governadores" concebida
por Campos Salles no fim do século XIX (Cardoso, 1977) sendo o exemplo
conspícuo nesse sentido - serviram apenas para reforçar o papel das elites
regionais, ao consolidarem seu poder e ao ajudarem a projetá-lo no cenário
político nacional. Até mesmo intensos esforços centralizadores, tais como os
perseguidos por Vargas nos anos 1930 e pelos militares nos anos 1960 e 1970,
não teriam eliminado significativamente o poder nacional das elites regionais
(Gomes, 1980; Hagopian, 1996). Mais do que natural, então, que a questão do
poder dos interesses regionais sobre a política nacional permanecesse
importante tanto do ponto de vista acadêmico quanto do político.
Contudo, há mecanismos constitucionais e políticos que o governo federal pode
empregar a fim de construir coalizões legislativas para dar apoio a suas
políticas. Esses mecanismos permitem que o governo central evite ou neutralize
as tendências centrípetas do arcabouço institucional codificado pela
Constituição de 1988. Portanto, não se pode tomar como um fato comprovado que o
comportamento dos legisladores individuais seja moldado e ditado pelo poder dos
governadores, isto é, que o poder destes prevaleça sobre o dos partidos
políticos nacionais.
Análises empíricas sugerem que a ideia de um legislativo nacional centrado nos
estados deve ser mitigada. Análises anteriores de votações nominais na Câmara
dos Deputados mostraram que o apoio parlamentar à agenda legislativa do
presidente seguia as diretrizes do partido (Figueiredo e Limongi, 2000).
Cheibub, Figueiredo e Limongi (2002) constataram que as variáveis indicando a
posição dos governadores e seus estados, com relação ao presidente, têm efeito
limitado na distribuição dos recursos do orçamento federal pelos estados. Carey
e Reinhardt (2003:797), por outro lado, não verificaram "nenhum efeito líquido
da aliança com governadores sobre a unidade de voto entre grupos de deputados
da coalizão estadual na Câmara dos Deputados", ao passo que Desposato (2004:
279) verificou que o federalismo tinha "pouco impacto real sobre o
comportamento dos Legisladores" e que "a maioria do comportamento de voto dos
legisladores pode ser explicada por protagonistas nacionais: presidentes e
partidos políticos nacionais" (ibidem). Essa descoberta foi reforçada por Carey
(2007), que, em um estudo sobre o voto do Legislativo em dezenove países,
observou que, embora a unidade de voto em países federativos seja baixa, o
efeito é relativamente pequeno no Brasil. Finalmente, Arretche e Rodden (2004;
2006) demonstraram o efeito limitado do federalismo fiscal no comportamento dos
deputados em votações e na política da Câmara dos Deputados brasileira. Nosso
objetivo neste trabalho é contribuir para essa literatura investigando o
impacto relativo das influências das esferas estadual e nacional sobre o
comportamento não só do legislador individual mas também das bancadas dos
estados na Câmara dos Deputados.
Com relação a estudos anteriores, este artigo traz inúmeras contribuições.
Usamos dados para um período de tempo maior - 1988-2006 -, abarcando cinco
presidentes e quatro legislaturas diferentes. Isso é importante porque
consideramos administrações operando sob circunstâncias econômicas e políticas
diversas, o que nos permite levar em conta a possibilidade de o impacto dos
estados sobre os fatores nacionais na formação do comportamento dos
legisladores variar de acordo com essas circunstâncias. Os estudos existentes
se concentraram em um número limitado e peculiar de administrações: os 17 meses
finais do governo José Sarney; os 31 meses do governo Fernando Collor de Mello;
os 27 meses do governo Itamar Franco; e os 48 meses do primeiro governo
Fernando Henrique Cardoso. Cada uma dessas administrações, porém, foi especial,
no sentido de que enfrentaram circunstâncias que sugeriam tudo, menos uma
política normal. Sarney assumiu o poder por acaso e governou - apenas
parcialmente - sob as regras impostas pela Constituição de 1988; Collor
pertencia a um partido pequeno e sofreu impeachmentpelo Congresso, com base em
acusações de corrupção; Franco assumiu o poder como resultado da renúncia de
Collor e não era filiado a nenhum partido; e Cardoso foi eleito na esteira de
seu sucesso na estabilização da economia como ministro da Fazenda de Franco.
Neste artigo, cobrimos também o segundo mandato de Cardoso, quando foi
implementado um conjunto mais rigoroso e impopular de reformas, além do
primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, caracterizado por severas
restrições políticas. Isso nos permite abordar e distinguir as influências dos
fatores conjunturais e de curto prazo, e os estruturais decorrentes do
arcabouço institucional adotado em 1988 sobre o comportamento de voto dos
parlamentares da Câmara dos Deputados brasileira.
Nossa análise também foca a decisão do legislador individual ao votar e está
estruturada a fim de permitir que se levem em consideração as diferentes fontes
de pressão que qualquer membro do Congresso tem de enfrentar. Portanto, ao
modelarmos a decisão do legislador sobre como votar, somos capazes de
considerar os atributos do legislador individual; da própria votação; do
governo na esfera nacional; do governo na esfera estadual; as características
do estado que podem indicar a complexidade e a heterogeneidade do eleitorado do
legislador. Esses fatores representam um conjunto de determinantes do
comportamento do legislador brasileiro mais complexo do que o encontrado em
estudos anteriores.
Demonstramos ainda que os fatores nacionais são pelo menos tão fortes quanto os
estaduais para o comportamento do legislador, mesmo controlando para a natureza
do assunto submetido à votação. Comentando seus principais resultados - a
saber, "que o federalismo tem impacto limitado sobre o comportamento do
legislador" e que "a maior parte do comportamento de voto dos legisladores pode
ser explicada pelos protagonistas nacionais: presidentes e partidos políticos
nacionais" -, Desposato sugere que votos sem importância, votos que tratam de
"questões nacionais e administrativas que não deveriam mobilizar pressões dos
interesses estaduais" (2004:279), podem mascarar o verdadeiro impacto do
federalismo no Brasil. Como usamos as informações relativas à natureza da
matéria votada - se matéria procedimental ou substantiva; se legislação
ordinária, emendas constitucionais ou os decretos do Executivo; sobretudo se
revertem ou ajustam as medidas descentralizadoras implementadas pela
Constituição de 1988; e, ainda, se são matérias em que existe um conflito nas
preferências da União e do governador -, somos capazes de examinar a hipótese
de Desposato de maneira sistemática.
Com o objetivo de isolar e avaliar o impacto das pressões locais sobre o modo
como os legisladores nacionais se comportam, dirigimos nosso foco para a Câmara
dos Deputados, e não para o Senado. A principal razão para isso é que todas as
propostas legislativas de iniciativa do Executivo devem dar entrada no
Congresso por intermédio da Câmara, onde recebem a primeira votação e, se
rejeitadas, não seguem para o Senado. Além do mais, o sistema eleitoral da
Câmara dos Deputados - representação proporcional de lista aberta - tem o
efeito de induzir a fragmentação do partido e, presume-se, o individualismo
entre os legisladores. Isso exacerba os potenciais conflitos entre o Executivo
e o Legislativo, e fornece um lócus rigoroso para detectar a influência do
governo federal no comportamento dos legisladores. Finalmente, conforme sugere
Desposato (2004), o pequeno número de senadores por distrito (estado)
compromete a validade das análises estatísticas.
Nossas análises não identificaram indícios de que os governadores exercessem
mais pressão do que os partidos políticos sobre os legisladores. Essa
constatação sugere que há outros aspectos do sistema político que se contrapõem
ao poder dos líderes subnacionais e à capacidade que eles têm de influenciar o
comportamento dos legisladores nacionais. Consideramos essa constatação, em
conjunto com os resultados da pesquisa prévia que comprova a presença de
comportamento partidário no Congresso Nacional brasileiro, e argumentamos, na
conclusão deste estudo, que os poderes da agenda do presidente e a
centralização do processo legislativo neutralizam, dentro da Câmara
Legislativa, as respostas que os legisladores individuais tenham de dar às
preocupações locais e individuais (Figueiredo e Limongi, 1999; 2000).
A organização institucional democrática estabelecida pela Constituição de 1988
tornou-se um importante caso para a análise institucional comparativa. Além de
seu forte traço federalista, ela resume tudo o que contribui para fragmentar o
sistema político e multiplicar o número de potenciais pontos de veto
institucionais. Contudo, importantes mudanças políticas vêm ocorrendo desde
1988: a hiperinflação foi controlada, os gastos públicos subnacionais também, o
sistema de descentralização fiscal foi racionalizado e até o resistente e
excessivamente alto nível de desigualdade do país começou a mostrar sinais de
estar - devagar, mas de forma constante - decrescendo (ver Neri, s/d; Soares et
alii, 2007). Esses fatos oferecem um desafio para as análises institucionais.
As evidências reunidas neste artigo são relevantes na medida em que ajudam a
enfrentar esse desafio com sucesso.
Nesse sentido, este trabalho traz três contribuições teóricas. A primeira delas
é mostrar que o federalismo, até mesmo em sua variedade mais demos-constraining
(Stepan, 1999), não necessariamente conduz a um processo político dominado por
interesses locais, em que as minorias conseguem facilmente obstruir importantes
mudanças políticas. A segunda indica que o federalismo forte não é incompatível
com mudanças políticas significativas2. O fato de os interesses dos estados e
os interesses locais terem uma voz institucional não obrigatoriamente significa
que vão impedir a constituição de maiorias nacionais e/ou obstruir mudanças
políticas. A terceira é que, mesmo quando mudanças políticas tidas como
necessárias não ocorrem, devemos considerar a possibilidade de as instituições
não serem as causas do alegado imobilismo; o obstáculo às "reformas" pode ser
mais simplesmente a ausência de uma maioria em seu favor. Em outras palavras:
preferências, e não instituições, podem ser as variáveis-chave para explicar
por que esta ou aquela política não foi aprovada.
Este artigo está organizado em três seções adicionais. Nas duas seções
seguintes, analisamos dados de votação nominal trabalhando com dados
organizados por legislador. Na primeira, consideramos os efeitos da
participação na coalizão de apoio ao presidente versusos efeitos advindos da
esfera estadual. Em especial, interessa-nos estudar o comportamento dos
parlamentares que sofrem pressões antagônicas, isto é, que pertencem a partidos
que apoiam o presidente enquanto os governadores de seus estados são filiados a
partidos de oposição. Na segunda, a comparação dos efeitos das duas esferas, a
nacional e a estadual,tomapor base o conflito entre o partido a que o deputado
está filiado e o do governador de seu estado. Consideramos ainda os efeitos dos
possíveis conflitos entre governadores e o presidente em políticas específicas,
em especial as relativas à tributação. Aterceira seção analisa os fatores
determinantes da coesão de votos das bancadas estaduais na Câmara dos
Deputados. A conclusão geral dessas análises é que, ainda que presente, a
influência do estado sobre o comportamento dos legisladores individuais e sobre
as bancadas estaduais não é mais forte do que a dos partidos políticos
nacionais e a do governo nacional. A seção que encerra o trabalho indica os
mecanismos que explicam a competência do governo central para modificar o
status quofederal em um ambiente que é, pelo menos superficialmente, hostil a
mudanças.
FATORES NACIONAIS E LOCAIS NA FORMAÇÃO DO COMPORTAMENTO DOS LEGISLADORES
INDIVIDUAIS
Nesta seção analisamos os dados das votações nominais para avaliar o papel das
bancadas dos estados no comportamento dos legisladores individuais no
Congresso. A hipótese que testamos é se os governadores são capazes de
influenciar os membros das bancadas de seus respectivos estados, sobrepondo-se
às preocupações nacionais e partidárias. Nosso propósito é pesquisar a
influência do estado pelo qual foi eleito no comportamento desses legisladores.
Projetamos uma série de comparações com base nas quais poderemos inferir se
essa influência está de fato presente. Que tal influência existe é uma verdade
reconhecida como consequência do federalismo no Brasil. Recordando a fórmula de
Abrucio, a Câmara dos Deputados é composta atualmente de "vinte e sete
'bancadas de Estados'" (1998:178-179).
Nossa meta não é negar que os governadores - interesses da esfera dos estados,
dito de forma mais abrangente - afetam o comportamento dos legisladores no
Brasil. Mais propriamente, nossa meta é avaliar o poder desse fator com relação
às forças que são nacionais por natureza. Nesse sentido, este artigo está de
acordo com as descobertas relatadas por Carey e Reinhardt (2003) e Desposato
(2004).
Trabalhamos com as votações nominais ocorridas na Câmara dos Deputados desde o
começo de 1989 até dezembro de 2006, isto é, desde a entrada em vigor da
Constituição de 1988 até o fim do primeiro governo Lula3. Na Câmara brasileira,
a votação nominal ocorre em duas circunstâncias: é obrigatória quando a
aprovação deve ser por maioria qualificada em uma ou nas duas Casas (por
exemplo, as leis complementares4, que requerem maioria dos parlamentares; ou
ainda as emendas à Constituição, que exigem 60% dos parlamentares das duas
Casas legislativas). Em caso de legislação ordinária, uma votação nominal só
ocorre por requerimento de uma parcela (relativamente pequena) de parlamentares
no plenário ou por líderes de partidos. Em razão desses princípios, a votação
nominal não significa necessariamente que se trata de questões conflituosas.
Embora as emendas constitucionais e as leis complementares tenham, em geral,
relevância real e política, o fato de que só podem passar mediante votação
nominal dá margem para que uma possa se realizar sobre uma matéria com relação
à qual não haja conflito. Consequentemente, embora, em geral, as questões mais
importantes e politicamente desagregadoras sejam decididas por voto nominal,
decisões unânimes por voto nominal ocorrem de fato. Por outro lado, são poucas
as questões de importância que nãosão decididas por esse tipo de voto.
Duas características da Câmara Baixa brasileira são úteis para nossas análises:
a primeira se refere ao fato de que, antes de uma votação nominal, os líderes
quase sempre declaram a posição do partido, o que quer dizer que eles divulgam
publicamente como gostariam de que os membros de seus partidos votassem a
questão. A segunda é que o governo tem seu próprio líder na Câmara, e este,
nessa qualidade, anuncia a posição do governo com relação à votação a ser
realizada. Essas características nos permitem computar não só o grau de
congruência entre o legislador individual e a indicação de seu partido mas
também entre os líderes e o governo federal. É este último - o grau de
congruência entre o legislador individual e o governo - que vamos usar como
variável dependente em parte das análises que se seguem.
Nossas análises incluem apenas votações nominais para as quais as posições do
governo são conhecidas5. Excluímos as votações nominais inválidas, quer dizer,
aquelas que foram registradas, mas que não tenham chegado a nenhuma decisão por
falta de quórum. Por último, excluímos votações nominais unânimes. Para nós,
uma votação nominal é unânime se satisfaz a duascondições: (1) todos os líderes
dos partidos recomendam o mesmo voto; e (2) pelo menos 90% dos legisladores
votam de acordo com a orientação dos líderes. Não consideramos unânime sas
votações nominais nas quais há consenso no plenário, mas não entre os líderes
dos partidos, ou aquelas nas quais há consenso entre os líderes dos partidos,
mas não no plenário
O período que cobrimos, como já mencionado, abrange cinco presidentes: os
últimos 17 meses do mandato de cinco anos de Sarney; os 31 meses do mandato de
Collor, interrompido pelo impeachment; os 27 meses do mandato de Itamar Franco;
os dois mandatos inteiros de Fernando Henrique Cardoso; e o primeiro mandato
completo de Lula. Durante esse período, foram 1.774 votações nominais, das
quais 475 unânimes, 102 inválidas e 50 unânimes e inválidas, o que nos deixou
um total de 1.147 votações nominais.
Com o objetivo de avaliar a influência dos governadores no comportamento dos
membros da Câmara Baixa brasileira, concentramo-nos no grau de congruência
entre o legislador individual e o governo nacional, e usamos o fato de que
alguns deles são membros dos partidosdo governo (isto é, dos partidos que
compõem a coalizão do governo nacional, no sentido de que eles mantêm cargos
ministeriais), mas vêm de estados liderados por governadores que são membros de
partidos de oposição (isto é, partidos que não têm cargos ministeriais no
governo nacional). Esses são os casos em que as pressões que os membros da
coalizão de governo sofrem dos líderes em seus estados podem funcionar no
sentido inverso à pressão exercida na esfera nacional. Nesses casos, a pressão
do estado deveria atuar para reduzir o grau de congruência entre o voto do
representante individual e o voto divulgado pelo governo. Portanto, deveríamos
observar um grau de congruência significativamente menor entre os legisladores
governistas vindos dos estados de oposição do que entre os legisladores
governistas que vêm dos estados governistas6. Conforme indicado na Tabela1,
porém, esse não é o caso. Na média, os legisladores governistas de estados
governistas votam de acordo com a recomendação do líder na Câmara dos Deputados
em 87% dos casos, ao passo que os legisladores governistas de estados de
oposição agem assim em 89% das vezes. Tanto essa diferença quanto a referente a
cada uma das presidências não são estatisticamente significativas. Seja o que
for que leve um deputado do partido governista a votar com ou contra o governo,
a identidade do governador do estado não é um fator a ser considerado: o
legislador individual pertencente a partidos governistas demonstra o mesmo - e
bem alto - grau de congruência com o governo, independentemente de seu estado
(que é coextensivo ao distrito eleitoral para a Câmara) ser ou não controlado
por um governador de oposição7.
Essa conclusão é fundamentada em análises estatísticas cujos resultados são
apresentados na Tabela_2, que contém várias estimativas dos efeitos marginais
das variáveis independentes sobre a probabilidade de um representante votar de
acordo com a recomendação do governo. A primeira coluna traz os resultados para
uma regressão com apenas duas variáveis independentes, ambas dicotômicas, que
indicam, respectivamente, se o legislador pertence ou não a um partido
governista; e se pertence a um partido governista, mas vem de um estado da
oposição. Esses números simplesmente confirmam o que a Tabela_1 havia
demonstrado, a saber: que o efeito de se ter um legislador governista vindo de
um estado controlado pela oposição é aumentar, em vez de diminuir, a
probabilidade de que esse legislador vote de acordo com a posição do governo
nacional. As colunas 2 e 3 apenas provam a robustez dessa conclusão. De acordo
com Brambor, Clark e Golder (2006), regressões com termos de interação devem
incluir todos os seus termos constitutivos, evitando, desse modo, erros
inferenciais. Assim procedemos na regressão reportada na coluna 2, e os
resultados indicam, uma vez mais, que ser um legislador governista de um estado
governado pela oposição aumenta a probabilidade de um voto congruente8. Por
fim, a coluna 3 avalia as probabilidades marginais de um voto congruente em uma
amostra constituída apenas dos legisladores governistas. Os resultados, é
evidente, contam exatamente a mesma história: entre os deputados que pertencem
aos partidos governistas, ser eleito em um estado "oposicionista" aumenta a
probabilidade de o legislador votar com o governo em aproximadamente 2,3%. Os
resultados, portanto, são contrários à expectativa de que, em face de pressões
antagônicas entre as esferas nacional e estadual, deputados atenderiam às
pressões da última,seguindo a posição do governador, e não a das forças
nacionais.
Há, naturalmente, muitos outros fatores em condições de influenciar a
congruência de um representante com o governo que precisamos controlar. Em
primeiro lugar, há as características intrínsecas das votações nominais.
Algumas delas já foram consideradas pela forma como definimos a amostra: só
foram consideradas as matérias com relação às quais haja algum grau de conflito
e que sejam suficientemente importantes para o governo, a ponto de seu líder no
Congresso anunciar a posição do governo sobre a questão. Além disso, limitamos
as análises a um conjunto de votações válidas, que são aquelas que satisfazem
ao quórum exigido para que uma decisão seja tomada. Há outros fatores, porém,
que não são considerados nas estimativas geradas pelo modelo 1 da Tabela_2.
Portanto, também controlamos se é um voto sobre maté-ria substantiva (em
oposição à matéria processual) e se a votação é de uma medida provisória, de um
projeto de lei ordinária ou de uma emenda à Constituição. Qualquer um desses
atributos do voto pode determinar a estratégia legislativa do governo, bem como
dos executivos dos estados, influenciando assim, de forma independente, o grau
de congruência entre o representante individual e o governo.
Em segundo lugar, existem atributos do representante que podem exercer uma
influência independente em sua congruência com o governo. Aqui consideramos a
frequência com que um representante participa das votações no Congresso. Essa
variável é definida como a razão entre o número de vezes que um representante
vota no Congresso e o número de votações que ocorreram durante o exercício de
seu mandato. Tal número varia consideravelmente: alguns participaram de apenas
9% das votações de que deveriam ter participado, enquanto 29 representantes
participaram de todas elas. A participação média do total dos representantes
durante todo o período foi de 70%.
Em terceiro lugar, fatores relacionados com o próprio governo podem influenciar
a congruência do representante com esse governo. Muitos analistas consideram
que os atributos pessoais de Fernando Henrique Cardoso - seu nível de
popularidade, seu estilo de liderança e suas competências, suas habilidades
como estadista - foram cruciais para que o governo conseguisse obter suporte
legislativo durante seu mandato9. Embora não estejamos de acordo com esse ponto
de vista, consideramos a possibilidade de que os atributos pessoais de Fernando
Henrique possam ter tido uma função ao induzir congruência com o governo, por
meio da inclusão nas análises de uma variável que indica todas as votações que
ocorreram durante seu mandato como presidente; quer dizer: votações que foram
realizadas entre 1ºde janeiro de 1995 e 31 de dezembro de 200210.
Em quarto lugar, controlamos também por características socioeconômicas do
distrito eleitoral do representante (nesse caso, o estado de origem), na
suposição de que elas reflitam as pressões que os representantes enfrentam por
se comportarem mais ou menos ideologicamente e, por conseguinte, por estarem
mais ou menos disponíveis para votar contra seu partido político. Incluímos
informações sobre a renda per capitado estado, o grau de analfabetismo e o
nível de desigualdade de renda.
Por fim, controlamos para não observáveis, por meio de uma série de efeitos
fixos, como as diferentes legislaturas (nossos dados cobrem cinco, da 48ª à
52ª), para os estados dos representantes (26 mais o Distrito Federal de
Brasília), para o representante individual (observamos 1.741 indivíduos) e para
as votações nominais.
Os resultados são notavelmente consistentes. O efeito geral sobre a congruência
com o governo, vindo de estados da oposição, é positivo. A única ocasião em que
observamos uma mudança significativa da magnitude e sinal nos resultados
apresentados nas colunas 4-8 da Tabela_2 ocorre quando atributos não observados
do representante individual são controlados (coluna 7). Nesse caso, o efeito
marginal estimado de ser um legislador governista de um estado governista é
consideravelmente menor do que as estimativas obtidas em outros modelos, e os
sinais para o efeito de estados da oposição e o termo interativo estão
invertidos. Ainda assim, o efeito geral na congruência de se ter um estado
oposicionista ainda é positivo, contrariamente ao que esperávamos, caso as
pressões antagônicas na esfera do estado tivessem afetado o comportamento dos
legisladores que pertencem a partidos governistas11.
Com relação às outras variáveis, aprendemos que os legisladores tendem aser
mais independentes - eles têm graus mais baixos de congruência - quando estão
votando matéria substantiva, em comparação a procedimentos. Os graus de
congruência são reduzidos quando está em votação uma medida provisória, ao
passo que a votação de emendas constitucionais induz a congruência com a
posição do governo. Os legisladores que quase sempre estão presentes quando há
votação nominal têm a tendência de ser mais independentes com relação ao
governo - um aumento de 10% na taxa de participação reduz a probabilidade de um
voto congruente com o governo em aproximadamente 2,8%.
Contrariamente às expectativas, a probabilidade de congruência entre o
legislador individual e a posição do governo durante as administrações de
Fernando Henrique foi menor do que em outras gestões. Em parte, a explicação se
deve ao fato de que as coalizões de Cardoso eram consideravelmente mais amplas
do que as de outros presidentes: a quantidade média de assentos que suas
coalizões comandavam na Câmara dos Deputados, ponderada pelo número de dias em
que durava cada coalizão, era de 69,1%, contra 36,1% para Collor, 57,9% para
Itamar Franco e 59,5% para Lula. Considerando que o governo precisa ter apenas
mais de 50% para ganhar uma votação regular, o tamanho inflado das coalizões de
Cardoso sugere que seu governo podia, com mais frequência do que os demais,
liberar os legisladores para votarem como quisessem, especialmente em casos em
que votar com o governo podia provocar consequências negativas no distrito do
legislador12. Ao mesmo tempo, a oposição, durante o mandato de Fernando
Henrique, estava muito mais coesa do que no mandato de outros presidentes. O
grau médio de congruência com o governo por partidos de oposição (ponderado
pelo tamanho de cada partido) flutuava entre 50% e 77% para as diferentes
coalizões sob Sarney, Collor e Itamar Franco. Entre abril de 1996 e março de
2002, por outro lado, a média ponderada de apoio da oposição ao governo foi de
25%. Como consequência, a probabilidade geral do legislador individual - sem
distinção entre governista e oposicionista - era menor sob Fernando Henrique do
que sob outros presidentes.
Finalmente, o efeito dos indicadores socioeconômicos é o mais instável de todas
as estimativas da Tabela_2 e, na verdade, o mais difícil de ser interpretado;
se houver uma tendência nessas estimativas, parece que é reduzir a congruência
com o governo. Em todo caso, as alterações nos coeficientes remanescentes são
tão minúsculas que reestimamos os modelos nas colunas 4-8 sem as variáveis
socioeconômicas.
Portanto, é razoável concluir o seguinte: a condição de membro da coalizão do
governo aumenta significativamente as chances de que um representante vote de
acordo com a recomendação do governo; e que o fato de se tratar de
representante vindo de um estado cujo governador seja de oposição realmente
aumenta, levemente - em vez de reduzir -, esse efeito. A imagem de um Congresso
composto de "27 delegações de estados" que agem independentemente não tem
sustentação nos dados.
POSSÍVEIS CONFLITOS ENTRE OS GOVERNOS ESTADUAL E NACIONAL E O COMPORTAMENTO DO
LEGISLADOR INDIVIDUAL
Nem todas as matérias votadas pelos legisladores nacionais têm importância
igual para os líderes na esfera dos estados e,consequentemente, os
legisladores, com toda a certeza, não terão de encarar pressões contraditórias
vindas tanto da esfera nacional quanto da estadual na hora de decidir como
votar. O ideal seria que usássemos informações acerca da posição de cada um dos
27 executivos estaduais, em cada votação na Câmara dos Deputados, afim de
avaliarmos a intensidade da pressão antagônica a qual o legislador do estado
esteve submetido. Isso, porém, não é possível do ponto de vista prático. Sendo
assim, adotamos uma estratégia indireta para identificar matérias em que a
posição dos executivos estaduais provavelmente está em contradição com a
posição assumida pelo governo nacional.
Usamos dois indicadores de preferências divergentes entre os governos estadual
e nacional: o primeiro é se a recomendação de voto feita em plenário pelo
partido do governador é diferente da recomendação de voto divulgada pelo líder
do governo na Câmara dos Deputados; o segundo é se a votação é sobre o que
chamamos aqui de "medidas centralizadoras". O primeiro indicador é gerado pela
simples comparação das recomendações do líder do partido do governador do
estado de onde vem o legislador e pelo líder do governo na Câmara dos
Deputados. Os legisladores dos partidos governistas vão enfrentar incentivos
conflitantes em casos de recomendações divergentes e deveriam, portanto,
apresentar graus mais baixos de congruência com a posição do governo. O segundo
indicador é mais complexo e demanda uma explicação mais detalhada.
O "pacto federalista" que foi definido pela Constituição de 1988 não permaneceu
inalterado nos anos subsequentes, e muitas - se não a maioria - das alterações
foram feitas por meio de legislação ordinária e de emendas constitucionais. A
transformação das relações federativas no Brasil, desde 1988, ocorreu em níveis
variados. O governo federal foi capaz de redefinir seu relacionamento com os
estados e os municípios, e assim interrompeu o processo de descentralização de
recursos instituídos pela Constituição. Isso foi conseguido basicamente pela
imposição de novos tributos não sujeitos à redistribuição constitucionalmente
obrigatória às esferas inferiores de governo e ao estabelecimento de alíquotas
mais altas para impostos existentes, igualmente imunes à redistribuição. Por
exemplo, o governo federal retém agora uma fatia da receita tributária da
União, a qual, de outra forma, seria transferida para os estados e os
municípios13. A União também conseguiu aprovar legislação que aumentou a
competitividade das exportações do país, restringindo o poder dos estados de
cobrar tributos. Além disso, o governo central também conseguiu impor medidas
que reduziram a autonomia dos estados com relação a matérias tributárias e de
endividamento. Isso foi feito ao privatizar ou simplesmente fechar bancos
estaduais, ao estabelecer normas restritivas para o endividamento dos estados
e, finalmente, ao instituir controles rigorosos sobre o desempenho financeiro
das unidades subnacionais (Rodden, 2006). Esse tipo de controle culminou com a
aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2000, que estabelece tetos e
outros preceitos sobre o gasto público e o endividamento dos estados e
municípios. Por último, a provisão e o gerenciamento dos serviços sociais foram
sendo gradualmente transferidos para os governos locais. Conforme mostra um
minucioso estudo sobre seis áreas das políticas sociais nos anos 1990, o
governo central implementou uma forte política de redefinição de competências
entre as várias esferas de governo. Como resultado, o altamente centralizado
formato institucional do sistema de proteção social brasileiro cedeu lugar a um
modelo mais descentralizado de provisão das políticas sociais (Arretche, 2000;
2004).
Uma vez que essas medidas redefiniram o status quofederativo criado em 1988,
que claramente beneficiara as esferas subnacionais da federação, era razoável
esperar que os executivos dos estados exercessem alguma pressão sobre os
membros das bancadas de seus estados. Além do mais, a ser verdade, conforme
argumenta Samuels (2000), que os políticos brasileiros estão mais preocupados
com suas carreiras no estado do que na esfera nacional, o mais provável era que
os legisladores reagissem favoravelmente a pressões dos governadores quando são
votadas medidas destinadas a alterar o status quofederativo na direção de uma
maior centralização. Assim, se as preocupações de nível estadual prevalecessem
sobre as de nível nacional no cálculo dos deputados federais, deveríamos
observar um declínio no grau de congruência com o governo nacional entre os
legisladores governistas quando medidas desse tipo fossem votadas.
Identificamos cinco tipos de medidas centralizadoras votadas na Câmara dos
Deputados entre 1989 e 2006:
(a) O primeiro conjunto consistia em mudanças de caráter geral na
legislação tributária. Embora os efeitos dessas medidas na
distribuição relativa de recursos entre os diferentes níveis da
federação não pudessem ser avaliados por meio da leitura do título ou
do sumário do projeto de lei, elas geralmente aumentavam o nível de
receita fiscal obtido pelo governo central e, nesse sentido,
contribuíam para o reequilíbrio de suas contas. Entre os exemplos se
incluem mudanças no Imposto de Renda para pessoas jurídicas e
físicas.
(b) O segundo grupo inclui medidas que aumentavam os recursos fiscais
do governo central ao incidirem sobre receitas não sujeitas à
redistribuição constitucionalmente obrigatória dos recursos às
esferas subnacionais. Tais medidas incluem aumento das taxas de
contribuições sociais e a introdução de novos tributos imunes à
redistribuição, como o imposto sobre o cheque (Contribuição
Provisória sobre Movimentação Financeira - CPMF), o imposto sobre o
lucro líquido (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL), o
imposto sobre operações financeiras etc.
(c) No terceiro conjunto de medidas, incluímos os projetos de lei que
afetavam diretamente os interesses de alguns estados, mas não
necessariamente todos eles, tais como o estabelecimento de zonas
especiais de exportação e a renegociação das dívidas dos estados.
(d) O quarto conjunto inclui medidas que alteram o sistema tributário
afetando diretamente a capacidade arrecadadora dos estados e,
consequentemente, a parcela da arrecadação fiscal que podiam gerar.
Essas são as medidas que deveriam provocar a mais forte e a mais
orquestrada oposição dos estados, e são também aquelas pelas quais o
governo nacional deveria ter o máximo de interesse. Entre os exemplos
se incluem medidas tão diversas quanto: mudanças no Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), no Imposto sobre
Serviços de Qualquer Natureza (ISS) e no Imposto sobre a Propriedade
Territorial Rural (ITR), assim como o estabelecimento do "Fundo
Social de Emergência", com suas demais denominações, que inicialmente
reteve 20% da receita que, de acordo com a Constituição, deveria ser
transferida para os estados, e a Lei Kandir, que isentou bens
primários e semimanufaturados do imposto sobre as vendas.
(e) Finalmente, identificamos as medidas que limitam e regulam a
forma como os governadores dos estados e os prefeitos podem despender
seus recursos. Entre elas se incluem a Lei Camata, que impõe limites
nas despesas com a folha de pessoal do estado, e a Lei de
Responsabilidade Fiscal, que regula as finanças públicas em todas as
esferas de governo, introduz limitações nos gastos e na capacidade de
endividamento pelos governos estaduais e municipais, e estipula
penalidades em caso de infração a essas regras.
Se os governadores fossem capazes de exercer pressão suficientemente forte
sobre os legisladores, deveríamos observar um grau menor de congruência entre
os legisladores governistas quando medidas centralizadoras são votadas. Além
disso, o grau de congruência desses legisladores deveria ser até mais baixo se
eles vêm de estados cujos governadores são da oposição. Montamos dois
indicadores de medidas centralizadoras: o primeiro inclui todas as medidas
listadas anteriormente; o segundo, somente as medidas listadas nos itens (d) e
(e), que são, assim acreditamos, aquelas que mais ameaçam o poder institucional
dos governadores, sendo, portanto, aquelas contra as quais se deveria esperar
uma reação mais vigorosa.
A Tabela_3 apresenta os resultados do impacto das medidas "conflituosas" e
"centralizadoras" na congruência dos legisladores individuais com a posição do
governo nacional. Lembre-se de que medidas conflituosas são aquelas em que
observamos divergência entre as recomendações dos líderes do partido do
legislador e do partido governador de seu estado. Estamos interessados em saber
o efeito da votação dessas medidas na congruência dos legisladores que
pertencem a partidos governistas. Conforme demonstra a coluna 1, esse efeito
não é desprezível quando os legisladores têm de enfrentar recomendações
conflitantes do governo e do partido de seus respectivos governadores.
Aconsequência de se ter um legislador governista, quando as recomendações de
seu partido e o do governador de seu estado são conflitantes, é diminuir a
probabilidade de congruência em quase 40%. Entretanto, quando os legisladores
governistas são de estados de oposição e estão votando matérias conflitantes, a
probabilidade de congruência aumenta em aproximadamente 34%. Portanto, quando
confrontado com uma recomendação do partido do governador de seu estado que
está em conflito com a do governo federal, os legisladores terão a tendência de
seguir a recomendação do primeiro. Não obstante, o governo federal ainda exerce
considerável poder sobre os legisladores da coalizão governista. O efeito geral
de ser um legislador governista é aumentar a congruência com o governo, mesmo
levando-se em consideração as pressões conflitantes que o legislador tem de
enfrentar.
Quanto às medidas em que os governadores provavelmente têm interesse contrário
àquele do governo federal, o impacto sobre a congruência é virtualmente nulo. A
coluna 2 da Tabela_3 apresenta os efeitos marginais sobre a congruência quando
o critério para definir medidas centralizadoras é abrangente (item (a) até
(e)). A magnitude dos efeitos é bem pequena, de forma que o efeito
incondicional de se ter um legislador governista é igual ao efeito condicional
no estado de origem do legislador e ao tipo de medida em votação. A coluna 3 da
Tabela_3 utiliza um indicador mais restrito de medidas centralizadoras (itens
(d) e (e) apenas). No entanto, os resultados contradizem as expectativas com
relação ao papel dos governadores, dado que o efeito de se ter um legislador
governista condicionado ao estado de origem do legislador e ao tipo de medida
em votação é positivo. Consequentemente, o efeito condicional é até mais forte
do que o efeito incondicional de se ter um legislador governista.
Conforme mencionado, esses resultados são robustos, não sofrendo maiores
mudanças em face da introdução de controles socioeconômicos, assim como da
introdução de efeitos fixos para legislatura, presidência, legislador e ano14.
Portanto, visto que a divergência nas posições divulgadas pelo partido do
governador e pelo governo federal reduz a probabilidade de congruência com o
governo, esse efeito não é suficiente para compensar o fato de que, no cômputo
geral, os legisladores dos partidos governistas tendem a votar com o governo,
independentemente de seu estado de origem, da posição dos partidos de seus
respectivos governadores e do tipo de matéria em votação.
DETERMINANTES DA COESÃO DE VOTO DAS BANCADAS DOS ESTADOS NA CÂMARA DOS
DEPUTADOS
Até este ponto, nossa análise tratou do comportamento do legislador individual.
Agora mudamos a unidade de observação - do legislador individual para a bancada
do estado - e nos concentramos no índice de Rice de cada bancada estadual e em
sua variação nas votações ocorridas entre 1989 e 2006
15
. Como antes, eliminamos das análises as votações nominais unânimes e também as
que não alcançaram o quórum exigido. Lembre-se de que unanimidade aqui é
definida como as situações em que não há conflito entre os líderes do partido
eno mínimo 90% dos legisladores votam em conformidade com a orientação dos
líderes. Excluindo as votações nominais unânimes, então, ainda restam no
conjunto de dados situações em que o grau geral de concordância entre os
legisladores é alto. Por esse motivo, também excluímos das análises votações
nominais com um índice de Rice global maior do que 0,90. Essas são votações que
podem ser julgadas como consensuais ou quase isso; portanto, inadequadas para
detectar a influência dos governadores ou dos partidos políticos sobre o
comportamento do legislador. Finalmente, excluímos os casos em que apenas um ou
dois membros de uma bancada estadual votou. Considerar esses casos enviesaria o
índice. Quando um único representante vota, o índice assume automaticamente seu
valor máximo. Quando dois votam, o índice se limita a seus dois valores
extremos.
Nosso objetivo é detectar a influência dos governadores, se for o caso, no
comportamento das bancadas dos estados. Também gostaríamos de contrastar, assim
como fizemos na análise do representante individual, essa influência com a do
governo, a fim de avaliarmos a importância relativa de cada uma dessas forças.
Isso, contudo, não é tão direto quanto o foi quando o legislador era a unidade
de análise; e a estratégia que adotamos é especificar um modelo básico de
coesão legislativa de bancadas dos estados e investigar o que acontece quando
consideramos situações de suposto conflito entre os governadores e o governo
nacional.
Vamos começar, então, por um modelo básico para prever o grau de coesão de cada
bancada de estado em determinada votação nominal, conforme expresso pelo índice
de Rice. A primeira coluna na Tabela_3 traz o modelo de referência. De acordo
com esse modelo, o índice de Rice de uma bancada estadual pode ser afetado
tanto pelo governo nacional quanto pelo governo estadual, e é dado pela
proporção de legisladores filiados a partidos que pertencem à coalizão do
governo nacional e pela proporção de legisladores que pertencem ao partido do
governador. A coesão de votação também pode ser afetada pela fragmentação
partidária da bancada, conforme expresso pelo número efetivo de partidos
representados na bancada16; o tamanho do estado expresso por sua população; e o
grau de desenvolvimento econômico do estado, mostrado por sua renda per
capitaanual.
Não há nenhuma expectativa ex antesobreadireçãodoefeitodainfluência nacional
versusa influência estadual na coesão das bancadas dos estados. À medida que a
votação ocorre na Câmara dos Deputados, todos os representantes estão
igualmente sujeitos às ações do governo federal; parece razoável, então,
esperar que o efeito das pressões nacionais seja aumentar a coesão de votos. O
efeito das pressões na esfera estadual, por outro lado, deveria ser a redução
da coesão das legislaturas dos estados. Considera-se provável que uma
legislatura mais fragmentada, em se tratando de representação partidária, vá
reduzir a coesão da bancada. População e desenvolvimento econômico supostamente
provocarão um impacto negativo nos índices de Rice, pois eles sinalizam
heterogeneidade no eleitorado e uma crescente probabilidade de que não votarão
da mesma forma. Com base em Desposato (2006), que demonstrou que medidas como o
índice de Rice são artificialmente infladas ao serem computadas para pequenas
unidades, controlamos por tamanho da bancada e seu quadrado. Finalmente,
estimamos todos os modelos com efeitos fixos para o tipo de votação (são 1.111
na amostra) ou para o estado (26 mais Brasília), o que nos permite controlar
influências não observadas na coesão das bancadas dos estados.
O modelo básico é apresentado na Tabela_4: a coluna 1 apresenta estimativas
calculadas pelo método dos mínimos quadrados (OLS); a coluna 2, estimativas com
efeitos fixos para votos; e a coluna 3, estimativas com efeitos fixos para os
estados. Os resultados não são muito diferentes em cada um desses modelos. O
poder do governo nacional e o do governador em uma bancada do estado têm
importância para sua coesão. A influência, porém, é positiva para ogoverno
nacional (quanto maior a participação do legislador governista na bancada do
estado, mais coesa a bancada) e negativa para o governo do estado (um número
maior de membros pertencentes ao partido do governador resulta em uma menor
coesão da bancada estadual). Além disso, a influência do governo nacional
parece ser mais forte do que a do governo do estado: quando atributos não
observados da votação são controlados, o impactopositivodogoverno nacional na
coesão de voto é quatro vezes o impacto negativo do governo do estado. Quando
controlamos por características estaduais não observadas, a diferença é menor,
mas o efeito do governo nacional é ainda duas vezes maior do que o do governo
estadual. Os outros fatores também importam para a coesão da bancada. A
fragmentação partidária das bancadas dos estados é negativamente associada com
a coesão da bancada,embora o efeito seja bem pequeno: um aumento de um partido
efetivo reduz a coesão das bancadas do estado em aproximadamente 2%. O fato de
a representação de mais partidos políticos ser associada a graus mais baixos de
consonância entre os legisladores vindos do mesmo estado é, por si só,
evidência de que a filiação partidária tem impacto negativo sobre a coesão da
bancada estadual. Ambos os indicadores da heterogeneidade do eleitorado
diminuem o acordo entre os membros das bancadas dos estados, sugerindo que
essas bancadas atuam menos como um bloco quanto mais complexo é seu
eleitorado17. Finalmente, a coesão nas bancadas menores tende a ser maior do
que nas maiores, embora os coeficientes não sejam estatisticamente
significativos quando os efeitos fixos dos estados são considerados.
O que acontece com a coesão das bancadas dos estados quando presumimos a
existência de um conflito entre as esferas nacional e estadual? Como já
discutido, temos em nosso conjunto de dados três indicadores de suposto
conflito entre as posições nas esferas estadual e nacional: o governador não
pertencer a um partido identificado com o do presidente; a votação ser sobre
uma medida "centralizadora"; ou haver um conflito entre a recomendação de voto
do líder do governo na Câmara dos Deputados e o do partido do governador. Nossa
estratégia é comparar a magnitude e o sinal dos coeficientes para os casos de
acordo e de suposto conflito.
A Tabela_5 apresenta os resultados. Por questão de espaço, apresentamos os
coeficientes para os dois grupos relevantes: legisladores do estado
pertencentes a partidos coligados ao governo nacional e legisladores do estado
pertencentes ao partido do governador. É preciso ter em mente que esses
coeficientes foram obtidos por modelos que contêm as mesmas variáveis
encontradas na Tabela_4. Aconsideração mais importante a ser feita é que, mesmo
depois de controlar para diversos fatores, observados e não observados, tanto o
governo estadual quanto o nacional exercem um significativo efeito estatístico
e real na coesão das bancadas dos estados na Câmara dos Deputados. O primeiro
influencia no aumento da coesão de voto, enquanto o último provoca sua
diminuição. Embora o impacto dos governadores em situações de acordo entre as
esferas estadual e federal seja relativamente pequeno, invariavelmente aumenta,
em geral por vários múltiplos, quando presumimos a existência de um conflito
entre os dois níveis de governo. Esse aumento, porém, nãoésuficiente para
eliminar o efeito do governo nacional, cuja magnitude permanece maior do que a
do governo estadual em todos os casos, com duas exceções, quando o governador
não pertence ao partido do presidente e quando há um conflito entre a
recomendação de voto do líder do partido do governador e a do líder do governo,
e controlamos por efeitos fixos por estados.
Quanto aos outros determinantes, basta notar que as mudanças observadas não são
suficientes para pedir uma discussão independente. Notamos, contudo, que, em
muitos casos, os coeficientes não são estatisticamente importantes
(significando que seus efeitos são absorvidos pelos efeitos fixos por votos ou
por estados). A exceção é o coeficiente para o número efetivo de partidos
representados em uma legislatura do estado, que permanece negativo e
estatisticamente importante em todos os casos. Isso, conforme mencionado, é em
si mesmo uma indicação de que a composição partidária das bancadas dos estados
é importante para sua coesão, algo que não é compatível com a ideia de que
governadores sejam capazes de superar pressões partidárias e nacionais a fim de
moldar o voto da bancada de seu estado na Câmara dos Deputados18.
A conclusão geral desta análise é evidente: não há indicação de que os
governadores sejam capazes de controlar as bancadas de seus respectivos
estados. Isso faz com que a vinculação a um partido, sobretudo a vinculação à
coalizão governista, seja irrelevante. O fato de os estados exercerem seu papel
na política brasileira é uma verdade incontestável, haja vista que o país é uma
federação e os distritos eleitorais para a composição da Câmara dos Deputados
são definidos pelas fronteiras entre os estados. Ainda assim, a afirmação de
que esse papel é excessivo e de que ele impede o governo de governar e de obter
apoio partidário estável no Legislativo nacional não é fundamentada em
evidências empíricas. Filiação partidária e preocupações nacionais afetam
significativamente o comportamento dos legisladores na Câmara dos Deputados
brasileira, tanto no plano individual quanto no plano da bancada do estado.
CONCLUSÃO
De acordo com Willis, Garman e Haggard, "se os líderes do partido estão
organizados no nível subnacional e ocupam posições no governo subnacional,
então os legisladores nacionais quase sempre agem como 'delegados'
representando interesses subnacionais" (1999:18).
Acreditamos ter demonstrado que esse não é definitivamente o caso para o
Brasil. Os legisladores brasileiros, que disputam por votos em distritos
eleitorais idênticos aos estados, não agem como "delegados" desses estados. Ao
votarem medidas que redefiniram o "pacto federalista" de 1988 de forma mais
favorável ao governo central, não encontramos nenhuma evidência de que os
membros da Câmara dos Deputados tenham agido como uma "bancada estadual"
unificada para proteger o status quoque tanto beneficiava as esferas mais
baixas da federação. Além da verdade incontestável de que os estados exercem um
papel no sistema político brasileiro, não há nenhum apoio empírico à noção de
que o Congresso brasileiro seria constituído de uma "Assembleia de estados".
Talvez de forma que pode ser considerada por alguns - por motivos um tanto
indefinidos e idealísticos - insuficiente, o fato é que os partidos políticos
exercem um papel importantíssimo no processo legislativo de tomada de decisão
no Brasil.
Qual é o mecanismo que permite aos partidos exercerem esse papel? A força dos
partidos políticos e a habilidade do presidente de formar coalizões
legislativas estáveis são o resultado tanto da maneira como o Congresso
brasileiro é organizado quanto da capacidade de o presidente controlar a agenda
do Poder Legislativo. Esses fatores neutralizam os incentivos centrífugos
gerados pelo forte federalismo brasileiro, combinados com uma legislação
eleitoral e partidária permissiva.
O Congresso brasileiro é altamente centralizado. A distribuição dos direitos
parlamentares no interior do Poder Legislativo favorece decisivamente os
líderes partidários, tomados como agentes perfeitos das bancadas partidárias
nas decisões de caráter procedimental, tais como solicitações de votação
nominal, encerramento de debates e, mais importante ainda, pedidos de urgência
na tramitação de um projeto de lei. De acordo com o regimento interno da Câmara
aprovado em 1989, os procedimentos para tramitação de um projeto podem ser
alterados, passando de ordinário para especial, em casos "reconhecidos por
deliberação do plenário como urgentes" (art. 155). Em termos práticos, a
aprovação de um requerimento de urgência significa que a matéria a ser
discutida sai da comissão e é incluída automaticamente na ordem do dia para
apreciação do plenário. Os projetos apreciados em regime de urgência não podem
sofrer alterações livremente: só aquelas emendas assinadas por pelo menos 20%
da Câmara Baixa são aceitas, o que implica que, para se tornar viável, uma
emenda tem de receber o apoio dos líderes dos partidos. Estes, por sua vez,
podem apresentar um requerimento de urgência, sendo que o peso de suas
assinaturas depende do número de legisladores que representam. A maioria dos
pedidos de urgência (assim como outras matérias) é deliberada em reuniões do
Colégio de Líderes, um órgão que também tem o encargo de elaborar a agenda dos
trabalhos do Legislativo, composto do presidente da casa e dos líderes de
partidos com mais de seis deputados. Os procedimentos legislativos são,
portanto, altamente centralizados, e essa centralização limita de forma
significativa não apenas os direitos legislativos individuais dos membros do
Congresso mas também sua capacidade de influenciar a legislação.
Os presidentes brasileiros, por seu turno, têm grande poder legislativo,
permitindo-lhes influenciar diretamente a definição da agenda legislativa.
Usando da prerrogativa de editar decretos com força de lei (as medidas
provisórias), o Poder Executivo põe na agenda aquilo que considera serem os
assuntos mais relevantes e urgentes19. O presidente pode também influenciar o
ritmo da tramitação de legislação ordinária, ao requerer o regime de urgência
na apreciação de determinados projetos de lei (que dará a cada Casa o prazo de
45 dias para deliberar a respeito). O presidente tem ainda o direito exclusivo
de iniciar o processo legislativo relacionado com a definição do orçamento,
tributos e administração pública. Portanto, o Executivo monopoliza a iniciativa
legislativa nas áreas mais cruciais da formulação de políticas. Por fim, o
presidente pode também propor emendas à Constituição.
Em vista dessa estrutura, podemos observar que é por meio de sua participação
no governo que o legislador individual terá acesso aos recursos de que
necessita para a sobrevivência política, não importando tanto se seu interesse
central se volta para a definição de políticas públicas ou para a obtenção e a
distribuição de patronagem. Em ambos os casos, seu interesse será atendido por
intermédio de sua participação no governo.
Assim que o governo é organizado, mediante o acordo formal dos partidos, os
líderes dos partidos passam a ser os principais intermediários dos acordos
entre o Executivo e os legisladores. Trocam apoio político (votos no Congresso)
por acesso à influência política e à patronagem. O Executivo, nesse sentido,
fornece aos líderes dos partidos os meios para punir o legislador individual
que não seguir a orientação de seu partido, já que aqueles podem negar a este
sua cota de patronagem ou de influência política. Por sua vez, o Executivo,
considerando os recursos que gerencia, está em uma posição extremamente
vantajosa.
Inversamente ao que em geral se presume a respeito do Brasil, os presidentes
não precisam barganhar caso a caso para aprovar suas propostas legislativas.
Eles estão na posição de exigir apoio para a totalidade de sua agenda
legislativa. Consequentemente, o padrão atual da relação Legislativo-Executivo
no regime presidencial do Brasil é bem diferente do que a simples contagem de
veto playersinstitucionais poderia sugerir. Aposição institucional dos
governadores não é suficiente para lhes permitir minar as políticas do governo
federal, já que o governo pode lançar mão de outros mecanismos institucionais
para evitar que isso ocorra. A organização do Congresso e o poder da agenda do
Executivo são capazes de neutralizar o efeito paralisante do alto número de
aparentes veto playersno sistema brasileiro.
Para concluir, voltemos para a questão do federalismo e da governabilidade.
Aqueles que identificam o federalismo como uma das principais causas do
problema de governança no Brasil20estão possivelmente desconsiderando a questão
da representatividade, especialmente da representatividade regional. Para
sermos capazes de considerar simultaneamente os dois aspectos - governabilidade
e representatividade -, há de se realizar um processo mental e imaginar como um
país federativo como o Brasil seria se fosse unitário (ou se a lista eleitoral
fechada fosse adotada com os líderes nacionais em Brasília decidindo, por
exemplo, quem figuraria em que posição nas listas oferecidas aos eleitores do
Rio Grande do Sul e de Roraima). Acreditamos que o resultado não seria um
cenário desejável em nenhum aspecto. Além disso, os problemas de
representatividade que tal estrutura geraria poderiam muito bem levar a maiores
limitações de governabilidade.
Portanto, certa moderação na reforma política, que é não só causa mas também
consequência da necessidade de acomodar uma diversidade de interesses por meio
de intensas barganhas, pode ser o preço a ser pago pela continuidade da unidade
do país e de um nível mais sustentável de implementação de políticas públicas.
NOTAS
1. A literatura sobre regionalismo no Brasil é ampla e inclui obras clássicas,
como as de Leal (1948) e Queiroz (1969), e também as séries de análises
históricas a respeito do papel de estados específicos na federação brasileira
de Love (1971; 1980), Wirth (1977) e Levine (1978).
2. A respeito do assunto, ver também Melo (2005) e Alston et alii(2006).
3. Essa análise é baseada no conjunto de dados sobre votação nominal do Centro
Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), que contém informações sobre as
votações nominais que ocorreram na abertura dos trabalhos da Câmara dos
Deputados em janeiro de 1989. A descrição resumida desse conjunto de dados é
oferecida no texto. Uma descrição mais completa pode ser encontrada em http://
www.cebrap.org._br/index.asp.
4. Leis complementares são normas que se situam em um patamar superior ao das
leis ordinárias e em um patamar inferior aos preceitos constitucionais. São
regulamentos, explicações, especificações ou consolidações previstas na
Constituição.
5. Acreditamos que a indicação ou a omissão estratégica de suas posições pelo
governo e pelos líderes dos partidos, embora possível, não tem relevância aqui.
A prática de divulgar a posição é quase universal. Além disso, nosso exame dos
dados não sugeriu nenhum padrão nos casos para os quais o governo e os líderes
dos partidos não divulgaram suas posições.
6. Observe que a Tabela_1 foca somente os legisladores que são membros de
partidos coligados ao governo. Excluímos os deputados de "oposição", sejam eles
de estados controlados por um governador de oposição ou não.
7. Estamos cientes de que tanto esse quanto os outros resultados demonstrados
podem decorrer tanto de preferências homogêneas quanto da disciplina que os
partidos são capazes de impor aos legisladores (Krehbiel, 1993). Para a
finalidade a que nos propomos, essa distinção não é fundamental.
8. Observe que, na coluna 2, os efeitos marginais são com relação ao voto dos
legisladores de oposição em Estados governistas; essa é nossa referência
básica. Acomparação que nos importa é aquela entre os legisladores governistas
em Estados governistas (o que aumenta a probabilidade de voto congruente em
48,32%) e os legisladores governistas em estados oposicionistas (o que aumenta
a probabilidade de voto congruente em 52,02%). Portanto, o efeito sobre a
probabilidade de congruência de legisladores governistas serem de um estado
oposicionista é, de acordo com a coluna 2 da Tabela_1, aumentar a probabilidade
de congruência em 3,7%, igual ao efeito encontrado nacoluna1.
9. Samuels e Mainwaring (2004:85) afirmam que, "no caso brasileiro, a liderança
política eficiente sob o presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2000) foi
capaz de superar alguns dos obstáculos que o federalismo impôs aos presidentes
que o antecederam". Ver também Abrucio (1998:227), Eaton e Dickovick (2004),
Mainwaring (1997:104-105) e Kugelmas e Sola (1999:71-73) para opiniões
similares.
10. Na verdade, cabe observar que obtivemos resultados similares - com alguma
variação na magnitude dos efeitos marginais - tratando cada gestão presidencial
separadamente.
11. Observe ainda que a adaptação do modelo para explicar o comportamento do
legislador individual e entre os legisladores não é muito boa, pelo menos se
comparada a outros modelos.
12. Saiegh (2004) introduz uma justificativa teórica para esse raciocínio e
Cheibub, Przeworski e Saiegh (2004) a usam para um estudo comparativo dos
governos presidencialista e parlamentarista. Ver também King e Zeckhauser
(2003).
13. Referimo-nos aqui à Desvinculação de Receitas da União (DRU), que
substituiu o Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), o qual, por seu turno,
substituiu o Fundo Social de Emergência (FSE).
14. Não apresentamos os resultados por questão de espaço. Eles podem ser
obtidos mediante pedido aos autores.
15. Considerando que as bancadas dos estados não têm um líder oficial que
divulgue suas posições, não podemos, como antes, computar a congruência com
seus líderes. Por isso, recorremos ao índice de Rice para cada bancada. O
índice é calculado pela seguinte fórmula: |% Sim Voto -% Não Voto|. Essa medida
pode assumir valores entre zero, quando a bancada está dividida em dois campos
com a mesma força numérica, e um, quando todos os membros da bancada votam da
mesma maneira.
16. Não faz nenhuma diferença importante se usamos, em seu lugar, a parcela de
congressistas do maior partido ou uma variável dicotômica (dummy) que
identifique os estados em que nenhum partido obteve mais da metade das cadeiras
do estado.
17. Os modelos de regressão Tobit, que levam em consideração o fato de a
variável dependente não poder passar de 1 ou ser menor do que 0, produzem
resultados quase idênticos às regressões OLS. Isso provavelmente se deve ao
fato de apenas um pequeno número de observações ser censurado (4,4% são
censuradas em 0 e 2,1% em 1).
18. Os resultados são qualitativamente similares quando avaliamos os modelos na
Tabela_3 para as administrações de Fernando Henrique e de Lula separadamente.
Quantitativamente, eles são mais fortes - o que quer dizer que a diferença
entre os efeitos na esfera nacional e na esfera estadual permanecem maiores em
situações de conflito - para a administração Lula do que para a administração
Fernando Henrique. Os resultados não são mostrados por questão de espaço,
podendo ser obtidos com os autores.
19. As mudanças implementadas em 2001 transformaram significativamente a
dinâmica entre o Executivo e a Câmara com relação às medidas provisórias. Essas
mudanças, entretanto, não significaram a redução da capacidade de o presidente
organizar a agenda legislativa.
20. Kugelmas e Sola (1999:79), por exemplo, afirmam que "o regime federalista
no Brasil é um elemento de um imbróglio político-institucional caracterizado
por uma multiplicidade de pontos de veto". Baseado na suposição de que o
"federalismo sempre restringe as maiorias nacionais", Ames (2001:3, 18, 23 e
292), por outro lado, enfatiza o "excesso de veto players" enraizados nas
instituições políticas brasileiras, as quais, de acordo com o autor, são "o
cerne da crise de governabilidade do país".