O peso das relações inter-regionais com a União Européia em relação a outras
alternativas de política externa do Mercosul
A parceria entre nossos países desempenha papel central também no
futuro das relações entre a União Européia e a América Latina e
Caribe. Vamos discutir como avançar na direção de uma relação
estratégica entre as duas regiões. Vivemos um momento altamente
favorável para esse diálogo. Por isso, contamos com o empenho de
Portugal para que se possa assinar ' ainda neste ano ' o acordo de
associação Mercosul-União Européia.
Palácio Itamaraty, 8 de Março de 2004.
Discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
na cerimônia de abertura da 7ª Cúpula Brasil-Portugal.
Ambos os lados identificaram vários pontos em que estariam dispostos
a mostrar maior flexibilidade. Embora tenha ocorrido avanço nesta
rodada, eles também concordaram que há muito ainda a ser feito para
que se alcance o nível de ambição que reflita a importância desse
acordo estratégico entre a UE e o Mercosul.
Nota divulgada pelo Ministério do Exterior de Portugal,
Lisboa, outubro de 2004.
Introdução
O acordo que a União Européia (UE) e o Mercosul estão negociando hoje é um
Acordo de Associação Inter-regional. É um acordo único porque é a primeira vez
que duas regiões se encontram numa mesa de negociação para estabelecer um
acordo com essas características. O Acordo é complexo por várias razões: não
somente pela natureza dos temas que abrange (alguns deles difíceis e sensíveis)
mas também pelos atores envolvidos, que são muitos e representam diversos
interesses nem sempre coincidentes.
As negociações do acordo começaram em 1999 e desde então as situações internas
tanto da UE quanto do Mercosul, enfrentaram uma série de mudanças. Por um lado,
não é igual falar das relações UE-Mercosul antes ou depois do 11 de Setembro de
2001. As prioridades nas agendas internacionais de política exterior, em muitos
casos, foram postas em segundo plano ou foram substituídas e, às vezes, foram
até monopolizadas pelo tema da luta contra o terrorismo.
Por outro lado, internamente a UE está se transformando. Se em 1999 a UE via o
tema da ampliação muito distante, hoje os europeus o estão vivendo. Em 1999 o
Mercosul, por seu turno, ainda não podia ver os efeitos da profunda crise que
se avizinhava. A crise argentina e o conseqüente impacto que ela gerou no
Mercosul alcançou seu auge no período de 2001-2002. A partir do ano 2002, os
interesses internos do Mercosul mudaram, a explicação disto é que os quatro
países do Mercosul passaram por eleições presidenciais, assim, chegaram à
presidência Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil; Néstor Kirchner, na
Argentina; Nicanor Duarte Frutos, no Paraguai e Tabaré Vázquez no Uruguai.
Estas mudanças também trouxeram uma forma diferente de encarar a política
exterior.
O Brasil está vivendo uma mudança drástica. No final de 2002 Lula chegou à
presidência com o apoio de mais do 60% do eleitorado, depois de várias
tentativas em vão, o Partido dos Trabalhadores chegou ao poder.,com ele, veio
também um novo modelo de país: muito mais preocupado com a questão social, dado
que o presidente Lula provém daí. Na Argentina, nas eleições presidenciais de
2003, o que os votantes fizeram foi eleger entre dois projetos de país:
"desenvolvimento com inclusão social", patrocinado pelo presidente Kirchner, ou
retorno ao modelo liberal dos anos 90, dirigido por Carlos Menem. Com estas
mudanças nas presidências que foram quase simultâneas nos parceiros maiores do
Mercosul, também se colocou outra coincidência; Kirchner e Lula consideram uma
prioridade o fortalecimento da união aduaneira.
No Paraguai,o novo presidenet assumiu em agosto de 2003, porém embora oriundo
do mesmo partido, ' Partido Colorado ' que está no poder desde 1947, Duarte
Frutos se diferencia dos governos anteriores porque vem de uma facção moderada
, conta com o apoio do partido e a oposição o considera o candidato mais
aceitável do outro lado. Além disso, apresenta-se como um representante da
mudança, tanto na área econômica, onde se contrapõe às propostas liberais,
quanto na política, onde pretende aplicar a palavra de ordem "impunidade zero",
combatendo a corrupção. Em política exterior Duarte Frutos pretende fortalecer
as relações com o Brasil, que é o seu principal parceiro comercial, e afiançar
o Mercosul.1
Finalmente, o Uruguai também viveu uma mudança política nas eleições
presidenciais que ocorreram em 31 de outubro de 2004. Estas eleições foram
muito importantes para a história do país porque pela primeira vez a esquerda
chegou ao poder com a vitória de Tabaré Vasuqez e seu partido, a Frente Ampla.
É muito provável que com este novo governo o Uruguai coincida com as políticas
externas de seus parceiros no Mercosul.
As mudanças nos gabinetes e o otimismo inicial de suas gestões para o Mercosul
se mantiveram durante o primeiro ano de mandato do presidente Kirchner. Mas a
partir de julho de 2004 surgiram uma série de conflitos comerciais setoriais
entre Argentina e Brasil, que geraram um debate sobre o futuro do Mercosul. Uma
das disputas originou-se à raiz da decisão argentina de restringir o acesso de
eletrodomésticos brasileiros ao país, outros setores onde houve conflitos foram
o de produtos lácteos (leite em pó) e o setor automotriz. O Brasil, por sua
vez, também exerce uma política protecionista: impõe este tipo de regulação a
trezentos produtos que importa da Argentina.
A causa da chamada "guerra dos brancos", quer dizer, dos eletrodomésticos, foi
a imposição de licenças não automáticas por parte da Argentina, que restringiam
a importação de fogões, máquinas de lavar e geladeiras. Ademais, o governo
argentino aplicou um direito compensatório provisório às televisões
provenientes da Zona Franca de Manaus. Buscou-se resolver o conflito através de
encontros que serviram para destapar um debate sobre a natureza do Mercosul,
sobre suas falhas atuais e o que os governos pretendem no futuro. Em princípio
de agosto de 2004 o chanceler Celso Amorim, durante sua visita ao presidente
Kirchner afirmou: "devemos ter uma visão de longo prazo". Em outras
oportunidades também se escutou o chanceler dizer que a Argentina seria
considerada um aliado e um parceiro estratégico. Com estas palavras entende-se
que ao Brasil interessa afiançar o Mercosul e que pretende superar os problemas
setoriais entre os dois parceiros maiores do bloco.
Por tudo isso, pode-se afirmar que hoje o Mercosul encontra-se num processo de
redefinição e de diferenciação entre o passado e o que se deseja para o futuro.
A respeito das relações com a UE, no início do ano 2004 se pensava que a
relações inter-regionais poderiam chegar até um ponto de inflexão por causa de
dois fatos: a III Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da UE e da América
Latina e Caribe, que teria lugar em Guadalajara entre os dias 28 e 29 de maio
de 2004 e o fim das negociações do acordo em outubro. Estas datas poderiam
implicar em uma nova fase nas relações birregionais. Porém, no fim de outubro
os negociadores decidiram prorrogar o prazo previsto para a assinatura do
acordo.
O objetivo deste artigo é analisar como foi negociado o Acordo de Associação
Inter-regional entre a UE e o Mercosul e qual é o peso ponderado que têm essas
relaçoes inter-regionais com respeito a outras alternativas de política
exterior do Mercosul. Para tirar uma conclusão tentar-se-á responder às
seguintes perguntas: (1) quais são as opções que se apresentam ao Mercosul em
política exterior e quais são as mais convenientes a se priorizar? (2) Em que
implicará o acordo entre a UE e o Mercosul?
Alternativas de política exterior do Mercosul
O Mercosul não é um bloco totalmente fechado, já que aceita à possibilidade de
incorporar outros países. Hoje somente a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o
Uruguai são os Estados-parte e fundadores que assinaram o Tratado de Assunção
(que deu origem à União Aduaneira em 1991). Contudo, desde sua formação, outros
países vizinhos assinaram acordos de associação com os quatro, em 1998 o Chile
e a Bolívia aderiram como membros associados e, em agosto de 2003, também se
uniu o Peru. Em dezembro de 2003 os países andinos assinaram um acordo entre a
Comunidade Andina de Nações (CAN) e o processo de integração do Cone Sul. O
efeito do Mercosul ampliado terá um maior peso político na hora de negociar com
terceiros países e regiões.
Diante desse quadro, pode-se ver que o Mercosul está muito interessado na
região onde se encontra geograficamente. Mas seria interessante perguntar se
esta é a sua prioridade máxima. Em quais âmbitos, então, está priorizando sua
estratégia integracionista? Trata-se de um ou de vários âmbitos? É no nível
sub-regional interno; ou no âmbito hemisférico, priorizando as negociações para
conformar a Associação de Livre Comércio das Américas (Alca)? Ou prefere
aprofundar as relações com o seu maior parceiro comercial e investidor que é a
UE? Ou talvez lhe convenha apostar no âmbito multilateral, enfatizando a
importância da participação nas negociações da Rodada de Doha da Organização
Mundial de Comércio (OMC)?
Para poder responder a essas perguntas cabe-se colocar diversas hipóteses:
além da opção preferida de política exterior, o Mercosul precisa
continuar afiançando a união aduaneira para poder avançar nas etapas
superiores da integração;
é importante se afirmar as relações regionais, principalmente com
os outros países em desenvolvimento, para poder ter um peso maior nas
negociações multilaterais;
a Alca pode ser uma inserção interessante para o Mercosul mas
deveriam ser analisados os empecilhos que podem se colocar, como a
possível negativa norte-americana em suprimir totalmente os subsídios
às exportações, em particular as agrícolas;
as relações Mercosul-UE devem continuar sendo um dos principais
eixos da política exterior mercosulina, em função da importância
dessa relação em prol do Mercosul. A UE é o principal parceiro
comercial e investidor do bloco. No entanto, o Mercosul deverá
insistir em poder afirmar seus interesses para que estes se vejam
refletidos na realidade, como, por exemplo, obter uma maior abertura
agrícola por parte da EU;
as relações com os Estados Unidos (EUA) ou o "4+1" é o cenário
menos favorável hoje. O Mercosul precisa dos seus parceiros latino-
americanos para conseguir maiores benefícios nas relações com os EUA;
as relações com o resto dos países da América Latina são muito
importante para somar os esforços e concretizar resultados em outros
âmbitos, como por exemplo nas negociações multilaterais.
As percepções dos dois maiores parceiros no Mercosul sobre as opções são
diversas. No Brasil, em março de 2003, o Centro Brasileiro de Relações
Internacionais (CEBRI) do Rio de Janeiro, realizou uma pesquisa de opinião2 que
revelou que a prioridade da política comercial brasileira deveria ser a
negociação entre a UE e o Mercosul. Das trezentas pessoas entrevistadas 40,66%
respondeu que as negociações mais importantes para o Brasil deveriam ser as
UE'Mercosul, enquanto 21,78% optou pelo foco no Mercosul, 14,94% pela Alca e
14,73% pela OMC.
Os acordos bilaterais entre o Brasil e outros países latino-americanos
receberam o respaldo de apenas 7,88% dos entrevistados. O que demonstra esta
pesquisa é que para grande maioria dos entrevistados as relações birregionais
Mercosul'UE são as prioritárias. Porém, pode-se argumentar que desde o governo
parece que este resultado não coincide plenamente com o ponto de vista do
presidente Lula, em vários discursos ele afirma que a sua máxima prioridade em
política exterior está na América do Sul.3
Além disso, o presidente Lula sustenta uma postura muito definida a respeito da
Alca. O Brasil exerce, até 2005, a co-presidência das negociações junto com os
EUA, país frente ao qual Lula tem diferido em várias ocasiões. Lula não se opõe
à Alca, mas é muito claro quando afirma que para estas negociações serem bem
sucedidas, os EUA devem abrir seu mercado e retirar as restrições que o país
impõe aos produtos de interesse prioritário para o Brasil como os agrícolas, o
aço e os têxteis, entre outros. Ainda assim, Lula defende a posição que as
negociações devem ser eqüitativas e devem levar em conta os diferentes níveis
de desenvolvimento das economias dos países da região.
O que o presidente Lula está argumentando é a necessidade de crescimento dos
países menos desenvolvidos, este tema está sendo muito debatido. Existem duas
vertentes da literatura econômica empírica que apoiam as hipóteses que a
abertura comercial e a integração à economia mundial beneficiam o crescimento.
Uma agrupa as pesquisas recentes que provam a relação positiva que existe entre
o comércio e o crescimento, a outra analisa diversos cenários de integração e
liberalização do comércio na América Latina, a partir de modelos de Equilíbrio
Geral Computável (EGC) aplicados a diversos países e sub-regiões (Salazar-
Xirinachs, 2002: 61-62).
Na Argentina existem diferentes posições. No discurso do governo do presidente
Kirchner parece que a máxima prioridade está na subregião,isto manifestou-se
especialmente quando Kirchner assumiu a Presidência, quando os primeiros
discursos enfatizavam a vontade política de aliar-se com o Brasil.
Na chancelaria argentina fizeram-se vários estudos econômicos para se
estabelecer de qual alternativa a Argentina se beneficiaria mais. Segundo
fontes da chancelaria4, para esse país existem diferentes alternativas que
devem ser priorizadas. Por exemplo, as negociações com a Alca recebem o mesmo
tratamento quanto às negociações com a UE. Além destes dados, o ex-Secretário
de Relações Exteriores da Argentina e atual secretário de Relações Econômicas
Internacionais, Martín Redrado, publicou um livro em 2003 que inclui
estatísticas realizadas pelo Centro de Economia Internacional (CEI) da
chancelaria, onde sustenta que a maior opção para seu país é uma combinação de
negociações com a Alca e com a UE (Redrado, 2003: 107). Os gráficos_1 e 25
ilustram como cresceriam o PIB, as exportações e as importações da Argentina
com cada uma das opções de política exterior analisada.
Como pode ser observado no gráfico_2, ainda que à Argentina convenha mais um
cenário ideal onde exista o livre comércio mundial, o fato é que ele ainda não
existe, isto se explica pelo fracasso das últimas conferências ministeriais da
OMC. Além disso, hoje não se pode afirmar que a Rodada de Doha, cuja culminação
foi programada para 2005, seja um sucesso. O maior empecilho é a falta de
consensos necessários para se obter um acordo entre os hoje 147 membros da
Organização. Há uma importante fratura entre as posições dos países
desenvolvidos e as dos países em desenvolvimento, as posturas dos desenvolvidos
estão unidas em torno do acordo entre os EUA e a UE por um lado e, por outro o
Japão. Todos eles são partidários dos subsídios agrícolas às exportações que
prejudicam os produtos dos países menos ricos. Do outro lado encontram-se os
países pobres e em desenvolvimento que criticam esta incoerência por parte dos
desenvolvidos, que se por um lado advogam o livre comércio mundial, não
praticam em casa estes preceitos, pois somente estão dispostos a retirar parte
de suas barreiras protecionistas.
Em setembro de 2003 teve lugar em Cancún a V Conferência Ministerial da OMC,
com o objetivo de revisar a Agenda de Doha referente ao desenvolvimento,.
apesar das expectativas criadas não foram atingidos os consensos necessários
para se avançar nas negociações. A postura de países em desenvolvimento como
Argentina, Brasil, México, Índia, China, África do Sul, Tailândia, Costa Rica,
Chile, Guatemala, Paraguai, Peru e outros se viu frustada. Estes países muitos
dos quais agrupados no Grupo de Cairns6, cobraram a abolição total dos
subsídios às exportações praticadas pelos países desenvolvidos, começando pelos
bens com interesse para os países em desenvolvimento. Esta proposta não foi
considerada pelos EUA e a UE, que propõem eliminar paralelamente os subsídios e
créditos à exportação somente em determinados setores, e simplesmente reduzir
os demais sem os abolir totalmente.
O "nó" nas negociações multilaterais, especialmente no tema agrícola, gera uma
grande frustação nos países em desenvolvimento. As posturas nesta questão estão
muito polarizadas. A UE argumenta, para defender-se das críticas dos países em
desenvolvimento, que é o primeiro importador mundial de produtos agrícolas,
sendo que 63% destes procedem de países em desenvolvimento enquanto 36% destas
estão enquadradas por acordos preferenciais com estes países. Segundo a UE,
estes dados demonstram que ela importa dos países pobres mais que os EUA,
Canadá, Japão, Nova Zelândia e Austrália juntos.7 No entanto, esse argumento
não convence aos países menos desenvolvidos, que argumentam que as barreiras
protecionistas da UE geram uma alta porcentagem de pobreza no mundo.
Outro dos grandes fracassos da última Conferência Ministerial em Cancún foi que
não houve avanços substanciais nas negociações de outros temas importantes como
serviços, bens não-agrícolas, propriedade intelectual, regras de comércio,
solução de controvérsias, comércio e meio ambiente, entre outros. Finalmente, a
Conferência Ministerial terminou em 14 de setembro de 2003 sem consenso,
enquanto seus participantes permaneciam aferrados a suas posições, em
particular no que diz respeito aos "Temas de Singapura" (comércio e
investimentos, comércio e política de concorrência, transparência de licitações
públicas e facilitação do comércio).
Entretanto, a quase um ano do cenário pessimista de Cancún, no final de julho
de 2004 apresentaram-se boas notícias: o relançamento das negociações
comerciais da OMC iniciadas em Doha em novembro de 2001. Se alcançou um acordo
marca a favor de uma maior liberalização comercial internacional. Este acordo é
importante para o Mercosul porque abre o caminho para eliminar as distorções em
matéria de subsídios para a exportação de produtos agrícolas.
Apesar dos poucos avanços que vislumbra o Mercosul no âmbito multilateral, é
importante que os quatro países continuem participando nesse tipo de foro de
maneira conjunta, para conseguir um maior peso político. Ademais, é crucial que
formem coalizões com países que têm os mesmos interesses, como é o caso dos que
apresentaram a contraproposta aos EUA e à UE na véspera da reunião da OMC em
Cancún. No entanto, atualmente isto não acontece: Uruguai não pertence ao G-20
e, portanto, o Mercosul não tem uma voz unificada na OMC.
Diante do stand byem nível multilateral, o mais lógico é pensar que talvez o
que possa funcionar melhor é afiançar o âmbito regional. Nas Américas se está
vivendo muito lentamente este processo, desde a Cúpula de Miami, em 1994, que
deu origem às negociações para se concretizar uma área de livre comércio entre
seus 34 países. Embora não esteja claro poder-se-á atingir o objetivo de
concretizar a Alca em 2005, para alguns analistas animosos são positivas as
projeções dos benefícios que o Mercosul terá uma vez que se atinja o objetivo.
A Alca promete abrir mercados desde o Alasca até a Terra do Fogo, incluindo os
agrícolas, e também eliminará uma série de regras de origem incluídas nos
acordos que foram assinados no continente (Nogués, 5 de maio de 2003).
Para os otimistas, a incorporação dos quatro países do Mercosul à Alca trará os
benefícios de um mercado ampliado e o benefício de eliminar as preferências que
foram sendo estabelecidas nas Américas em nível sub-regional, produto dos
acordos assinados a partir dos anos 90. Por exemplo, a partir do Nafta, os EUA
afastaram a Argentina de suas exportações anteriores de girassol para o México.
Em 1994, a Argentina exportou para o México 78 milhões de dólares deste produto
enquanto que em 2000 a cifra reduziu-se a apenas 3,6 milhões de dólares. Com a
Alca tanto a Argentina quanto os EUA estarão em " pé de igualdade" nas
condições de exportações para o México (Nogués, 5 de maio de 2003).
Entre as conseqüências positivas da Alca os analistas otimistas ressaltam que
ao reduzir as barreiras protecionistas, beneficiar-se-ia o setor produtivo
exportador e estimular-se-ia o consumo interno de bens importados (Nogueira
Maciente, 29 de maio de 2000: 65).
No entanto, também existem posturas pessimistas sobre a incorporação do
Mercosul à Alca. O maior obstáculo que se vê para o Mercosul são as atitudes e
interesses dos EUA, que não coincidem sempre com os do Mercosul. Os céticos
também argumentam que não é certo a Alca garantir aos países latino-americanos
o acesso ao enorme mercado norte-americano devido às barreiras alfandegárias
que os EUA impõem. Por exemplo, hoje não se acredita que os EUA eliminem os
subsídios às exportações, e nem se vislumbra que isto ocorra a curto prazo.
Deve-se ter em conta que o presidente George W. Bush durante a campanha
eleitoral de 2004 se aproximou dos agricultores, especialmente os do sul do
país, e é pro vável que mantenha a prática protecionista para cumprir com as
promessas da campanha.8
Outro problema que virá junto a Alca é a recomposição do comércio: se produzirá
desvios de comércio nas Américas que podem gerar a insatisfação dos sócios
comerciais tradicionais do Mercosul, claramente a UE. Assim mesmo, outra
conseqüência desse processo é que os atuais acordos sub-regionais perderão
força. As cifras do comércio entre Brasil e Argentina, por exemplo, diminuirão
em certa medida, devido ao desvio de comércio que aproveitarão outros países
que, por sua vez, ganharão quota de participação comercial que antes estava
reservada para a área geográfica mais próxima. Essa situação também se ilustra
com o seguinte quadro (Redrado, 2003: 109).
É interessante notar que com qualquer das opções as relações comerciais da
Argentina com Brasil sofrerão uma perda de importância. Isto pode ter
conseqüências negativas para a integração sub-regional, já que os dois
parceiros maiores estarão menos integrados.
As estatísticas brasileiras também dão conta do mesmo problema. Em seguida se
apresenta o quadro 2, no qual se analisa a redução comparada do comércio
brasileiro para o Mercosul frente aos dois cenários: as relações Mercosul-UE e
a opção Alca.
Esses dados são curiosos porque apontam que a formação da Alca eduziria menos o
comércio bilateral entre Brasil e Argentina que no caso do acordo com a UE.
Outra particularidade que se depreende destas cifras é que são todas negativas:
quer dizer que o comércio entre Brasil e seus parceiros do Mercosul diminuirá
em todos os casos, produzindo-se um desvio de comércio fora do Mercosul.
Os pessimistas frente à Alca também chamam a atenção para um tema importante.
As populações do Mercosul ' especialmente depois das últimas crises - mostram-
se em geral céticas quanto aos efeitos sociais da abertura econômica de seus
países, a qual ' sustentam ' somente cumpriram às cegas as receitas dos
organismos financeiros internacionais e, como conseqüência, somente conseguiram
incrementar de maneira sustentada os índices de pobreza. Muitas foram as
manifestações de grupos sociais contra a Alca baseadas nos argumentos
anteriores. Um outro setor que se opõe a Alca é o sindical dos quatro países,
agrupado na Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul (CCSCS).9 Esta
congregação mantém-se muito ativa e apresenta propostas periódicas aos governos
do Mercosul com vistas que estes as ponham em prática. A mesma não está de
acordo com uma integração do Mercosul à Alca, mas vê com bons olhos a idéia de
ampliar o Mercosul para mais países sul-americanos.
Atualmente, enquanto não se subscreve a Alca, o Mercosul continua afiançando
relações bilaterais através de acordos com alguns países latino-americanos. Em
2002 tiveram início formalmente as negociações para a celebração de um acordo
de livre comércio com o México, e foi assinado um acordo que permitirá à
Argentina exportar 50 mil veículos com taxa zero. Por outro lado, também se
acordou em aprofundar o Acordo de Complementação Econômica com o Chile que,
entre outros, abarca produtos alimentícios, petroquímicos e medicamentos, assim
como incrementa o intercâmbio de veículos e autopartes.
Importância que outorga o Mercosul às relações Mercosul ' UE
Outra alternativa interessante que se apresenta para o Mercosul é a frente
birregional ou inter-regional: a aliança com a UE. Como já foi mencionado, o
Mercosul dá um grande valor a esta região. No entanto, deve-se esclarecer que o
grau de interesse é mutuamente assimétrico.
O Mercosul sempre pos seus olhos na UE por considerá-la uma região de grande
envergadura no âmbito histórico e cultural. No aspecto político, para o
Mercosul é muito importante o apoio e a transmissão de experiências que lhe
brinda a UE, especialmente por seu reconhecimento político ao processo de
integração. Assim mesmo, a UE constitui o mercado mais importante para o
Mercosul (ver gráficos_3-5 sobre comércio e investimentos).
Deve-se assinalar que, apesar destas cifras, até o momento os intercâmbios
comerciais resultam deficitários para o Mercosul e ainda existem produtos
sensíveis entre ambos (Pueyo Losa e Rey Caro, 2000: 161). Por outro lado, o
Mercosul vê a UE como um meio para conseguir investimentos e transferências de
tecnologia, ademais, a UE representa a primeira fonte de cooperação.
A UE possui interesses de diversa índole. Em primeiro lugar, sempre se ressalta
a nível retórico o aspecto cultural e os laços históricos que unem os europeus
aos países do Mercosul. Mas, fundamentalmente, o Mercosul é importante para a
UE nos aspectos econômicos e políticos. No plano econômico, a UE considera que
o Mercosul é uma zona economicamente emergente com um grande potencial (apesar
das crises recentes que ainda não foram totalmente superadas), com a qual
deseja estabelecer laços comerciais e financeiros. A nível político, para a UE
é importante ressaltar a estabilidade política do Mercosul e sua integridade
regional. Cabe assinalar que durante o estalido da crise argentina, por
exemplo, houve várias declarações de apoio por parte de funcionários europeus,
o que demonstra o interesse europeu que a região se mantenha estável.
Entretanto, para a UE o Mercosul representa somente uma baixa porcentagem de
suas importações e, ademais, alguns países europeus consideram que esses países
sul-americanos são competidores no setor agrícola. Este tema merece uma análise
profunda devido à importância que possui para ambos.
Por que é importante o tema agrícola nessas negociações birregionais? Para o
Mercosul, em primeiro lugar, porque a UE é seu principal mercado de exportação.
Como se pode observar no quadro 3, entre 2000 e 2001, 61% do total das
exportações de alimentos e produtos agrícolas do Mercosul dirigiu-se à UE. Esta
porcentagem correspondeu a 80% da Argentina e 57% do Brasil.
O quadro anterior ilustra as diferenças entre os quatro parceiros do Mercosul,
está claro que o país mais interessado em concretizar o quanto antes o acordo
com a UE é a Argentina. Os dados do Brasil são diferentes e isso pode criar uma
divergência entre os sócios maiores. Não é casual que o Brasil esteja
priorizando para o Mercosul uma agenda de política exterior diversificada, que
inclusive toma em conta os países asiáticos e do Oriente Médio como os países
árabes, Índia e China,11 para a Argentina, essas relações não são relevantes.
Para este país, é evidente que a cifra de 80% de suas exportações agrícolas
para a UE tem um grande peso. O setor agrícola é, evidentemente, prioritário.
Um dado importante de destacar é que as exportações agrícolas do Mercosul estão
limitadas a um número pequeno de produtos com um baixo valor agregado. Entre os
10 principais produtos agrícolas que o Mercosul exporta para UE encontram-se:
farinha de soja e soja em grãos; brotos de soja; carne (resfriada e congelada);
café; frutas cítricas; carne e miúdos; cereais; maçãs e peras frescas;
amendoins sem casca; tortas, farinhas e grãos.
Outro tema espinhoso corresponde às barreiras não-arancelárias que a UE impõe a
suas importações, sendo uma delas de caráter sanitário e fitossanitário, de
etiquetagem e de traçabilidade. Esse último rubro é uma nova barreira que exige
a identificação de transgênicos. Os europeus, em geral, apesar da última
reforma da Política Agrícola Comum (PAC),12 mostram-se reticentes a comprar
produtos que representam uma grande porcentagem da produção argentina de
cereais. A demais, produtos como os cereais, a carne e os lácteos (onde o
Mercosul tem uma vantagem comparativa) sofrem uma escalada das taxas
alfandegárias. Isto explica porque é tão importante para o Mercosul chegar a um
acordo em matéria agrícola com a UE.
Entretanto, como assinala Sheila Page,13 para a UE também é importante chegar a
um acordo nesta matéria porque esta é dependente de certos produtos
agropecuários que exporta para o Mercosul. Entre estes produtos se destacam o
porco que se exporta para a Argentina (que representa 63.53% do total das
exportações agrícolas europeias a este pais); as azeitonas e o azeite de oliva,
e os vinhos e champagnesque se exportam ao Brasil (que representam 30,l9% e
28,74% do total das exportações agrícolas comunitárias para o Brasil); o tabaco
e as frutas, legumes e vegetais que se export a ao Uruguai (27,24% e 23,95% do
total comunutário exportado a esse país). Cabe esclarecer que, se se considerar
a totalidade das exportações agrícolas da UE para o Mercosul, estas são
limitadas: a UE importa 13,2 bilhões de euros ao Mercosul e exporta apenas 0,6
bilhões de euros, o que demonstra que a UE tem um déficitcomercial com o
Mercosul nesta categoria de produtos. Também é pouco considerável o comércio
total da UE com o Mercosul. Em 2002, o Mercosul somente representou 2,4% do
comércio de mercadorias da UE. No comércio de servíços, o número é ainda menor:
1,3% (Eurostat, 2004). Isto significa que os temas referentes ao acesso a
mercados e questões relacionadas com as medidas sanitárias e fitossanitárias
não representam grande preocupação para os europeus, ao contrário, como se
analisou anteriormente, são muito importantes para o Mercosul.
A grande diferença que se pode observar nos enfoques de ambas as partes sobre a
questão agrícola é que o Mercosul sustenta uma postura liberal, enquanto que a
UE é protecionista. O Mercosul assume um comportamento tradicional do bem-estar
econômico: a liberalização aumentará as rendas. A crítica mercosulina à PAC
insiste em que os subsídios encarecem os produtos finais, reduzindo a renda dos
consumidores europeus, de maneira direta ou por meio de impostos. Também
aumenta os custos e reduz a competitividade dos produtores europeus (de maneira
direta na agricultura e indireta ao aumentar o custo da mão-de-obra). A
conseqüência geral é que o sistema reduz os lucros totais europeus.,a baixa
demanda européia reduz o bem-estar de todos que queiram exportar para a UE.
Isto é particularmente negativo para os países que possuem uma dependência da
agricultura superior à média de suas exportações e importem basicamente
manufaturas (como no caso do Mercosul). Esta situação implica em uma distorção
desfavorável em seus termos de troca e na redução de suas rendas.
Ao contrário, a posição européia é protecionista porque se baseia no conceito
de multifuncionalidade. Esta concepção afirma que a UE deve ter uma política
intervencionista na agricultura para cumprir com diferentes objetivos
relacionados ao tema agrícola como a distribuição de rendas, a segurança
alimentar, a qualidade dos produtos agrícolas e a manutenção de ambiente rural
adequado (Page e Valladão, 2003: 19-22). Todos estes fatores indicam a
importância que a UE outorga à PAC, que não é somente uma política agrícola,
mas também econômica e social.
Muitas vêm sendo as críticas feitas ao conceito da multifuncionalidade. Estas
não têm se manifestado somente desde o Mercosul, mas o conceito tem sido
questionado também desde o interior da UE. Por exemplo, Sheila Page destaca que
a aplicação da PAC possui várias inconsistências, entre as quais afirma que
esta política:
se baseia na preocupação pelo meio ambiente, no entanto não o
protege já que os pequenos produtores são os que mais o danifica.
teve como objetivo alcançar uma auto-suficiência, mas esta não se
modificou quando alcançou um nível de superprodução;
está instrumentalizada para apoiar aos pobres, mas na realidade
apoia aos pequenos produtores.
impõe taxas distintas em diversos níveis, com a idéia de apoiar os
países menos desenvolvidos, mas são prejudiciais e discriminatórias
para os países em desenvolvimento. (Ademais, os menos desenvolvidos
não incluem países pobres como Índia, Paquistão, China e Indonésia);
se baseia no conceito de auto-suficiência, aponta para uma
preocupação com os consumidores internos, para que lhes assegure o
tipo de produtos que consomem;tenham acesso a quantidades adequadas;
possam confiar nos standards; tenham informação sobre o uso ou a
ausência de métodos orgânicos, a ausência ou presença de Organismos
Modificados Geneticamente (OGM), etc. Em princípio, isto pode-se
alcançar com o cumprimento da traçabilidade e de etiquetagem
adequada. No entanto, fica claro que a intenção é que a UE seja auto-
suficiente. Disto pode-se depreender outras conclusões: a falta de
confiança que os europeus têm na traçabilidade e etiquetagem
extraeuropéias e a falta de vontade de consumir produtos que não
sejam comunitários. Neste ponto a autora detecta certo grau de
xenofobia (Page e Valladão, 2003: 22-23).
Todos os argumentos apresentados anteriormente indicam que as posturas da UE e
do Mercosul são substancialmente divergentes em relação à questão agrícola.
Fica claro, então, porque o Acordo de Associação Inter-regional vem sendo
negociado há vários anos. O que ficou demonstrado é que o acordo trará
benefícios para o Mercosul que, se souber aproveitá-los, poderá incrementar
suas exportações e conseqüentemente alcançar um maior crescimento econômico.
Entretanto, é evidente que o crescimento não se alcançará de maneira automática
apenas com a assinatura do Acordo. Para se observar mudanças realmente
importantes, cada um dos governos do Mercosul deve preocupar-se em aumentar seu
nível de produtividade e cuidar da questão social, colocando especial atenção
no tema do emprego. Este último ponto é fundamental para se manter a
estabilidade da sub-região, que tanto preocupa a latino-americanos e a
europeus.
Implicações do Acordo de Associação Inter-regional UE ' Mercosul
Do ponto de vista estritamente econômico, pode-se afirmar que o Acordo de
Associação Inter-regional será benéfico para o Mercosul porque conseguirá uma
maior liberalização por parte da UE, obtendo melhor acesso a seu mercado. Em
outras palavras, quando o mercado birregional estiver quase totalmente
liberalizado, o Mercosul assegurará um mercado onde poderá colocar seus
produtos quase sem restrições. É importante ter em conta que o acordo implicará
em um mercado de mais de 680 milhões de consumidores e aumentará os
intercâmbios comerciais entre a UE e o Mercosul, que chegará a 40 bilhões de
dólares (31,7 bilhões de euros) por ano.14
Por outro lado, o acordo produzirá mudanças positivas no interior dos países do
Mercosul, produto dessa liberalização. Assim, por exemplo, a Argentina prevê
que com o acordo aumentará seu PIB em 4,5% e as exportações argentinas
crescerão em 16% (Redrado, 2003: 130).
Tendo em vista que a ampliação européia já é um fato, o Mercosul poderá
exportar 20% mais de consumidores do que antes de 1º de maio de 2004. Porém,
não se deve esquecer que muitos países que recentemente se incorporaram à UE
também são competitivos em matéria agrícola. Pode-se citar o caso da Polônia,
que é o maior país dos dez novos membros comunitários, e que tem uma alta
porcentagem da sua população empregada na agricultura.
O acordo também poderá melhorar as condições relativas que o Mercosul tem em
relação a seus competidores comerciais. É importante lembrar que a UE faz uma
minuciosa diferenciação nas suas preferências comerciais; neste contexto, hoje
o Mercosul não é o grupo que mais se beneficia. Hoje, a UE inclui o Mercosul no
regime do Sistema Generalizado de Preferências (SGP), o qual lhe garante uma
redução nos direitos de exportações. Porém, estas margens de preferências
outorgadas ao Mercosul são mínimas se comparadas com o maior acesso
preferencial que a UE concede a outros agrupamentos de países como os Países
Menos Desenvolvidos (LDC por sua sigla em inglês), os ACP (países da Ásia,
Caribe e Pacífico), e os países da Bacia do Mediterrâneo (Euromed). As
preferências outorgadas a esses países encontram-se na mesma gama de produtos
exportados pelo Mercosul.
Outro ganho que se pode obter do acordo é a concreção de um capítulo sobre
regras de origem que seja justo e razoável para as duas partes. Hoje a UE impõe
estritas regras de origem aos países do Mercosul, com o objetivo de limitar o
desvio de comércio que se produz quando um produto proveniente de um terceiro
país ingressa no Mercosul e, em seguida, é exportado para a UE. Esta restrição
impede que o Mercosul exporte para a UE um produto com um alto valor agregado
que contenha insumos provenientes de terceiros países fora do Mercosul. As
regras de origem devem ser claras e não se transformar em barreiras comerciais
ou em um freio para o desenvolvimento.15
Finalmente, é preciso analisar as negociações do acordo depois da III Cúpula de
Chefes de Estado e de Governo da UE e da América Latina e o Caribe, que
celebrou-se em Guadalajara entre os dias 28 e 29 de maio de 2004. Nesse
encontro, os eixos temáticos que se discutiram foram: coesão social, processos
de integração e fortalecimento do multilateralismo. Esta pauta demonstra como o
diálogo político entre a UE e América Latina e Caribe está priorizando questões
menos debatidas no topo da agenda internacional atual. Hoje, está claro que os
EUA dominam a agenda mundial de maneira unilateral e que o assunto mais
importante para esse país é a luta contra o terrorismo. Mas não é casual que a
UE esteja interessada em realizar discussões em matéria de integrações, apesar
das negociações para concretização da Alca não avançarem com rapidez, a UE está
preocupada pela possibilidade de ser deslocada pelos EUA na região, não só no
nível político, mas também no nível econômico. Na análise das relações UE-
Mercosul, esta questão é ainda mais importante, se lembrarmos que a UE é o
principal parceiro comercial e investidor nessa sub-região. A concreção da
Alca, talvez seja o primeiro objetivo a ser atingido pelos EUA na região, o que
não seria conveniente para a UE.
Por outro lado, embora alguns governos otimistas esperassem que durante essa
reunião de cúpula o Acordo de Associação Inter-regional Mercosul-UE poderia ser
concretizado, o que se confirmou foi a expectativa de realizá-lo o até o
seguinte mês de outubro (o que também não aconteceu). Depois de Guadalajara as
rodadas de negociação que se seguiram não foram fáceis. Em julho, por exemplo,
durante a XV Rodada em Bruxelas, o contingente do Mercosul retirou-se por
considerar que as reduções das taxas alfandegárias em matéria agrícola
propostas pela UE não eram suficientes. Em agosto celebrou-se a XVI Rodada em
Brasília, que foi iniciada em um cenário otimista, justamente depois de ter-se
alcançado o compromisso da OMC de recortar os subsídios agrícolas. Se
acreditava, nessa oportunidade, que esse fato alentaria as negociações para
concretizar o tão esperado acordo UE-Mercosul.
A data exata fixada para se assinar o acordo era 31 de outubro de 2004, quando
finalizava o mandato da equipe da Comissão Européia liderada por Romano Prodi.
No entanto, em 20 de outubro os negociadores reunidos em Lisboa decidiram seu
adiamento e convocaram uma nova reunião ministeral para o o primeiro trimeste
de 2005. As discussões se travaram especialmente em dois temas: produtos
agrícolas e bens industriais. Basicamente não houve um consenso pois cada parte
rejeitou as exigências da outra. O Mercosul pedia que a UE abrisse mais seu
mercado de produtos agrícolas, carne bovina, cereais e açúcar por meio de cotas
de importação mais amplas. A França foi o país que mais resistiu a essa
petição. Os europeus, por sua vez, solicitavam que o Mercosul se abrisse mais
em termos de não-discriminação e de segurança jurídica para seus investidores,
em particular, no que se refere a compras governamentais e o setor de serviços.
Sobre ess último aspecto, a Dinamarca estava interessada na abertura dos
serviços marítimos e a Espanha nos chamados serviços coletivos ou utilities(que
incluem principalmente: eletricidades, gás natural, lixo e água). Outros
fatores que travaram as negociações foram os conflitos jurídicos entre certos
grupos espanhóis e franceses com o governo argentino desde a desvalorização do
peso em janeiro de 2002.
Dessa forma, fracassaram as negociações de 2004 para concretizar o acordo que
criaria a zona de livre comércio mais ampla do mundo.
Conclusões
Este artigo teve por objetivo analisar quais as alternativas de integração do
Mercosul e quais deveriam ser priorizadas. Nesse contexto, foi priorizada a
análise das relações Mercosul - UE. Depois dos argumentos acima expostos, pode-
se realizar um balanço, o Mercosul está atravessando uma etapa de transição.
Passado o turbilhão crítico da crise argentina que afetou os países vizinhos e
enfraqueceu a união aduaneira, a região começou a ter esperança. As eleições
presidenciais que aconteceram entre 2002 e 2004 nos quatro países que o
conformam, mudaram tanto os chefes de Estado quanto o rumo das políticas
exteriores desses países. É importante lembrar que a natureza institucional do
Mercosul é de caráter intergovernamental, isto é, o bloco é regido pelos
acordos entre presidentes, a diferença da natureza institucional européia, que
é baseada em instituições comunitárias, tendo portanto um caráter
supranacional. Após a mudança dos quatro governos no seu interior, é lógico que
o rumo da política exterior desses paises se defina.
O período de 2002-2003 trouxe ares de esperança posto que os governos de Lula e
de Kirchner possuíam grande coincidências em seus enfoques, e ambos priorizavam
o Merocsul. Mas não possou muito tempo até que voltassem a sentir um mal-estar
no interior do Mercosul. É evidente que a crise argentina passou seu pior
momento mais ainda não está resolvida e coloca um grande desafio para o
Mercosul. Seus efeitos foram muito severos para setores que se viram ameaçados
pela concorrência brasileira. Diante desse cenário, é lógico que se questione
se as medidas protecionistas impostas pelo governo argentino, em meados de 2004
serão provisórias ou serão mantidas por mais tempo. Nesse último caso, estar-
se-ia atentando contra os objetivos da união alfandegária. A solução será que o
governo argentino defina uma política de incentivos a sua indústria nacional
para que esta possa se fortalecer e não dependa mais de medidas protecionistas.
O caso barasileiro pode servir de modelo, já que neste país as empresas recebem
financiamentos, por exemplo, Brasil conta com o BNDES (Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico), que apoia as empresas em casos de licitação. Também
apoio às PYMES por meio do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas). Em suma, a coordenação macroeconômica e industrial entre
Argentina e Brasil é fundamental, assim como a redefinição do papel que deverão
desempenhar as incipientes instituições do Mercosul.
Evidentemente, as polítics individuais e não coordenadas entre os quatro países
darão fortaleza a união alfandegária. Por outro lado, o caráter
intergovernamental do Mercosul faz com que a coordenação entre esses países em
política externa seja frágil. Portanto, para que o Mercosul se fortaleça é
primordial somar forças para poder defender interesses comuns, isto atualmente
não acontece completamente como, por exemplo, no fato do Uruguai não pertencer
ao G-20 evitando uma única voz do Mercosul na OMC. O Uruguai, ademais, decidiu
adiantar-se e assinar um Acordo de Livre Comércio com o México, o qual ainda
não se concretizou com os outros três membros do Mercosul na OMC. O Brasil, por
sua vez, em várias ocasiões negocia sozinho em foros multilaterais, ou une-se a
países que não pertencem à sub-região. Tal é o caso de seu recente ganho
diplomático no dictamenque a OMC fez a seu favor no tema do açúcar.
Pela natureza intergovernamental do Mercosul pode-se argumentar, ademais, que
ao mudar três adminsitrações em seu interior é lógico que o rumo da política
externa dos quatro se redefina. As alternativas de integração, porém, não são
novas, também estiveram presentes durante os governos anteriores, o que mudou
foi o foco e também as prioridades. Agora o Mercosul tem governos com uma maior
sensibilidade social e que sustentam uma visão importante: desejam lançar uma
estratégia exportadora agressiva e querem participar ativamente em todos os
foros, priorizando diferentes âmbitos. Países como Argentina ou Brasil, que
sofreram importantes desvalorizações em suas moedas, devem aproveitar o câmbio
competitivo para exportar mais e atingir um maior crescimento.
As diferentes opções de integração política e econômica do Mercosul não são
excludentes, mas sim complementares. As estatísticas e as opiniões desde
Argentina e Brasil priorizam mais as relações com a UE e com a Alca, sendo a
opção da integração com a UE a preferida. Quando a alternativa Mercosul - Alca
foi analisada, os argumentos pessimistas foram superiores aos otimistas. Isto é
um ponto a favor da idéia de se querer enfatizar as relações Mercosul-UE. Não é
casual que nas pesquisas de opinião esta última opção seja privilegiada. É
claro que os povos do Mercosul têm uma maior preferência política pela Europa
do que têm pelos EUA.
A alternativa sub-regional, especialmente o fortalecimento do Mercosul e a
idéia de mantê-lo aberto à incorporação de novos membros é fundamental. Além
disso, é crucial que o Mercosul saiba identificar quais são seus interesses e
com quem os compartilha. É assim que a nível multilateral o Mercosul deveria
continuar apoiando as propostas dos países com idéias em comum, como as do
Grupo de Cairns e as de países como o México e a Índia. Depois do fracasso da V
Conferência Ministerial de Cancún, pode-se perceber uma desilusão em relação ao
multilateralismo, que pode por sua vez fortalecer outras alternativas como as
relações bilaterais ou inter-regionais.
Nesse contexto, as relações UE ' Mercosul encontram-se enquadradas numa
situação global privilegiada: perante o descrédito que inspira o âmbito
multilateral, e perante a rejeição da maioria dos Estados das duas regiões ao
unilateralismo dos EUA, as condições são favoráveis para se criar as bases de
uma relação bi-regional mais sólida. Como foi assinalado pelo presidente Lula
em março de 2004, durante seu discurso de abertura da 7ª Cúpula Brasil-
Portugal, em referência às relações UE'América Latina e Caribe: "Vivemos um
momento altamente favorável para esse diálogo". Agora depende das duas partes
aproveitarem estas circunstâncias positivas.
Porém, o caminho que o Mercosul tem diante de si não é fácil. Muitas vezes
ouvem-se expressões de altos funcionários tanto latino-americanos quanto
europeus, que afirmam o desejo de estabelecer uma aliança estratégica entre as
duas regiões. Poderia ser interessante impulsionar um debate sobre a
significação desse conceito. Acima de tudo, a aliança estratégica hoje parece
ter vários desafios: no mesmo mês que se celebrará a III Cúpula de Chefes de
Estado e de Governo entre a UE e América Latina e o Caribe concretizou-se a
ampliação européia, as conseqüências deste acontecimento não devem ser
menosprezadas. É previsível que muitos investimentos europeus sejam deslocados
para a Europa Centro-Oriental, descuidando, talvez, das possibilidades que
antes se abriam para a América Latina. Contudo, a UE deveria ter presente que
caso se retire de forma massiva da América Latina, esses espaços podem ser
ocupados pelos investimentos norte-americanos. Hoje, apesar das negociações
para a formação da Alca, esta opção não parece ter um apoio nem político nem
social; nem desde a Europa nem desde o Mercosul.
Finalmente pode-se argumentar que hoje a UE e o Mercosul encontram-se em um
mundo que está se reconfigurando; onde a vontade política expressa-se a favor
do afiançamento dos vínculos birregionais em vários âmbitos, especialmente na
política, na economia e na cooperação.
Porém, o desafio é grande e tem que ser assumido com responsabilidade, para
poder aproveitar os benefícios da tão desejada aliança estratégica entre dois
espaços que sempre se atraíram mutuamente.
Desde o Mercosul, pode-se interpretar que este processo de integração encontra-
se hoje diante de diferentes vias que podem ser aproveitadas. Porém, o Mercosul
deve ter presente que a sua fortaleza interna não é uma necessidade, mas um
imperativo para a sua sobrevivência e para o poder de negociação que pode obter
nos foros externos.