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BrBRHUHu0034-73292004000100002

BrBRHUHu0034-73292004000100002

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN0034-7329
ano2004
Issue0001
Article number00002

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Brasil-China: trinta anos de uma parceria estratégica

INTRODUÇÃO Nas duas últimas décadas do século XX, o Brasil passou por um processo paralelo de transformações. Enquanto, no plano político, os anos 1980 marcaram a transição de um regime militar para a democracia, no plano econômico o Brasil assistiu à exaustão do modelo essencialmente autárquico de desenvolvimento. Em conjunto com a turbulência financeira, a estratégia de inserção à economia mundial sob controle do Estado tornou-se crescentemente mais difícil.

Adicionalmente, nos anos 1990, a diluição das fronteiras econômicas e a "internalização" da economia mundial como um novo fato suscitaram conseqüências que representaram importantes lições para a condução da política externa brasileira. Embora no passado o país tivesse buscado a autonomia possível através de um relativo distanciamento do mundo, na virada do milênio a autonomia possível e necessária para o desenvolvimento somente pode ser construída através de uma ativa participação na formulação das regras e normas de conduta para o gerenciamento da ordem mundial.1 Com o objetivo de o país manter uma relativa margem de manobra no plano externo, a distribuição diversificada da estrutura brasileira de comércio exterior não é percebida como uma vantagem, como se procura mantê-la. Em 2003, 23,1% das exportações brasileiras foram para os Estados Unidos e 24,8% para a União Européia. A América do Sul foi responsável por 17,7%, a Ásia por 16% e o resto do mundo por 18,4%. Assim, todas as principais áreas do mundo são importantes mercados para o Brasil. Entretanto, o desafio de ampliação da participação do país no mercado mundial e de continuidade do processo de desenvolvimento econômico requer ações nas diversas regiões (veja Tabelas_Ie II).

Esse objetivo de universalização ou de diversificação de parcerias mostra-se como uma constância na definição da política externa brasileira, sendo que, na visão de Maria Regina S. Lima, "representa um traço do estilo diplomático brasileiro, o qual favorece a flexibilidade no processo decisório e o alargamento das possíveis opções internacionais, de forma que a possibilidade de escolhas futuras seja mantida em aberto".2 Nesse sentido, o atual governo brasileiro, ainda que com possíveis ênfases diferenciadas, mantém a perspectiva de diversificação.

É assim que, na minha opinião, o Brasil precisa proceder. Nós temos a América do Sul, nós temos a China, nós temos todo o mundo asiático, nós temos o Oriente Médio, nós temos a Índia e temos a África, e é uma obrigação política, moral e histórica nossa estreitar cada vez mais a relação com o continente africano, não podemos esquecer isso.

(...) Tenho repetido que a América do Sul será prioridade em meu governo, pois estou convencido de que o desenvolvimento pleno do Brasil será possível como parte da integração do continente como um todo. (...) E se temos uma vocação regional, somos, também um país global. Da mesma forma que a integração nacional passa pela integração regional, estou convencido de que a aproximação com a Ásia e, em particular com a China, será decisiva para o Brasil realizar esse destino maior.3 Assim, em seu atual projeto de inserção internacional, o Brasil delega à região asiática um espaço especial, considerando-se a grande demanda por investimentos e por acesso a tecnologias de ponta, bem como por um mercado com alta capacidade de consumo. Por sua vez, o Brasil suscita interesses na Ásia por se caracterizar como uma importante fonte supridora de matérias-primas, principalmente produtos alimentícios e insumos básicos. Nesse sentido, à medida que a Ásia se dinamiza e se especializa em produtos manufaturados, é mantido ou ampliado o interesse na importação de produtos básicos do Brasil.

A presente análise baseia-se na premissa de que, até a década de 1970, o relacionamento brasileiro com a Ásia restringia-se basicamente às relações com o Japão, com a aproximação, de caráter mais político, com a República Popular da China na metade dos anos 1970. Acata igualmente a percepção de que esse restrito relacionamento sofre uma retração com a sucessão de crises nos anos 1980, retomando força na década de 1990.

Na última década, a retomada e ampliação do relacionamento com a Ásia adquirem novo vigor pela maior presença tanto da Coréia do Sul e dos países do Sudeste Asiático, quanto da China, que, em decorrência de seu desenvolvimento acelerado, não mais é um ator político, mas um forte mercado consumidor além de fornecedor. Essa retomada tem clara conotação econômica, mas também é influenciada pela disputa comercial entre os países desenvolvidos e a proposta de criação de uma Área de Livre Comércio das Américas (Alca), por muitos entendida como uma modalidade de protecionismo regional, com entraves para a inserção de atores externos.

No início dos anos 1960, a partir da constatação de perspectivas divergentes, os Estados Unidos envolvidos com as questões da segurança internacional e o Brasil voltado para a busca de instrumentos que possibilitassem seu desenvolvimento econômico, a política externa brasileira entrou num processo de alteração de seu paradigma anterior, baseado numa aliança estratégica com os Estados Unidos. Foi fundamental nesse processo, de um lado, a perspectiva de diversificação de parceiras, econômicas e/ou políticas, e, de outro, a aceitação das teses do Terceiro Mundo, em especial a necessidade da definição de uma Nova Ordem Econômica Internacional.

Os argumentos aqui apresentados sugerem que o fim do regime militar, nos anos 1980, não introduziu maiores alterações na política externa brasileira.

Diferentemente de outros países da América Latina, o processo de redemocratização no Brasil teve somente um efeito residual na condução da política internacional. Apesar da mudança política e tímida liberalização econômica, a política externa ainda constitui um dos instrumentos centrais da política nacional de desenvolvimento. E, se as relações com a Ásia forem analisadas sob essa perspectiva, quatro pontos merecem destaque especial: 1) Numa perspectiva histórica, enquanto o discurso da política externa favorecendo a Cooperação Sul-Sul poderia ter aproximado mais o Brasil da Ásia, o relacionamento brasileiro, até a metade dos anos 1980, esteve muito mais direcionado para a África e para o Oriente Médio. Teve um relacionamento político mais intenso somente com a China, enquanto que com o Japão, ainda que de extrema importância para o conceito de diversificação de parcerias, não pode ser considerado como um país em desenvolvimento.4 2) O fato de que, no pós-Guerra Fria, a manutenção da ênfase desenvolvimentista brasileira na política externa em conjunto com o dinamismo econômico asiático aumentou as perspectivas de busca de uma cooperação mais íntima com os países da Ásia. A abertura comercial brasileira e a procura pelo país de acesso a novos mercados aumentaram as potencialidades para relações econômicas mais intensas.

Além do mais, os países asiáticos começaram a perceber o Brasil e a América do Sul como parceiros potencialmente interessantes, especialmente desde a Crise Asiática e a ampliação das tendências de aprofundamento do regionalismo na Europa (a fortaleza européia) e nas Américas (Alca).

3) Apesar desses aspectos positivos com vistas à intensificação das relações entre o Brasil e a Ásia, a posição brasileira tem sofrido constrangimentos decorrentes de compromissos no contexto regional ou até mesmo ocidental, fazendo com que o aprofundamento das relações com a Ásia, no geral, seja muito mais reativo às iniciativas asiáticas.

4) A melhoria e a implementação de um relacionamento com a Ásia têm sido muito dependentes de iniciativas governamentais. Embora, nos últimos anos, tenha havido uma participação mais ativa da sociedade civil no processo de definição da política externa brasileira, essa participação tem sido muito mais direcionada às questões regionais e hemisféricas do que às relações brasileiras com a Ásia.

1. O DESENVOLVIMENTO INICIAL DAS RELAÇÕES DO BRASIL COM A ÁSIA E CHINA Até quase o final do século XIX pode-se afirmar que não havia qualquer tipo de relacionamento entre o Brasil e a Ásia. No que se refere ao Japão, por exemplo, somente com a Restauração Meiji (1867) é que o Japão vai sofrer uma série de modificações estruturais que possibilitam o estabelecimento do Japão moderno e também uma abertura para o exterior.

Em decorrência da Restauração Meiji, a economia japonesa sofre um processo de desestabilização provocando fluxos migratórios inicialmente para o Havaí e a Costa Oeste dos Estados Unidos. Do lado brasileiro, com a abolição da escravidão em 1888 e com o crescimento rápido da lavoura cafeeira no Estado de São Paulo, tornou-se necessária a ampliação da migração de mão-de-obra externa.

Dessa forma, o relacionamento bilateral entre o Brasil e o Japão inicia-se com a vinda de migrantes para o trabalho nas lavouras cafeeiras. A base legal para esse relacionamento é criada, primeiramente, pela assinatura do Tratado de Amizade, Comércio e Navegação em novembro de 1895 e, depois, pelo estabelecimento de companhias que trabalhavam especificamente no recrutamento e transporte de emigrantes.

Note-se que inicialmente a opção era por mão-de-obra chinesa, motivando o deslocamento de uma missão brasileira para a China em 1879. Mesmo com a não concretização dessa corrente migratória, pela proibição formal da China em permitir emigração para o Brasil, os dois países assinaram o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação em 1881, com o Brasil abrindo um consulado em Shangai em 1883.

A razão da não permissão de vinda dessa mão-de-obra ao Brasil decorre essencialmente dos problemas que as primeiras correntes migratórias para o continente americano tinham sofrido, em especial em Cuba, no Peru e na Califórnia (Estados Unidos).

Acresce-se ainda que o Tratado assinado entre Brasil e China seguia o modelo dos firmados pela China com as potências ocidentais (denominados detratados desiguais), buscando assegurar privilégios através dos princípios da nação mais favorecida e da extraterritorialidade.5 A chegada do navio Kosato Maru, em 1908, início à imigração japonesa ao Brasil, tendo um crescimento significativo até 1934 quando a nova Constituição brasileira limita o fluxo migratório, o qual praticamente se interrompe com a Segunda Guerra Mundial, sendo retomado somente após 1955 6.

com a China, os contatos bilaterais foram escassos em decorrência da sucessão de conflitos internos e externos que a afetaram no final do século XIX e na primeira metade do século XX. Com a vitória de Mao Zedong em 1949, o Brasil rompe as relações diplomáticas com a China continental, fechando o consulado em Shangai e abrindo uma embaixada em Taipei (1952). Mesmo assim, registra-se durante o século XIX a entrada oficial de aproximadamente 3.000 chineses, decorrente, em especial, de tentativas isoladas de recrutamento de mão-de-obra para trabalho na agricultura e para o cultivo do chá no Rio de Janeiro.7 Após 1949, constata-se a intensificação de um fluxo migratório chinês, não oficial para o Brasil, em especial para a cidade de São Paulo.

2. AS RELAÇÕES POLÍTICAS E COMERCIAIS DURANTE A GUERRA FRIA Nas décadas de 1950 a 1970, não se pode pensar propriamente num relacionamento Brasil-Ásia. Apesar de presente em discursos, principalmente a partir da política externa independente8 no governo Jânio Quadros, constata-se, na realidade, somente uma interação, no plano multilateral, de construção de uma agenda política comum a países em desenvolvimento, no processo de defesa de instauração de uma nova ordem econômica internacional.

Sukarno, por exemplo, em 1959, foi o primeiro presidente asiático a visitar o Brasil. E, em maio de 1961, foi assinado um acordo bilateral econômico.

Excluindo esses dois eventos, pode-se afirmar sobre a inexistência, até a década de 1980, de um relacionamento concreto entre os dois países, ou mesmo com o Sudeste Asiático. Na realidade, a Indonésia passa a compor o imaginário político no que se refere ao estreitamento de vínculos com o mundo afro- asiático, dentro dos pressupostos de Bandung e da política externa independente. A intensificação das relações com o mundo afro-asiático seria conseqüência da necessidade de autodeterminação não nacional mas também do contexto afro-asiático com vistas à superação mútua do subdesenvolvimento.

Dentro dessa perspectiva de Cooperação Sul-Sul, a política externa brasileira nitidamente envolveu-se mais profundamente com o continente africano, desenvolvendo o que se chamou de política africana. Essa política claramente representou, enquanto emblema, o envolvimento brasileiro com as perspectivas de geração de uma nova ordem econômica internacional ou com sua política de Terceiro Mundo.9 Essa aproximação com o continente africano, interpretada como uma opção em relação à Ásia e, em especial, ao Sudeste Asiático, que poderia oferecer vantajosas oportunidades comerciais, passou a sofrer no início dos anos 1990 uma série de críticas. Gibson Barbosa, Ministro de Relações Exteriores de 1969 a 1973, pondera que não houve opção naquela ocasião, como também não deve haver hoje, pois uma coisa não exclui a outra. De qualquer modo, o fato dominante no sudeste asiático, na primeira metade da década de 1970, não eram os famosos "tigres", tão louvados e invejados hoje, mas sim a guerra do Vietnã, que, como se sabe, terminou somente em 30 de abril de 1975. De tigre na região havia na época os Estados Unidos da América, que aliás os chineses chamavam de "tigre de papel". Os chamados tigres asiáticos surgiram muito depois.10 A China foi o único país da Ásia com o qual o Brasil conseguiu estabelecer alguns laços significativos no contexto da Cooperação Sul-Sul. Após o restabelecimento das relações diplomáticas em 15 de agosto de 1974, a parceria sino-brasileira objetivou uma ação conjunta em tópicos de interesses comuns de desenvolvimento na agenda internacional. Apesar das diferenças em relação aos sistemas políticos, ambos, Brasil e China demonstraram similaridades em alguns princípios de política externa, principalmente a determinação em assegurar a autonomia internacional, sua ênfase na soberania nacional e integridade territorial, opondo-se assim a qualquer tipo de interferência externa nos assuntos internos. China e Brasil apresentaram também posicionamentos similares em relação a outras questões internacionais, tais como a oposição à diplomacia de direitos humanos dos Estados Unidos e a responsabilidade comum à cooperação multilateral Sul-Sul, em especial a oposição ao protecionismo comercial dos países desenvolvidos.11 Vale a pena retomar a idéia de que no final dos anos 1960 a política externa brasileira, após a interrupção no primeiro governo da Revolução, estava retomando as perspectivas da política externa independente. Assim, no início do governo Costa e Silva, o Brasil recusava-se a assinar o Tratado de Não Proliferação Nuclear, privilegiava a participação nos fóruns multilaterais, e, entre outras ações, recuperava seu papel de liderança na Conferência das Nações Unidas sobre Comércio de Desenvolvimento (Unctad). O Brasil, resumidamente, estava apostando enfaticamente na agenda do Terceiro Mundo e, conseqüentemente, visualizou a República Popular da China, retomando sua cadeira no Conselho de Segurança da ONU e defendendo os mesmos ideais como um promissor parceiro na defesa dos interesses comuns.

A China, por sua vez, buscava igualmente por um lugar próprio na política mundial. Deng Xiaoping, em 1972, anunciava o fim do "Campo Socialista" e identificava a China como pertencendo ao Terceiro Mundo, e Mao Zedong, em 1974, desenvolvia a "Teoria dos Três Mundos" 12. Com base nesse novo conceito, a partir de 1969, a China passou a diminuir seu apoio aos movimentos revolucionários da América Latina e buscou desenvolver uma diplomacia estratégica de governo a governo, prometendo respeitar o princípio de não interferência nos assuntos internos.13 Aponta-se, de um lado, que, para a política externa brasileira, com forte atuação nos fóruns multilaterais e com ênfase nas teses do Terceiro Mundo, o restabelecimento de relações com a China era fundamental para dar credibilidade e legitimidade à ação brasileira. No entanto, se notava um relativo interesse, por parte do empresariado brasileiro, pelo mercado chinês. A primeira iniciativa, digna de nota, compreende, de um lado, a missão comercial brasileira que se dirigiu a Pequim em 1961, sob coordenação do vice-presidente João Goulart e, de outro, a missão comercial chinesa que foi interrompida com o golpe de 1964 e com a prisão de seus nove membros. Essa iniciativa, no entanto, era comprovadamente precoce e de difícil continuidade em decorrência das baixas potencialidades de intercâmbio bilateral.

De qualquer forma, a iniciativa, assim como a que se tomava em relação ao continente africano, decorria da percepção e interesse de Jânio Quadros em aproximar-se do grupo dos países não-desenvolvidos.

De modo afirmativo e conciso dirigiu-se, em 19 de setembro de 1961, num de seus famosos bilhetes, aos Ministros das Relações Exteriores e da Indústria e Comércio: "(...) 1) solicito de Vossas Excelências, em conjunto, o exame e sugestão de nomes para a constituição da Missão Econômica Brasileira, que irá à República Popular da China. Desejo Missão de alto nível, parecendo conveniente incluir, como um dos Conselheiros, o Ministro João Augusto Araújo Castro, ora servindo em Tóquio. 2) Sugerir, ainda, a ida da mesma Missão a alguns outros países. É o caso da Indonésia e da Malásia, com o exame atento das possibilidades de Singapura, como entreposto." A finalidade da missão fora firmada em carta do Chanceler Afonso Arinos dirigida ao Chefe da Missão o vice-presidente João Goulart (...) "no propósito da administração de promover substancial expansão no comércio internacional do Brasil, à vista da imperiosa necessidade de um vigoroso desenvolvimento econômico do país".14 Posteriormente, no início da década de 1970, detectam-se as primeiras tentativas de aproximação comercial correspondendo tanto ao processo inicial de reaproximação entre Estados Unidos-China, quanto aos interesses do Brasil que, em decorrência de seu crescimento econômico, estava buscando novas parcerias.

Chen Duqing relembra que a primeira venda de açúcar brasileiro à China ocorreu no início dos anos 1970, por intermédio do ministro Pratini de Morais que convenceu o presidente Médici de que a venda de açúcar não tinha nada a ver com política.15 E essa venda foi logo seguida pela missão pioneira de Horácio Coimbra, da Companhia Cacique de Café Solúvel, em 1971, estando acompanhado pelo cônsul brasileiro em Hong Kong, Geraldo de Holanda Cavalcanti.

É interessante a observação de que o Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) não descurou, no passado, dos interesses brasileiros na Ásia. (...) Na verdade, nossa política, então, consistia praticamente em reconhecer comercialmente o regime chinês, sem rompermos politicamente com Taiwan, com o qual mantínhamos importante e promissor relacionamento comercial e financeiro. Nosso primeiro passo nesse sentido, cuidadosamente planejado, teria sido celebrar um acordo interbancário entre o Brasil e a China, pelo qual seriam reciprocamente abertos escritórios comerciais em Nanquim e São Paulo, com um número determinado de funcionários, gozando eles de imunidade diplomática para poderem agir livremente, inclusive podendo usar códigos, e mantendo-se, ao mesmo tempo, relações diplomáticas com Taiwan. Uma espécie da política das duas Chinas, que os Estados Unidos tentaram, sem sucesso. À semelhança do que havíamos feito com as duas Alemanhas, quando vigorava a Doutrina Hallstein, que proibia relações políticas com ambas as Alemanhas ao mesmo tempo. Por meio desse acordo, em relação às duas Alemanhas, entre o nosso Banco Central e o Deutsche Notebank, pudemos manter significativas relações comerciais, na época, com a Alemanha do Leste, sem que isso provocasse um rompimento com a Alemanha Federal. Circunstâncias políticas não permitiram, contudo, a realização desse plano com a China.16 Assim, ainda mesmo que nos anos 1970 e 1980 as relações bilaterais sino- brasileiras tenham se mantido modestas no plano econômico, no plano multilateral freqüentemente os votos de ambos os países coincidiam nas questões acima mencionadas.

Como os resultados obtidos no alargamento dos laços, com a região, no contexto da Cooperação Sul-Sul foram extremamente reduzidos, o relacionamento brasileiro com a região asiática nesse período esteve basicamente restrito a suas relações com o Japão.

3. Novos interesses do Brasil na Ásia a partir da década de 1990 Em função do fim da Guerra Fria e, em especial das mudanças políticas e econômicas implementadas, o Brasil reequaciona sua estratégia de inserção internacional e passa a priorizar um relacionamento mais intenso com a região da Ásia-Pacífico. Assim, em 1993, no governo Itamar Franco, a Ásia foi definida como uma das prioridades da diplomacia brasileira em função de seu potencial cooperativo nos campos científico e tecnológico, bem como enquanto mercado para exportação e importação.

Esse reposicionamento brasileiro pode ser considerado como tendo um duplo interesse. De um lado, é motivado pela perspectiva de associar-se a uma região que se apresenta como um modelo de desenvolvimento econômico e científico- tecnológico, com potenciais possibilidades de complementaridade ou parcerias.

De outro, é um espaço que, politicamente, atende os objetivos brasileiros de relacionamentos bilaterais e de posições similares nos fóruns multilaterais, de forma a garantir as diretrizes brasileiras de autonomia e diversificação de parcerias.

Nesse sentido, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, no pronunciamento em sua posse em de Janeiro de 1995 definiu a Ásia como uma das prioridades de sua política externa, tendo visitado a China, a Malásia e Japão em seu primeiro mandato. E, no seu segundo mandato, no início do século XXI, realizou as visitas históricas a Seul, Dili e Jacarta, sendo as primeiras realizadas por um presidente brasileiro a essas capitais. E, da mesma forma, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em seu discurso de posse, em de janeiro de 2003, cita nominalmente a necessidade de estreitamento de laços com o Japão, China e Índia. Sua visita à China, no final de maio de 2004, recebeu um apoio inédito por parte do empresariado brasileiro.17 Essas visitas e referências de alto nível indicam o interesse e a vigência de uma nova fase ascendente nas relações entre Brasil e Ásia, e em especial, no interesse de ampliação do relacionamento com a China. Note-se que tanto Cardoso quanto Lula visitaram, em primeiro lugar, a China e não o parceiro mais tradicional na região, o Japão.18 Nesse sentido, a partir dos anos 1990, nota-se uma revitalização do relacionamento brasileiro com a Ásia com algumas importantes diferenças em relação aos períodos anteriores. Em primeiro, Japão mantém-se como o mais importante parceiro no campo comercial e em investimentos, perdendo, no entanto, espaço para outros competidores. As relações com a China, Coréia do Sul e Asean (Association of Southeast Asian Nations) são significativamente ampliadas. Essas melhorias, no entanto, chocaram-se com a crise asiática, provocando uma drástica redução nas exportações brasileiras para a Ásia enquanto que as importações mantiveram-se nos níveis anteriores aos da crise.

A crise asiática, em conjunto com a própria crise brasileira no início de 1999, ainda que provocando retração no comércio e no fluxo de investimentos, propicia uma maior aproximação política com vistas a um posicionamento mais próximo frente aos desafios do sistema internacional.

No entanto, a percepção generalizada, na maior parte das análises sobre o relacionamento Brasil-Ásia, era de dificuldades de priorização dessas relações, tendo em vista outros compromissos no contexto regional ou mesmo no ocidental.

Tem-se a impressão de que um verdadeiro e grande interesse na ampliação dos laços políticos e/ou parcerias comerciais com a Ásia, mas ainda não se delinearam as formas de se atingir esse objetivo. Em outros termos, o relacionamento é muito mais reativo a fatores conjunturais ou a iniciativas asiáticas do que propriamente derivado de um ativismo.

Sob outro ponto de vista, duas questões são pertinentes. Primeiro, "o quão importante é a Ásia para o Brasil?". A Ásia é muito importante na busca de diversificação de mercados e de parcerias políticas, mas de importância secundária devido aos tradicionais laços com a Europa e as Américas. Segundo, "o quão importante é o Brasil para a Ásia?". Aparentemente, a resposta seria negativa e conseqüentemente poder-se-ia estar gastando muita energia para estreitamento de relações com uma região que considera, tanto o Brasil quanto a América Latina, de forma secundária.

A presente análise, entretanto, trabalha com a percepção de que a crise asiática gerou os fundamentos para o atual maior interesse asiático pela América Latina e pelo Brasil. Ou, de outro lado, propiciou o desenvolvimento dos canais de aproximação que o Brasil não conseguia desenvolver, apesar de sua prévia disposição.

Assim, a partir de 1999 é institucionalizado um mecanismo de aproximação entre a América Latina e a Ásia, sob o nome de Fórum de Cooperação Ásia do Leste- América Latina (EALACF) 19, tendo como ponto inicial uma proposta de Cingapura e englobando os países-membro da Asean mais o Japão, China e Coréia do Sul.

Como proposta básica, trata-se de uma iniciativa com vistas a institucionalizar uma aproximação política de alto nível e implementar programas e planos que ampliem os laços econômicos, políticos e culturais entre as duas regiões.

Seus objetivos oficiais podem ser assim definidos: o primeiro objetivo seria gerar condições favoráveis para ampliar e aprofundar as relações bi-regionais em cooperação econômica e social (por exemplo, comércio de bens e serviços, promoção de investimentos, transferência de tecnologia) e o intercâmbio de visões sobre estratégias de desenvolvimento e comércio, educação, formação de capital humano, criação de empregos e desenvolvimento social. O segundo objetivo seria definir, conjunta e gradualmente, um programa permanente de trabalho que incluísse projetos e ações concretos e viáveis, bem como estabelecesse mecanismos formais para diálogo e consulta entre as duas regiões.20 Assim, na Primeira Reunião de Chanceleres, em março de 2001, definiu-se que o EALACF se insere no contexto da globalização e do adensamento das relações entre as diferentes regiões do mundo e tem por objetivo preencher lacuna no relacionamento entre as duas regiões. O propósito principal deste mecanismo de cooperação e diálogo multidisciplinar interregional é o de fomentar o diálogo político, entendimento e cooperação.21 Para o nosso propósito, o EALACF apresenta um forte conteúdo simbólico ao procurar ampliar e aprofundar relações com a região da América Latina, sem a presença dos Estados Unidos. Demonstra não um crescente interesse asiático pelo espaço latino-americano, mas também a disposição de diferentes Estados, como o Japão, China e Coréia do Sul em participar desse processo. Considera-se que um dos incentivos para essa iniciativa é a percepção asiática de que a Alca é um projeto que tende a se efetivar no prazo estabelecido e que, conseqüentemente, pode afetar ou diminuir as possibilidades de inserção da Ásia no espaço latino-americano.

Em decorrência da retomada da atratividade do Brasil, de um lado, pela abertura do mercado e estabilidade financeira e, de outro, pela ampliação do mercado através do processo integrativo regional, o Mercosul, percebe-se claramente um crescente interesse asiático pelo Brasil. Esse interesse não é econômico- comercial, mas igualmente político-estratégico, em função da disputa por poder e por mercados que se processa na OMC e em outros fóruns multilaterais. Dessa forma, considera-se que a iniciativa de aproximação entre as duas regiões, através do EALACF, deve gerar a ampliação das potencialidades brasileiras.

Isto é, o presente interesse mútuo, além da busca das complementaridades óbvias em termos de comércio e alianças políticas tanto nos planos bilaterais quanto nos multilaterais, demonstra a vontade política de estreitamento de relações em função da necessidade de estabelecimento de parcerias, de um lado, no processo de distribuição de poder internacional e, de outro, na disputa pela garantia de acesso a mercados.

4. O relacionamento do Brasil com a China a partir da década de 1990 O Brasil tinha restabelecido relações diplomáticas com a China, em 1974, num momento em que o país, em decorrência de seu desenvolvimento econômico e de uma conjuntura internacional favorável, estava diversificando suas parcerias internacionais e buscando uma inserção mais competitiva. Dentro de seu projeto de política externa, com forte atuação nos fóruns multilaterais e com ênfase nas teses do Terceiro Mundo, a reaproximação com a China era fundamental para dar credibilidade e legitimidade à ação brasileira.

Assim, ainda que de início tenha implicado um aumento dos fluxos comerciais, as relações sino-brasileiras manter-se-ão mais restritas ao campo político- diplomático, realçando as similaridades de posicionamentos comuns frente ao sistema internacional. Somente na década de 1990, com a abertura econômica brasileira e com a maior inserção chinesa, processa-se uma maior aproximação comercial entre os dois países, ainda que prioritariamente se resguarde a importância do relacionamento político.

Destarte, no decorrer dos 1990 e início do século XXI, o relacionamento brasileiro com a China mostra a manutenção do forte relacionamento político, agora complementado com o crescimento do relacionamento comercial. Enquanto em 2000/2001, as exportações brasileiras para a China ficaram abaixo das para o Japão, a partir de 2002 a China passa a ser o principal destino das exportações brasileiras para a Ásia. Observa-se também um crescimento significativo nas importações, mantendo-se abaixo somente do Japão. (Tabelas_III, IV, V e VI)

A tendência em termos do relacionamento comercial aparenta ser crescente. Em agosto de 2002, foi assinado um acordo de equivalência sanitária que abre possibilidades de exportação de carne bovina e de frango. Em novembro de 2001, foi criada uma joint-venture entre a Companhia Vale do Rio Doce e a siderúrgica Baosteel. Em setembro de 2002, foi concluída a parceria entre a Embraer e a empresa aeronáutica chinesa AVIC2. Enfim, as grandes empresas, como Companhia Vale do Rio Doce, Petrobrás, Embraer, Embraco, Marcopolo, Sadi, entre outras, estão envidando esforços para entrarem no promissor e gigantesco mercado chinês.

De acordo com Chengxu, o rápido crescimento do comércio sino-brasileiro na década passada é particularmente digno de nota. O comércio da China com o Brasil era de somente US$ 630 milhões em 1990. Estima-se que estará acima de US$ 2,8 bilhões em 2000. Embora esse volume represente uma proporção do comércio total de cada país, ele sinaliza um grande potencial para os futuros laços econômicos bilaterais. Tanto a China quanto o Brasil encontram-se num estágio de desenvolvimento rápido e sustentado. O acesso da China à OMC deverá criar novas oportunidades para um crescimento da cooperação econômica e comercial entre os dois países.

E essa cooperação apresenta a característica de complementaridade.22 No campo político, Brasil e China têm partilhado posições convergentes em muitos dos grandes temas da política internacional. Os acontecimentos de 11 de setembro transformaram de forma dramática as percepções acerca da paz e segurança mundiais. Os dois países mostraram-se solidários desde o primeiro momento na luta contra o terrorismo internacional, sem, no entanto, favorecer uma militarização à outrance da agenda internacional em detrimento de outras prioridades nos campos social, econômico, ambiental e humano. Brasil e China constituem importantes pólos de influência no mundo em desenvolvimento e merecem ser parte ativa nas considerações dos grandes temas que afetam toda a humanidade, pois a construção da nova ordem e da nova arquitetura mundial neste início de século requer a participação equilibrada de todos os atores relevantes.23 Considerando-se o potencial de aprofundamento das relações a longo prazo, a expressão parceria estratégica, cunhada em 1993 pelo Primeiro Ministro Chinês, Zhu Rongji, tem sido amplamente utilizada pelos dois países. Ainda não se definiu exatamente nem o significado da expressão nem os mecanismos para o desenvolvimento da parceria. Apenas especula-se positivamente sobre o futuro das relações, as quais, ainda que pouco desenvolvidas, progrediram significativamente desde 1974.

Li Ruihuan ao visitar o Brasil assim procurava definir a idéia de uma parceria estratégica: A América Latina representa uma das regiões mais dinâmicas do planeta no que se refere ao desenvolvimento econômico. No plano político, a região, em particular o Brasil, ocupa importante localização estratégica no mundo. O Brasil é o maior país em desenvolvimento no cenário latino-americano e a China é o maior país em desenvolvimento no mundo. Entre os dois países existem muitos pontos de identidade: estão empenhados em conseguir desenvolvimento econômico e em melhorar as condições de vida de suas populações. Portanto, a cooperação carrega um significado muito relevante para os dois países, que entre nós não existem choques de interesses fundamentais. O que existe, sim, são dois países que se complementam. Portanto, vejo horizontes muito promissores para as relações entre os nossos países, especialmente no campo econômico.24 No plano político, um ponto central da agenda internacional dos dois países refere-se às suas pretensões em relação à OMC (Organização Mundial do Comércio) e à ONU (Organização das Nações Unidas). A China utiliza-se de seu assento permanente no Conselho de Segurança para se aproximar dos países em desenvolvimento e nesse sentido acena com a possibilidade de apoiar o interesse brasileiro em aceder ao Conselho de Segurança. De outro lado, o Brasil, em seu posicionamento por regras mais justas no comércio internacional e defendendo o sistema multilateral de comércio apoiava a entrada da China na OMC e, agora, após seu acesso, considera que a China, com base no seu imenso mercado doméstico, poderá obter concessões que privilegiem os países em desenvolvimento.

A parceria estratégica ganha um contorno mais definido na área de cooperação técnica e científico-tecnológica, com o trabalho conjunto para o desenvolvimento de satélites de sensoriamento remoto (CBERS)25, tendo sido lançado, em 1999, o primeiro satélite. Em 1995, o projeto foi ampliado, planejando-se produzir mais dois satélites, além dos dois inicialmente previstos. Os satélites permitirão aos dois países uma independência na área de imagens por satélites, possibilitando-os inclusive a passar de usuários a exportadores desse tipo de serviço. O satélite CBERS 2 teve seu lançamento em outubro de 2003.

A cooperação está ainda sendo estendida a outros setores, como biotecnologia, informática e desenvolvimento de novos materiais. E na área de saúde estão em andamento iniciativas conjuntas no combate a Aids, na produção e comercialização de genéricos e remédios de medicina tradicional e na pesquisa de novos medicamentos.

No plano genérico, costuma-se citar que o Brasil considera a Ásia como um parceiro prioritário. Cita-se o continente asiático, pois não parece claro, dentre Japão e China, qual representaria o parceiro prioritário na região se é que o conceito de parceiro prioritário seja aplicável. Os comentários são mais volumosos em relação à China, inclusive de que esta seria uma parceria estratégica. Considerando-se que a China detém maior autonomia política em termos regionais, enquanto o Japão ainda mostra relativa dependência política dos Estados Unidos, pode-se aventar a hipótese de que a política externa brasileira priorizava o Japão nos temas econômicos, enquanto que a China era privilegiada nas questões políticas.

5. Apontamentos finais e perspectivas no relacionamento sino-brasileiro Independentemente das discussões sobre o momento inicial da tendência da política externa brasileira de relacionamento com os países em desenvolvimento, incluídos os também denominados de emergentes, como a China, Índia, África do Sul e Rússia, não se têm dúvidas de que o governo Lula, na sua proposta de universalização, privilegia de maneira especial o contato com esses Estados.

De um lado, pode-se aventar a hipótese de que a principal motivação decorre do fato de essas parcerias corresponderem a mercados emergentes, com amplas possibilidades de absorção de produtos brasileiros e de fornecimento de insumos ou de investimentos requisitados pelo Brasil. De outro lado, no entanto, compreendem espaços políticos, com forte expressão regional e, precipuamente, com perspectiva de atuação conjunta em organismos internacionais.

Essa última proposição reveste-se de significância a partir da percepção de que, desde o final da Guerra Fria, desenvolve-se um processo de redefinição do Sistema Internacional e similarmente de reordenamento internacional, com um impasse contínuo na definição das regras que possam reger o comércio internacional. Nesse sentido, em adequação ao atual momento conjuntural das relações internacionais, o que se busca é a formação de uma frente, entendida como um processo de Cooperação Sul-Sul, para discussão e defesa conjunta de interesses relativamente mútuos entre esses países frente aos desenvolvidos.

Sob nenhuma proposta, pode-se raciocinar que se tenha o objetivo de constituição de um movimento em oposição ou de repulsa ao relacionamento com os países desenvolvidos. O que se visa é uma estratégia de posicionamento comum frente ao atual estágio de negociação nos diferentes fóruns multilaterais.

É também na direção dos processos de negociação comercial que se inscreve iniciativa interessante, ainda de ganhos imprevisíveis, esboçada na reunião ministerial da OMC em Cancún. Com efeito, mais do que resultados práticos, a criação do G20 deve ser vista sob a ótica da retomada da capacidade de articulação política do Brasil, mesmo que esboçada em foro tão inusitado. Nessa direção, a liderança do G20 permite entrever o relançamento do perfil reivindicatório da política externa brasileira, em baixa desde o final dos anos oitenta, mas que pôde ser vislumbrado também na criação do G3, grupo de coordenação política criado pelo Brasil, África do Sul e Índia, que pode se transformar em um agrupamento maior, com a eventual atração de outros países de igual porte, como o Egito, por exemplo. São todos movimentos que refletem a vontade de esboçar um novo modelo de cooperação Sul-Sul, que não deve, entretanto, erigir-se como alternativo às relações com o Norte sabidamente a dimensão em que países como o Brasil mais realizam interesses.26 Dentro dessa linha de pensamento, a China, com seu impressionante crescimento econômico, não deixa de representar uma grande oportunidade para a ampliação das relações comerciais e econômicas entre os dois países. Desnecessário apontar os setores, da agricultura a manufaturados, da cooperação tecnológica a serviços de engenharia, de áreas estratégicas como siderurgia e hidrocarbonetos a patentes de produtos farmacêuticos, entre tantos outros que se abrem para a possibilidade de uma cooperação frutífera a ambos.

No entanto, pode-se apontar como um fator favorável à maior presença brasileira no mercado chinês a construção anterior de um clima de confiança mútua e delineando, através de uma ação conjunta no plano internacional, o que se convencionou denominar de uma parceria estratégica.

Após ressaltar o histórico de cooperação e principalmente de demonstração contínua do apoio ou coincidência de interesses em diferentes questões da agenda internacional, Shang Deliang, numa análise propositiva e voltada a prever a manutenção da parceria estratégica durante o século XXI, pondera que: Primeiro, os líderes de ambos os países devem manter os contatos, continuar aprofundando os diálogos políticos, buscando posições comuns nas principais questões e ao mesmo tempo evitando as diferenças nas questões de menor porte, até que se tenha ampliado a confiança mútua. Dentro das organizações internacionais, China e Brasil devem consultar-se mais um com o outro sobre as questões internacionais. No que respeita a problemas políticos e econômicos existentes nas relações bilaterais, China e Brasil devem apropriadamente fazer suas escolhas entre os interesses imediatos e os de longo prazo. Para essas questões que apontam benefícios imediatos, mas prejuízos para as relações estatais no longo prazo, deve-se pensar duas vezes antes de agir.27 Se a China era privilegiada como um parceiro político, hoje é igualmente um parceiro econômico. No entanto, no plano econômico, aparentemente é o Brasil que mais necessita da China do que a China precisa do Brasil. Nosso principal produto no relacionamento comercial, a soja, sofre grande concorrência do mercado internacional e, em especial, dos Estados Unidos, que pressionam a China para ampliação das compras de soja norte-americana como forma de redução do forte superávit bilateral favorável à China.

Nesse sentido, o recente desenvolvimento do Conselho Empresarial Brasil-China, reunindo grandes empresas chinesas e brasileiras, não deixa de ser um fato extremamente positivo no relacionamento bilateral ao possibilitar um tratamento mais coordenado e profissional no plano comercial, mas igualmente político ao propiciar a satisfação mútua dos respectivos interesses nacionais.

Como forma de conclusão, destaca-se que o relacionamento sino-brasileiro apresenta-se, de um lado, como altamente promissor pela constatação de inúmeras complementaridades no plano econômico e, de outro, pela não recente mas contínua presença em ambos os países, nos últimos trinta anos, de uma real vontade política de estabelecimento de uma cooperação tanto no plano bilateral quanto de atuação conjunta na agenda internacional.

Maio de 2004


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