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BrBRHUHu0100-512X2008000100003

BrBRHUHu0100-512X2008000100003

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN0100-512X
ano2008
Issue0001
Article number00003

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O internalismo pode integrar uma análise correta do conceito de conhecimento?

1 Considerações iniciais Para respondermos corretamente à pergunta-título, precisaremos antes fazer algumas considerações. Uma delas é a de que nossa resposta, quer seja positiva, quer negativa, será dada no âmbito da disputa internalismo vs. externalismo em relação à obtenção de uma análise correta do conceito de conhecimento. Mais especificamente ainda, nossos esforços estarão concentrados na disputa em torno da análise do conceito de justificação da crença pró-análise do conceito de conhecimento.2 Por isso, aqui serão relevantes apenas propostas postulando que, se um indivíduo qualquer conhece uma determinada proposição, então esse indivíduo está justificado em crer naquela proposição. Queremos chamar tais propostas de "justificacionistas" e propor-lhes a seguinte análise parcial: (PJ- Sejam S um indivíduo e P uma sentença declarativa quaisquer, uma proposta de nista) análise do conhecimento é justificacionista se e somente se ela postula a necessidade da ocorrência e do relacionamento de um ou mais fatores internos a S para com a crença de S de que P.3 Nesse caso, quer uma proposta seja internalista, quer seja externalista, sendo ela justificacionista, terá de exigir que a crença de S esteja associada a um ou mais fatores internos a S para que a crença de S esteja justificada. Nesse caso, temos uma questão para resolver: Se, para ser justificacionista, uma proposta necessita exigir que fatores internos a S estejam em correlação com a crença, poderia uma proposta externalista ser justificacionista? Uma resposta poderá ser dada através de um contraste entre postulados expressos em propostas externalistas e internalistas. Ou seja, enquanto propostas internalistas postulam que apenas fatores internos a S são relevantes para a justificação doxástica,4 propostas externalistas justificacionistas postulam que fatores externos a S são também relevantes para a justificação doxástica.

Conforme dissemos pouco, é na disputa internalismo vs. externalismo em justificação doxástica pró-análise do conhecimento que estamos interessados aqui. No entanto, queremos fazer uma restrição ainda maior no exame dessa disputa. Ou seja, queremos limitar nossa preocupação neste artigo às propostas justificacionistas modais de análise do conhecimento. Mas o que seria uma proposta modal de justificação da crença pró-análise do conhecimento? Nossa resposta é a seguinte: (PJ- Se uma proposta justificacionista pró-análise do conhecimento é modal, então nista ela estabelece que, se S está justificado numa crença, S usa um ou mais de seus modal) fatores internos como um modo para alcançar conhecimento.5 A proposta anterior permite-nos introduzir um novo problema, a saber: o que é um modo de S para alcançar conhecimento? Vamos responder a essa pergunta em duas etapas: primeiro, vamos oferecer uma definição geral para o conceito de modo de S. Depois, considerando que, dentre as diferentes metas/propósitos/ objetivos etc. de S, as que mais nos interessam aqui são as metas/propósitos/ etc. epistemológicos de S, ofereceremos uma definição específica para o conceito de modo epistemológico de S. Ou seja: (DMS) m é um modo de S = Df m é um conjunto de procedimentos executados por S para alcançar uma determinada meta/propósito/etc. de S.

(DMES) m é um modo epistemológico de S = Dfm é um conjunto de procedimentos executados por S para alcançar sua meta/propósito/etc. de adquirir conhecimento.

Se considerarmos que um modo é algo que algo, ou alguém, faz no tempo-t para alcançar em t' uma determinada meta (onde t'> t), então um modo é um conjunto/ seqüência de procedimentos (ações e/ou operações) que um agente executa para alcançar uma determinada meta. E, sendo assim, o conceito de modo não pode ser definido independentemente do conceito de meta. Em outras palavras, ao atribuirmos o conceito de modo a certos procedimentos de um agente, nós também atribuímos ao usuário daquele modo o conceito de posse de uma meta. Isso posto, poderíamos agora perguntar se o conceito de meta poderia ser analisado independentemente do conceito de modo. Ou, em suma, se poderíamos atribuir o conceito de meta sem atribuirmos o conceito de modo. Nós acreditamos que sim e, para prová-lo, faremos uso do seguinte exemplo: primeiro, vamos imaginar alguém ' S ' do qual disséssemos proceder de modo a alcançar sua meta de ter uma vida saudável. De acordo com o que enunciamos antes, quando atribuímos o conceito de modo aos procedimentos adotados por S, também atribuímos a S o conceito de ter uma meta. Nesse caso, ao dizermos de S que ele procede de modo a alcançar sua meta de ter uma vida saudável, também dizemos dele que tem como meta ter uma vida saudável. Agora vamos supor que o agente de nosso exemplo parasse de proceder tal como imaginamos no início de nossa hipótese, porém, tudo mais permanecendo o mesmo. O ponto é se deixaríamos, ou não, de atribuir a S a meta de viver uma vida saudável. Nossa resposta é a de que não deixaríamos de fazê- lo. Sendo esse o caso, estaríamos dizendo que S tem a meta de ter uma vida saudável, porém sem lhe atribuir a execução de qualquer modo para alcançar aquela meta. Em suma, isso nos permite afirmar que, se algo é uma meta, então tal coisa está correlacionada a um modo, porém não o inverso. As considerações anteriores também nos permitem concluir que: se uma proposta de análise do conhecimento é justificacionista modal, ela estabelece que, se S sabe que P, S executou um modo para alcançar sua meta de obter conhecimento.

As seguintes objeções, porém, poderiam ser efetuadas contra (DMES): (1) (DMES) está comprometida com a tese de que justificação implica controle voluntário da crença por parte do agente; (2) uma circularidade envolvendo (PJ-nista) e (DMES), em razão de que ambas utilizam os termos sinônimos "conhecimento" e "epistemológico" em ambos os lados da definição.

Tratemos, por enquanto, apenas da objeção-(2). Ela será anulada ao vermos que a circularidade definicional pode ser eliminada com razoável facilidade. Para tanto, vale lembrar que uma proposta correta de análise do conhecimento de S de que P deve expressar o fator que elimina a acidentalidade entre a crença verdadeira de S de que P e o fato ou fatos que tornam tal crença verdadeira. Se assumirmos que a justificação seria o fator que permitiria eliminar a acidentalidade entre a crença verdadeira e o fato que torna essa crença verdadeira, então a eliminação daquela circularidade se daria com a seguinte redefinição de (PJ-nista modal) e (DMES): (PJ- Se uma proposta justificacionista de análise do conhecimento é modal, ela nista estabelece que, se S está justificado, então S usa um ou mais de seus modal') fatores internos como um modo epistemológico para alcançar sua meta de formar, ou, então, ratificar crenças.6 (DMES') Se m é um modo epistemológico de S = Dfm é um conjunto de procedimentos executados por S para alcançar sua meta de formar, ou ratificar, crença verdadeira não acidentalmente.

As propostas (DMS), (DMES') e (PJ-nista modal') tornam oportuna a formulação de uma série de problemas7 que se relacionam de uma maneira especial com aquelas propostas. Nossa próxima tarefa será formular aqueles problemas, prover-lhes uma resposta e lidar com algumas objeções dirigidas contra tais respostas:

2 O que é um modo de S alcançar uma meta? Para iniciarmos uma resposta à questão acima, vamos supor que S assiste ao noticiário do tempo e que esse procedimento faz com que S forme a crença de que está chovendo em Porto Alegre. Isso posto, vamos, num segundo momento, modificar nossa hipótese de modo a inverter a ordem temporal entre o evento da crença e o evento de assistir ao noticiário de S. Considerando a modificação promovida no agente de nossa hipótese, diríamos que o fato de S assistir ao noticiário foi o modo pelo qual S obteve sua crença? Não, não o faríamos. Sendo assim, podemos estabelecer que as atribuições que fazemos com o conceito de modo que alcança uma meta carregam consigo a atribuição de que o modo precede temporalmente à realização da meta. Isso nos permite a seguinte análise parcial para o conceito de modo de S que alcança uma meta de S:8 (PO) Se o modo-m de S alcança a meta-µde S, a ocorrência do modo-m é anterior à realização da meta-µ.

Apesar de verdadeira, (PO) não é correta, pois ainda não exibe o conjunto completo de cláusulas que analisam o conceito de um modo que alcança uma meta.

Para constatá-lo, vamos retomar a hipótese anterior na qual a crença de S fora obtida pelo fato de ele ter assistido ao noticiário do tempo. Passemos, agora, à suposição de que o fato de S ter assistido ao noticiário do tempo não tenha causado aquela crença de S. O ponto, nesse caso, é se continuaríamos a dizer que o modo pelo qual S obteve sua crença foi o fato de ele ter assistido ao noticiário do tempo. Mas não, não o faríamos. Ou seja, num caso em relação ao qual negamos uma atribuição de causalidade entre um procedimento de S e uma crença de S tem como reação adicional de nossa parte negar a atribuição do conceito de modo que alcança uma meta. Tais considerações nos permitem melhorar (PO) para: (PO') Se o modo-m de S alcança a meta-µde S, então a ocorrência do modo-m de S causa uma ou mais instanciações da meta-µ de S.9 E, se combinarmos (PO') com algumas das propostas feitas anteriormente, obteremos a seguinte conclusão: se m é um modo epistemológico de S, então a execução de m por S causa a realização de uma ou mais instâncias de sua meta de formar/ratificar não acidentalmente crença verdadeira. E, sendo assim, também podemos concluir que, se uma proposta de análise do conhecimento é justificacionista e também modal, então essa proposta postula a necessidade de que o fator interno a S cause-lhe a crença para que a crença se converta em conhecimento.

O que dissemos acima expressa a base pela qual rejeitamos propostas que negam a necessidade de que o(s) fator(es) interno(s) a S cause(m)-lhe a crença de que P para que S saiba que P. No entanto, achamos que a tese anticausalista tem dificuldades suplementares. Para expressá-las, examinaremos um argumento de Sosa, autor que figura como um dos defensores do anticausalismo em teoria do conhecimento.10 Sosa diz que: Diferentemente do confiabilismo histórico, essa visão [a dele] não exige que haja um processo cognitivo conduzindo à crença para que ela satisfaça a forte justificação requerida para que ela se constitua em conhecimento. (Knowledge in Perspective: Selected Essays in Epistemology, p. 138).

A passagem acima exibe uma posição anticausalista porque, quando fala em "processo cognitivo", Sosa se refere mais diretamente à proposta de Goldman, para a qual a exigência causal é canônica. Sosa esclarece que a eliminação da exigência causal tem como propósito garantir a justificação/conhecimento para uma espécie de crença que ele considera paradigma de conhecimento, a saber: as crenças do cogito. Sosa argumenta ainda que as crenças do cogito nos mostram porque a exigência causal é irrelevante. Tal exigência é irrelevante porque as crenças do cogito são simultâneas ao exercício das faculdades do agente daquelas crenças.11 Se as crenças do cogito são simultâneas ao exercício daquelas faculdades, suas ocorrências não poderiam manter um nexo causal entre si.

Quais seriam, então, as dificuldades suplementares do anticausalismo? Em primeiro lugar, parece-nos que a negação pura e simples da exigência causal permite algo indesejável. Parece-nos que o anticausalismo simples permitiria que S soubesse que P, mesmo que a ocorrência de seu(s) fator(es) interno(s) fosse(m) posterior(es) à ocorrência da crença-P. Em outras palavras, se o anticausalismo sustenta não ser necessário que um ou mais fatores internos a S causem-lhe a crença, tal concepção poderia estar se comprometendo com a tese de que atribuímos conhecimento a um indivíduo cuja crença ocorrera antes da ocorrência de seu(s) fator(es) interno(s). Para tentar tornar nosso ponto ainda mais claro, vamos imaginar que S seja desafiado a formar crença verdadeira acerca de qual carta de baralho S' segura em suas mãos. Vamos supor que as cartas estejam dispostas na forma de um leque, dorso das cartas para S. Vamos supor que, a partir do desafio de S', S forme a crença, por sinal, verdadeira de que se trata de um ás de espadas e que, somente após ter formado essa crença, é que S põe em exercício sua faculdade visual e , enfim, um ás de espadas. Nossa reação diante de um caso assim é a de negar a S uma atribuição de conhecimento. De qualquer modo, os anticausalistas podem driblar a inconveniência em foco através da seguinte acomodação: manter a idéia anticausalista de que uma crença não necessita ser causada pelo fator, ou fatores, internos a S para constituir-se em conhecimento, contudo assumindo agora a exigência de que tais fatores sejam executados antes, ou, no máximo, simultaneamente, à ocorrência da crença. Em segundo lugar, parece-nos que não encontra êxito o argumento em favor da tese anticausalista via apelo às crenças do cogito. Parece-nos que o apelo anticausalista às crenças do cogito tem a ver com o fato de que tais crenças seriam incorrigíveis. E, se fossem incorrigíveis, crenças formadas pelo exercício das faculdades do cogito teriam suas verdades garantidas. Se estamos certos em crer que o apelo anticausalista às crenças do cogito tem a ver com a suposta incorrigibilidade de tais crenças, estamos na pista certa. Isso porque a incorrigibilidade de uma crença não garante status de conhecimento ao sujeito que nela crê. Para demonstrá-lo, vamos imaginar alguém que se põe a imaginar diversas situações possíveis. Ele imagina, por exemplo, chuva em Pequim, neve em Toronto, terremoto em Los Angeles, etc. Partindo de tais procedimentos, S seleciona, aleatoriamente, uma daquelas situações imaginadas e vem a crer na proposição a ela correspondente.

Por exemplo, ele vem a crer na proposição de que existe alguém que crê. Ora, é claro que a faculdade de S, cujo exercício resultou na crença da proposição de que existe alguém que crê, é tal que lhe garante crença verdadeira. Contudo, não diremos que S sabe que existe alguém que crê. Isso porque o exercício daquela faculdade não eliminou a acidentalidade na obtenção daquela crença.

Podemos, então, concluir que, se a base para a rejeição da tese causalista na análise do conhecimento tem a ver com a suposta incorrigibilidade das crenças do cogito, ela não é uma boa base.

3 O que é uma meta/propósito/objetivo/finalidade/etc. de S? Vamos imaginar alguém do qual disséssemos ter como meta crer em proposições verdadeiras. Vamos supor, agora, que, após efetuarmos algumas modificações no agente sob nossa imaginação, negássemos a ele a atribuição de que deseja crer em proposições verdadeiras. Continuaremos a atribuir-lhe o conceito de ter como meta crer em proposições verdadeiras? Não, não continuaremos. Nesse caso, dispomos de uma prova de que as atribuições que fazemos com o conceito de posse de uma meta envolvem também a atribuição do conceito de desejo do agente em alcançar sua respectiva meta. Desse modo, podemos enunciar a seguinte proposta de análise parcial do conceito de meta/propósito/etc. de S: (PPM) Se, em t, S tem/possui/etc. a meta tal-e-tal, então, em t, S deseja/quer/etc.

tal-e-tal.

Se (PPM) é verdadeira, e se conhecimento é mesmo analisável em termos de uma justificação de tipo modal, então, se S sabe que P, S deseja/quer/etc. crer não acidentalmente em verdades. Assim, uma atribuição de conhecimento a S implica, analiticamente, que S possui como meta alcançar conhecimento e, conforme (PPM), deseja tal coisa. A meta epistemológica não é algo externo ao agente, não se trata de um parâmetro puramente regulativo a ser usado na avaliação epistemológica.

Agora, tentaremos refutar a objeção contra as propostas justificacionistas modais de análise do conhecimento de que elas exigiriam controle voluntário do agente na formação da crença. Iniciemos essa tarefa observando, de início, que essa objeção assume um compromisso com a alegação de que, quando atribuímos a S o conceito de possuir a meta tal-e-tal, também lhe atribuímos o conceito de administração voluntária da seqüência/conjunto de procedimentos executados por S para alcançar sua meta. Ora, se essa alegação fosse verdadeira, não poderíamos, por exemplo, atribuir a um cão o propósito de encontrar comida sem que lhe atribuíssemos também o controle voluntário da seleção daquele propósito e/ou o controle voluntário dos procedimentos usados a fim de realizá-los. Ora, não é o caso que, ao atribuirmos a um cão a meta/etc. de encontrar comida, atribuímos, conjuntamente, o conceito de controle voluntário no gerenciamento dos procedimentos usados a fim de realizá-los. Ao imaginarmos um cão, ao qual atribuímos os elementos de meta e desejo, poderíamos negar-lhe o conceito de administração voluntária na seleção de seus propósitos ou dos procedimentos a serem usados para alcançá-los, mas ainda assim continuaríamos a atribuir-lhe o conceito de meta e o desejo de encontrar comida. E tais considerações nos permitem concluir que a objeção sob exame é falsa.

Outra objeção contra (PPM), e contra outras propostas aqui apresentadas, diz respeito à acusação de que é errônea qualquer proposta de análise do conhecimento que postula a necessidade da ocorrência em S de elementos não- cognitivos, tais como desejo, vontade etc. Porém, parece-nos que não qualquer impedimento à participação de determinados elementos não-cognitivos numa correta análise do conceito de conhecimento. Na verdade, a objeção em questão será uma oportunidade de provarmos o contrário. Se não, vejamos: supondo-se que conhecimento implica, pelo menos, crença verdadeira, então, quando atribuímos conhecimento a alguém, atribuímos também o conceito de verdade a sua crença. Dado que o conceito de verdade não se trata de um conceito cognitivo, então, ao atribuirmos conhecimento a alguém, estamos desde sempre atribuindo conceitos não-cognitivos. Mas, mesmo que esse argumento não tenha sido suficiente para concluirmos pela falsidade da objeção em jogo, acreditamos que a hipótese a seguir liquidará o assunto: vamos imaginar alguém a quem atribuiríamos saber que P. Isso posto, vamos imaginar que, após efetuarmos algumas modificações no agente sob nossa imaginação, atribuíssemos a ele a meta de formar/ratificar12 somente crenças falsas. Nossa pergunta é: continuaríamos atribuindo o conhecimento de que P ao agente de nossa hipótese mesmo sendo o caso de que passamos a atribuir-lhe a meta de formar crenças falsas? A resposta é a de que não atribuiríamos. Sendo assim, temos um teste de atribuições que nos permite concluir que, se S sabe que P, então é falso que S tem como meta crer que não-P. Podemos ir além. Para vê-lo, vamos imaginar alguém de quem dissemos saber que P e, após efetuarmos algumas modificações em nosso indivíduo hipotético, passemos a atribuir-lhe a meta de formar apenas crenças ignorantes. Continuaríamos a atribuir-lhe conhecimento de P? Não, não o faríamos. Sendo assim, estamos aptos a crer que: se S sabe que P, então não é o caso que S tem como meta algo que seja conceitualmente incompatível com a meta de alcançar conhecimento.13 Mas podemos ir ainda além. Para vê-lo, vamos supor que S ou simplesmente não tem metas, ou tem uma meta que, apesar de não ser conceitualmente incompatível com a meta de alcançar conhecimento, não mantém qualquer vínculo conceitual com ela. Por exemplo, vamos supor que S tenha, em t0, como única meta, a meta de obter conhecimento. Vamos supor ainda que, a partir da execução de procedimentos assim-e-assim, S vem, em t1, a saber que P.

Para terminar nossa hipótese, vamos agora supor que, da meta de obter conhecimento, S passe, em t2, para a meta única de comer batata frita no almoço, procedendo, no entanto, exatamente como procedera em t1, vindo, portanto, a crer verdadeiramente que P em t3. Dada a hipótese em jogo, nossa questão é: diríamos de S que ele sabe que P em t3? Não, na verdade, negamos a S que ele saiba que P. Sendo assim, cabe perguntarmos o que deixamos de atribuir a S quando passamos de uma atribuição de conhecimento de que P para uma atribuição de ignorância de que P. A única resposta possível é a de que deixamos de atribuir a S a meta de obter conhecimento. Nesse caso, podemos dizer um pouco mais do que dissemos no início desta seção. Ou seja, agora podemos dizer que, independentemente do conhecimento ser, ou não, analisável em termos de justificação modal, se S sabe que p, então S tem como meta obter conhecimento. E, assim, podemos concluir que não apenas podemos anexar elementos não-cognitivos a uma proposta de análise do conhecimento, mas que devemos fazê-lo, caso tenhamos assumido a meta de analisar aquele conceito.

4 O que é S proceder assim-e-assim para alcançar uma meta que possui? Embora a pergunta acima solicite uma resposta que expresse a análise do conceito de proceder assim-e-assim etc., nosso trabalho vai limitar-se apenas a enunciar alguns dos conceitos que não fariam parte daquela resposta. Um dos conceitos que queremos mostrar que não pertence a uma proposta correta de análise do conceito em jogo é o conceito de eficácia, ou ineficácia, do modo que S executa para alcançar sua meta. Para provarmos o ponto, vamos imaginar um agente do qual diríamos não apenas possuir a meta de formar somente crenças verdadeiras, mas do qual também diríamos proceder assim-e-assim para alcançá- la. Vamos também imaginar que os procedimentos que constituem o modo que S executa para alcançar sua meta sejam ineficazes para alcançá-la. O ponto agora é: persistiríamos nós em dizer de S que ele procede assim-e-assim para alcançar sua meta? Sim, persistimos em fazê-lo. Ao persistirmos em atribuir-lhe o conceito aqui em jogo, dispomos de um teste atributivo-hipotético que nos prova de que o conceito de eficácia de um modo em alcançar uma meta não integra a análise do conceito de S proceder assim-e-assim para alcançar uma meta que possui. Mas tampouco o conceito de ineficácia seria necessário a uma análise correta daquele conceito, pois se, em vez de atribuirmos ineficácia aos procedimentos que constituem o modo de S para alcançar sua meta de crer somente em verdades, atribuíssemos eficácia àqueles procedimentos, nós, ainda assim, continuaríamos a atribuir a S o conceito de que procede assim-e-assim para alcançar sua meta.14 Outro ponto ligado à questão 3 é se as expressões "para alcançar", "para tentar alcançar" e "de alcançar" são sinônimas, quando inseridas no lugar de "..." na expressão "modo ... a meta tal-e-tal". Nosso entendimento é de que não são e pretendemos mostrá-lo através da seguinte hipótese: imaginemos alguém de quem disséssemos ter como meta vencer a prova dos cem metros rasos. Vamos supor também que atribuíssemos, ao modo por ele empregado, jamais alcançar vitória naquela prova, qualquer que fosse a circunstância de seu emprego.15 O ponto, então, é se continuaríamos a atribuir àquele atleta o conceito de estar executando um modo para vencer a disputa ou para tentar vencer a disputa independentemente do fato de vermos, ou não, nosso atleta hipotético cruzar a linha de chegada em primeiro. Nossa resposta é que continuaríamos a fazê-lo, e, se esse é o caso, temos à disposição um exemplo que nos prova de que as expressões "para alcançar" ou "para tentar alcançar", se não são totalmente sinônimas, são intercambiáveis na situação específica que acabamos de descrever. Resta-nos tratar da expressão "de alcançar". Imaginemos, então, outro atleta, atleta de quem diríamos proceder assim-e-assim como sendo um modo de alcançar a vitória daquela prova. Agora vamos imaginar que também atribuíssemos ao modo empregado por esse atleta jamais alcançar vitória da prova dos cem metros rasos, qualquer circunstância em que fosse empregado. O ponto é: continuaríamos a dizer do modo empregado por esse atleta que é um modo de alcançar a vitória dos cem metros rasos? Nossa resposta é negativa e nos permite concluir que nossas atribuições do conceito de modo de alcançar uma meta carregam a atribuição de que o modo causa pelo menos uma instanciação da respectiva meta.

Podemos resumir a etapa anterior dizendo que, ao elaborarmos (PO') e (PPM), pudemos propor a análise de alguns dos conceitos expressos nas propostas (DMES'), (PJ-nista modal') e (DMS), as quais, por sua vez, foram elaboradas com o objetivo de prover subsídios para tratarmos adequadamente da disputa internalismo-externalismo em epistemologia. Na etapa que se segue, vamos fazer uso dos resultados até aqui obtidos para tratarmos daquela disputa.

5 Um exame da disputa internalismo-externalismo Afirmamos, no início, que, no tratamento da disputa internalismo vs.

externalismo, iríamos limitar-nos às propostas modais de justificação pró- análise do conhecimento, deixando intocadas as propostas não-modais. Agora, essa estratégia de redução de escopo irá perder completamente a utilidade, pois, abaixo, mostraremos que: (PMC) Se S sabe que P em t', então, em t (onde t'>t), S executa um modo para alcançar sua meta de obter conhecimento.

Se (PMC) é verdadeira, como pensamos, não espaço para propostas não-modais de conhecimento, dado que somente propostas justificacionistas modais passariam aprovadas diante de nossas intuições de conhecimento. Para prová-lo, consideremos o que segue: vamos supor que S sabe que P. pouco vimos que, se S sabe que P, S tem como meta obter conhecimento. Ora, se S sabe que P, S também está justificado na crença de que P. E, se S está justificado na crença de que P, então a crença-P de S foi acompanhada por um ou mais fatores internos a S. Agora, o ponto crucial: o que nos faz dizer que tais fatores internos de S são procedimentos que, em conjunto, constituem o modo de S para formar a crença-P? A resposta: o fato de dizermos de S que ele possui a meta de obter conhecimento. Ou seja, a partir de uma atribuição do conceito de meta de obter conhecimento, diremos, acerca de qualquer procedimento adotado por S após aquela atribuição, que se trata de um modo de S para alcançar sua(s) meta(s).

Em outras palavras, a partir da fixação de uma ou mais metas por parte de S, todo e qualquer procedimento posterior de S se torna um modo para atingi-la(s).

(PMC) talvez seja o resultado mais relevante que obtivemos até aqui. E, partindo disso, podemos dizer que todas as nossas avaliações epistemológicas estão ligadas às nossas atribuições dos conceitos de modo e de meta. Podemos, então, dizer que qualquer atribuição epistemológica se sob uma meta-padrão, que gostaríamos de chamar "meta epistemológica máxima", e que é a meta de alcançar conhecimento. Agora, se considerarmos que "conhecimento" significa, ou também significa, crença não acidentalmente verdadeira, podemos dizer, tanto da meta de formar crença, quanto da meta de formar crença verdadeira, que são submetas da meta epistemológica máxima.16 Um exemplo poderá tornar o ponto mais claro. Vamos supor que S detenha a meta de alcançar conhecimento, mas, ao proceder assim-e-assim, acaba formando a crença falsa de que P. Nesse caso, S alcançou apenas uma das submetas da meta epistemológica máxima. Se P fosse, no entanto, verdadeira, S teria alcançado duas das submetas da meta epistemológica máxima. Se, agora, além da crença-P de S ser verdadeira, S a tivesse formado com um modo capaz de eliminar a acidentalidade anticonhecimento, S teria atingido todas as submetas da meta epistemológica máxima e, ao alcançar todas as submetas da meta epistemológica máxima, S teria, conseqüentemente, alcançado a meta epistemológica máxima. Com as últimas considerações em mente, avancemos um pouco mais em nosso exame da disputa internalismo-externalismo.

Para tratarmos adequadamente daquela disputa, precisamos identificar, dentro da discussão em torno da justificação pró-análise do conhecimento, a questão mais específica em disputa por aquelas propostas. Nós poderíamos ariscar um começo com a seguinte: (Q): Quais são os atributos necessários de um modo que, ao ser executado por S,17 obtém-se conhecimento? Bem, embora (Q) tenha relevância no debate internalismo-externalismo, ela não representa ainda a questão-núcleo daquele debate. Isso porque ele gira em torno da questão acerca do que é um modo que alcança crença justificada, não em torno da questão acerca do que é um modo que alcança conhecimento. Isso pode ser confirmado ao examinarmos o debate específico que se entre propostas internalistas e externalistas falibilistas em torno da obtenção de conhecimento.18 Para tanto, também precisamos determinar a questão-núcleo desse debate, o que pode ser feito mediante um exame dos diferentes tratamentos que teorias justificacionistas modais dão, ou poderiam dar, aos casos de tipo- Gettier.19 Vamos caracterizar os casos do tipo-Gettier como aqueles casos nos quais S forma uma crença verdadeira através da execução de um modo o qual, embora seja capaz de tornar aquela crença justificada, não é capaz de eliminar a mera coincidência entre o fato de sua crença e o fato que torna tal crença verdadeira. Perante casos do tipo-Gettier, propostas justificacionistas fazem, ou podem fazer, uma das seguintes opções: Opção-1Os agentes de casos de tipo-Gettier não estão justificados em suas crenças porque os modos executados por aqueles agentes não eliminam aquela acidentalidade; Opção-2Dado que o modo executado pelos agentes daqueles casos não foi capaz de eliminar aquela acidentalidade, os agentes dos casos de tipo-Gettier não possuem uma justificação de tipo absoluto, mas, sim, uma justificação de tipo elementar, que faz parte da primeira e é, assim, menos sofisticada que aquela.20 A Opção-1 é própria de propostas que postulam que, se a crença está justificada, ela é conhecimento. Ou seja, a Opção-1 é própria das propostas infalibilistas. A Opção-2, porém, é própria de propostas falibilistas. É através dela que conseguiremos estabelecer a questão-núcleo do debate internalismo-externalismo. Isso porque, ao assumirem o postulado de que a justificação se divide em justificação absoluta e elementar, ou coisa equivalente, propostas que fazem a Opção-2 pressupõe que uma das submetas do agente em relação à meta epistemológica máxima seja a de obter crença justificada elementar. Nesse caso, poderíamos dizer que a questão-núcleo do debate internalismo vs. externalismo falibilista em justificação demanda respostas que assumam, implícita ou explicitamente, a tese de que a meta de obter justificação elementar ("elr" daqui por diante) seja uma das submetas da meta de alcançar conhecimento. Nesse caso, a questão-núcleo daquela disputa seria a seguinte: (Q'): Quais são os atributos necessários de um modo que, quando executado por S, obtém-se crença justificada-elr? Nossa idéia de que (Q') expressa a questão-núcleo do debate internalismo- externalismo falibilista está, no entanto, sujeita a uma objeção. Alguém poderia argumentar que (Q') tem uma resposta trivial e, em razão disso, não pode ser a questão-núcleo do respectivo debate. A objeção segue com a alegação de que a resposta para a questão acerca de qual seria a qualidade requerida para que um modo viesse a obter crença justificada-elr seria, simplesmente, a qualidade de obter uma crença que está justificada-elr. Para tornar a objeção mais clara, notemos o seguinte: (Q') permite-nos deduzir que, se S tem justificação-elr para uma crença, então um modo qualquer de formação de crença obteve aquela crença para S. Sendo assim, o foco da objeção é a sugestão de que a adição da expressão "justificada-elr", no devido lugar dentro do conseqüente desse último condicional, seria suficiente para converter (Q') numa definição resolvendo, de vez, o problema filosófico veiculado em (Q'). Mas essa objeção não funciona. Ela não funciona, primeiro, porque pressupõe falsamente que não se possa mais continuar a análise dos conceitos que constam em (Q'). Para mostrar que esse pressuposto é falso, basta mostrar que, se outras exigências conceituais pudessem ser adicionadas àquela proposta de análise do conceito de modo justificador-elr de S, o pressuposto da objeção seria falso. Ora, uma das exigências que poderíamos adicionar seria a de que, para ser um justificador- elr doxástico, o modo teria que causar a crença obtida e não apenas antecedê-la temporalmente. Uma outra exigência, que pode ser combinada com a exigência causal anterior, seria a de que o modo implicasse a crença obtida para que ela fosse justificada-elr.21 Outras exigências ainda poderiam ser adicionadas. Por exemplo, vamos supor que, além de obter crenças, um dado modo também obtém não- crenças para S. Nesse caso, nossas intuições poderiam exigir que um modo que obtém crença justificada-elr seja um modo que obtenha crenças. Outro exemplo de exigência pode ser extraído a partir disto: vamos supor que nossas atribuições de justificação-elr exijam que os modos obtenham crenças possuindo o atributo-a. Vamos supor que o modo-m obtém, em t, uma crença com o atributo- a, não o fazendo, porém, em t'. Nesse caso, nossas intuições do conceito de justificação poderiam ser tais que exigiriam que o modo-m obtivesse crenças com o atributo-a em todas as circunstâncias para que a crença estivesse justificada. O ponto, agora, é: se as hipóteses acima não são absurdas, então a análise de (Q') poderia não estar liquidada conforme sugerira aquela objeção.22 Um segundo defeito daquela objeção é sua aparente dependência da tese de que o modo que obtém crença justificada-elr, ou injustificada-elr, funcionaria apenas como uma espécie de seletor de crenças que estariam justificadas-elr, ou injustificadas-elr. Ou seja, se o modo seleciona uma crença justificada-elr, a crença está justificada-elr. Se ele seleciona uma crença injustificada- elr, a crença está injustificada-elr. O que ocorre é o seguinte: de fato, falar de modos como sendo itens que obtêm crença justificada-elr, ou injustificada- elr, poderia induzir-nos à crença de que o modo seria somente uma espécie de seletor de crenças com aqueles atributos. Essa fala, porém, é mera questão de economia de palavras, pois, em rigor, são os atributos dos modos na formação de um ou outro tipo de crença que tornam uma crença justificada-elr ou injustificada-elr. Por essa razão, a justificação-elr/injustificação-elr de uma crença dependerá tão-somente das qualidades atribuídas ao modo que a obtém. É por isso, aliás, que podemos dizer que, se um modo obtém crença justificada- elr, tal modo é um justificador-elr daquela crença. De modo análogo, podemos dizer que, se um dado modo obtém crença injustificada-elr, ele é um injustificador-elr daquela crença.23 Sendo assim, essas considerações nos permitem reformular (Q') e torná-la mais adequada para efeito de expressar a questão que tomamos para ser o núcleo da disputa entre propostas internalistas e externalistas falibilistas, ou seja: (Q'r) Que atributos um modo de S necessita ter para ser um justificador-elr de suas crenças?

6 Uma avaliação da resposta internalista a (Q'r) Identificada a questão-núcleo da disputa internalismo-externalismo em justificação pró-análise do conhecimento, partamos para uma avaliação da resposta internalista para aquela questão. A conjectura com a qual estaremos trabalhando é a de que uma avaliação adequada da resposta internalista a (Q'r) irá prover-nos os elementos necessários para uma resposta adequada à pergunta- título deste ensaio. Uma avaliação adequada da resposta internalista a (Q'r) exige algumas considerações preliminares. A primeira delas é a de que, se um modo obtém uma crença, então a crença obtida é verdadeira ou falsa. Portanto, um dos atributos de um modo é o de obter crença numa proposição verdadeira ou crença numa proposição falsa. Tal consideração nos permite uma pergunta, que se encontra inerentemente ligada a (Q'r), e que é a seguinte: (P) Qual é a medida, ou proporção, de crenças verdadeiras e falsas que um modo necessita obter num determinado mundo para que ele se constitua num justificador-elr doxástico de S? Com (P) em mãos, agora temos que procurar-lhe uma resposta internalista.

Achamos que os textos de R. Foley nos permitem extrair uma resposta internalista para (P). Nós o faremos a partir de uma investigação na seguinte exposição de Foley para o chamado "Novo Problema do Gênio Maligno" (NPGM), "problema" que Foley toma como sendo uma objeção ao externalismo confiabilista: Imagine um mundo no qual S crê, parece lembrar, experimentar, etc., mas, aquilo que ele crê, parece lembrar, experimentar, etc. e que se refere apenas a este mundo, é freqüentemente falso. Suponha também que a convicção com a qual ele crê, a clareza com a qual ele parece lembrar e a intensidade com a qual ele experimenta este outro mundo são idênticas àquelas do mundo real. Suponha, em adição, que até mesmo aquilo que ele poderia crer sob reflexão (por exemplo, sobre quais são os argumentos preservadores da verdade) é idêntico àquilo que ele creria sob reflexão neste mundo. Assim, se, de algum modo, S fosse transportado instantaneamente de sua atual situação para a situação correspondente no outro mundo, ele não poderia fazer qualquer distinção entre tais mundos, independentemente de quão poderosas fossem suas tentativas. A fim de usarmos um exemplo familiar, suponha que um gênio maligno é quem assegura que esse seja o caso. Chame tal mundo demoníaco de "w" e reflita em relação à seguinte questão: Poderia alguma das proposições, que S crê em w, ser epistemicamente racional para ele? Por exemplo, poderiam algumas das proposições nas quais S perceptualmente crê serem epistemicamente racionais para ele? A resposta é "sim". Se nós estamos dispostos a conceder que algumas das proposições que S perceptualmente crê em nosso mundo são epistemicamente racionais, então essas mesmas proposições também seriam epistemicamente racionais para S em w.

Afinal, o mundo w é, por hipótese, indistinguível do mundo de S, considerada a sua perspectiva. Desse modo, se a crença perceptual p de S fosse racional neste mundo, em w, aquela crença também o seria.24 Um exame mais acurado no texto de Foley, na verdade, permite-nos identificar, pelo menos, duas diferentes teses com as quais poderíamos dar uma resposta internalista a (P). A tese-(1) diz que as crenças de S podem ser epistemicamente racionais25 mesmo que ele esteja num mundo em que os modos de formação de crença obtenham mais crenças falsas que verdadeiras.26 A tese-(2) diz que S pode ter crenças epistemicamente racionais mesmo que ele se encontre num mundo em que os modos a ele disponíveis não lhe permitem distinguir proposições falsas de verdadeiras.27 Apesar da diferença apontada, ambas as teses compartilham a idéia que, acreditamos, fornece-nos a resposta internalista para (P). Isto é: (RIP) Para que um modo de S seja um justificador-elr de suas crenças, não importa nem o número, nem a proporção entre crenças verdadeiras e falsas obtidas pelo modo de S em sua atividade num dado mundo de modo que, se, no mundo-M, S está justificado- elr ao crer que P mediante a execução do modo-m, ele também estaria justificado- elr nessa crença caso estivesse no mundo-M' ou no mundo-M" etc.

Os conceitos de número e de proporção de crenças verdadeiras/falsas obtidas por um modo de S em sua atividade num determinado mundo estão conectados ao conceito de performance de um modo num determinado mundo. Assim, o conceito de performance assume importância na discussão que estamos empreendendo e, por isso, precisaremos responder à seguinte pergunta: o que é a performance de um modo num determinado mundo? Nossa resposta começa lembrando que, se algo é um modo, então o é em relação a uma meta. Assim, ao atribuirmos a um modo uma dada performance, também dizemos que uma determinada meta ou foi instanciada, ou não foi instanciada pelo respectivo modo. E, assim, a performance de um modo é um conceito relativo à instanciação, ou a não instanciação, de uma meta do indivíduo. Então, falar na performance de um modo é sempre falar na performance de um modo em relação a alcançar, ou não, uma meta determinada. Isso posto, podemos dizer que o que qualifica a performance de um modo em relação a alcançar, ou não, uma meta é a proporção entre situações em que a execução de um modo num determinado mundo alcança aquela meta e situações em que ele não a alcança. Para sermos um pouco mais precisos, deveríamos dizer que: se o modo- m apresenta uma performance positiva no mundo-M, então, levando em consideração a história total do mundo-M, um maior número de situações em que o modo- m alcança a meta-µdo que situações em que ele não a alcança. Se a performance do modo-m em relação à meta-µé negativa no mundo-M, então, levando em consideração a história total do mundo-M, um maior número de situações em que o modo-m alcança a meta-µdo que instâncias em que ele não a alcança. Por fim, se a performance do modo-m em relação à meta-µé neutra no mundo-M, então, levando em consideração a história total do mundo-M, o número de situações em que o modo-m alcança a meta-µ é igual ao número de situações em que ele não a alcança. Isso posto, estamos aptos a estabelecer uma conexão entre o conceito de performance de um modo em relação a uma dada meta e o conceito de eficácia/ineficácia de um modo em relação a uma meta. Ou seja, dizer de um modo que ele possui uma performance positiva em relação a uma dada meta equivale a dizer que ele é eficaz em alcançar aquela meta num determinado mundo. Dizer de um modo que ele possui uma performance negativa em relação a uma dada meta equivale a dizer que ele é ineficaz em alcançar aquela meta num determinado mundo. Por fim, dizer de um modo que ele possui uma performance neutra em relação a uma determinada meta equivale a dizer que ele não é neutramente eficaz, ou ineficaz em alcançar aquela num determinado mundo.28 Dadas as considerações anteriores, não é difícil constatar que, se (RIP) exibe a resposta internalista para (P), então o internalismo toma a performance de um modo de S em relação à obtenção de crenças verdadeiras/falsas como um atributo totalmente irrelevante para a análise do conceito de justificador-elr. Ora, que a proposta internalista nos permite afirmar que a performance de um modo de S em relação à obtenção de crenças verdadeiras/falsas é irrelevante para que um modo se constitua num justificador-elr da crença de S no mundo-M é algo que não deveria nos surpreender. Afinal, essa afirmação se segue do postulado mais elementar do internalismo o qual assegura que a justificação-elr das crenças de S não depende da instanciação de quaisquer fatores externos a S. Sendo assim, a tese internalista acerca da eficácia objetiva dos modos de S poderia ser resumida da seguinte maneira: (TI) A eficácia de um modo de S na obtenção de crenças verdadeiras/falsas no mundo-M se trata de um atributo irrelevante para que aquele modo se constitua num justificador-elr da crença de S no mundo-M.

Nossa tarefa agora é mostrar que (RIP) e (TI) são falsas. Mas, para mostrá-lo, vamos assumir, inicialmente, que tais teses internalistas sejam verdadeiras. A suposição de que (RIP) e (TI) são verdadeiras, mais o uso de outras teses expressas nesse ensaio, permitem-nos montar o seguinte argumento: (AI): (1) Suponhamos que S tem as metas de obter conhecimento e de obter crença justificada- elr; (TI) postula que a performance de um modo na obtenção de crenças verdadeiras/falsas (2) no mundo-M é atributo irrelevante para ser um justificador-elr da crença de S no mundo-M; (3) Se a performance de um modo de S em relação à obtenção de crenças verdadeiras/ falsas no mundo-M é atributo irrelevante para que aquele modo seja um justificador- elr da crença de S no mundo-M, então é irrelevante que sua performance seja positiva, negativa ou neutra em relação à obtenção de crença verdadeira para ele ser um justificador-elr da crença de S no mundo-M; (4) Se é irrelevante que a performance de um modo seja positiva, negativa ou neutra em relação à obtenção de crença verdadeira, então o grau de eficácia/ineficácia de um modo na obtenção de crença verdadeira é irrelevante para que aquele modo seja um justificador-elr da crença de S no mundo-M; (5) Se o grau de eficácia/ineficácia de um modo na obtenção de crença verdadeira é irrelevante para ele ser um justificador-elr da crença de S no mundo-M, então é irrelevante aquele modo obter somente crenças falsas, quando executado por S no mundo-M, para ser um justificador- elr da crença de S no mundo-M; (6) Vamos supor agora que S está no mundo-M e que dispõe de apenas dois modos de formação de crença, a saber: m em1. No mundo-M, m1 apresenta performance positiva em relação à obtenção de crenças verdadeiras, enquanto que m obtém apenas crenças falsas; (7) Conforme (1), S tem as metas de obter conhecimento e de obter crença justificada- elr; (8) Ora, para que S obtenha conhecimento, S necessita alcançar todas as submetas de sua meta de obter conhecimento; (9) Considerando que a meta de obter crença justificada-elr é uma das submetas da meta de obter conhecimento, então, para S obter conhecimento, é necessário que ele obtenha crença justificada-elr; (10) Para obter crença justificada-elr, é necessário que o modo executado por S seja um justificador-elr doxástico; (11) Segundo (TI), a diferença na performance de m e de m1 em relação à obtenção de crenças verdadeiras/falsas não impede que esses modos sejam justificadores-elr doxásticos; (12) Suponhamos que m e m1 sejam justificadores-elr doxásticos; (13) Se m e m1 são justificadores-elr doxásticos, então, de acordo com (2), é totalmente irrelevante, ou indiferente, do ponto de vista da justificação-elr, se S executa m ou m1 na formação de suas crenças no mundo-M.

Ora, (AI) concluiu pela indiferença, do ponto de vista da justificação-elr, se S executa mou m1. Mas o ponto agora é o seguinte: Seria epistemologicamente irrelevante se S executasse, indiferentemente, m ou m1? Não, pois, se S executasse m, executaria o modo mais eficaz a ele disponível para alcançar uma meta radicalmente oposta à sua; a meta de obter ignorância. Sendo assim, podemos afirmar que, embora um modo de S tenha de obter crença justificada-elr para que S alcance a meta epistemológica máxima, esse mesmo modo também tem que obter crença verdadeira para alcançá-la. Então, fica claro que nenhum modo do qual dizemos ser um justificador-elr doxástico pode apresentar uma performance objetiva tal como a que mmanifesta no mundo-M, que é a de obter absolutamente crença falsa. Desse modo, é falso dizer que a performance objetiva dos modos é totalmente irrelevante para justificação-elr, se acreditamos, como de fato o fazemos, que, estar justificado-elr numa crença, seja uma submeta da meta epistemológica máxima.

Mas é importante ver que nenhuma das considerações anteriores implica a exigência de infalibilidade dos modos de S na obtenção de crenças verdadeiras no mundo-M para que eles possam constituir-se em justificadores-elr de crenças.

A tese de que um modo pode falhar em obter crença verdadeira num dado mundo e, mesmo assim, ser um justificador-elr doxástico das crenças de S não está sendo negada aqui. O que estamos negando aqui é que, se a meta de obter justificação- elr é uma das submetas da meta de obter conhecimento, então um modo de S não pode ser tão falível a ponto de obter absolutamente crença falsa num dado mundo e, mesmo assim, ser um justificador-elr doxástico de S. E se um modo não pode ser tão falível assim como descrevemos para ser um justificador-elr doxástico de S, então sua performance objetiva em termos de obtenção de crença verdadeira/falsa (ou seja, a sua eficácia/ ineficácia na obtenção de crença verdadeira/falsa num determinado mundo) é, sim, relevante para que ele possa ser um justificador-elr doxástico de S. Se a performance de um modo, tal como acabamos de descrevê-la, é relevante para que ele possa ser um justificador-elr doxástico de S, então sua eficácia/ineficácia na obtenção de crença verdadeira/ falsa também o é. Conclui-se, assim, que (RIP) e (TI) são falsas.

Mas, se (RIP) e (TI) são falsas, então também é falso que S poderia usar indiferentemente m ou m1 para obter eficazmente justificação-elr. Nesse caso, o chamado "Novo Problema do Gênio Maligno" revela-se, no fim das contas, totalmente contraproducente ao propósito original de seus usuários. Isso porque mostramos aqui que nenhum agente pode estar justificado-elr numa crença, independentemente da performance que o modo executado por aquele agente apresenta no mundo em que ele habita na obtenção de crença verdadeira/falsa.

Assim, qualquer que seja a proposta de análise do conhecimento, ou ela terá de postular idéias típicas de um externalismo confiabilista na análise da justificação-elr, ou terá de postular que os conceitos de conhecimento e justificação não têm qualquer conexão entre si.29 A segunda alternativa é antijustificacionista e, conforme mostramos no início, trata-se de uma alternativa contra-intuitiva para nós. Resta-nos apenas a alternativa externalista confiabilista como proposta adequada à análise da justificação pró-análise do conhecimento.

Finalmente, estamos aptos a gerar uma resposta que consideramos ser adequada à pergunta que intitula este artigo. Como não poderia deixar de ser, nossa resposta não pode ser outra senão a de que: a proposta internalista de justificação modal absoluta ou elementar não pode integrar uma análise correta do conceito de conhecimento.


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