Nacionalização Partidária e Estratégias Eleitorais no Presidencialismo de
Coalizão
Este artigo pretende investigar o impacto do ciclo eleitoral presidencial e das
instituições federativas sobre a nacionalização das eleições legislativas em
contexto multipartidário. Mais especificamente, o objetivo é entender como a
dinâmica da competição eleitoral nas eleições para o Executivo nacional e
estadual atua sobre as estratégias de nacionalização ou regionalização dos
partidos no território brasileiro.
O conceito de nacionalização partidária tem sido utilizado na literatura
comparativa para aferir o grau em que a variação da votação dos partidos entre
os diferentes distritos se aproxima ou se distancia da votação nacional.
Sistemas nacionalizados seriam aqueles em que a força eleitoral dos partidos se
distribui homogeneamente entre os distritos (Jones_e_Mainwaring,_2003; Chhibber
e_Kollman,_2004; Brancati,_2008; Morgenstern_et_al.,2009). Conforme a
utilização consagrada na literatura, adotou-se neste artigo o termo
“nacionalização partidária” com respeito às eleições para a Câmara dos
Deputados, uma vez que a disputa legislativa nacional é a que indica mais
claramente o efetivo nível de apoio aos partidos e sua distribuição no
território.
Entre os fatores institucionais que condicionam o grau de nacionalização
partidária destacam-se a eleição direta para o chefe do Executivo e o grau de
descentralização dos governos. A literatura comparada argumenta que a
proximidade temporal entre a eleição presidencial e as eleições legislativas
resulta em uma espécie de “efeito darwiniano” sobre o sistema partidário,
selecionando os partidos capazes de nacionalizar as suas votações e mobilizar
uma maioria do eleitorado nacional. Dadas certas condições, a disputa
presidencial assumiria formato bipartidário, de modo que partidos incapazes de
lançar candidatos competitivos à Presidência acabariam obrigados a se vincular
a um dos dois principais contendores para garantir a sua sobrevivência
eleitoral (Golder,_2006; Hickens_e_Stoll,_2011; Shugart_e_Carey,_1992).
Este efeito, no entanto, depende do grau de centralização do governo. Isto
porque, uma vez colocados em marcha processos de centralização da autoridade
governamental e perda de prerrogativas e poderes dos governos subnacionais, os
eleitores devem se tornar mais inclinados a buscar, por meio do voto, influir
nas decisões tomadas no plano nacional de governo (Chhibber_e_Kollman,_2004).
Dentro desta lógica, partidos competitivos nas eleições estaduais mas incapazes
de disputar a Presidência acabariam perdendo espaço para os partidos
predominantes na arena presidencial. Os dois efeitos combinados –
nacionalização dos partidos presidenciais e perda do peso relativo dos partidos
incapazes de competir nacionalmente – resultariam na nacionalização agregada do
sistema partidário.
Em sistemas políticos relativamente descentralizados, em que governos
subnacionais influenciam na produção de políticas e na dinâmica partidária
nacional, o efeito de seleção natural da competição presidencial tende a operar
de forma distinta, pois os partidos não competitivos na corrida à presidência
podem sobreviver disputando eleições estaduais. A questão que se coloca,
portanto, é saber como diferentes partidos respondem aos incentivos à
nacionalização provenientes da competição presidencial em um sistema
federativo. A literatura sobre nacionalização partidária não traz uma resposta
a esse tipo de indagação, dado o seu enfoque sobre os efeitos sistêmicos de
fatores institucionais como o ciclo eleitoral presidencial, as regras
eleitorais e o federalismo.
A proposta do artigo é, precisamente, “desagregar” o conceito de nacionalização
partidária, com o desenvolvimento de um modelo tipológico de estratégias
partidárias em sistemas presidencialistas com múltiplos níveis de governo. O
pressuposto básico do modelo é que partidos que buscam expandir a sua base
eleitoral no território enfrentam uma escolha estratégica fundamental: eles
podem concentrar recursos e esforços de campanha na corrida presidencial,
amarrando a sorte eleitoral dos seus candidatos nas eleições para o Legislativo
e para o Executivo estadual ao desempenho do candidato presidencial; ou,
alternativamente, os partidos podem concentrar seus esforços nas disputas para
governador, desenvolvendo estratégias nacionais e subnacionais pouco integradas
entre si.
Procura-se demonstrar com essa perspectiva analítica a ausência de
homogeneidade nas respostas dos partidos frente aos mesmos incentivos à
nacionalização dados pela competição eleitoral pela Presidência. Em sistemas
com múltiplos níveis de governo como o brasileiro, os partidos sem condição de
apresentar candidatos presidenciais viáveis têm a opção de se especializar nas
disputas estaduais. Quanto maior o impacto dos partidos nas eleições para
governador sobre suas votações na eleição legislativa nacional, tanto maior a
possibilidade de sucesso das estratégias de ampliação da base territorial de
votação por meio do lançamento de candidaturas ao governo estadual nos vários
distritos.
Apesar de ainda pouco estudada pela ciência política brasileira, a dimensão da
nacionalização é de grande relevância para a atual agenda de pesquisa sobre os
partidos políticos e sua atuação nas arenas eleitoral e governativa do
presidencialismo de coalizão. Em sistemas partidários altamente nacionalizados,
as agendas de política nacional tendem a ser determinantes para as carreiras
parlamentares (Jones,_2010). Dada a vinculação entre a eleição presidencial e o
desempenho eleitoral dos candidatos ao Legislativo, os parlamentares têm
maiores incentivos para se alinhar aos interesses e agendas do presidente em
detrimento de lideranças partidárias subnacionais.
O grau de nacionalização dos partidos afeta o custo da governabilidade no
presidencialismo de coalizão (Raile_et_al.,_2011) por dois outros motivos.
Primeiro, porque partidos desnacionalizados costumam ser menos coesos e mais
propensos a mobilizar os eleitores mediante políticas públicas desenhadas para
atender interesses locais (Calvo_e_Leiras,_2012). Segundo, porque a
desnacionalização do sistema partidário impacta positivamente na fragmentação.
Independente da regra eleitoral utilizada, quanto maior a divergência entre os
sistemas partidários nos planos distrital e nacional, tanto maior será a
fragmentação total do sistema (Cox,_1999; Chhibber_e_Kollman,_2004).
O artigo analisa os dados relativos à evolução da nacionalização das eleições
presidenciais, legislativas e para governador desde a primeira eleição direta
para presidente em 1989. Esses indicadores são desagregados para os maiores
partidos e comparados às estratégias eleitorais adotadas frente às disputas
para o Executivo nacional e executivos estaduais. A nacionalização partidária
foi operacionalizada por meio do índice de nacionalização partidária
desenvolvido por Jones_e_Mainwaring_(2003). A análise empírica se ampara ainda
em um modelo de regressão linear misto para dados em painel dos estados
brasileiros no período 1994-2010. O modelo estima os impactos médios do efeito
coattailsgovernatorial e presidencial sobre a votação dos maiores partidos.
INSTITUIÇÕES E NACIONALIZAÇÃO DE SISTEMAS PARTIDÁRIOS NA POLÍTICA COMPARATIVA
O conceito de nacionalização partidária tem sido utilizado na literatura
comparativa para aferir o grau em que a variação da votação dos partidos entre
os diferentes distritos se aproxima ou se distancia da votação nacional.
Sistemas nacionalizados seriam aqueles em que a força eleitoral dos partidos se
distribui homogeneamente entre os distritos. De forma análoga, um alto grau de
regionalização se verificaria quando os partidos, em sua maioria, competem em
poucos distritos ou concentram a sua votação em determinadas regiões ou estados
do país (Jones_e_Mainwaring,_2003; Chhibber_e_Kollman,_2004; Brancati,
2008;Morgenstern_et_al.,_2009). De modo mais geral, porém, a nacionalização se
relaciona às formas predominantes de organização e mobilização eleitoral dos
partidos. Quando o sistema partidário é nacionalizado, os partidos têm
abrangência nacional e tendem a expressar-se e agir com uma orientação nacional
comum em vez de se dividirem segundo questões regionais ou subnacionais (Jones,
2010).
Em sistemas com múltiplos níveis de governo, cabe incluir a dimensão vertical
da nacionalização. A questão neste caso é saber se há congruência ou não entre
os sistemas partidários formados nas distintas arenas eleitorais. Há integração
vertical quando as arenas eleitorais no plano estadual ou provincial são
conectadas à arena federal. Assim, é de se esperar que os sistemas partidários
nacionais e subnacionais sejam bastante similares e que haja relativa
correspondência entre os resultados das eleições para os distintos níveis de
governo (Thorlakson,_2007; Leiras,_2010; Rodden_e_Wibbels,_2011;Schakel,_2013).
Sistemas plenamente nacionalizados são aqueles em que os partidos obtêm
votações bastante similares em todos os distritos (nacionalização horizontal)
e, além disso, as eleições nacionais condicionam os resultados das eleições em
outros níveis de governo (integração vertical). Em tal situação, as eleições
subnacionais possuem pouca independência frente aos alinhamentos e clivagens
políticas nacionais. Isto implica dizer que as eleições subnacionais assumem o
caráter de eleições de segunda ordem, nas quais o eleitor se manifesta
basicamente com respeito ao governo nacional e suas propostas – por exemplo
votando favoravelmente aos copartidários do chefe do Executivo no plano
regional quando estão satisfeitos com o desempenho do governo e contrariamente
quando insatisfeitos (Rodden_e_Wibbels,_2011).
As pesquisas que tratam do impacto do sistema presidencial sobre a competição
partidária argumentam que a eleição direta do chefe do Executivo nacional tende
a promover sistemas partidários mais nacionalizados (Shugart,_1995; Leiras,
2006;Hickens_e_Stoll,_2011). A eleição direta do Executivo nacional cria
fortíssimos incentivos para a maximização de votos uma vez que esta transforma
o país inteiro num distrito uninominal. Nenhum sistema parlamentarista adota
uma cláusula de barreira tão elevada. Em poucas palavras, independente das
regras eleitorais utilizadas, os partidos que lançam candidatos à Presidência
precisam conquistar os votos de uma expressiva porção do eleitorado nacional se
quiserem ser bem-sucedidos (Samuels,_2002:468). Disso decorre que a capacidade
de obter votações difusas no território (i.e., mais nacionalizadas) representa
uma vantagem competitiva na disputa à Presidência.
A influência da eleição presidencial sobre o sistema partidário depende em boa
medida da força do chamado “efeito coattails” (efeito rabo de casaca), pelo
qual o presidente atua como um “puxador de votos”, beneficiando os candidatos
do seu partido/coalizão ao Legislativo. Este efeito acontece basicamente por
meio de dois mecanismos. Primeiro, a centralidade da eleição presidencial faz
com que os candidatos ao Legislativo tenham incentivos para vincular sua
campanha à campanha presidencial, com o intuito de se beneficiar das vantagens
organizacionais, financeiras e da cobertura de mídia do seu candidato à
Presidência (Samuels,_2002). Segundo, os eleitores muitas vezes se utilizam do
partido do seu candidato presidencial preferido com um atalho informacional
para ajudá-los a decidir o voto na eleição Legislativa (Golder,_2006; Samuels,
2002; Shugart,_1995).
As evidências reunidas por várias pesquisas indicam ainda que o efeito rabo de
casaca será tanto mais forte quanto maior a proximidade temporal entre as
eleições presidenciais e as eleições legislativas (Shugart_e_Carey,_1992;
Jones,_1994; Golder,_2006; Hickens_e_Stoll,_2011). Além disso, quando o número
de candidatos efetivos na eleição presidencial se aproxima de dois observam-se
maiores incentivos para a coordenação de estratégias partidárias entre os
diferentes distritos. Isto é, ainda que existam variações na força relativa dos
candidatos à Presidência em cada distrito (por exemplo, alguns partidos ou
coalizões podem ter maior penetração eleitoral em determinadas regiões do
país), os partidos não devem ter muitos incentivos para apoiar terceiros
candidatos quando a chance de vitória destes é reduzida. Assim, partidos e
candidatos procurariam adotar uma estratégia comum em todos os distritos,
alinhando-se a um dos dois blocos principais na disputa pela Presidência. Em
conjunção com o efeito coattails, a coordenação de estratégias entre os
distritos resultaria em um sistema mais nacionalizado (Hickens_e_Stoll,_2011).
Outro elemento-chave para entender a nacionalização ou regionalização
partidárias diz respeito aos mecanismos de agregação partidária entre os
distritos. Para que candidatos e partidos sejam capazes de comunicar uma
orientação comum aos eleitores de diferentes distritos é preciso que haja uma
coordenação de estratégias. A questão central é que a agregação partidária é
mais difícil de se obter quando o voto é orientado por questões locais e os
candidatos em um determinado distrito não precisam coordenar suas estratégias
com candidatos nos demais. Para Chhibber_e_Kollman_(2004), o grau de
centralização do governo condiciona as preferências e estratégias de eleitores
e candidatos, favorecendo maior ou menor nacionalização partidária. Em termos
mais específicos, a centralização da autoridade governamental e perda de
prerrogativas e poderes dos governos subnacionais induzem os eleitores a
buscar, por meio do voto, influenciar nas decisões tomadas no nível nacional de
governo. Da mesma forma, os candidatos terão incentivos para tomar posição
sobre políticas públicas de escopo nacional decididas pelo governo central
(Chhibber_e_Kollman,_2004:74-78). De forma análoga, a descentralização teria
como consequências o aumento de importância das eleições subnacionais e
políticas públicas implementadas pelos governos estadual e local, propiciando
estratégias partidárias regionalizadas (Thorlakson,_2007:73).
Igualmente importante é a vinculação entre as eleições subnacionais
(governador) e as eleições legislativas nacionais. Em contextos nos quais os
governos subnacionais possuem significativa autonomia política e fiscal, os
partidos são descentralizados e seus diretórios regionais atuam de forma
relativamente independente da organização nacional (especialmente na formação
das listas partidárias e alianças eleitorais), deve-se observar o efeito rabo
de casaca governatorial (gubernatorial coattails effect). Este efeito deve ser
mais forte em sistemas políticos nos quais as eleições para deputado federal
coincidem sempre ou quase sempre com as eleições para governador, porém não
coincidem (ou o fazem apenas raramente) com as eleições para presidente (Jones,
1997; Samuels,_2003; Jones,_2010).
UM MODELO DE COMPETIÇÃO PARTIDÁRIA EM SISTEMAS PRESIDENCIALISTAS MULTINÍVEL:
ENTENDENDO AS ESTRATÉGIAS PARTIDÁRIAS
Este artigo propõe um modelo tipológico simples que permite exatamente definir
algumas expectativas teóricas com respeito aos mecanismos causais que conectam
incentivos institucionais, estratégias partidárias e a variação da
nacionalização dos partidos ao longo do tempo. Argumenta-se, em particular, que
a análise subsistêmica da nacionalização partidária é essencial para entender
uma questão ainda pouco pesquisada e teorizada, qual seja, a conexão entre as
dimensões horizontal e vertical da nacionalização em sistemas federativos.
Antes de apresentar a tipologia, uma breve nota se faz necessária sobre a
relação entre nacionalização partidária e crescimento eleitoral dos partidos.
Não parece razoável supor que os partidos buscam a nacionalização das suas
votações como um fim por si mesmo; este objetivo só faz sentido se permitir às
organizações partidárias atender a outros fins como a maximizar votos, ocupar
cargos no governo e influenciar as políticas públicas. Por princípio, quando os
incentivos institucionais induzem os partidos a priorizar a maximização de
votos (o que certamente se aplica à disputa presidencial), há também um
incentivo para nacionalizar a votação. Partidos cuja capacidade de competição
efetiva se limita a poucos distritos ou regiões de um país impõem, na prática,
um teto ao seu próprio crescimento eleitoral. Ademais, organizações partidárias
com votações territorialmente concentradas são mais vulneráveis a mudanças no
perfil dos eleitorados locais ou ao crescimento de partidos adversários nos
seus redutos. Em consonância com esta argumentação, as evidências comparativas
reunidas por Jones_e_Mainwaring_(2003) para os países das Américas demonstram
que há forte correlação entre o grau de nacionalização e o tamanho dos
partidos: partidos grandes são mais nacionalizados que partidos pequenos, via
de regra.
O modelo supõe um regime presidencialista com múltiplos níveis de governo, no
qual os partidos podem optar por concentrar recursos organizacionais e esforços
de campanha na disputa pelo Executivo nacional ou pelos Executivos estaduais/
provinciais. Em países presidencialistas federativos, vale notar, a capacidade
de apresentar regularmente candidatos competitivos à Presidência e/ou a
governador costuma ter grande impacto sobre a sobrevivência eleitoral e
possibilidades de expansão territorial dos partidos, inclusive nas disputas
para o Legislativo nacional (Shugart_e_Carey,_1992; Jones,_1997; Samuels,_2003;
Hickens_e_Stoll,_2011; Magar,_2012). Dessa forma, pode-se supor que as
estratégias adotadas pelos partidos nas disputas por cargos eletivos executivos
afetam o escopo territorial da votação em outras eleições, incluindo a eleição
para o Legislativo nacional, e em consequência, a nacionalização do sistema
partidário.
A escolha entre priorizar a disputa por cargos em um destes dois níveis, por
sua vez, depende de fatores como o grau de descentralização do governo, o qual
afeta o valor relativo da Presidência no que se refere às governadorias.
Fatores específicos aos partidos também influem na adoção de estratégias
distintas. Entre estes, cabe destacar a capacidade das organizações partidárias
de lançar ou não candidatos viáveis à Presidência.
Como já visto, uma vez que a eleição presidencial pode ter impacto expressivo
sobre outras eleições (por exemplo, deputado federal, governador) através do
efeito rabo de casaca e também em razão da necessidade de mobilizar um
eleitorado nacional e coordenar os esforços do partido (ou coligação) entre os
vários distritos, os partidos presidenciais têm fortes incentivos para
“presidencializar” as suas estratégias eleitorais. Isto é, a disputa à
Presidência induz os partidos a vincular as suas decisões de lançamento de
candidaturas e realização de alianças eleitorais na disputa para o Legislativo
nacional e também nas eleições estaduais, aos objetivos e estratégias dados
pela candidatura presidencial. Em síntese, a presidencialização implica em
estratégias eleitorais verticalizadas.
Se a adoção de uma estratégia de presidencializaçãofaz sentido para os partidos
que são competitivos na eleição presidencial, o mesmo não é necessariamente
verdade para os partidos sem candidatos viáveis. Isto porque o lançamento de
uma candidatura presidencial implica o gasto de recursos valiosos, que poderiam
ser alocados de modo mais eficiente em disputas eleitorais onde o partido
possui maiores chances de vitória (Melo,_2010).
Caberia, portanto, distinguir dois tipos de estratégia eleitoral. A
presidencialização em sentido estrito é uma estratégia de competição eleitoral
que subordina todas as demais estratégias do partido ao objetivo de conquistar
a Presidência e/ou participar do governo nacional. A presidencialização pode
envolver tanto o lançamento de candidatura presidencial quanto o apoio a um dos
candidatos presidenciais mais competitivos. Em virtude do caráter fortemente
majoritário da disputa presidencial, o partido ou coalizão que deseja controlar
o Executivo nacional tem incentivos para perseguir uma estratégia de
nacionalização e expansão territorial da sua base de votação. No entanto, o
mesmo não se aplica a um partido cuja participação na disputa presidencial tem
como principal objetivo não a conquista da Presidência, mas sim a obtenção de
benefícios indiretos em termos de votos em outras disputas, exposição na mídia
nacional, entre outros1.
A segunda estratégia concerne uma situação virtualmente oposta à
presidencialização, em que um partido com uma base eleitoral geograficamente
concentrada disputa a Presidência com o objetivo primário de consolidar e
manter a sua base regional. Esta estratégia, aqui denominada de
presidencialização regional, é tipicamente adotada por partidos de expressão
subnacional cuja votação se concentra em uma única região do país2. Seguindo
Brancati_(2008), definimos o termo região com respeito às regiões políticas de
um país, isto é, às províncias ou estados que compõem a Federação. Vale notar
que os dois tipos de presidencialização implicam a adoção de estratégias
eleitorais verticalmente integradas, na medida em que os partidos subordinam a
competição para todos os cargos de níveis inferiores de governo aos objetivos e
constrangimentos dados pela disputa presidencial. No entanto, há uma diferença
central no que tange ao seu escopo horizontal: a presidencialização sempre
implica a obtenção de uma distribuição mais homogênea do voto entre as regiões,
o que não ocorre no caso da presidencialização regional.
Em sistemas com múltiplos níveis de governo, outra alternativa que se coloca
para os partidos pouco competitivos na arena presidencial é concentrar esforços
nas eleições estaduais. Aqui trata-se de mobilizar os eleitores disputando
eleições para governador e apresentar propostas e candidatos capazes de atender
às demandas específicas dos eleitorados estaduais. Há basicamente dois tipos de
provincialização. A estratégia de provincialização regionalou, simplesmente,
provincialização, é uma estratégia de cunho defensivo e de escopo territorial
restrito, que envolve a manutenção das bases eleitorais de um partido de
expressão regional. Esta estratégia difere da presidencialização regional na
medida em que o partido escolhe não participar da disputa nacional
(presidencial) concentrando-se no objetivo de obter bom desempenho eleitoral na
eleição para governador em um determinado estado da Federação. Por sua vez,
aprovincialização nacional caracteriza-se por combinar a priorização das
disputas ao governo estadual e a busca pela expansão territorial do partido,
por meio do lançamento de candidaturas competitivas a governador no maior
número possível de estados. Quando bem-sucedida, esta estratégia pode
viabilizar a eleição de expressivas bancadas na Câmara dos Deputados, desde que
haja vinculação entre as eleições para governador e para deputado federal. Em
tal contexto, ainda que a provincialização nacional implique baixa integração
vertical das estratégias partidárias, a relativa nacionalização do partido nas
eleições para governador deve resultar em nacionalização horizontal nas
eleições para deputado federal. Ou seja, diferentemente da estratégia de
presidencialização, a provincialização nacional envolve movimentos
incongruentes nas dimensões da nacionalização horizontal e vertical.
Mesmo quando decidem participar da disputa presidencial, partidos orientados
para a provincialização nacional adotam estratégias localistas, associando as
candidaturas estaduais à presidencial nos estados em que for vantajoso, e
evitando tal vinculação quando anteveem perdas eleitorais. O ponto a ressaltar
é que a provincialização não é sinônimo de uma estratégia de não participação
nas eleições presidenciais, ainda que alguns partidos possam decidir, em certos
casos, abandonar a arena presidencial para se concentrar na disputa
subnacional.
Por definição, as estratégias de provincialização e presidencialização são
incongruentes entre si. Isto porque a presidencialização envolve a vinculação
das estratégias eleitorais no plano estadual às estratégias nacionais. Esta
vinculação implica custos e perda da autonomia dos diretórios estaduais do
partido, pois estes últimos podem ser obrigados a não lançar candidaturas em
determinados estados, apoiar um candidato presidencial pouco popular ou
conhecido no estado, ou realizar alianças eleitoralmente desvantajosas para
garantir a realização dos objetivos nacionais do partido. Quando a coordenação
eleitoral é falha e os partidos adotam estratégias regionais incongruentes com
a estratégia nacional, é menor a probabilidade dos seus candidatos se
beneficiarem do desempenho eleitoral do cabeça de chapa na eleição presidencial
(Hickens_e_Stoll,_2011)3. Estratégias de provincialização, mesmo quando
envolvem a participação em eleições presidenciais, implicam a manutenção de uma
organização altamente flexível e adaptável às circunstâncias locais, com o
objetivo de maximizar a competitividade nas eleições estaduais.
A provincialização nacional é uma estratégia oposta à presidencialização
regional, porque esta última estratégia implica alta integração vertical das
estratégias eleitorais e baixa nacionalização horizontal. A presidencialização,
por sua vez, se contrapõe frontalmente à provincialização: a primeira
estratégia envolve movimentos no sentido da integração vertical das estratégias
e da votação do partido, e nacionalização horizontal, enquanto a segunda se
associa à baixa nacionalização horizontal e vertical. O Quadro_1 classifica
cada uma das estratégias definidas nesta seção de acordo com o impacto esperado
sobre as dimensões vertical e horizontal da nacionalização partidária.
Quadro 1 Uma Tipologia de Estratégias Eleitorais em Sistemas Presidenciais com
Múltiplos Níveis de Governo
Nacionalização VerticaNacionalização Horizontal
Baixa Alta
Alta Presidencialização regional Presidencialização
Baixa Provincialização Provincialização nacional
Fonte: Elaboração própria.
Como se vê no quadro, a presidencialização é a única estratégia com potencial
para nacionalizar os partidos nas dimensões vertical e horizontal. Por outro
lado, o modelo tipológico sugere que a existência de cargos executivos abertos
à disputa eleitoral em níveis inferiores de governo permite que partidos pouco
competitivos na eleição presidencial não apenas sobrevivam eleitoralmente, mas
que também nacionalizem (horizontalmente) a sua votação. Isso nos leva a crer
que o ciclo eleitoral presidencial não necessariamente irá produzir um efeito
de seleção natural no sistema político, favorecendo a sobrevivência de partidos
e estratégias de orientação nacional, conforme as hipóteses consagradas sobre o
efeito rabo de casaca. Pelo contrário, em sistemas com múltiplos níveis de
governo os partidos políticos têm a seu dispor um leque maior de estratégias
eleitorais capazes de garantir boas votações nacionais.
Nas seções seguintes, discorro sobre os incentivos institucionais e a evolução
da nacionalização partidária agregada no Brasil. Em seguida, demonstro como as
estratégias dos maiores partidos no período recente podem ser entendidas com
base na tipologia acima.
INSTITUIÇÕES POLÍTICAS E NACIONALIZAÇÃO PARTIDÁRIA NO BRASIL
Diversas análises produzidas nas últimas duas décadas argumentam que o
mixinstitucional brasileiro – separação de poderes, federalismo “robusto” e
sistema eleitoral proporcional de lista aberta – contribui para a fragilidade
institucional e baixa nacionalização dos partidos políticos. Conforme observado
porAmes_(2001:42), o sistema proporcional de lista aberta adotado no Brasil
tende a enfraquecer a liderança nacional dos partidosvis-à-vis as lideranças
estaduais. Isto porque os distritos eleitorais são os estados e a seleção dos
candidatos é realizada pelos diretórios estaduais dos partidos. Outro aspecto é
que o sistema de lista aberta fortalece os candidatos individuais em relação às
lideranças partidárias, promovendo a personalização do processo eleitoral
(Ames,_1995; Mainwaring,_1995, 1999). A relativa autonomia dos diretórios
estaduais dos partidos para tomar decisões sobre as listas partidárias induz
candidatos e eleitores a seguirem uma lógica localista. Para Samuels_(2003),
uma das implicações do caráter descentralizado dos partidos políticos seria a
predominância do efeito rabo de casaca governatorial nas eleições para a Câmara
Federal.
Em que pese o diagnóstico pessimista sobre a superposição entre federalismo e
sistema eleitoral proporcional de lista aberta, a realização de eleições
presidenciais e legislativas coincidentes a partir de 1994 vem contribuindo
para aumentar a influência do pleito presidencial sobre a eleição para a
Câmara. Contrariamente à tese de Samuels_(2003), o trabalho de Soares_(2013)
demonstrou que o desempenho dos grandes partidos brasileiros nas eleições
legislativas nacionais é afetado positivamente tanto pela votação dos seus
candidatos a governador quanto pela votação dos seus candidatos à Presidência.
Por sua vez, Pereira_e_Rennó_(2007) encontraram evidências de que presidentes
com boa performance nas urnas ajudam os deputados federais candidatos à
reeleição que integram a coalizão governista na Câmara.
Não obstante o peso expressivo dos gastos subnacionais no total da despesa
governamental, a federação brasileira experimentou leve processo de
recentralização nas últimas décadas. Desde meados dos anos 1990, o Executivo
federal vem ampliando suas capacidades de arrecadação de recursos e de
formulação e coordenação de políticas públicas, como parte dos esforços de
estabilização econômica e ajustamento fiscal. Medidas como a renegociação das
dívidas dos estados, privatização de bancos estaduais e regras mais estritas de
endividamento e gasto de pessoal introduzidas pela Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF) contribuíram para reduzir a capacidade de gasto e financiamento de
déficits dos governadores, revertendo parcialmente a descentralização fiscal
dos anos 1980. A literatura sobre federalismo vem apontando, ainda, para a
conformação de um padrão de produção de políticas sociais que se caracteriza
pela municipalização da implementação e, por outro lado, manutenção do controle
do governo central sobre a formulação e financiamento das políticas (Souza,
2002; Almeida,_2005; Afonso,_2006; Fenwick,_2009).
Em síntese, a relativa perda de importância das arenas decisórias estaduais,
concomitantemente à mudança no calendário eleitoral e redução do número de
candidatos efetivos à Presidência, implicam incentivos mais fortes para a
nacionalização partidária. Por outro lado, o sistema eleitoral e a influência
das eleições estaduais sobre as eleições legislativas nacionais apontam na
direção contrária.
As pesquisas sobre nacionalização partidária no Brasil ganharam impulso nos
últimos anos, com trabalhos que tentam compreender como a institucionalização
da disputa presidencial nas últimas duas décadas vem contribuindo para
organizar a competição eleitoral para os cargos mais importantes em torno de
poucas coalizões partidárias viáveis4. Nesta linha de análise, Cortez_(2009)
argumenta que a predominância do PT e do PSDB no sistema partidário brasileiro
reflete a capacidade destes dois partidos de nacionalizar as disputas
estaduais, articulando estas últimas à disputa presidencial. Em outros termos,
os dois principais competidores na eleição para o Executivo nacional utilizaram
as eleições para governador como instrumento para a disputa eleitoral nacional.
Como as disputas estaduais em grande parte dos distritos refletiram a
bipolaridade nacional, tentativas de entrar no mercado eleitoral presidencial
foram sistematicamente frustradas por falta de respaldo na maioria dos estados
(ibidem:108-109).
Em trabalho mais recente, Limongi_e_Cortez_(2010) demonstram como a vinculação
cada vez maior entre a eleição presidencial e as eleições para governador torna
improvável a sobrevivência de partidos sem uma estratégia de alianças nacional.
Os autores argumentam que o PT e o PSDB e seus aliados preferenciais nas
disputas à Presidência – PSB e DEM, respectivamente – vêm ampliando rapidamente
a sua participação nas disputas nos estados. O único partido com a capacidade
de se contrapor à polaridade PT-PSDB é o PMDB, cuja estratégia tem sido a de
privilegiar as disputas para governador. Uma vez que a bipolaridade da disputa
presidencial se reproduz nos estados, com um pequeno grupo de cinco partidos –
PT, PSDB, PSB, DEM e PMDB – concentrando a maior parte dos votos (84% do total
nacional em 2010), concluem os autores que há visível simplificação do quadro
partidário, não obstante a fragmentação na disputa à Câmara dos Deputados.
Melo_(2010) reforça o diagnóstico de Limongi_e_Cortez_(2010), ao sugerir que a
disputa presidencial vem contribuindo para a estruturação do sistema partidário
nacional em torno de poucas coalizões partidárias. Em particular, as decisões
tomadas pelos partidos com respeito ao lançamento de candidatos e alianças nas
eleições para presidente, governador e deputado federal apresentam forte
interdependência, constituindo uma estrutura de jogos aninhados (nested games).
Considerando o caráter coalicional do presidencialismo brasileiro, a decisão de
não lançar candidato à Presidência não implica necessariamente em abandonar a
pretensão de participar do governo nacional. Os partidos podem adotar
estratégias com o objetivo de ampliar o tamanho das suas bancadas na Câmara, e
assim aumentar o seu potencial como possíveis parceiros da coalizão
governativa. Neste sentido, na democracia brasileira os partidos políticos
podem escolher entre priorizar as eleições presidenciais, as eleições para os
governos estaduais ou as eleições para deputado federal.
A preponderância do PT e do PSDB nas disputas presidenciais teve como uma de
suas consequências a rápida expansão e nacionalização das bases eleitorais
destes dois partidos (Soares_e_Terron,_2008; Braga_e_Rodrigues-Silveira,_2011).
Neste sentido, a competição pela Presidência no sistema político brasileiro
estaria atuando na direção de contrabalançar os incentivos à regionalização dos
partidos dados pelo sistema federativo.
Neste artigo, apresento um diagnóstico sobre os principais partidos brasileiros
que converge com a posição da literatura brasileira recente sobre o papel
estruturador da competição pela Presidência em um sistema partidário altamente
fragmentado. A inovação trazida está na proposta de entender a diversidade de
estratégias eleitorais dos partidos frente aos incentivos contraditórios dados
pelo federalismo e pelo sistema presidencialista com respeito à nacionalização.
Além disso, busca-se entender de forma sistemática como as disputas pelo
Executivo estadual e nacional impactam as eleições legislativas nacionais e a
nacionalização dos partidos. As análises aqui apresentadas também inovam com
respeito às pesquisas anteriores, ao demonstrar que a relevância e a força do
efeito “rabo de casaca” presidencial sobre a votação dos partidos na eleição
para a Câmara variam de acordo com as estratégias eleitorais adotadas. Como
último ponto, cumpre observar que a literatura brasileira tem dialogado pouco
com a produção recente da ciência política comparativa sobre nacionalização
partidária. Este artigo se propõe a preencher esta lacuna, situando o caso
brasileiro frente ao debate internacional e apresentando indicadores
comparativos de nacionalização partidária para o conjunto do sistema partidário
e os principais partidos.
EVOLUÇÃO DA NACIONALIZAÇÃO PARTIDÁRIA NO BRASIL PÓS-1990
Esta seção apresenta evidências que comprovam uma tendência de ampliação
moderada da nacionalização horizontal do sistema partidário brasileiro após
1994. Entre os vários indicadores de nacionalização partidária utilizados na
literatura comparativa, optamos pela utilização do índice de nacionalização
partidária (INP). O INP tem como vantagens a facilidade de cálculo e a
comparabilidade entre distintos países e sistemas políticos (Jones_e
Mainwaring,_2003). O INP é calculado a partir do coeficiente Gini de
distribuição de votos dos partidos no território, atribuindo pesos idênticos a
cada um dos distritos eleitorais. Dada uma distribuição de votos perfeitamente
equitativa, isto é, supondo que o partido obteve o mesmo percentual de votos em
todos os distritos, o índice de Gini será igual a zero, indicando máxima
nacionalização. Por outro lado, quanto mais heterogênea a distribuição de
votos, tanto maior o Gini e, portanto, menor o grau de nacionalização
horizontal. Assim, o INP é calculado como 1 menos o Gini de distribuição de
votos, de modo que para um Gini de zero o INP assume valor máximo (1). O
cálculo do índice de nacionalização do sistema partidário (INSP), que é uma
medida agregada para o conjunto dos partidos, nada mais é que uma média do INP
obtido para cada partido, ponderado pela sua votação.
Seguindo o mesmo procedimento adotado em outras pesquisas, o INSP foi calculado
para a distribuição da votação dos partidos brasileiros nos 27 estados da
Federação, cobrindo o período de 1989 a 2010. A análise inclui as eleições para
presidente, governador e deputado federal. A Tabela_1mostra a evolução da
nacionalização partidária nas eleições para presidente e deputado federal a
partir de 1989.
Tabela 1 INSP, Eleições Presidenciais e para Deputado Federal (1989-2010)
Ano Presidente Deputado Federal
1989/1990 0,62 0,48
1994 0,84 0,51
1998 0,86 0,61
2002 0,86 0,60
2006 0,81 0,59
2010 0,83 0,62
Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados do Ipea (http://ipeadata.gov.br)
e do TSE (http://tse.gov.br).
A tabela mostra dois momentos de mudança nos índices de nacionalização
partidária. Em 1994, a nacionalização da disputa presidencial se amplia mais de
20 pontos percentuais, mantendo-se desde então em patamares elevados, em torno
de 0,80. No que diz respeito à nacionalização da disputa legislativa, observa-
se pequena ampliação em 1994, seguida de incremento expressivo em 1998. A
partir de 2002, observa-se uma estabilização da nacionalização partidária, em
patamares bem mais altos do que no início da série.
No que diz respeito à nacionalização da disputa presidencial ocorreu expressiva
ampliação entre 1989 e 1998. Uma provável explicação para a evolução da
nacionalização do sistema partidário presidencial está na diminuição do número
de candidatos efetivos a partir de 1994. Desde aquele ano, a disputa vem
adquirindo um caráter marcadamente bipolar, com a entrada ocasional de
terceiros candidatos relevantes (a exemplo de Garotinho em 2002). O Gráfico_1
apresenta a evolução da fragmentação eleitoral das eleições presidenciais desde
1989:
Gráfico 1 Número Efetivo de Partidos, Eleições Presidenciais (1989-2010)
AS ESTRATÉGIAS DOS PARTIDOS BRASILEIROS FRENTE AOS INCENTIVOS INSTITUCIONAIS
A análise realizada nesta seção inclui os partidos que obtiveram percentual
mínimo de votos (4%) nas três últimas eleições para a Câmara Federal (2002,
2006 e 2010). Com a aplicação dos critérios, foram selecionados oito partidos:
PMDB, PSDB, DEM, PT, PSB, PP, PDT e PTB. Pelo menos desde 1998, estas oito
legendas figuraram sempre entre as maiores em termos de votos para a Câmara
Federal, concentrando um percentual da votação total que variou entre 73%
(2010) e 82% (2002). Em resumo, são estes os partidos mais relevantes do ponto
de vista eleitoral e sobre os quais concentramos nossa análise.
A Tabela_2 mostra a participação de cada um dos partidos selecionados nas
eleições presidenciais realizadas desde 1989.
Tabela 2 Participação em Eleições Presidenciais, Partidos Selecionados (1989-
2010)
Partido Apresentou Candidato Coligou-se a Outro Partido Total
PSDB 6 0 6
PT 6 0 6
PDT 3 2 5
PSB 1 4 5
PFL/DEM 1 4 5
PTB 1 4 5
PMDB 2 2 4
PP 2 1 3
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do TSE (http://tse.gov.br).
Conforme a Tabela_2, PT e PSDB são os únicos partidos a participar de todas as
eleições presidenciais desde 1989 com candidato próprio. Quando se considera o
total de participações (candidaturas + coligações), PMDB e PP são os partidos
que menos estiveram presentes na disputa presidencial. Por sua vez, PSB e DEM
se destacam no total de vezes em que apoiaram o PT e o PSDB respectivamente.
Todas as participações em coligações destes dois partidos envolveram
alinhamento a um dos principais competidores na disputa presidencial (quatro
vezes). PTB e PDT vêm logo em seguida em número de apoios ao PSDB e ao PT: o
PTB apoiou candidatos do primeiro partido em três ocasiões e o PDT apoiou os do
PT em duas eleições. Por fim, o PMDB se aliou ao PSDB em 2002 e ao PT em 2010,
enquanto o PP apoiou o PSDB em 1998.
Resta saber em que medida a decisão de se aliar a um dos dois principais
partidos na arena presidencial implicou ou não a subordinação das estratégias
na eleição estadual (governador) à estratégia nacional. No presidencialismo de
coalizão brasileiro, a coordenação de estratégias entre diferentes partidos de
uma mesma coligação envolve a troca de apoios e a postulação/retirada
estratégica de candidaturas nos vários distritos. Assim, partidos que coordenam
a sua estratégia com o partido do candidato presidencial ao qual concederam
apoio devem apresentar, nas disputas a governador, baixo número de confrontos
diretos com o cabeça de chapa da coligação nacional e elevado número de apoios
ao cabeça de chapa nos estados em que este lançou candidato (Cortez,_2009).
Desenvolvi uma série de indicadores para avaliar em que medida os partidos
aliados na corrida presidencial coordenam suas estratégias eleitorais no nível
estadual. Para cada eleição, calculei o percentual de vezes em que: a) cada
partido aliado apoiou o cabeça de chapa na eleição presidencial e vice-versa,
na eleição para governador; b) o partido aliado e o cabeça de chapa competiram
um contra o outro na eleição estadual5. Em seguida, os percentuais de (a) e (b)
foram subtraídos para obtenção de uma estatística resumo de coordenação
eleitoral (um valor de 100 indicaria coordenação perfeita e -100 total
incongruência das estratégias eleitorais). Considerei apenas as eleições
realizadas a partir de 1994, por entender que os incentivos à coordenação
eleitoral se tornaram mais fortes com a realização de eleições coincidentes
(governador e presidente).
Tabela 3 Coordenação Eleitoral entre os Partidos Integrantes de Coligações
Presidenciais nas Eleições para Governador, Partidos Selecionados (1994-2010)
Partido Aliado (cabeça de (A) Partidos Apoiaram (B) Partidos (A)-(B)
chapa) um ao Outro (%) Competiram um Contra o
Outro (%)
PSB (PT) 62,85 13 49,9
DEM (PSDB) 59,20 14 44,9
PDT (PPS/PT) 44,21 15 29,2
PTB (PPS/PSDB) 42,11 22,5 19,6
PP (PSDB) 48,03 40 8,0
PMDB (PSDB/PT) 33,33 60 -26,7
Fonte: Cortez (2009); TSE (http://tse.gov.br).
Como se vê na tabela, PSB e DEM são os partidos que mais coordenam as suas
estratégias na disputa para governador com PT e PSDB respectivamente. Os
aliados preferenciais do PT e do PSDB apoiam os cabeças de chapa presidenciais
na maioria dos estados e, ainda, coordenam as decisões de lançamento de
candidaturas de maneira a evitar confrontos diretos. Num outro extremo,
encontra-se o PMDB como exemplo de baixa integração das alianças para
presidente e governador. Nas poucas vezes em que participou de coligações
presidenciais lideradas por PT (2010) ou PSDB (2002), o partido adotou
estratégia independente nos estados, o que se reflete no elevado percentual de
confrontos com estes. Finalmente, PTB e PP também apresentam índices de
coordenação com os cabeças de chapa na eleição presidencial mais baixos
relativamente ao PSB e DEM. O PDT é um caso intermediário. Apesar de também ter
adotado estratégias orientadas para a disputa presidencial, o PDT apresenta
menor consistência nas suas estratégias em relação aos parceiros preferenciais
do PT e do PSDB. Com o rápido crescimento eleitoral de Luiz Inácio Lula da
Silva e do PT nas primeiras eleições presidenciais após o retorno à democracia,
no entanto, o PDT perdeu a capacidade de liderar a esquerda, assumindo papel de
coadjuvante na disputa nacional (Melo,_2006). Desde então, o partido vem
oscilando entre a tentativa de lançar candidaturas à Presidência e adotar
postura de relativa independência com respeito ao PT (a exemplo da decisão de
lançar Cristovam Buarque à Presidência em 2006), ou, alternativamente, se
conformar com o alinhamento aos petistas nos estados, o que ocorreu de forma
mais clara em 2010.
A Tabela_4 apresenta um índice de integração vertical de estratégias
eleitorais. Primeiro calculei o número de vezes em que um partido presente na
eleição presidencial, seja com candidato próprio, seja participando de
coligação, apoiou um partido adversário na eleição para governador. Por partido
adversário me refiro a todo e qualquer partido que participou de uma coligação
presidencial adversária em cada eleição (exceção feita aos partidos e
coligações com votação desprezível, inferior a 5% dos votos nacionais). A média
deste primeiro índice foi subtraída de 100 e multiplicada pelo percentual de
vezes em que o partido participou da eleição presidencial entre 1994 e 20106.
Tabela 4 Índice de Integração Vertical de Estratégias Eleitorais (0-100) por
Partido (1994-2010)
Partido Integração Vertical
PT 92,16
PSDB 78,21
PSB 63,81
DEM 62,58
PTB 54,89
PDT 52,29
PMDB 36,97
PP 31,15
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do TSE (http://tse.gov.br);
Miranda (2013).
PT e PSDB apresentam os escores mais elevados de integração vertical, o que é
esperado considerando que estes são os dois partidos que vêm predominando nas
eleições presidenciais. Como observa Cortez_(2009), ainda que as alianças
realizadas por PT e PSDB nos estados não sejam sempre ou necessariamente
consistentes com a coligação nacional, os dois partidos estão quase sempre em
lados opostos nas disputas a governador, o que demonstra capacidade de
reproduzir no plano estadual a bipolaridade nacional. Na terceira e quarta
posição no ranking de integração vertical, aparecem os aliados tradicionais de
petistas e tucanos, PSB e DEM, respectivamente. Já o PP e o PMDB apresentam os
escores mais baixos dentre todos os partidos analisados, com índices muito
abaixo daqueles calculados para os partidos “presidencializados”.
As evidências apresentadas até aqui indicam que PT, PSDB, DEM e PSB apresentam
as estratégias eleitorais mais próximas à noção de presidencialização. Ou seja,
em que pesem as variações ao longo do tempo, é possível dizer que estes
partidos fizeram uma escolha no sentido de subordinar suas estratégias
estaduais a uma estratégia nacional, cujo objetivo central é garantir a vitória
na eleição presidencial e a participação no governo nacional. Quanto aos demais
partidos aqui analisados – especialmente PMDB, PP e PTB – pode-se dizer que
apresentam estratégias nacionais e estaduais bem menos consistentes com
respeito aos casos de presidencialização. O que ainda resta saber é qual o
papel das disputas estaduais para as estratégias de nacionalização e
sobrevivência eleitoral destes partidos. Um primeiro indicador a ser
considerado é a capacidade das agremiações partidárias de competir de forma
efetiva pelas governadorias nos vários estados da Federação. A Tabela_5 traz um
quantitativo simples de candidaturas a governador por partido e ano da eleição.
Os três partidos com maior número de candidaturas a cada ano da série foram
destacados em negrito.
Tabela 5 Total de Candidaturas aos Governos Estaduais, Partidos Selecionados
(1990-2010)
Partido 1990 1994 1998 2002 2006 2010 Média
PT 23 19 16 24 18 10 18,33
PSDB 13 10 14 12 17 15 13,50
PFL 9 7 12 8 7 4 7,83
PMDB 16 13 16 16 19 19 16,50
PSB 1 4 7 19 8 9 8
PDT 10 14 6 9 11 4 9
PTB 5 5 2 8 1 3 4
PP 9 10 5 6 3 4 6,17
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Ipea (http://ipeadata.gov.br ).
A tabela mostra que os únicos partidos a figurar entre os três primeiros em
número de candidaturas em todas as seis eleições consideradas são o PT e o
PMDB. Quando se considera a média de candidaturas por ano, os quatro partidos
mais presentes nas disputas estaduais são, pela ordem, PT, PMDB, PSDB e PDT. A
maior presença nacional do PT e do PSDB é natural considerando o peso destas
agremiações na disputa pelo Executivo nacional; a força estadual destes
partidos é, em realidade, reflexo da sua preponderância nacional. Por sua vez,
o PMDB se destaca pela manutenção da capacidade de apresentar candidaturas a
governador em elevado número de estados, não obstante a sua perda de relevo no
cenário nacional. O mesmo não se verifica no caso do PDT, partido que, a cada
eleição, vem reduzindo o número de candidaturas.
O que se pode inferir dos dados é que o PMDB foi muito mais bem-sucedido do que
outros partidos na construção de uma estratégia de provincialização nacional. O
que caracteriza esta estratégia é a baixa integração entre as decisões de
formação de alianças e lançamento de candidaturas no plano nacional e estadual,
bem como a apresentação de candidaturas a governador no maior número de
distritos, com o objetivo de garantir a manutenção de uma base eleitoral bem
distribuída no território brasileiro. Por sua vez, PP e PTB apresentam
estratégias bem mais regionalizadas, o que se reflete no número decrescente de
candidaturas ao longo dos anos.
Isso não quer dizer, no entanto, que se possa falar da adoção de estratégias de
provincialização regional por esses partidos, uma vez que a realização de
coligações permite às agremiações sem condições de lançar candidatos
competitivos nas várias regiões ampliar a sua presença nacional. O grande
número de coligações realizadas por todos os partidos eleitoralmente relevantes
nas disputas a governador e a presença nacional dessas organizações na eleição
para deputado federal indica claramente que não há, a rigor, partidos regionais
dentre as maiores agremiações (Carreirão_e_Nascimento,_2010; Miranda,_2013).
Por exemplo, nas eleições de 2010, PP e PTB lançaram quatro e três candidatos a
governador respectivamente, porém em todos os demais estados estes partidos
estiveram presentes como membros de coligações lideradas por outras
agremiações.
OS IMPACTOS DAS ESTRATÉGIAS PARTIDÁRIAS SOBRE A NACIONALIZAÇÃO NAS ELEIÇÕES
LEGISLATIVAS
Como as estratégias eleitorais até aqui descritas impactam na nacionalização
dos partidos? Em particular, em que medida as eleições para governador e
presidente influenciam a votação para deputado federal? Com base no argumento
desenvolvido até aqui, pode-se supor que as estratégias de provincialização
resultam em padrões de votação para a Câmara Federal mais associados à eleição
estadual. De forma análoga, quando os partidos subordinam as suas estratégias
estaduais às coligações presidenciais, é de se esperar que o efeito rabo de
casaca presidencial ganhe relevo.
Para testar empiricamente a vinculação entre os pleitos, desenvolvi um modelo
com dados longitudinais para as votações de cada um dos partidos para
governador, deputado federal e presidente no período 1994-2010. Foram
consideradas apenas as eleições em que os partidos participaram da eleição
presidencial, seja como partido coligado, seja com candidato próprio. Nos casos
em que o partido estava coligado, levou-se em conta a votação do partido do
cabeça de chapa presidencial. Para lidar com as violações da regressão linear
presentes na análise de dados longitudinais, adotou-se um modelo linear misto,
com intercepto aleatório. Modelos de efeitos mistos estendem a regressão linear
simples, incluindo termos para modelar a estrutura de correlação dos resíduos.
A aplicação deste tipo de modelo à análise de dados longitudinais permite
estimar efeitos aleatórios para cada uma das unidades de análise, além de
efeitos fixos para as variáveis independentes xij(Bagiella_et_al.,_2000). A
estimação de efeitos aleatórios no intercepto permite dar conta da
heterogeneidade entre os casos decorrentes de fatores não mensurados (por
exemplo, legados culturais ou históricos específicos ao estado j).
A variável dependente do modelo é a votação do partido x no estadojna eleição
ie as variáveis independentes de interesse são a votação para presidente (do
partido ou cabeça de chapa no caso de partido coligado) e governador. Como
controles, incluí uma dummy para a presença de um governador do partido no
estado, no período anterior à eleição (incumbente), e uma medida do desvio da
votação do partido na eleição para deputado federal relativa à votação nacional
no pleito imediatamente anterior à i-ésima eleição (reduto)7.
Os modelos foram estimados em separado para todos os partidos selecionados para
análise. O modelo estimado para o PP apresentou problemas de colinearidade
entre as variáveis reduto e votação para governador (r=0,7). Como o N é de
apenas 54, decidiu-se pela supressão da primeira variável. Os resultados são
apresentados naTabela_6.
Tabela 6 Modelo Linear Misto para Votação por Estado nas Eleições para Deputado
Federal, Partidos Selecionados (1990-2010)
PSDB PT PFL PSB PMDB PDT PTB PP
Constante -33,87 -67,10 -41,77 8,21 -52,12 -23,88 -14,76 6,92
(6,92) (5,44) (9,08) (9,09) (9,99) (7,90) (6,62) (1,59)
Reduto ***0,80 ***1,49 ***0,76 -0,15 ***1,13 ***0,58 ***0,38 –
(0,14) (0,11) (0,16) (0,19) (0,17) (0,16) (0,13) –
Vt presidente ***0,10 ***0,15 ***0,20 *0,08 0,03 -0,01 0,00 0,09
(0,03) (0,02) (0,05) (0,03) (0,03) (0,02) (0,02) (0,07)
Incumbente 5,84 1,11 2,84 ***7,66 1,70 1,43 ***19,16 -2,78
(1,53) (1,16) (2,67) (1,73) (1,88) (1,79) (3,23) (2,60)
Vt governador ***0,08 0,08*** ***0,20 0,00 ***0,10 *0,05 ***0,11 ***0,34
(0,03) (0,02) (0,04) (0,03) (0,04) (0,02) (0,04) (0,05)
N 135 135 108 108 81 108 108 54
Loglikelihood -430,48 -364,67 - -319,75 -276,99 -305,68 -312,20 -179,139
369,544
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Ipea (http://ipeadata.gov.br) e
do TSE (http://tse.gov.br). Nota: *** p<0,001; ** p<0,05; * p<0,10.
Os coeficientes em negrito indicam qual das duas variáveis de votação nas
eleições majoritárias (presidente e governador) teve maior impacto sobre a
votação do partido. Os resultados demonstram que o efeito rabo de casaca
presidencial só é estatisticamente relevante para os partidos que adotaram
estratégias de presidencialização, com a exceção do PDT. As equações estimadas
para o PMDB, PP e PTB sugerem que o efeito da eleição presidencial é nulo,
enquanto o rabo de casaca governatorial é positivo e estatisticamente
significativo. Vale observar ainda que o efeito da votação de presidente é mais
forte que o efeito da votação de governador para três dos partidos
“presidencializados”: PT, PSB e PSDB. Os efeitos médios estimados para os
coattails presidencial e governatorial com respeito à votação do DEM são
similares.
De modo geral, a análise estatística suporta a argumentação desenvolvida até
aqui. As estratégias adotadas pelos partidos com respeito às disputas para o
Executivo nacional e estadual têm implicações claras sobre suas votações na
eleição para a Câmara. Em poucas palavras, partidos que apostam na
presidencialização tendem a depender mais ou de forma similar da votação na
eleição presidencial para impulsionar seus candidatos ao Legislativo nacional
comparativamente à votação para governador. Por sua vez, partidos que adotam
estratégias de provincialização têm que contar basicamente com o efeito rabo de
casaca dos seus candidatos a governador.
Resta saber como essa dinâmica impactou na nacionalização dos partidários no
período em análise. O Gráfico_2 mostra a evolução do INP para os quatro maiores
partidos brasileiros no período – PT, PSDB, PMDB e PFL/DEM.
[/img/revistas/dados/v58n3//0011-5258-dados-58-3-0651-gf02.jpg]
Gráfico 2 INP para Eleições Legislativas Nacionais, PT, DEM, PMDB e PSDB (1990-
2010)
O gráfico demonstra que a evolução da nacionalização acompanha, em alguma
medida, os ciclos eleitorais presidenciais. O melhor resultado do PSDB e do DEM
foi obtido em 1998, ano da reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso,
em que os dois partidos estiveram coligados na disputa presidencial. A partir
de 2002, com uma série de vitórias do PT no pleito presidencial, o grau de
nacionalização deste partido se amplia significativamente, enquanto PSDB e DEM
perdem espaço. Por sua vez, a evolução da nacionalização do PMDB não parece
indicar uma vinculação clara com a dinâmica eleitoral presidencial, dado que o
INP se amplia em todos os anos, à exceção de 2010. Vale observar que, em 1998,
o PMDB não apoiou nenhum candidato e em 2006 não celebrou coligação formal,
decidindo apoiar informalmente a reeleição de Lula da Silva.
O Gráfico_3 compara a evolução do INP dos partidos médios (PP, PDT, PSB e PTB)
no período. No interior deste grupo, o partido mais nacionalizado é o PP. Vale
notar a rápida nacionalização do PSB, que passou de uma votação altamente
regionalizada em 1990 (INP=0,25) para índices mais próximos da média nacional
ao final da série (INP=0,55). Essa mudança no patamar de nacionalização se
associa também ao impressionante crescimento eleitoral do PSB, que saiu de 2%
dos votos em 1990 para 7,3% em 2010. Em contraste, o PDT teve a sua votação
reduzida à metade, de 10% em 1990 para 5% do total de votos válidos em 2010.
[/img/revistas/dados/v58n3//0011-5258-dados-58-3-0651-gf03.jpg]
Gráfico 3 INP para Eleições Legislativas Nacionais, PP, PDT, PSB e PTB (1990-
2010)
É interessante observar que, à exceção do DEM, que manteve o mesmo índice de
nacionalização observado no início da série, todos os demais partidos aqui
analisados experimentaram crescimento da nacionalização eleitoral entre 1990 e
2010. Entretanto, uma simples análise de variância utilizando o INP como
variável dependente demonstra que a variação entre os partidos é muito maior do
que a variação entre os anos. A estatística F para a comparação entre os
resíduos do modelo apenas com a variável partidos e o modelo completo (ano de
eleição + partidos) é de 9,27 (p<0,001), o que comprova que as diferenças entre
os partidos “explicam” muito mais da variação no INP do que as mudanças
agregadas no INP ano a ano. Chama a atenção ainda o fato de que os dois
partidos que lograram alcançar os mais elevados níveis de nacionalização ao
longo destes 20 anos – PT e PMDB – se valeram de estratégias rigorosamente
incongruentes entre si. Enquanto o PT apostou de forma decidida na
presidencialização, subordinando todas as estratégias do partido ao objetivo de
conquistar a Presidência, o PMDB escolheu o caminho da provincialização
nacional, apostando no lançamento de candidaturas competitivas no maior número
de estados, independente dos posicionamentos nacionais do partido.
O desempenho do PP nas eleições legislativas nacionais fornece evidências
adicionais com respeito aos incentivos institucionais contraditórios dados pela
combinação entre federalismo e presidencialismo. A decisão de não se vincular a
nenhum dos blocos partidários capitaneados por PT e PSDB na eleição
presidencial – exceção feita à eleição de 1998, quando apoiou a reeleição de
Fernando Henrique – permitiu ao partido sobreviver eleitoralmente apostando no
pragmatismo na arena eleitoral e governativa. Enquanto o PP manteve sua parcela
do voto nacional em torno de 7%-8%, seu mais importante competidor no campo da
direita, o DEM, experimentou profundas perdas eleitorais a partir de 2002,
reduzindo sua votação em 10 pontos percentuais entre 1998 e 2010. Na condição
de parceiro menor do PSDB, este último partido manteve-se fiel à estratégia de
presidencialização, juntando-se ao bloco de oposição ao governo com as vitórias
do PT nas eleições presidenciais em 2002, 2006 e 2010. Sem as amarras de uma
estratégia nacional, de forma diversa, o PP evitou perdas que incorreriam se
tivesse optado por se contrapor a um governo de centro-esquerda popular; pelo
contrário, o partido apoiou o governo Lula da Silva no Legislativo, sendo
devidamente recompensado por isso com pastas ministeriais. É ainda digno de
nota o expressivo crescimento da nacionalização eleitoral do PP no período, da
ordem de 39% (segundo maior dentre todos os casos, logo atrás do PSB),
considerando ter sido este o partido com o menor número de participações em
eleições presidenciais no período.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em consonância com as hipóteses da literatura comparativa, a evolução recente
da nacionalização partidária no caso brasileiro demonstra que a formação do
sistema partidário se vincula à disputa pela Presidência da República. A
realização de eleições coincidentes para presidente, governador e deputado
federal desde 1994 vem contribuindo para ampliar os incentivos à coordenação
entre as disputas, assim impulsionando a nacionalização das eleições para a
Câmara.
Se é verdade que a institucionalização da disputa presidencial contribui para
conferir estrutura e inteligibilidade a um sistema partidário que figura entre
os mais fragmentados do mundo, é também verdade que as instituições federativas
e o caráter coalicional do presidencialismo brasileiro possibilitam a
sobrevivência de partidos que adotam estratégias nacionais e estaduais
fracamente integradas. Note-se ainda que a possibilidade de participar de
coligações em apoio a candidaturas presidenciais, obtendo compensações dos
cabeças de chapa na disputa ao Executivo estadual (na forma de retirada de
candidaturas destes últimos em alguns estados, por exemplo), também favorece a
sobrevivência de partidos provincializados, dado que as instituições eleitorais
e partidárias brasileiras garantem suficiente flexibilidade para viabilizar a
realização de alianças adaptadas às realidades locais. Assim, um dos efeitos do
leque de opções abertas aos partidos sem condições de lançar candidatos viáveis
à Presidência é a mitigação do efeito de seleção natural da competição
presidencial. O não alinhamento aos grandes partidos presidenciais não resulta
necessariamente em perdas eleitorais ou em padrões de votação mais
desnacionalizados. De fato, PMDB e PP figuravam em 2010 no grupo dos cinco
maiores partidos nacionais, tendo o PMDB obtido a segunda maior votação
nacional e o PP a quinta, logo atrás do DEM; estes dois partidos também
integravam o grupo dos quatro mais nacionalizados, estando o PP na quarta
posição e o PMDB na segunda.
Somam-se a estes efeitos os custos potenciais de estratégias de
presidencialização em um sistema político no qual os benefícios de ocupar
cargos e participar do governo federal são muito expressivos relativamente aos
benefícios de policyde permanecer na oposição. O declínio eleitoral do DEM
reflete precisamente o custo de fazer oposição a um governo adversário nas
urnas, mantendo uma estratégia eleitoral consistente, frente ao pragmatismo de
outras organizações de direita, como o PP.
O artigo traz algumas contribuições importantes à literatura brasileira e
comparativa. Primeiro, aponta para uma limitação das tradicionais análises
agregadas da nacionalização partidária, demonstrando a ausência de
homogeneidade nas estratégias de nacionalização dos partidos em um sistema
federativo. Em segundo lugar, a análise empírica sugere um diagnóstico que
diverge de análises anteriores sobre o grau de integração entre as eleições
presidenciais e legislativas nacionais. Ao contrário de um sistema
“federalizado”, no qual o efeito rabo de casaca presidencial é praticamente
anulado pela força dos governadores, como sugere Samuels_(2003), o que se
observa é uma divisão dos grandes partidos em dois grupos. Um de partidos
“provincializados”, que dependem da votação dos seus candidatos a governador
para impulsionar a eleição de bancadas na Câmara Federal, e um grupo
“presidencializado” no qual o efeito rabo de casaca presidencial é
determinante. Em terceiro lugar, o artigo qualifica e complementa as análises
de Limongi_e_Cortez_(2010) e Cortez_(2009) sobre a nacionalização vertical do
sistema partidário. Diferentemente do cenário apontado por esses autores, de
estabilização da competição eleitoral no plano subnacional em paralelo à
crescente verticalização das estratégias partidárias, a análise teórica e
empírica aqui apresentada sugere que o sistema político brasileiro é
suficientemente flexível para acomodar estratégias de não alinhamento aos
principais partidos presidenciais.
No que diz respeito a este último aspecto, o artigo aponta novos caminhos para
se entender a formação de coalizões no presidencialismo brasileiro. Estudos
comparados recentes demonstram que a formação de coligações ou coalizões pré-
eleitorais amplia consideravelmente as chances dos partidos formarem uma
coalizão de governo no período pós-eleição (Albala,_2014; Chasquetti,_2001).
Entretanto, ainda que isso seja verdade também para o caso brasileiro, os
incentivos para a participação em coalizões pré e pós-eleitorais não são os
mesmos para todos os partidos. As evidências apresentadas neste artigo indicam
que partidos presidencializados, como PSB e DEM, obtêm claros benefícios
eleitorais associando-se aos candidatos presidenciais de PT e PSDB,
respectivamente. Por sua vez, mesmo quando participam da eleição presidencial,
PMDB, PDT, PP e PTB não parecem obter tais benefícios. Presumivelmente, estes
últimos partidos teriam maiores incentivos para exigir do candidato eleito
“pagamentos adicionais” por seu apoio eleitoral na forma de cargos, recursos de
pork e financiamento de campanha, hipótese que mereceria ser testada em futuros
estudos.
Talvez não coincidentemente, os três partidos que escolheram estratégias mais
próximas à definição de provincialização – PMDB, PP e PTB – adotaram
posturaoffice-seeking frente às vitórias do PT nas três últimas eleições
presidenciais. A partir de dados de survey realizado entre os parlamentares,
Melo_e_Câmara_(2012)identificam no interior do legislativo brasileiro um bloco
de partidos de sustentação, integrado por estas três organizações. Do ponto de
vista ideológico, PMDB, PP e PTB mostram-se mais semelhantes ao DEM e ao PSDB
do que ao PT, o que demonstra que a participação nos gabinetes formados por
Lula da Silva e Dilma Rousseff entre 2003 e 2014 implicou sacrifício dos
objetivos depolicy em favor da ocupação de cargos no governo. Em outras
palavras, estratégias de provincialização nacional na arena eleitoral são
plenamente congruentes com (além de funcionais à reprodução de)
estratégiasoffice-seeking na arena governativa. De fato, para partidos pouco
coesos, com baixa capacidade de coordenação centralizada, e/ou ideologicamente
distantes do candidato à Presidência, as possibilidades de obter ganhos
depolicy e votos apoiando o candidato de outro partido na corrida à Presidência
são naturalmente limitadas. Assim, conclui-se que a melhor estratégia para
organizações como o PMDB é garantir acesso aos cargos e verbas do governo
federal, sem, no entanto, sacrificar totalmente a capacidade das seções
estaduais do partido de definir estratégias regionalizadas de formação de
coligações e lançamento de candidaturas.
À guisa de conclusão, pode-se afirmar que o caráter coalicional do
presidencialismo brasileiro e sua superposição a um sistema federativo resultam
em incentivos contraditórios com respeito à nacionalização partidária. A
ampliação moderada da nacionalização horizontal a partir de 1994 oculta um
sistema segmentado, no interior do qual alguns partidos se nacionalizam por
meio de estratégias eleitorais altamente verticalizadas, a exemplo do PT,
enquanto outros logram obter distribuições de votação mais homogêneas por meio
de estratégias nacionais e estaduais incongruentes entre si, a exemplo do PP e
do PMDB. Presumivelmente, este mixinstitucional, em combinação com um sistema
eleitoral permissivo, ajuda a manter em níveis elevados a fragmentação
partidária na Câmara dos Deputados, não obstante a redução do número efetivo de
candidatos à Presidência.
Lista de Siglas dos Partidos Políticos
DEM – Democratas
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PFL – Partido da Frente Liberal
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PP – Partido Progressista
PPS – Partido Popular Socialista
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira
PT – Partido dos Trabalhadores
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro