A União Européia como ator internacional e os países do Mercosul
Em 1995 a União Européia (UE) assinou o Acordo Marco Inter-regional de
Cooperação com os países do Mercosul, que comportava a liberalização comercial,
investimentos, cooperação econômica e um diálogo político.2 O Acordo previa
negociações para a assinatura posterior de um novo acordo de associação inter-
regional. As negociações no sentido da liberalização comercial encontram-se
ainda em curso, enquanto o diálogo político tem fluído conforme o esperado,
embora sem produzir resultados tangíveis.
Um dos motivos que estão causando a demora no avanço das negociações para a
liberalização comercial é a Política Agrícola Comum (PAC). No entanto, outros
fatores também têm contribuído para esse estancamento. Entre eles, estão a
mudança no cenário internacional após o 11 de setembro; a alteração das
prioridades e dos pesos atribuídos aos diversos temas externos com os quais a
União Européia vem se deparando; e, por fim, o questionamento sobre a
capacidade do Mercosul de tornar-se um mercado comum e experimentar um
crescimento econômico significativo. A partir desses obstáculos, coloca-se a
indagação sobre as possibilidades de a UE atuar de forma conjunta e com êxito
como ator internacional.
A literatura existente sobre a performanceda UE como ator internacional com
mais freqüência busca destacar suas dificuldades em atuar frente a situações de
crise ou seu comportamento em relação aos países do continente europeu.
Entretanto, essa literatura concentra-se menos em analisar a capacidade da
União de agir em politics as usual, ou situações cotidianas. Este artigo busca
avaliar o potencial da UE de atuar como ator internacional no marco dos
diálogos inter-regionais, analisando seu comportamento frente aos países do
Mercosul. Dado que, em geral, o papel dos diálogos inter-regionais é importante
no arco das ações externas européias, o artigo analisa como esses diálogos
sustentam a habilidade externa da União em agir e projetar-se.
Por meio do comportamento da UE frente aos países do Mercosul, que aqui é
considerado próximo ao modelo de civilian power (conceito importante na
literatura sobre o comportamento externo europeu), este estudo busca
identificar os limites e possibilidades da performance e do papel da UE no
cenário internacional. Examina e busca explicar o desenvolvimento do diálogo
político em uma situação onde há um consenso político europeu, mas onde as
negociações econômicas enfrentam mais dificuldades. Aponta como a política pode
ser retórica sem mostrar resultados concretos, mas como isso não invalida
totalmente a própria política (embora dificulte a União em agir como um bloco
de poder). O texto também fornece dados sobre a interação entre a União
Européia e o Mercosul em tempos recentes.
Com esses objetivos, a primeira e a segunda parte deste artigo se concentram no
papel da UE como ator internacional, na estruturação de sua política externa em
duas dimensões (Pilar I e Pilar II) e nas características dos diálogos inter-
regionais. A terceira parte oferece uma visão mais geral do comportamento
europeu para América Latina como um todo e o desenvolvimento inicial do diálogo
entre a UE e o Grupo do Rio. A quarta analisa a aproximação entre a UE e o
Mercosul, destacando tanto o diálogo político estabelecido pela União com os
países do bloco, quanto os obstáculos enfrentados posteriormente nas
negociações econômicas previstas no Acordo Marco. A conclusão busca relacionar
o comportamento europeu para o Mercosul com o papel da UE como ator
internacional. Com vistas a dar uma maior compreensão sobre o tema, o artigo
adota uma perspectiva histórica e observa as mudanças no comportamento europeu
durante o período.3
1. A União Européia como ator internacional
Desde o princípio da década de 1980, os interesses e necessidades globais
europeus fizeram-se mais fortes, tanto no âmbito dos Estados individualmente
quanto nos marcos do coletivo de Estados. Nesse espectro, a então Comunidade
Européia (CE) começou a destacar-se progressivamente como ator internacional.
Mesmo sem possuir uma dimensão militar, essa dispunha de recursos econômicos
que contribuíram para um aumento de sua capacidade de influenciar terceiros
Estados, outras organizações regionais e negociações multilaterais. O
desenvolvimento de uma identidade européia, ocorrido durante o período, apontou
para a ampliação de sua presença em diversos níveis da cena internacional. A
Europa comunitária lançou as bases para exercer um papel político mais
relevante no cenário internacional.4
Com a queda do Muro de Berlim e estruturação de um novo cenário europeu e
internacional na passagem para os anos 1990, as questões de segurança e
política externa tornaram-se objeto de atenção especial e discussão entre os
Estados-membro. O papel da UE no mundo foi recolocado e, com o Tratado de União
Européia (TUE), a UE lançou as bases para ampliar sua participação externa,
embora sem adotar modificações profundas.
A evolução da participação da UE na arena internacional foi, no entanto,
polêmica, e uma definição exata de seu status externo transformou-se em motivo
de debates para os acadêmicos.
Um dos temas importantes nesse debate foi a definição de sua presença
internacional. Para Allen e Smith (1991, p. 97-98), a presença internacional
pode ser entendida, por um lado, como a expectativa forjada no âmbito externo
sobre o papel que determinado ator ocupa em um campo definido e, por outro,
como a forma na qual esse ator incide sobre eventos externos. A presença
externa estaria assim relacionada com a capacidade de influenciar a opinião de
demais atores. Os autores também definem a presença internacional como a
combinação de determinados fatores que correspondem a credenciais de
legitimação com a capacidade para atuar e mobilizar recursos.
Em relação à forma de atuação externa, Weiler (1985) define três impulsos
importantes de atuação no contexto internacional. O primeiro corresponde à
política ativa, entendida como plano de ação visando objetivos específicos
definidos. O segundo se refere à política reativa, que responde aos eventos e
busca minimizar os custos políticos. O terceiro, diz respeito à política
reflexiva, que se trata de uma política externa comum formulada como valor
integrativo per se, ou seja, como mais um traço da evolução do processo de
integração. Alguns autores destacam também a chamada política passiva, composta
por uma série de respostas habituais a acontecimentos do contexto
internacional.
No que diz respeito à inserção da UE no cenário internacional e com vistas a
explicar o papel da Cooperação Política Européia (CPE), Hill (1990) fez uma
sinopse de três abordagens usadas com mais freqüência no meio acadêmico.
Atualmente, essas mesmas abordagens podem ser aplicadas também em estudos sobre
a Política Externa e de Segurança Comum (Pesc).
A primeira abordagem identifica a UE como um civilian power.5 Trata-se de um
modelo de comportamento em que os Estados-membro concordam em não utilizar a
força entre si e não impor suas visões através do uso da força. Seus traços
básicos seriam a busca permanente de soluções negociadas para temas
problemáticos, a utilização dos canais disponíveis de discussão e a capacidade
de praticar uma diplomacia aberta.
Essa abordagem, porém, é bastante discutida e às vezes criticada. Durante a
década de 1970 os europeus tinham uma postura mais próxima do que se entende
por um civilian power, marcada pela rejeição da política de poder, pela
tentativa de outorgar aos problemas internacionais um certo sentido de
responsabilidade e por uma política de cunho contratual. No início dos anos
1980, porém, a interação entre as mudanças ocorridas no sistema internacional e
a trajetória do processo de integração na região contribuiu para modificar as
percepções e expectativas da CE em relação ao exterior. Dessa forma, sua
postura de civilian power foi questionada, trazendo à baila o paradigma da
segurança e a conseqüente discussão sobre a defesa européia.
Nos anos 1990 esta discussão tomou corpo com a formação da Pesc, e em 1999 com
a criação da Política Européia de Defesa e Segurança (ESDP) paralela à Pesc,
com vistas a tomar em mãos tarefas da União Européia Ocidental e prover a União
de uma Força Militar.6 Deve-se levar em conta que a grande maioria dos países-
membro tem uma política de segurança nacional enquanto a União não tem sua
própria estrutura militar. A maioria deles vem participando nos últimos anos em
Operações de Paz das Nações Unidas e de ações militares da Aliança Atlântica.
Assim, pode-se afirmar que a União experimentou um endurecimento em sua postura
no início dos anos 1980 e, de forma mais clara, durante a década de 1990.
Porém, mesmo não sendo umcivilian power integralmente, seus países-membro
desenvolveram entre si relações especiais e formas comuns de comportamento com
vistas a alcançar objetivos e resolver disputas que escapam ao modelo de
política de poder. Vis-à-vis seu exterior, a União atua como centro de difusão
de princípios democráticos dando prioridade a instrumentos econômico-comerciais
e atuações nos marcos multilaterais.
Outra forma de se entender a presença externa da União apresentada por Hill é
identificá-la com um bloco de poder (p. 34-41). Essa abordagem é discutível
pois, embora a UE apresente algumas características de bloco, essas não são
suficientes para classificá-la como tal. Os autores que defendem essa
perspectiva afirmam que a União é um bloco econômico por possuir interesses
comuns nas áreas econômica e comercial e fazer uso político do poder econômico
com vistas a exercer influência sobre terceiros Estados em determinadas
situações (o modelo de soft power). Também diversos países teriam mostrado
interesse em vincular-se à União por meio de seus mecanismos de interação em
função do pólo de atração exercido pelo seu poder econômico. Rosecrance (1998,
p. 4-7) apresenta a União como um club de alto nível em termos de normas e
padrões, de corte político e econômico, e com uma estratégia de longo prazo de
atração de novos membros.
No entanto, outros autores destacam que uma das principais características de
um bloco de poder seria a dimensão político-militar e que a União não dispõe de
um poder desse tipo. Embora tenha sido criada em 1999, a ESDP ainda não assumiu
contornos precisos e na prática a Otan continua sendo o foro privilegiado de
atuação nesse campo.
A última perspectiva de inserção européia no cenário internacional apresentada
por Hill é identificá-la como um fiasco. Nesse caso, tratar-se-ia de uma
estrutura diplomática massiva para chegar a resultados moderados. Nesse
momento, a CPE seria incapaz de manter uma disciplina entre seus membros e
dependeria dos Estados Unidos para garantir sua defesa. O impacto de suas
atividades externas seria reduzido em relação a seu peso econômico. Essa
perspectiva não leva em conta os diversos avanços no campo de política externa,
que já poderiam ser identificados desde o início do processo de integração, e
as dificuldades inerentes a um processo de integração entre Estados.
Após o TUE e o estabelecimento da Pesc, os debates acerca do papel que esta
poderia exercer na inserção externa da União tomaram impulso e diversos autores
identificam problemas em suas atuações. Zielonka (1998a, p. 222) apresenta a
falta de legitimidade da Pesc como elemento central para se entender a relativa
paralisia das ações européias no campo. Nesse caso, a paralisia é identificada
com a incapacidade da Pesc de dar conta das obrigações estipuladas em sua
formação. Hill (1998) apresenta a trajetória de convergências (predominante) e
divergências da Pesc, assim como sua atuação a partir de uma diplomacia em
diversos níveis.7 Jorgensen (1998, p. 96) chama a atenção para a necessidade de
se considerar a relatividade das idéias de sucesso e fracasso, assim como a
presença de múltiplas realidades para se medir a performance da União na
política internacional. Apesar de suas limitações, a partir das ações
apresentadas nos marcos tanto das instituições comunitárias quanto da CPE/Pesc,
conformou-se um conjunto de valores e visões orientados para a definição de um
comportamento próprio desses países para o exterior.
As atividades externas das instituições comunitárias e ações inscritas no Pilar
II confundiram-se com as políticas externas nacionais ou as substituíram,
tornando-se o procedimento principal no campo de política para cada Estado
individualmente. Essas atividades assumiram um perfil próprio, embora sem um
projeto de longo prazo em alguns campos o que lhe daria nesses campos um
caráter reativo. Nesse espectro, conformou-se algo que se poderia chamar de
identidade européia, com base em posições assumidas e incorporadas ao acquis
diplomatique da União.
Essas abordagens oferecem elementos para se compreender as expectativas criadas
em torno da presença externa da União e o comportamento europeu frente a
eventos ou áreas geográficas específicas, como no caso do Mercosul.
2. A importância dos diálogos políticos
O diálogo inter-regional é a base do inter-regionalismo europeu e um
instrumento específico de contato entre parceiros externos. Vem ocupando um
papel importante na estrutura da UE como ator internacional e é um exemplo
importante de convergência entre as dimensões da política externa européia.
Esse mecanismo teve início nos anos 1970 com o estabelecimento do diálogo euro-
árabe e desenvolveu-se durante os anos 1980.
Desde 1970, com a formação da CPE, o comportamento externo europeu baseou-se em
duas dimensões. A primeira (Pilar I) diz respeito às atividades externas de
cunho basicamente econômico. Desde o princípio, essa dimensão orienta-se
basicamente para a área comercial, na qual conformou uma política comum adotada
por todos os Estados-membro. Cooperação para o desenvolvimento também foi uma
área importante para as instituições comunitárias. A base de seu processo é a
articulação entre o Conselho de Ministros - intergovernamental - e a Comissão,
enquanto órgão executivo.
A segunda dimensão corresponde a posições e ações referentes a temas da
política internacional e a questões de segurança decididas no interior da CPE
e, após a assinatura do TUE, através da Pesc (Pilar II). Desde sua formação, a
CPE ocupou um lugar importante no marco das ações externas dos países-membro,
constituindo-se enquanto elemento fundamental para se pensar na União como ator
internacional. Seu processo de formulação é baseado no intergovernamentalismo,
o que significa que suas ações são efetivas apenas quando se atinge um consenso
entre os Estados-membro. Colocam-se, porém, dificuldades para se alcançar um
consenso entre países heterogêneos e, muitas vezes, com visões distintas sobre
temas da política internacional. O TUE representou a incorporação definitiva da
dimensão política do comportamento externo ao quadro institucional da União.
Desde a formação da CPE já vinha tendo lugar um processo dinâmico de
aproximação e articulação entre as duas dimensões. Os recursos econômicos da
Comunidade passaram a ser utilizados com freqüência como instrumentos de
política externa, como mecanismo que favorecia a determinados países ou
enquanto sanções econômicas. A plena participação da Comissão nos trabalhos da
CPE foi formalizada em todos os níveis. No caso dos diálogos inter-regionais, a
CPE - que sistematizou a dimensão política - e a Comissão atuavam de forma
coordenada com representantes de ambos, presentes aos encontros: o primeiro
guiando o diálogo político e o segundo atuando no diálogo econômico.
Esses diálogos são geralmente estruturados a partir de um acordo formal com
terceiro país ou grupo de países que provê contatos políticos adicionais a
relações diplomáticas regulares. Eles variam de acordo com a importância
política da contraparte. Segundo Monar (1987, p. 266-267), tratar-se-ia de um
instrumento flexível que poderia tanto preceder quanto complementar relações
econômicas levadas adiante pela Comissão; seriam um meio conveniente de
divulgar as posições políticas européias e de buscar convergência com parceiros
externos; poderiam ser úteis para estratégias de médio e longo prazo de
incentivo à cooperação regional; e permitiriam à União afirmar sua identidade
coletiva.
O interesse europeu pelos processos de integração regional pode ser explicado
por diversos fatores. Por um lado, o sucesso do processo de integração européia
promoveu um ideal de integração no interior das instituições comunitárias. Por
outro, a integração de parceiros externos facilitaria a interação, dando às
relações destes com a UE um caráter inter-regional. No campo político, esses
processos seriam um instrumento garantidor da democracia política e da
segurança regional; no campo econômico contribuiriam para reduzir os custos dos
ajustes estruturais e da abertura das economias nacionais, assim como
facilitariam a inserção de economias mais frágeis em uma economia internacional
globalizada. Dentre as instituições comunitárias, a Comissão e o Parlamento
mostraram maior interesse pelos processos de integração.8
O início dos anos 1990 trouxe um novo impulso aos diálogos com o "novo
regionalismo" europeu. Este vinculou mais claramente o liberalismo econômico e
a globalização econômica com a integração regional, a promoção da democracia e
a inclusão social.9
Em termos institucionais, o início da vigência da Pesc aprofundou os vínculos
da Comissão com a vertente intergovernamental da política externa. O TUE
promoveu uma reforma administrativa nas estruturas do Conselho e da Comissão no
que diz respeito aos temas externos, alterando em parte o papel das duas
instituições no processo de formulação. A reforma trouxe para a esfera das
instituições comunitárias questões que antes ficavam na alçada da CPE, como a
dimensão política de alguns acordos, organizando a interação entre os
diferentes Pilares (casos de cross pillar).
O fim da bipolarismo aumentou a quantidade de temas externos presentes no arco
de preocupações da União propiciando uma superação dos quadros anteriores da
CPE ocupados com os mesmos. Nesse processo, a Comissão assumiu um papel de
destaque na coordenação e implementação da cooperação com os países do leste e
centro europeu; o que fez desenvolver internamente estruturas orientadas para
esse tipo de atuações.10 A Comissão preparou uma estratégia de relações, assim
como uma nova geração de acordos que proviam um quadro institucional para o
desenvolvimento de um diálogo político.
Com a Pesc os diálogos políticos seguiram sendo um dos principais instrumentos
de persuasão da UE e base de sua política de inter-regionalismo. No final de
1994 a UE estava engajada em vinte e cinco diálogos políticos, incluindo oito
com grupos de países (K. E. Smith 1997, p. 7).
À medida que esses diálogos progrediram, o conflito entre uma dimensão mais
regional e uma responsabilidade global ficou mais evidente: o interesse europeu
em estabelecer diálogos com grupos mais próximos tornou-se uma prioridade como
forma de estabilizar suas fronteiras (Telò 2001, p. 177). O diálogo estruturado
com países da Europa central e do leste ocupou espaço central das preocupações
européias, e isso foi um importante exemplo de incorporação dos três Pilares em
uma ação externa. A segunda área em termos de importância foi a do
Mediterrâneo, seguida pelo diálogo com os países balcânicos.
No que diz respeito aos princípios e objetivos dos diálogos, a Pesc, em seu
processo de estruturação adotou formalmente e referendou determinados
princípios orientadores gerais que já estavam presentes nas atuações externas
da CPE, como a salvaguarda e reforço da defesa da União; a defesa da democracia
e dos direitos humanos; a manutenção da paz internacional; e a cooperação entre
Estados (TUE Título V). Esses princípios formaram a base da atuação da UE e
tornaram-se constantes nas declarações, acordos e ações da Pesc.
Desde os anos 1970 e com a atuação da UE como civilian power, a adoção desses
princípios contribuiu para a estruturação de uma ordem internacional com vistas
a limitar os conflitos. Desde a perspectiva européia, a democracia pluralista e
o respeito aos direitos humanos seriam princípios identificados, dentre outras
coisas, com a estabilidade e a paz.11 Por outro lado, e sobretudo nos anos
1990, a projeção desses princípios no comportamento externo representou uma
tentativa de exportação do modelo social europeu combinado com a economia de
mercado.12
Como em outros exemplos do comportamento externo europeu, no caso desses
diálogos, o consenso em torno desses princípios prevaleceu em áreas onde
interesses nacionais não eram atingidos. No entanto, essas áreas não
representaram prioridade para a UE.
Orientada por uma perspectiva mais geral, a UE buscou, através do inter-
regionalismo e dos diálogos, não apenas estreitar contatos políticos e
econômicos, mas também ter um comportamento mais incisivo na arena
internacional, promovendo uma postura diferenciada vis-à-vis os países em
desenvolvimento (Grugel 2002, p. 1).
3. A União Européia e os diálogos com América Latina
Durante a década de 1970 as relações entre a CE e América Latina avançaram no
campo econômico. Os países europeus buscavam ampliar os mercados para suas
exportações e investimentos, assim como garantir as provisões de matérias-
primas. Os latino-americanos, por seu turno, implementavam um processo de
diversificação de parceiros externos e buscaram estabelecer relações distintas
das mantidas com os Estados Unidos. Contudo, esse tipo de relações não saiu do
campo das intenções. Entre outros motivos, muitos governos europeus não viam
com bons olhos os governos autoritários da região. 13
No decorrer da década de 1980, ao contrário, enquanto as relações retrocediam
no campo econômico, avançaram no campo político, e a CPE passou a ter um papel
mais significativo. Embora a América Latina fosse considerada para a CE uma
região de importância secundária no arco de suas atuações externas, isso não
significou que não tivesse interesse em aprofundar relações. Dentro de um
projeto mais amplo da Comunidade de aumentar sua presença no cenário
internacional, América Latina ocupou um espaço e, a partir de meados da década
de 1980, o comportamento da CE começou a adquirir um matiz próprio mais claro,
possibilitado pela ausência de desacordos fundamentais entre os europeus no que
diz respeito à região.
Em 1987, o Conselho aprovou um documento (European Commission 1986) que
demarcava as linhas gerais das ações comunitárias para a região, que
incorporava os diálogos políticos e incentivava a integração entre ambas as
regiões.14 Os processos de democratização já vinham abrindo espaços para
maiores contatos entre as duas regiões através de organizações não-
governamentais.15 Nessa etapa, o que chamava a atenção da Europa comunitária
eram a instabilidade centro-americana e os processos de transição para a
democracia, vividos por diversos países da região. No final da década, foram
colocados novos temas na agenda inter-regional, entre eles o narcotráfico e a
proteção do meio ambiente.
Dentre as ações políticas adotadas para a região que mais se destacaram no
período, o modelo do diálogo inter-regional ocupou um papel importante. A
primeira forma de diálogo estabelecida entre a CE e América Latina havia sido
estruturada no início dos anos 1970, entre a Comissão e o Grupo Latino-
Americano de Bruxelas, mas limitava-se a temas de natureza pragmática.
Em 1984 um diálogo político inter-regional foi estabelecido pela primeira vez
com os países centro-americanos. O mecanismo, conhecido como Diálogo de San
José, foi um instrumento de cooperação inter-regional organizado com vistas a
contribuir para a adoção de uma solução negociada para a crise na área. Em
1987, também foi estabelecido um diálogo com o Grupo do Rio.
No final da década, a queda do Muro de Berlim teve impacto no comportamento
europeu para América Latina. A necessidade de maior integração dos países do
centro e leste europeu e depois sua incorporação colocou-se em um momento que a
CE/UE estava no meio de um processo de aprofundamento da integração.
Compatibilizar os dois movimentos significou reformas estruturais internas, uma
reorientação para o interior do continente europeu e um aumento das atividades
nessa área. Isso deixou em compasso de espera relações com parceiros mais
distantes do continente.
Com o início da vigência da Pesc, a falta de posições ou ações comuns para a
região deixou em evidência esse distanciamento. Em comparação com posições
comuns e Declarações para outras áreas, poucas referências foram feitas à
região.16 No entanto, os interesses europeus em um novo quadro de economia
globalizada e os movimentos da UE em afirmar-se como ator internacional
contribuíram para que os diálogos já iniciados fossem mantidos.17 Como forma de
ampliar a presença européia na região - mesmo não sendo prioritária -, outros
contatos foram institucionalizados. Durante os anos 1990 foram estabelecidos
diálogos nos marcos da Pesc com os países Andinos, México, Mercosul e Chile. No
final da década, foi iniciado um diálogo baseado em encontros periódicos entre
chefes de Estado e governo da União Européia, América Latina e Caribe.18 No
entanto, sem tornar-se em nenhum momento tema prioritário para a União, essa
prática forma parte da diplomacia européia de encontros Norte-Sul.
Apesar do descompasso entre expectativas latino-americanas e os resultados dos
diálogos, estes tiveram um peso importante para a integração política entre
ambas regiões. Suas principais linhas de atuação e temas examinados seguiram
orientações gerais do comportamento europeu de caráter inter-regional para
países em desenvolvimento: defesa da democracia e proteção de direitos humanos;
ajuste com abertura da economia; e apoio aos processos de integração regional e
sub-regional. No decorrer da década de 1990, novas questões como estabilidade
política, consolidação do estado de direito, luta contra o narcotráfico,
tráfico de armas e crime organizado foram incluídas nos diálogos. Essas
orientações foram mais evidentes que em relação a outras regiões do mundo em
função dos valores políticos e culturais partilhados entre ambas as regiões.19
No campo da cooperação econômica, e seguindo os diálogos já em funcionamento,
em 1994 o Conselho Europeu aprovou um documento que estabelecia a dinâmica e
objetivos das relações com América Latina. 20 O documento indicava a adoção de
diferentes enfoques para países específicos e sub-regiões: manteve uma política
de cooperação para o desenvolvimento com os países centro-americanos e andinos,
por meio da assinatura de acordos de terceira geração, e negociou acordos de
associação inter-regional com México (1997, em vigência a partir de 2000) e
Chile (2002).21 Em relação ao Mercosul, o Documento propunha também a
assinatura de um acordo de liberalização comercial.
Na prática, a participação européia na cooperação econômica orientada para
essas áreas cresceu depois de 1995, e a UE (e os Quinze) tornou-se o principal
doador para a região. Desde a perspectiva européia, essa cooperação era
reduzida em comparação com a coo peração com países do continente europeu, do
Oriente Médio e dos países ACP (África, Caribe e Pacífico).
O diálogo entre a UE e o Grupo do Rio é interessante ser destacado, pois foi um
canal de contato e intercâmbio de idéias entre os países do Mercosul e a EU,
antes da formação do primeiro. Em 1987 os Estados-membro da CE estabeleceram,
através dos mecanismos da CPE, um diálogo inter-regional com o Grupo do Rio, do
qual faziam parte Argentina, Brasil, Uruguai e mais tarde também Paraguai.22
Esse diálogo adotou inicialmente um caráter político e informal.
Apesar de a região não ser uma área prioritária, várias razões garantiram o
diálogo. O significado do Grupo do Rio enquanto organização regional, as
experiências recentes de democratização e os interesses europeus em discutir
questões como meio ambiente e tráfico de drogas contribuíram para atrair a
atenção européia. Como pano de fundo, a perspectiva européia de ampliar sua
inserção internacional com um perfil próprio, estendendo o arco de suas
relações exteriores, incidia de forma favorável sobre o estabelecimento de
diálogos com terceiros países.
No âmbito da dinâmica comunitária, a formação de um consenso para o
estabelecimento de uma política comum nesse caso foi simples, se comparada a
outros casos. Numa situação caracterizada pela inexistência de crises, de
divergências nítidas ou de interesses específicos de algum Estado europeu, a
discussão limitou-se ao grau de importância a ser dado à região e aos temas a
serem abordados num diálogo com o Grupo. Também facilitou o fato de, no final
da década de 1980, haver um consenso maior entre os governos comunitários sobre
os traços principais de sua atuação externa frente aos países do Sul. A
Comissão, que defendia em termos genéricos o diálogo com outros países em
processos de integração, apoiou contatos com o Grupo do Rio em termos mais
específicos.
O diálogo organizou-se enquanto um mecanismo flexível, assentado sobre um
procedimento de consultas de tipo intergovernamental. A cooperação limitou-se a
tratar os temas econômicos de forma muito generalizada, sem assunção de
compromissos concretos. Não era do interesse comunitário aprofundar certas
discussões de natureza econômica, que exigissem resultados e tomadas de
posições em temas não consensuais.
Em dezembro de 1990 o diálogo entre a CPE e o Grupo do Rio foi
institucionalizado pela Declaração de Roma. A Declaração incorporou alguns
temas econômicos, o que significou a adoção de um modelo de diálogo global, em
que as duas dimensões da política externa européia atuariam de forma
articulada.
No primeiro encontro ministerial, de 1991, estabeleceu-se uma rotina que
incluiria, além dos temas gerais e das linhas mestras da política externa
européia, os temas específicos das relações econômicas entre as duas regiões.
Mas, pouco tempo depois, a Comunidade iria dar preferência a discutir questões
econômicas separadamente com países ou sub-grupos da região, em função da
heterogeneidade dos países que a compunham. As questões de segurança regional e
internacional, ao contrário, fizeram-se presentes, embora a situação do Grupo
nesse campo não afetasse diretamente os países-membro, nem pudesse solucionar o
problema do narcotráfico e do crime organizado.23
O diálogo experimentou avanços a partir de sua institucionalização, com a
ocorrência de reuniões interministeriais anuais, e consolidou-se no decorrer
dos anos 1990. Contribuiu para o respaldo fornecido pela União aos processos de
integração na região e favoreceu o reconhecimento do Grupo do Rio como um ator
internacional. O diálogo manteve os vínculos entre a UE e a região, que no
final da década de 1990 desdobraram-se nas reuniões de cúpula entre a UE,
América Latina e Caribe. O início do diálogo entre a UE e o Mercosul também foi
favorecido pela existência dessa experiência em curso.
4. O Acordo Inter-regional União Européia e Mercosul: o diálogo político e os
obstáculos das negociações econômicas
A assinatura do Tratado de Assunção em 1991 despertou a atenção da CE, em
particular da Comissão.24 A expectativa criada quanto ao seu desenvolvimento
tanto político quanto econômico foi alta. Documentos da Comissão em geral
faziam referência ao Mercosul como futuro mercado comum com grande potencial de
crescimento. O novo bloco era o principal parceiro comercial da CE na América
Latina, assim como o principal receptor dos investimentos diretos.
Os países do Mercosul, por seu turno, demonstraram um interesse claro pela
negociação de um acordo de cooperação com a CE. Para eles, o bloco havia se
tornado o principal mecanismo de interação econômica com terceiros Estados.
Ademais, a CE era (e segue sendo), no princípio da década, o principal parceiro
comercial do Mercosul.
Assim, os países do Mercosul tomaram a iniciativa de apresentar à Comissão uma
proposta de acordo futuro de cooperação entre ambos. A resposta da CE através
da Comissão foi a assinatura de um Acordo de Cooperação Inter-institucional
entre ambos, em 1992, com vistas a promover a capacitação das instituições do
Mercosul por meio da cooperação técnica.
Nos primeiros anos de funcionamento do Mercosul e a partir da assinatura desse
Acordo, iniciou-se um processo de aproximação econômica de fato entre ambos. As
exportações de bens da CE/UE para os países do Mercosul aumentaram em 250%,
entre 1990 e 1996, enquanto os investimentos deste ano corresponderam a 17% dos
investimentos da UE em países considerados emergentes.25 Em termos políticos, o
Mercosul apareceu inicialmente como um modelo de exportação da democracia, e
culturalmente mais próximo da UE (Gratius 2002, p. 4). Já desde esse momento,
foi conduzido um diálogo informal até sua institucionalização no Acordo Marco
de 1995.
Durante essa primeira etapa, a Comissão realizou um estudo sobre a viabilidade
de se assinar um acordo e, em 1994, encaminhou ao Conselho a sugestão de
intensificar as relações com o bloco. Em dezembro de 1994 - no mesmo mês da
Cúpula de Miami, que decidiu o início das negociações para a Área de Livre
Comércio das Américas (Alca) - o Conselho Europeu autorizou a Comissão a
iniciar as negociações para um acordo marco inter-regional com os países do
Mercosul.
Um ano depois, em dezembro de 1995, foi assinado o Acordo Marco Inter-regional
de Cooperação, diante de muitas expectativas criadas por parte dos latino-
americanos. O Acordo, como outros acordos assinados pela UE no mesmo período,
abriu caminho para a institucionalização do diálogo político e a cooperação em
duas outras áreas: liberalização comercial e promoção comercial, e a
intensificação da cooperação econômica. Visava também um intercâmbio de
experiências em matéria de integração. A base da cooperação seria o sistema de
valores comuns, como a democracia e o respeito aos direitos humanos. Nesse
caso, apresentou-se como mais completo que o acordo em processo de negociação
dos latino-americanos com os Estados Unidos, que se limitava à liberalização
comercial.26 Tratava-se, porém, de um acordo preparatório sem condições prévias
para a liberalização comercial e nem datas definidas que para o andamento do
diálogo.
Mesmo antes de o Acordo entrar em vigor, a Comissão e o Mercosul acordaram em
uma implementação provisória da cooperação no campo comercial. Em 1996, as
estruturas previstas no mesmo começaram a funcionar e, até 1998, foram
realizados vinte estudos comerciais, e levadas a cabo quatro rodadas de
negociação (Valle Lomuto 2002, p. 130). Mas, os passos no sentido da
liberalização comercial mostraram-se difíceis, encontrando obstáculos nas
posições protecionistas de alguns setores europeus.
No campo político, porém, os espaços abertos pelo Acordo Marco foram
aproveitados e o diálogo foi levado adiante de acordo com as disposições da
Declaração Conjunta (anexo do Acordo Marco), apesar da ausência de uma
institucionalização. A Declaração cria um Conselho de Cooperação, que pode dar
seqüência ao diálogo com encontros a nível ministerial, quando necessário, com
vistas a discutir não só temas vinculados ao Acordo, mas também outros temas
internacionais considerados de interesse comum. Os encontros passaram a ocorrer
nos marcos das Assembléias Gerais das Nações Unidas ou junto aos encontros
ministeriais da UE com o Grupo do Rio.27
Esse diálogo foi organizado, desde a vertente européia, por um grupo composto
por membros tanto da Comissão quanto ligados à dimensão intergovernamental da
política externa européia. Embora fosse formalmente um instrumento da Pesc e
pertencente ao conjunto de diálogos não prioritários implementados nos marcos
do Pilar II, na prática inclui também o Pilar I. Os principais temas debatidos
nos encontros vêm sendo organizados desde a vertente européia e dizem respeito
à reforma das Nações Unidas; à proteção e promoção da democracia, do pluralismo
político e dos direitos humanos; à redução das armas nucleares ou químicas; ao
posicionamento frente aos conflitos internacionais; ao combate ao narcotráfico;
à formação/funcionamento do Tribunal Penal Internacional.28
No campo econômico, o comportamento da União buscou acomodar o Mercosul no arco
de seu interesses no sentido de maior abertura do mercado dos países do bloco
para importação de produtos de tecnologia avançada, assim como criar melhores
condições para investimentos no setor de serviços. As expectativas do Mercosul,
por seu turno, eram basicamente abrir o mercado europeu para suas exportações
agrícolas e atrair investimentos externos (além de ter um interlocutor político
de peso no cenário internacional que pudesse também prestar apoio aos regimes
democráticos recentes). Também era importante aos membros do Mercosul ter a
parceria com a UE como contrapeso em suas negociações para a formação da
Alca.29 Mas como mais importante, a expectativa por uma abertura comercial
aparece com destaque em todas as declarações e entrevistas com funcionários e
lideranças dos países do Mercosul.
Apesar da importância que vem tendo essa questão para o Mercosul, a UE não
estava em condições de atendê-la. Ao contrário, estudo da Comissão publicado em
1990 apontava para a inadequação das políticas comerciais dos países latino-
americanos que insistiam em manter plantas produtivas mal adaptadas às
necessidades internacionais.30 Como resultado, também entre 1990 e 1996 as
importações da UE desde o Mercosul aumentaram somente em 9%.31
A questão das exportações de produtos agrícolas do Mercosul e da PAC vem sendo
o pano de fundo das relações entre ambos durante o período. Diferentemente de
outros países latino-americanos (como os casos do Chile e do México), a maior
parte das exportações do Mercosul, como bloco, para a UE é composta por
produtos primários32 e as negociações sobre qualquer redução nas barreiras
tarifárias e não tarifárias impostas aos produtos provenientes dos países do
Mercosul avançam muito lentamente. Na prática, essas negociações iniciaram
somente em 2001 e estão condicionadas aos resultados da rodada de negociações
da Organização Mundial do Comércio (OMC) iniciada em Doha.33 Para a UE
modificar a PAC é sempre um desafio devido a importância política e tradição
internas existentes e aos lobbies organizados em sua defesa. 34
No arco dos instrumentos da Pesc, ademais do diálogo político, os países do
Mercosul praticamente não tiveram nesse período nenhuma expressão. Tratava-se
de uma região sem problemas de ordem político-estratégica. As duas exceções
corresponderam a temas presentes nas perspectivas mais gerais européias: o
desarmamento nuclear e a defesa da democracia.
Em 1995 uma Declaração saúda a ratificação do Tratado de Tlatelolco pela
Argentina e pelo Brasil; a adesão da Argentina ao Tratado de Não-Proliferação
Nuclear (TNP) 35; e a assinatura de um acordo quadripartite entre Argentina,
Brasil, a Agência Internacional de Energia Atômica e Agência Brasileiro-
Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (Abacc).36 Ambos
os países acordaram em usar energia nuclear somente com objetivos pacíficos.
Com isso, buscavam garantir a paz na região, dar apoio a regimes internacionais
e indiretamente satisfazer a preocupações da UE.
A outra fonte de preocupação da Pesc foi a tentativa fracassada de golpe
militar que ocorreu no Paraguai em 1996 e as dificuldades experimentadas pelo
processo de consolidação democrática no país nos anos seguintes. A UE monitorou
a evolução da situação paraguaia e manifestou suas preocupações em Declarações
nos marcos da Pesc em 1996, 1997, 1999 e 2000, além do envio de uma missão ao
Paraguai com vistas a analisar a situação política no período.37 Os demais
países do Mercosul - coincidentes com a preocupação européia - mobilizaram
esforços para evitar o golpe no Paraguai e, em seguida, declararam a vigência
das instituições democráticas como condição essencial para a existência do
bloco. Em 1998 a "Cláusula Democrática" foi ratificada e incorporada ao Tratado
originário através do Protocolo de Ushuaia.
Esse interesse numa aproximação política com uma região sem claros objetivos de
política externa pode ser entendido desde uma perspectiva mais geral de
ampliação da presença da UE como ator internacional e como uma expressão
importante do inter-regionalismo europeu.
Grugel (2002, p. 5-6) identifica o "novo inter-regionalismo" europeu com o tipo
de relações que a UE vem implementando com o Mercosul e Chile desde os anos
1990. Segundo Grugel, ele funcionaria como mecanismo para influir sobre a
regulação dos países da região, aglutinando dois modelos de cooperação. Por um
lado, traria em seu bojo uma "agenda de governança com face humana", que
combinaria apoio aos processos de ajuste econômico e mudanças no papel do
Estado com vista a facilitar sua inserção internacional. Enfocaria também o
problema das desigualdades e apoiaria estratégias de integração sub-regionais.
Por outro lado, apoiar-se-ia também em uma "governança disciplinadora", que
enfatizaria a importância do desenvolvimento do mercado, a inevitabilidade da
globalização como fator unificador das economias do mundo em desenvolvimento e
aceitaria a estratificação Norte-Sul. Dentro dessa perspectiva, a UE assinou
com a região acordos de quarta geração, que contêm, além da institucionalização
do diálogo político, a intensificação da cooperação e a promoção de comércio e
investimentos com liberalização recíproca nos marcos da OMC.
Esse tipo de inter-regionalismo contém a idéia de que a cooperação econômica
deve basear-se em valores partilhados com a UE, especialmente no que diz
respeito ao modelo social europeu e à paz internacional. Isso leva os acordos a
colocarem em destaque o compromisso com a democracia e defesa dos direitos
humanos; o pluralismo político; o governo da lei; a cooperação em foros
internacionais no que diz respeito a temas de segurança; o combate ao
terrorismo e ao tráfico de drogas; e, sobretudo, a institucionalização do
diálogo político. Müller (2000, p.563) ressalta que, desde a entrada em vigor
da Pesc, as parcerias da UE incorporaram objetivos mais propriamente de
política externa e seriam exemplos do aumento da responsabilidade internacional
da União. Com o aumento da cooperação inter-regional a UE buscou definir sua
nova posição como ator internacional baseada na aceitação de uma ordem
internacional multipolar. Dentro desse enfoque, a dimensão política do Acordo
Marco pode ser melhor compreendida.
Durante 1998, as discussões na Comissão sobre o início das negociações
previstas no Acordo Marco começaram a tomar corpo, com apoio principalmente da
Espanha e da Alemanha. A Comissão entregou ao Conselho um estudo (European
Commission 1998b) sobre as possibilidades e impactos de uma liberalização do
comércio com o Mercosul e submeteu à sua aprovação um mandato negociador para
um acordo de associação entre ambos. O estudo fazia uma análise da questão
agrícola e indicava que o impacto de uma liberalização comercial não seria
significativo para a UE. As principais expectativas da UE em relação ao
Mercosul nas negociações, além do diálogo político já em curso, eram a
liberalização do setor de serviço, a abertura dos mercados públicos, a
liberalização do movimento de capitais; junto com a cooperação econômica.
Em junho de 1999, pouco antes da Cúpula entre UE e América Latina, o Conselho
comprometeu-se a aprovar o mandato, apesar da oposição dos lobbies internos e
do governo francês.38 Em julho desse mesmo ano, o Acordo Marco Inter-regional
de Cooperação entrou em vigor, mas com as negociações do setor agrícola
condicionadas ao fim da rodada do milênio da OMC, previsto para dois anos
depois.
A Cúpula de chefes de Estado e governo da UE e América Latina/Caribe, realizada
em junho de 1999, comportou diálogos com países e grupos de países da região
dentre eles, um encontro do mesmo nível apenas com os chefes de governo do
Mercosul (e Chile). Nesse encontro, foi decidida a retomada formal das
negociações entre as partes com a formação do Comitê Bi-regional de
Negociações, com vistas à liberalização das relações comerciais bi-regionais
para a assinatura futura do acordo de associação inter-regional. No Comunicado
Conjunto, porém, não constavam datas precisas para iniciá-las e muito menos
para finalizá-las; os encontros poderiam ter início em 1999, mas a remoção de
taxas alfandegárias estava prevista para começar apenas a partir de 2001.
O Relatório de 1999 da Pesc destaca como resultado desse encontro a importância
do diálogo político entre ambos, baseado numa parceria no sentido da
democracia, desenvolvimento e inclusão social.39
Essa reunião de cúpula deu-se, porém, em um momento difícil para as
negociações. Desde a perspectiva do Mercosul, se por um lado este conseguiu
atingir, em 1998, um patamar de união aduaneira (embora incompleta), em 1999
viveu uma grave crise em função da desvalorização da moeda brasileira e dos
efeitos negativos dessa medida sobre a economia argentina. A falta de
mecanismos institucionais capazes de solucionar os problemas intra-bloco abriu
espaços para que problemas nacionais criassem obstáculos para a sua evolução e
tornassem evidentes os conflitos em seu interior (Onuki, 2001). O
desenvolvimento do processo de integração, assim como a solução das
divergências entre seus Estados-membro, ficou nas mãos das lideranças
nacionais. O governo argentino, em reação à desvalorização do Real, impôs
barreiras alfandegárias para produtos brasileiros e tomou uma série de medidas
buscando estreitar as relações com os Estados Unidos. O governo brasileiro, por
seu turno, afastou-se do processo de integração, chegando a interromper sua
participação nas instituições do Mercosul até o início da administração de
Fernando de la Rúa.
Desde a percepção européia, diversos motivos dificultaram o avanço das
negociações. Primeiro, a crise do Mercosul levantou dúvidas em relação à
possibilidade de se construir uma interação mais profunda nos campos econômico,
político e institucional. A crise revelou a falta de uma coordenação de
políticas macroeconômicas e fiscais no bloco e, portanto, que este não era o
mercado de maior potencial de crescimento dentre as experiências de integração
em curso e nem um modelo futuro de integração sul-sul. Em termos propriamente
europeus, a evolução do processo de incorporação dos países do centro e leste
europeu aumentou o desafio interno da UE no sentido de realizar suas reformas
estruturais necessárias para a unificação da moeda e, ao mesmo tempo, receber
seus novos membros.
No que diz respeito à abertura dos mercados agrícolas, as negociações seguiram
travadas. A irredutibilidade da UE na política agrária por questões internas e
a impossibilidade de implementar uma reforma efetiva da PAC, no sentido de uma
redução significativa do protecionismo e subsídios agrícolas, consolidou-se
como objeto de duras críticas por parte dos latino-americanos. O fracasso da
rodada do milênio da OMC, que liberalizaria o comércio no âmbito multilateral,
também contribuiu para atrasar as negociações entre ambos.
Entretanto, com a entrada em vigor do Acordo Marco, dez rodadas de negociação
foram implementadas na área econômica entre 1999 e meados de 2003, dedicadas à
estruturação do acordo de associação inter-regional.40 As conversações
enfocaram o modelo de diálogo político a ser implementado nos marcos do futuro
acordo, as questões de cooperação e os temas comerciais.
Em termos do diálogo político, temas como democracia, estado de direito,
direitos humanos, desenvolvimento econômico com considerações sociais e meio
ambiente foram objeto dos debates, assim como a idéia de uma atuação articulada
em organizações internacionais e de uma cooperação política que inclua temas de
segurança. No entanto, esses debates não produziram ações concretas.
Os temas de cooperação também receberam atenção. O Acordo Marco previa a
cooperação econômica em diferentes áreas e, durante o período, a UE foi o
principal doador de ajuda não-reembolsável aos países do Mercosul, orientada
sobretudo para o reforço das instituições do bloco, para dinamizar as
estruturas econômicas e comerciais, e em apoio à sociedade civil em setores
como informação e emprego. A promoção de investimentos, nesses anos, foi
direcionada em boa medida, para a compra de empresas públicas privatizadas e
para o setor de serviços.41
O campo comercial foi o mais complexo e vem avançando muito lentamente. Em 2001
a UE apresentou uma proposta de redução parcial e progressiva de tarifas para
comércio de bens e serviços - incluindo produtos agrícolas. Em tempos recentes,
o comércio entre UE e Mercosul não tem progredido em relação ao total do
comércio europeu.42 A UE propôs que o Mercosul liberalizasse o comércio de
serviços, assim como a abertura das licitações públicas para firmas européias.
Meses depois os representantes do Mercosul apresentaram uma contra-proposta
orientada para produtos primários e industriais, que cobriria em torno de um
terço das exportações da UE para o bloco.
O comércio e os investimentos diretos entre ambos continuaram nos mesmos
patamares dos anos anteriores.43 A crise econômica e social argentina,
resultante do colapso do Plano de Convertibilidade, trouxe ainda mais
dificuldades às negociações.
Em termos políticos, o diálogo definido no Acordo Marco de 1995 seguiu nos
moldes anteriores. Ocorreram tanto os encontros ministeriais anuais nas
Assembléias Gerais das Nações Unidas, como encontros específicos em 2000, 2001
e 2003. As conversações têm tratado dos temas recorrentes, assim como o aumento
da presença de temas como o desenvolvimento de posições comuns diante dos
conflitos internacionais e a estruturação de iniciativas conjuntas no campo da
segurança internacional e combate ao terrorismo.
A II Cúpula de chefes de Estado e de governo da UE com América Latina e Caribe,
em 2002, foi de novo acompanhada por um encontro de cúpula entre a UE e o
Mercosul, que propôs aprofundar o diálogo político entre ambos. Foi um encontro
com muitas expectativas por parte dos países do Mercosul, mas também de setores
empresariais e da sociedade civil (European Commission 2002a). Ocorreram
diversos encontros paralelos de atores não-governamentais.44 No entanto,
ocorreu em um momento ainda mais difícil, com poucos incentivos para os países
mercosulinos.
O atentado de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos e a luta internacional
contra o terrorismo reforçaram a presença dessas questões no quadro da política
internacional, assim como trouxe para a agenda de política exterior européia
debates e iniciativas em relação ao tema. A América do Sul nesse quadro -
tratando-se de uma região com poucos problemas dessa ordem - perdeu ainda mais
importância na política internacional.45 Os resultados da rodada de negociações
no sentido de uma liberalização comercial na OMC ainda estão no porvir, e as
negociações da UE com o Mercosul apresentaram poucos avanços. A crise
econômica, social e política da Argentina levantou ainda mais dúvidas acerca do
futuro do Mercosul e trouxe problemas para diversas empresas européias - com
destaque para as espanholas - que haviam investido capitais no país.
Os resultados da Cúpula foram então considerados modestos. No campo econômico,
deu-se prosseguimento às negociações no sentido de uma liberalização comercial
gradual e recíproca. Nesse item, a expectativa deslocou-se para os possíveis
resultados à liberalização da agricultura na rodada de negociações da OMC -
para 2005. Para este mesmo ano, está igualmente previsto (sem certeza) o
término das negociações e início do funcionamento da Alça, onde os países do
Mercosul têm também problemas com suas exportações agrícolas.
Documento da Comissão (European Commission 2002) que traça a estratégia para o
Mercosul até 2006 reitera os temas tratados em documentos anteriores e chama a
atenção para o diálogo político implementado nos marcos da Pesc. Nesse caso,
segue a mesma dinâmica de antes da segunda cúpula - já tiveram lugar os
encontros interministeriais na Assembléia Geral das Nações Unidas e um encontro
em Atenas em março de 2003 - e as negociações vêm atingindo mais efetividade.
Em novembro de 2003 foi decidido um programa de negociações com vistas a
assinar o acordo de associação inter-regional antes do final de 2004. Mas, até
maio deste ano não haviam sido dados os passos esperados no campo da
liberalização comercial de ambas as partes.
Em termos políticos, as referências aos países do Mercosul nas Declarações da
Pesc, por seu turno, vêm sendo limitadas, resumindo-se a uma Declaração em
apoio ao governo argentino de Eduardo Duhalde, onde se expressou o desejo de
que esse governo organizasse uma estratégia realista capaz de solucionar os
problemas econômicos e sociais do país. E outras duas que saúdam a vitória de
Luiz Inácio da Silva nas eleições presidenciais brasileiras e a de Néstor
Kirchner nas eleições argentinas.46
6. Conclusão
Passados oito anos da assinatura do Acordo Marco de Cooperação e depois de duas
reuniões de cúpula, as relações entre a UE e os países do Mercosul ainda não
atingiram um patamar necessário para a assinatura do acordo de associação
inter-regional, embora recentemente venham recebendo um impulso maior nesse
sentido.
O processo da adesão dos dez novos Estados à União significou nos últimos anos
um desafio a vencer. A queda do Muro de Berlim se deu quando a UE estava no
meio de um processo de aprofundamento da integração e teve que ser respondido
de forma reativa. Isso significou uma inversão de prioridades: uma nova
abordagem para os temas de segurança e para as novas áreas a serem incorporadas
à UE. Esse processo de reorganização estrutural da União foi ocupando mais
espaços internamente na passagem para o terceiro milênio, materializado nos
Tratados de Amsterdã e Nice.
O Mercosul, enquanto bloco regional, experimentou diversos problemas no
decorrer da década, sobretudo em função de crises econômicas e da falta de
articulação das políticas macroeconômicas e fiscais dos Estados-membro. A
ausência de instituições supranacionais atuando como motor da integração deixou
o aprofundamento do processo nas mãos dos Executivos nacionais, que nem sempre
o favoreceram. Interesses domésticos e falta de disposição em partilhar
soberanias constituem-se ainda como obstáculos a serem resolvidos. A
expectativa depositada inicialmente no desenvolvimento rápido de um mercado
comum na região por parte da UE foi substituída por ceticismo quanto ao futuro
do bloco.
As divergências em relação à PAC não apresentam ainda uma solução satisfatória
para as partes, esperando-se assim os resultados da próxima rodada de
negociações da OMC.47 Para os países do Mercosul trata-se de um problema
fundamental. Desde a perspectiva desses países, maior abertura econômica sem
compensações seria perigosa.48
O atentado de 11 de setembro trouxe mudanças no cenário internacional, onde o
combate ao terrorismo passou a ocupar um lugar central. Nesse processo, a
América Latina perdeu importância nas preocupações estratégicas dos Estados
Unidos, e também da UE.
Nesse contexto, apesar de o Mercosul ser uma região com a qual a UE tem
proximidade política e cultural; e apesar de ser a sub-região, nos marcos da
América Latina, da qual a UE é o principal parceiro tanto no comércio quanto
nos investimentos, as relações têm se aprofundado pouco e lentamente.49
Esse processo de aproximação entre duas regiões e os obstáculos por ele
enfrentados suscitam algumas considerações vinculadas às atuações da UE como
ator internacional.
A primeira questão diz respeito à classificação feita por Weiler (1985) da
política externa européia, assim como a identificação de grande parte das ações
externas européias com um comportamento reativo. De fato, frente a situações de
crise a UE busca atingir um consenso e formular uma posição comum, que muitas
vezes é dificultada pelas divergências entre os Estados existentes, sobretudo
em temas político-estratégicos de segurança e defesa.50 Em relação ao Mercosul,
ao contrário, a política adotada foi de caráter ativo, embora não-prioritário.
Essa região não apresentou situações de crise que exigissem respostas rápidas,
e a UE tomou a iniciativa de estabelecer um diálogo político em torno dos temas
identificados com os princípios básicos da Pesc. Nesse caso, a iniciativa deu-
se nos marcos de um esforço para ampliar sua presença internacional e aumentar
suas responsabilidades globais e, para tanto, de estabelecer frente a países em
desenvolvimento uma postura própria, diferenciada da posição norte-americana (o
marco dos diálogos inter-regionais).
Tratou-se também de uma política reflexiva, pois, enquanto atuação externa
comum, baseada em princípios do comportamento europeu, a aproximação com o
Mercosul contribui para a formação de uma política exterior comum mais
abrangente e pode ser vista como um traço da evolução do processo de
integração.
A segunda observação refere-se às definições de Hill (1990) do comportamento
externo da UE como civilian power, bloco de poder ou fiasco. Nesse caso, o
diálogo estabelecido com os países do Mercosul pode ser considerado um exemplo
de atuação da UE como civilian power. O novo inter-regionalismo europeu visa
desenvolver mecanismos que favoreçam a regulação de regiões e países em
desenvolvimento, ademais da integração à economia internacional, por meio da
consolidação de princípios como a democracia e a paz. Grugel (2002) considera
que o Mercosul foi palco da demonstração da dimensão da UE de civilian power,
da expansão comercial e do fortalecimento do seu papel de ator internacional
por parte da União.
A importância da dimensão política e a perspectiva de disseminar uma visão
européia de mundo através de instrumentos diplomáticos são baseadas na lógica
de rejeição da política de poder e da utilização de recursos militares. Ao
contrário, a UE apresenta uma política de natureza mais contratual. E no caso
do Mercosul, a relevância dada pela UE durante os anos 1990 na dimensão da
segurança não é evidente.
A definição do comportamento europeu em relação ao Mercosul como um bloco de
poder não se mostrou adequada. Embora exista uma disposição por parte dos
países europeus no sentido de ampliar sua presença internacional baseada no
poder econômico, na aproximação com o Mercosul não foram utilizados
instrumentos de caráter político-militar, nem instrumentos vinculados ao
caráter de soft power que é atribuído à União por alguns autores.
De fato, o diálogo político vem sendo parte de um processo de aproximação que
comporta tentativas de estreitar laços econômicos. Nesse caso, os movimentos da
UE orientaram-se sobretudo para seus interesses econômicos no campo de
exportações e investimentos. A cooperação econômica experimentou alguns
avanços, sobretudo através dos vínculos crescentes entre as sociedades civis de
ambas as regiões e das iniciativas empresariais frente aos processos de
privatização de empresas públicas. Mas as negociações comerciais até o presente
não produziram resultados significativos, nem um comportamento europeu como
bloco de poder. Em geral, a influência exercida sobre outros Estados gera
custos. A PAC, que a UE não consegue reformar a fundo, em função de diferentes
percepções e interesses internos, atuou nesse caso como um obstáculo para a
utilização de recursos econômicos como instrumento de poder. No caso dos países
do Mercosul, seria um trunfo nas mãos da União caso esta atuasse como bloco de
poder.
A idéia de que o processo de estreitamento dos laços com o Mercosul seria um
fracasso não é apropriada, embora resultados limitados sobretudo no campo
econômico venham sendo apresentados. É importante recuperar a relatividade da
idéia de sucesso e fracasso apresentada por Jorgensen (1998, p. 96) e levar em
conta as "múltiplas realidades" que atuam sobre a iniciativa. De fato, a
dificuldade da utilização de recursos do Pilar I como instrumentos de apoio a
iniciativas políticas sempre foi identificada como uma limitação imposta pela
divisão da política externa européia em duas dimensões. No entanto, nesse caso
não se tratou de um obstáculo decorrente apenas dessa divisão. A utilização de
instrumentos econômicos para atingir objetivos políticos no cenário
internacional ou em terceiros países é por si complexa, e o exemplo do Mercosul
esteve mais vinculado a interesses propriamente europeus e à falta de consenso
interno entre os Estados.
Por outro lado, no campo político o diálogo consolidou-se, apesar de isso não
significar um envolvimento europeu com os problemas da região. A UE tem
conseguido uma convergência com esses países em temas referentes à defesa da
democracia e dos direitos humanos, de segurança internacional, de armas
químicas e nucleares, de cooperação em foros multilaterais. Embora a retórica
não tenha produzido resultados significativos, a aproximação política, entre os
encontros e intercâmbios em diversos níveis, vem tendo um valor simbólico
importante para esses países. Favoreceu, ademais, um desdobramento dos vínculos
inter-regionais no que diz respeito a atores não-governamentais. De fato, para
a UE esse processo representou um exemplo não somente de política reflexiva mas
também do modelo de cross-pillar.
Apesar da importância do diálogo político, a idéia de fracasso da ação européia
pode ser vista com mais freqüência entre os países do Mercosul. Poucos
progressos foram feitos até agora na área mais urgente para esses países, que é
a da liberalização comercial. Mas, a dinâmica do inter-regionalismo europeu de
vincular o estreitamento (às vezes muito lentamente) das relações econômicas
com avanços nos campos político, social e ambiental apresenta uma alternativa
ao modelo de integração da Alca, que comporta apenas questões relativas ao
comércio. Essa opção européia pode trazer ainda muitos benefícios para o bloco.
Maio de 2004