Com amigos assim, quem precisa de inimigos?<A HREF="#back1"></A> Dois neo-
realistas reduzem a amizade entre os EUA e Israel ao tráfico de influência
O artigo de Mearsheimer e Walt, que analisa a "gravata" aplicada pelo Lobby de
Israel à política externa dos EUA, despertou na academia norte-americana uma
tempestade que não se via desde que Samuel Huntington publicou "O choque das
civilizações", noForeign Affairs, em 1993. A tese dos autores é que a política
externa americana está alinhada em excesso, e desnecessariamente, com Israel, e
que tal "relação especial" causa problemas evitáveis para o interesse nacional
dos EUA nas suas relações com o mundo árabe-muçulmano e na luta contra o
terrorismo.2 Segundo eles, esse alinhamento não decorre da importância
estratégica de Israel para os EUA, nem de qualquer justificativa moral, mas das
pressões e manipulações de um lobby pró-Israel extremamente poderoso,
multifário e centrado na comunidade judaica organizada.3 Exatamente como os
autores previam, suas afirmações provocaram tumulto entre intelectuais pró-
israelenses; os autores foram acusados de anti-semitismo (eles sustentam que
isso é uma tática padrão do Lobby). O que eles talvez não tenham previsto é o
uso de seu texto, nos EUA e afora, para fortalecer argumentos de forças anti-
israelenses, anti-sionistas e anti-semitas da extrema esquerda e da direita e
no mundo muçulmano. As análises, refutações e apologias à tese de Mearsheimer e
Walt já seriam suficientes para preencher vários livros. Não compartilho as
conclusões dos autores, baseadas em pesquisa descuidada, deturpações e lógica
falsa, mas isso não torna a tese central totalmente inválida, insignificante ou
indigna de debate sério.
John Mearsheimer, da Universidade de Chicago, e Stephen Walt, da John F.
Kennedy School of Government, de Harvard, são especialistas conhecidos e
respeitados em relações internacionais. Ambos integram a escola "linha-dura"
neo-realista, que enfatiza Estados, poder militar e a inelutabilidade das
políticas de equilíbrio de poder, além de expressar ceticismo quanto à
relevância de atores não-estatais e ao potencial da cooperação internacional.
Mearsheimer atacou em publicações anteriores o otimismo pós-Guerra Fria,
avisando que novos conflitos entre grandes potências seriam inevitáveis. Tanto
ele quanto Walt foram contra a guerra do Iraque, argumentando que Saddam
Hussein não constituía perigo e poderia ser contido por sanções e outros meios
não-militares. Seu artigo "O Lobby de Israel" foi originalmente encomendado
pelo Atlantic Review; por motivos não-divulgados, foi duas vezes recusado. Meio
ano depois, saiu na London Review of Books, publicação mais à esquerda.
Simultaneamente, uma versão mais extensa (e bem mais radical), com copiosas
notas de rodapé, foi incluída no site de Harvard; posteriormente, Harvard
retirou seu logotipo da página em que estava o artigo.
Será que as relações entre EUA e Israel são tão próximas e tão sintonizadas com
os interesses israelenses quanto Mearsheimer e Walt afirmam? Quanto a essa
primeira questão factual, eles estão bem fundamentados e não acrescentam nada
de efetivamente novo. Desde 1967, o vínculo dos EUA com Israel é forte e vem se
fortalecendo. Desde os anos 1980, é uma quase-aliança informal e nos últimos
anos eles têm sido os parceiros mais fiéis.
Os EUA fornecem o principal apoio diplomático e militar a Israel, ambos estão
do mesmo lado na "guerra contra o terror", além de partilhar sólidos laços
econômicos, culturais, acadêmicos e humanos. A situação privilegiada de Israel
na política externa dos EUA não está em dúvida. Recebendo perto de US$ 3
bilhões por ano, Israel é o destinatário da maior ajuda estrangeira oferecida
pelos EUA, apesar de seu tamanho e população minúsculos (21.000 km2, 6 milhões
de habitantes, PIB de US$ 154 bilhões). Nos primeiros anos do Estado, a ajuda
estrangeira, na ocasião indenizações alemãs e filantropia judaica ao invés de
ajuda bilateral americana, foi fundamental para sua sobrevivência. Mas há muito
tempo Israel deixou o grupo de países pobres, e a porcentagem de contribuições
estrangeiras em relação ao PIB tem caído continuamente. Porém, Mearsheimer e
Walt omitem o fato de que a maior parte desse dinheiro de contribuintes norte-
americanos vai para gastos militares e não para melhorar o padrão de vida dos
israelenses.4 Provavelmente, essa verba continua vital para a capacidade
defensiva de Israel. Mearsheimer e Walt também estão errados ao afirmar que a
ajuda dos EUA é usada para construir assentamentos nos territórios palestinos:
pelo contrário, Israel tem evitado usar o dinheiro americano para a expansão da
colonização; mesmo assim, os EUA por vezes retiveram parte do dinheiro
(cortando garantias de empréstimo) em protesto contra a política de colonização
de Israel. É, portanto, incorreto sugerir que Israel não tenha de prestar
contas sobre o gasto do dinheiro americano, ainda que a ajuda dos EUA libere
outros recursos financeiros que Israel pode usar para políticas com as quais os
EUA não necessariamente concordam. (Essa lógica subjaz aos apelos para redução
dos repasses vindos de grupos pró-palestinos, por exemplo nas igrejas
anglicanas e universidades).
Também não há dúvida sobre a extensão da cooperação militar, diplomática e de
inteligência. Basta lembrar a consulta de Israel aos EUA antes da Guerra de
1967 e 1982, o apoio dos EUA em emergências como a Guerra de Outubro de 1973 e
a Guerra do Golfo em 1991, ou a longa lista de vetos que o EUA lançaram no
Conselho de Segurança da ONU para evitar resoluções críticas a Israel.
Mas isso não prova que não existam importantes diferenças de opinião. Por
exemplo, os governos americanos antes de George W. Bush insistiram que Israel
se retirasse da vasta maioria dos territórios conquistados na Guerra dos Seis
Dias de 1967 em troca do reconhecimento pelos vizinhos. Israel discordou. Só a
pressão combinada dos EUA, de fora, com o movimento de paz israelense, de
dentro, superou a resistência de Menachem Begin, de forma que a paz com o Egito
pôde ser alcançada em troca da retirada israelense do Sinai. Contudo, do ponto
de vista ideológico, o Sinai era o território menos importante para sionistas
religiosos de direita. De 1977 até o inicio dos anos 1990, governos israelenses
de direita rejeitaram qualquer retirada adicional; e os EUA não a impuseram. Em
conseqüência, a mediação norte-americana no conflito árabe-israelense,
criticada por Mearsheimer e Walt, teve seus maiores sucessos quando a esquerda
estava no poder, sob Yitzhak Rabin (1992-1995) e Ehud Barak (1999-2001). Também
é verdade que os EUA não questionam as armas nucleares não-declaradas que
Israel desenvolveu nos anos 1960 com apoio francês, antes da aproximação com os
EUA, porque entendem que a existência de Israel é ameaçada por seus vizinhos. A
"relação especial" existe; ela é invocada regularmente tanto pelos EUA quanto
por Israel e seus resultados são concretos e inegáveis. A questão é saber se
esse relacionamento é tão pernicioso quanto os autores afirmam e se de fato é
o efeito de um lobby.
Meus comentários tratarão das duas suposições de Mearsheimer e Walt. Será que
essa relação realmente não é baseada nem em interesse estratégico nem em
considerações morais? Nesse caso, pode realmente ser atribuída às maquinações
do "Lobby de Israel"?
ESTRATÉGIA, ÉTICA OU NENHUMA DAS DUAS?
Mearsheimer e Walt afirmam que há uma onda de sentimento antiamericano no mundo
árabe, causado em parte pelo apoio dos EUA ao tratamento que Israel dá aos
Palestinos e à sua "recusa a conceder aos palestinos um Estado próprio viável"
(p.48). Que o antiamericanismo vem crescendo e a ordem mundial, ainda liderada
pelo ocidente, com valores originários do ocidente, vem sendo contestada com
veemência, já era sabido. Na realidade, porém, a rejeição à hegemonia americana
não é exclusiva do Oriente Médio muçulmano, embora encontre ali sua expressão
mais virulenta: cresce na Europa Ocidental, na América Latina e também entre
aliados dos EUA, tais como Índia, Japão e a Coréia do Sul. Não está ausente em
Israel e entre muitos norte-americanos. Mesmo uma pesquisa superficial no
Oriente Médio e entre os árabes e muçulmanos ao redor do mundo não deixa dúvida
de que os EUA são percebidos como o protetor principal da opressão israelense
aos direitos palestinos.
Mas a essas percepções falta precisão analítica: às vezes Israel é visto como
um prolongamento do imperialismo americano, em outras os EUA são vistos como
manipulados por uma sinistra conspiração sionista (o artigo de Mearsheimer e
Walt tende para esta última). Será que essa percepção prova a "culpa" dos EUA?
Israel certamente não é a única causa do antiamericanismo no mundo islâmico.
Mearsheimer e Walt argumentam que "os Estados Unidos têm um problema terrorista
em boa parte porque estão tão intimamente aliados a Israel, e não o contrário".
(p.46) Isso é falso: como analisei em outras publicações,5 o terrorismo
islamista contra objetivos ocidentais resulta de um processo muito mais antigo
e amplo de rejeição à influência e poder ocidentais no mundo muçulmano
(conseqüência do crescente desenvolvimento das capacidade ocidental para a
industrialização e modernização política, associada à simultânea decadência dos
impérios muçulmanos); do fracasso em aplicar os modelos ocidentais de
modernidade nacionalista, liberal ou socialista para democratizar e desenvolver
o mundo árabe e recuperar seu poder e dignidade; e, finalmente, do aparecimento
de um contra-modelo fundamentalista, antimoderno, antidemocrático e
antiocidental: o islamismo. Tudo isso tem pouco a ver com Israel. Osama bin
Laden radicalizou o pensamento islamista transferindo a violência que estes
antes usavam contra oponentes locais (ditadores "hereges" como Sadat, mulheres,
cristãos, minorias sexuais e outros) para a sua "causa original": os
muçulmanos, concluiu, têm de atacar o poder do ocidente em sua própria casa. A
formação de Bin Laden foi no wahabismo saudita, no jihadismo egípcio e na luta
anti-soviética no Afeganistão.
Embora a Al-Qaeda, como muitos islamistas, seja um grupo anti-semita, a
Palestina ocupa um lugar secundário ou terciário em suas prioridades. Seu
antiamericanismo decorre em primeiro lugar da "ocupação americana" na Arábia
Saudita.6 É inegável a preocupação de Osama com o destino de Jerusalém,
terceira cidade mais santa do islã e desde 1967 sob controle israelense. Mas
podem os ataques inspirados na Al-Qaeda em Madri, Casablanca, Bali e Bagdá; as
matanças terroristas de origem islamista na Rússia, Nigéria, e Índia; os novos
ataques planejados contra aviões americanos e o intencionado massacre de 10
milhões de cidadãos americanos ter como motivação o apoio dos EUA a Sharon e
Olmert? Ou será que o surpreendente êxito econômico, cultural e militar de
Israel torna o minúsculo Estado judeu um objeto tão visível e conveniente de
ódio que nacionalistas árabes e fundamentalistas muçulmanos frustrados o teriam
inventado se não existisse?
O ódio desproporcional projetado sobre Israel e sua bem conhecida conexão com
Tio Sam parece tornar plausível a afirmação de Mearsheimer e Walt, segundo a
qual Israel, em vez de recurso estratégico, tornou-se um risco estratégico. Nos
anos 1950 e 1960, Israel era um (talvez demasiadamente valorizado) "agente
policial" regional do ocidente contra clientes pró-soviéticos no Oriente Médio,
como Nasser, no Egito; porém, a França e a Inglaterra se beneficiaram disso
mais do que os EUA. Uma aproximação estratégica clara com os EUA só aconteceu
depois de 1967, quando Israel provou seu vigor e "valor" ao derrotar sozinho
três exércitos árabes. Nos anos 1970 e 1980, Israel era uma útil estação de
escuta contra movimentos soviéticos; o departamento de golpes baixos também
poderia confiar-lhe operações secretas, particularmente na África um pouco
como o papel que Cuba teve para a URSS no mesmo período. Porém, a utilidade de
Israel declinou abruptamente com o fim da Guerra Fria. Desde então, o seu
contínuo conflito com os palestinos e a publicidade negativa daí decorrente
transformou Israel num fardo.
Essa avaliação não ficou inconteste. De uma perspectiva não menos "realista" do
que Mearsheimer e Walt, o pesquisador pró-israelense Martin Kramer defende o
interessante contra-argumento de que "os Estados Unidos traduziram seu (...)
total e incondicional (...) apoio a Israel em concessões israelenses que são o
fundamento da Pax Americana no Levante".7 Ele considera que, sendo os EUA
considerados a única potência que pode fazer Israel renunciar aos territórios,
a ocupação de terras árabes por Israel criou uma rede de novos clientes que
precisavam da mediação dos EUA para reaver seu território.8 Assim, a ocupação e
a ligação de Israel com o EUA, ao invés de prejudicar, criou poder para os EUA
no Oriente Médio. Além disso, Israel é um estado-cliente especialmente
confiável porque a inimizade árabe leva todos os setores de sua população a uma
posição pró-ocidental. Onde tais clientes estão ausentes ou instáveis, como o
xá do Irã ou Saddam no Iraque, os EUA se vêem obrigados a intervir, alimentando
o antiamericanismo e o terrorismo. Portanto, sugere Kramer, quando se tem um
Israel leal no papel de "valentão mais forte do pedaço", não há por que se
preocupar. Contudo, esta lógica perde força por duas considerações.
Primeiro, o preço de manter um amigo tão impopular como Israel se torna
rapidamente mais alto do que as vantagens. Hamas e Hizbollah, originalmente
apenas antiisraelenses, tornaram-se dores de cabeça norte-americanas de
dimensões globais. No mundo árabe, o apoio dos EUA a Israel tem um alto custo;
e dada a impopularidade global de Israel, nem traz ganhos alhures. Segundo, a
lógica de canalizar as retiradas israelenses pela mediação dos EUA é
autodestruidora.
Se a tese de Kramer fosse verdade, os governantes americanos não estariam com
pressa de viabilizar a paz entre árabes e israelenses, paz que tornaria os
futuros parceiros independentes dos EUA. Mas tal comportamento egoísta e
calculista é o oposto do envolvimento pessoal quase obsessivo com a paz entre
Israel e árabes de presidentes como Carter e Clinton, além de uma tropa de
políticos e funcionários americanos de segundo escalão.
Israel, então, tem algum valor estratégico para os EUA, mas nem tanto quanto
proclamado por seus defensores nem tão desprezível quanto dizem Mearsheimer e
Walt. No final das contas, o custo de apoiar Israel pode exceder os ganhos.
Porém, a verdade paradoxal é que quanto menos importante Israel se tornou como
peão geopolítico para os EUA, mais fortes se tornaram seus laços e a
preocupação dos EUA com sua segurança. Isso não pode ser explicado por cálculo
estratégico.
CAPITAL MORAL DECLINANTE
Depois de ter desmantelado, não sem êxito, o valor estratégico de Israel para
os EUA, Mearsheimer e Walt tentam, em uma das seções mais feias do artigo,
destruir as reivindicações morais de Israel pela empatia americana que, como
eles adivinham corretamente, é o que realmente determina a relação. "[Aqueles
que apóiam Israel]... também argumentam que ele merece um apoio irrestrito
porque é fraco e está cercado por inimigos; é uma democracia; o povo judeu foi
vítima de crimes no passado e portanto merece tratamento especial; e a conduta
de Israel tem sido moralmente superior à de seus adversários".(p.47) Novamente,
trata-se de percepções subjetivas, não de fatos históricos. Pois é a aceitação
subjetiva dessas afirmações pelo público e pelas autoridades norte-americanas
que explica por que, como critica o articulista anti-israelense Tony Judt, "o
poder imperial e a reputação internacional dos Estados Unidos estão tão
estreitamente alinhados com um pequeno e controverso Estado-cliente
mediterrâneo."9
Mearsheimer e Walt enfatizam o sucesso com que o Lobby apóia Israel, atuando
como um censor que policia o pensamento dos EUA nesses assuntos. Na verdade, a
título de argumentação, eles não precisariam lidar com a essência desses
argumentos. Teria sido suficiente mostrar que a maioria dos americanos acredita
neles. Eles optaram por fazê-lo, talvez para melhor preparar o leitor (que
ainda poderia ter alguma compaixão pelo Estado judeu) para absorver sua
conclusão: "Analisados em detalhe, nenhum desses argumentos é convincente.
(p.47) (...) Israel pode não ter agido pior do que outros países, mas
certamente não agiu melhor".10 São muitas as alegações que precisariam de
réplica mais extensa, mas alguns pontos não podem ficar sem resposta.
Antes de mais nada, Mearsheimer e Walt afirmam que em suas sucessivas guerras
Israel era muito mais forte do que é geralmente aceito. Trata-se de uma meia
verdade. O fato de Israel ter ganhado a guerra de 1948 não prova que não fosse
desamparado; na realidade, armas externas foram fundamentais à sobrevivência do
nascente Estado judeu, e difíceis de conseguir. Se a imagem "Davi contra
Golias" da propaganda sionista exagerou na desigualdade das forças e recursos,
proclamar o lado árabe como um novo Davi não é menos absurdo. Ainda que mal
treinados e dirigidos, os exércitos árabes tiveram à disposição uma quantidade
muito maior de equipamento; o número de soldados nas batalhas era
aproximadamente igual, mas o lado árabe tinha amplas reservas (não usadas); os
judeus não. As discrepâncias quantitativas não foram menos marcantes nas
guerras de 1967 e 1973. Mearsheimer e Walt declaram: "Se apoiar o lado mais
fraco fosse um motivo obrigatório, os Estados Unidos estariam apoiando os
adversários de Israel" (p. 48). Essa perspectiva, porém, negligencia um fator
moral essencial: a liderança sionista aceitou (ainda que com o coração pesado)
o plano de partilha da ONU, enquanto o lado árabe rejeitou qualquer acordo e
declarou uma guerra de extermínio, repetindo a tentativa de 1967. A diferença
no campo de batalha foi a ineficácia da liderança árabe associada a um moral
israelense mais elevado, inclusive porque os israelenses sabiam não estar
lutando pela vitória ou pela honra, mas pela sobrevivência coletiva. Ora, a
vitória do fraco sobre o forte não prova a posteriori que o fraco era tão forte
que nem precisou ou precisa de ajuda externa.
Mearsheimer e Walt também pensam que "ser democrático não justifica nem explica
o apoio de Israel pela América",11 uma vez que os EUA, como citam com
aprovação, apoiaram muitas ditaduras (e, podemos acrescentar, ajudaram a minar
vários governos eleitos...). Isso mostra claramente a postura amoral dos
autores assim como também a da política externa dos EUA durante a Guerra
Fria, quando, grosso modo, seguiam preceitos realistas. Desde os anos 1990 e
mais enfaticamente após o 11 de setembro, porém, os objetivos da política
externa americana sofreram uma mudança dramática. Ao não mais se prostrar
diante de ditadores amigáveis para equilibrar adversários comunistas, os EUA
visam fortalecer sua segurança facilitando em sua forma mais radical e
neoconservadora a democracia no exterior para cortar as raízes do terrorismo.
O comportamento amoral no passado não pode ser usado como modelo para decisões
políticas futuras. É possível que uma derrota no Iraque possa defensivamente
trazer de volta políticas de poder amorais. Isso também seria uma derrota para
a moralidade.
Mearsheimer e Walt compilaram um catálogo de más intenções e maus
comportamentos sionistas e israelenses para minar a justificativa de que Israel
merece consideração especial. Algumas de suas acusações são bastante
verdadeiras (a maioria vem de fontes de dentro de Israel, onde a discussão de
tais assuntos é rotineira, embora poucas vezes, infelizmente, conclusiva).
Israel está longe de ser uma democracia perfeita; isso é particularmente
verdadeiro em relação ao tratamento da minoria árabe, onde a igualdade civil
pró-forma é prejudicada pela discriminação social informal (o que reflete a
tensão entre a dupla identidade de Israel, democracia e Estado judeu); e até
mais em relação aos palestinos da Cisjordânia e Gaza, uma população civil sob
ocupação por vezes molestada desnecessariamente e que freqüentemente ficou
entre o martelo de atos terroristas cometidos por sua própria resistência e a
bigorna da reação com mão de ferro de Israel: castigos coletivos. Porém,
Mearsheimer e Walt estão completamente errados ao afirmar que só judeus podem
ser cidadãos israelenses: 20% são não-judeus. Eles fazem afirmações
tendenciosas e falsas como:
a liderança sionista não estava interessada em estabelecer um estado
binacional ou em aceitar a partilha permanente da Palestina. A
liderança às vezes estava preparada para aceitar a partilha como um
primeiro passo, mas isso era uma manobra tática e não seu verdadeiro
objetivo.12
Isso é falso. O binacionalismo nunca foi uma plataforma majoritária entre os
partidos sionistas pré-Estado, mas teve importante apoio na esquerda sionista.
O que tornou o binacionalismo (reavivado em nossos dias por palestinos
radicais) um plano natimorto foi sua absoluta rejeição pelos árabes.13 Os
autores repetem o que é essencialmente uma visão de soma zero da disputa pré-
1948 pela Palestina, um assunto importante, mas intrinsecamente insolúvel.
Sendo não-determinista, minhas conclusõesa posteriorisão ligeiramente menos
pessimistas. Se o conflito era mesmo totalmente insolúvel sem e antes do
estabelecimento de um Estado judeu independente, então issofortalecea
justificativa sionista de que o direito à sobrevivência dos judeus,
existencialmente ameaçados na Europa dos anos 1930, prevalecia sobre os
intrínsecos direitos territoriais dos árabes na Palestina. O líder da direita
sionista Vladimir Jabotinsky comparou isso sarcasticamente a reivindicações
contrapondo apetite e fome.
É difícil rejeitar a reclamação de que os palestinos tiveram que pagar o preço
por um crime europeu, o Holocausto; é também verdade que muitos palestinos
foram expulsos de suas casas em 1948. Porém, a alegação de que a liderança
sionista intencionalmente tenha planejado uma limpeza étnica não está provada.
Benny Morris, um dos "novos historiadores" que Mearsheimer e Walt
favoravelmente citam como tendo explodido os mitos sionistas, expõe como a
maioria dos refugiados palestinos fugiu por medo ou percepção do perigo de
guerra e não por estar na mira de um fuzil (Morris severamente rejeita o artigo
de Mearsheimer e Walt, mostrando que eles destorcem os fatos).14 Mearsheimer e
Walt têm razão ao denunciar a persistência de atitudes israelenses favorecendo
a "transferência". Mas eles esquecem de mencionar ponderações e desejos
paralelos do lado árabe da colina, desejo de que os "outros" simplesmente
desapareçam. Tais atitudes são lamentáveis, mas não o mesmo que planejamento e
implementação de fato de limpeza étnica premeditada. Atitudes negativas sobre o
outro são tanto causa quanto conseqüência do conflito e se encontram em todo o
mundo. Se uma minoria tem de viver sob o domínio de uma maioria, a democracia
israelense, com todos seus defeitos, é ainda preferível ao equivalente regional
mais próximo (os curdos na Turquia, ou os bahais ou sunitas no Irã).
Mearsheimer e Walt negligenciam a longa história sionista e israelense de
tentativas de acordo e a constante rejeição dos árabes a quase toda proposta de
coexistência. Os "novos historiadores" demoliram muitos enfeites
propagandísticos, mas alguns fatos básicos não podem ser eliminados. A partilha
já tinha sido proposta pela Inglaterra em 1937, aceita pelo movimento sionista,
mas rejeitada pelos árabes. Em 1947, a Agência Judaica aceitou a partilha
proposta pela ONU, mas os árabes rejeitaram direitos dos judeus a mesmo uma
polegada de território. Se o lado árabe tivesse aceitado a partilha, não teria
havido o problema dos refugiados palestinos nem 60 anos de conflito árabe-
israelense. Mearsheimer e Walt esquecem também convenientemente que os
palestinos eram liderados nos anos 1930 e 1940 por Hajj Amin al-Husseini,
admirador e ativo aliado de Hitler. O oponente sionista dele, Ben-Gurion, dizem
Mearsheimer e Walt na versão completa do artigo, "viu o problema claramente",
ao escrever em 1941 que "é impossível imaginar o afastamento geral [da
população árabe] sem uso de força, e força brutal."15 Isso é uma citação
deturpada do livro Righteous victims, de Benny Morris, onde na realidade ele
diz:
Mas, ele [Ben Gurion] escreveu: "A transferência completa sem coação
- e coação cruel na verdade - é dificilmente imaginável." (...) e
[Ben-Gurion] conclui que os judeus não precisavam desencorajar
outros, britânicos ou americanos, que favorecem a transferência de
defender tal linha, mas nós não deveríamos de nenhuma maneira tornar
isto parte de nosso programa.
Mearsheimer e Walt não mencionam essa conclusão, muito mais cautelosa. (Líderes
sionistas tais como Chaim Weizmann e David Ben-Gurion ocasionalmente discutiram
a idéia da transferência e se necessário, a expulsão; Morris observa que desde
a revolta palestina de 1936-1939, "nenhum líder da linha central [sionista]
pôde conceber a coexistência e paz futuras sem uma separação física clara entre
os dois povos"). Novamente, especulações e cenários não são decisões
políticas.16 Mearsheimer e Walt também silenciam sobre Munique, 1972, Entebbe,
1976, e outros atos de terrorismo palestino que moldaram nos EUA a
identificação pública com Israel. Quando o lado árabe começou finalmente a se
mover na direção de um reconhecimento mútuo, nos anos 1980 mais por fraqueza
do que por uma mudança no coração os israelenses tinham desistido da paz como
um sonho utópico; a direita sionista expansionista estava em ascensão.
A pressão através de violência extremista e o crescimento da
população palestina forçou líderes israelenses subseqüentes a liberar
alguns dos territórios ocupados e a analisar um acordo territorial,
mas nenhum governo israelense estava disposto a oferecer aos
palestinos um Estado viável.17
Isso é o oposto do que de fato aconteceu: tentativas de diálogo da esquerda
sionista com a OLP nos anos 1980 mudaram a posição das lideranças em Israel; a
rejeição árabe manteve-se intransigente por muito tempo e destruiu seu
potencial de negociação. Os autores também repetem o mito que "a oferta
supostamente generosa do Primeiro-Ministro Ehud Barak em Camp David, em julho
de 2000, teria outorgado aos palestinos apenas uma coleção desarmada e
desmembrada de 'Bantustões', de fato sob controle israelense".18 Sem louvar
indevidamente o comportamento de Israel, e sem fazer julgamento definitivo
(pois dependemos mais de memórias do que de documentos oficiais), parece-me que
esse mito foi enterrado por todas as testemunhas oculares exceto uma: Arafat,
responsável por rejeitar todas as ofertas.19 Tentando provar que "o
comportamento de Israel não é moralmente distinguível das ações de seus
oponentes",20 Mearsheimer e Walt podem com justiça citar algumas atrocidades
cometidas por forças israelenses (além de muitas burrices cometidas por
políticos israelenses). Muitos crimes que não devem ser maquiados foram
cometidos por ambos os lados; e o prontuário de Israel está longe de ser
imaculado. Mas não deveríamos manchar injustamente um lado só. Insinuar que o
prontuário de Israel pode ser comparado àquele do Iraque ou Sudão é como dizer
que as violações de direitos humanos sob o governo militar brasileiro foram
semelhantes às da junta argentina, ou da Indonésia, que matou meio milhão de
comunistas. Os 200 mil palestinos que fugiram da Cisjordânia em 1967 não foram
expulsos. Desde 2000, houve realmente cerca de mil vítimas israelenses da nova
onda de violência, contra cerca de 3 mil palestinos. Porém, a desproporção é
mais um resultado de ineficácia palestina do que da sua intenção. A grande
maioria dos mortos israelenses foram vítimas civis de ataques terroristas; a
maioria dos palestinos, membros da resistência que os próprios palestinos
chamam corretamente de combatentes. Muitos (embora não todos) civis palestinos
mortos eram escudos humanos voluntários ou involuntários de outros palestinos.
Por fim, Mearsheimer e Walt negam que o fato de ser vítima do terrorismo desse
a Israel o direito à proteção dos EUA, pois na luta pela independência, as
forças da direita sionista também usaram métodos terroristas contra britânicos
e árabes. Isso é verdade, mas eles omitem que o Irgun e o Stern Gang, que
cometeram os atentados, eram apenas uma pequena minoria. A maioria sionista
conduzida por Ben-Gurion energicamente os rejeitou e combateu. Por outro lado,
a violência contra civis tem sido a marca das principais facções palestinas e
continua se beneficiando do apoio de segmentos consideráveis da opinião pública
palestina.21
De fato, ainda que Mearsheimer e Walt rejeitem o terrorismo palestino, eles
observam que "não é surpreendente", pois "os palestinos acreditam que não têm
nenhuma outra forma de obrigar Israel a fazer concessões. Como admitiu certa
vez [o ex-Primeiro Ministro] Ehud Barak, se tivesse nascido palestino, ele
teria ingressado em uma organização terrorista" (p.49). Essa é uma citação fora
de contexto (o termo "organização terrorista" é usado no jargão israelense como
rótulo para qualquer milícia palestina que tenha alguma vez usado violência; e
Barak acrescentou ser contra o terrorismo).22 Além do mais, "não há outra
alternativa" é um argumento usado por terroristas em todo o mundo: por qual
motivo deve ser aceito literalmente? Entre 1992 e 2000, concessões israelenses
significativas obtidas pelos palestinos, tais como volumosas retiradas
territoriais, autogoverno local, patrulhas de segurança e ajuda econômica,
deram-se não através de atos terroristas, mas pela negociação. Não há dúvida de
que, com a continuação do processo de paz, poderiam ter ganhado muito mais.
Numa sentença ambígua e bastante desumana, Mearsheimer e Walt concluem que "a
trágica história do povo judeu não obriga os Estados Unidos a ajudar Israel
hoje independentemente do que ele faça." (p. 49) A sobrevivência de Israel "não
está em dúvida", pontificam, "mesmo se alguns extremistas islâmicos fazem
referências revoltantes e irrealistas a 'varrê-lo do mapa'".23 É compreensível
que os israelenses sejam mais céticos e prefiram garantias mais confiáveis do
que as de amigos como Mearsheimer e Walt. Na verdade, se a existência de Israel
está segura, é em grande parte por sua habilidade em mobilizar amigos
verdadeiros exatamente a ação que Mearsheimer e Walt lamentam tanto.
O LOBBY
Se o interesse estratégico dos EUA para se alinhar com Israel não parece mais
tão urgente, os imperativos morais permanecem fortes. Não considero
convincentes os ataques de Mearsheimer e Walt contra esses imperativos. A
maioria dos americanos concorda comigo, como comprovam inúmeras pesquisas.24
Obviamente, o fato de o povo e a elite abraçarem o argumento moral em favor de
Israel não significa que não haja um forte e organizado lobby pró-Israel nos
EUA. De acordo com Mearsheimer e Walt, a forte identificação que muitos
americanos continuam a ter com o Estado judeu é precisamente um problema de
"falsa consciência": o Lobby
...se esforça para assegurar que o discurso público retrate Israel de
forma positiva, repetindo mitos sobre sua fundação e promovendo seu
ponto de vista nos debates sobre políticas. O objetivo é evitar que
comentários críticos consigam uma audiência imparcial na arena
política. Controlar o debate é essencial para garantir o apoio dos
Estados Unidos, porque uma discussão franca das relações entre
Estados Unidos e Israel poderia levar os americanos a preferir uma
política diferente. (p.52)
Eles detalham uma rede de grupos e indivíduos ocupados em promover os
interesses de Israel, influenciando senadores e congressistas, candidatos
democratas e republicanos em tempos de eleição, autoridades no governo, na
mídia e na academia. Essas forças emanam, na visão de Mearsheimer e Walt,
principalmente de dentro da comunidade judaica. No centro está o poderoso
Aipac, sigla em inglês para Comitê Americano-Israelense de Afazeres Públicos.
Mearsheimer e Walt não chegam a afirmar que o lobbying étnico seja ilegítimo
("Na maioria, os indivíduos e grupos que o compõem estão fazendo apenas o que
outros grupos de interesse especial fazem, só que fazem muito melhor"). Porém,
eles falam claramente que seus efeitos são danosos tanto para os interesses dos
EUA quanto para os de Israel. É preciso avaliar essas afirmações.
Para começar, o que é exatamente esse Lobby? Não fica claro no artigo de
Mearsheimer e Walt quais seus elementos constitutivos e limites. Faz sentido
incluir a Aipac e algumas outras organizações especificamente pró-israelenses.
Porém, Mearsheimer e Walt parecem incluir qualquer americano, judeu ou não,
homem de negócios, jornalista ou professor universitário, que já tenha alguma
vez expressado uma opinião favorável ao Estado de Israel. Inclui pessoas tão
diferentes como Douglas Feith, secretário de defesa entre 2001 e 2005,
neoconservador próximo do Likud que firmemente se opôs ao processo de Oslo, e
Dennis Ross, um dos arquitetos do processo de paz mediado pelos EUA, que chegou
a receber cartas de ódio chamando-o de "self-hating Jew".25 Não há dúvida de
que a Aipac e organizações correlatas de fato são bastante eficientes na
promoção de posições pró-israelenses. Parecem particularmente hábeis em colocar
parlamentares americanos sob pressão suficiente para manter o fluxo de dinheiro
e armas para Israel. Organizações a favor de Israel conseguem forçar os
políticos americanos a não adotar decisões anti-israelenses. Esse Lobby (se os
grupos que o constituem forem suficientemente coesos a ponto de constituir um
lobby) parece o mais eficiente em seu próprio território: Israel (voltaremos à
sua suposta influência em outras questões como o Iraque e Irã) em particular
se e enquanto não enfrentam outros lobbies (por exemplo o dos sauditas) ou
outros interesses opostos.
Poderoso, porém, não significa todo-poderoso. Diferentemente da afirmação de
Mearsheimer e Walt, sua influência é bastante menos pronunciada sobre o
Executivo do que sobre o Legislativo. E a política externa é muito mais moldada
pelo Presidente, pelo Pentágono e pelo Ministério do Exterior do que pelo
Congresso, particularmente em tempos de crise (e o Oriente Médio está numa
crise quase constante).
Há muitos exemplos de casos em que os interesses dos EUA e de Israel divergiam
nitidamente, e o Lobby não ajudou Israel. Não é preciso voltar até 1957, quando
Eisenhower forçou Israel a sair do Sinai época em que a Aipac ainda não
existia. Por suas próprias razões geopolíticas, Nixon impôs um fim à Guerra de
Outubro de 1973, quando Israel estava a ponto de vencer. Os acordos de
separação de forças subseqüentes, mediados pelo secretário de Estado Henry
Kissinger, também estavam longe de ser unilateralmente favoráveis a Israel,
ainda que abrissem caminho para a paz com o Egito. No contexto do acordo de
Sinai II, em 1975, os EUA prometeram não falar com a OLP, mas, em 1989, o
presidente Reagan estabeleceu diálogo com a organização à revelia de Israel. Em
1977, o Lobby de Israel não impediu Carter de pressionar Begin. Em 1981, Israel
se opôs à venda de aviões de espionagem avançada para a Arábia Saudita, mas os
Sauditas os obtiveram mesmo assim. Nos final dos anos 1980, as políticas de
assentamento israelenses geraram grave tensão com os EUA: com lobby ou sem
lobby, o governo de George H. Bush impôs sanções financeiras a Israel. Na
guerra de 1991, o Iraque bombardeou Israel: a pressão americana impediu Israel
de retaliar. Depois de derrotar Saddam, o secretário de Estado americano, Jim
Baker, iniciou o primeiro encontro direto entre Israel e estados Árabes. Israel
teria que sentar à mesma mesa e trocar apertos de mão com uma delegação
palestino-jordaniana: Yitzhak Shamir, um expansionista radical do Likud, se
opôs ativamente. Ele teve de ser arrastado à Conferência de Madri, mas acabou
indo. Todos esses fatos não se ajustam à tese de Mearsheimer e Walt.
É verdade que desde 1992, nos governos Clinton e Bush II, o atrito entre EUA e
Israel tem sido menor. Mas isso decorre mais da concepção de paz compartilhada
por Rabin, Barak e os "clintonianos" do que de manipulações do Lobby.
Mearsheimer e Walt afirmam que funcionários do governo americano como Dennis
Ross, Martin Indyk e Aaron Miller, centrais na mediação de paz sob Clinton,
integram o Lobby de Israel. Na realidade, eles estavam mais próximos do Peace
Now do que da Aipac, assim como Clinton, sua secretária de Estado, Madeleine
Albright, Shimon Peres e Rabin. A Aipac não permaneceu passiva: tentou
ativamente prejudicar os esforços de paz de Rabin! Pois embora no papel a Aipac
represente um amplo espectro de organizações judaicas americanas, na realidade
ela é controlada por um punhado de "coronéis" da extrema-direita, como Michael
Massing documentou em um artigo muito útil.26 Mais próximo ao líder do Likud
anexionista Binyamin Netanyahu do que dos trabalhistas, o Lobby de Israel se
opôs ao Processo de Oslo, à retirada israelense de territórios palestinos e à
idéia da partilha da terra entre judeus e árabes, que é a base do sionismo
trabalhista e sem a qual a paz não passa de um castelo no ar. Rabin tentou
isolar a Aipac; mas ela respondeu com moções no Congresso que exigiam a
transferência da embaixada dos EUA em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém. Devido
às reivindicações mutuamente excludentes e não resolvidas sobre Jerusalém, tal
mudança teria destituído os EUA do papel de mediador. Rabin entendeu e se opôs
à idéia. Apesar da pressão do Lobby, Clinton fez o mesmo, vetando o plano, e
assim vem fazendo Bush II depois dele.27 Em outras palavras, não só o Lobby não
reflete as atitudes mais conciliatórias da maioria dos judeus americanos: às
vezes fica frontalmente às turras com Israel. Depois que Netanyahu assumiu o
poder, em 1996, houve novamente um ajuste quase total entre as posições de
Israel e do Lobby. Sob a pressão do time de Clinton, Netanyahu se viu obrigado
a comparecer à Conferência de Wye River com os palestinos com quem jurara,
poucos meses antes, não negociar. Como Shamir antes dele, reclamou, mas foi. O
Lobby foi mais uma vez ineficaz.
Mearsheimer e Walt ignoram esses matizes. Sua análise do Lobby é imprecisa.
Exceto algumas táticas famosas, como campanhas por carta, distribuição de
contribuições arrecadadas por políticos "leais" ou ainda insinuações com base
no que dizem certos senadores, não ouvimos como o Lobby de Israel funciona
exatamente: Mearsheimer e Walt só apontam os supostos resultados. Para um texto
que promete lidar com o Lobby de Israel, é surpreendentemente vago. (Não por
acaso, os autores ignoram as pesquisas mais sólidas).28 Também é amplamente a-
histórico, sem qualquer análise sobre quando começou, como se desenvolveu, etc.
Suas afirmações taxativas, embora sustentadas por centenas de fontes
secundárias rotuladas pelos autores, um tanto ingenuamente, de "insuspeitas",
não se baseiam em qualquer pesquisa primária (por exemplo, entrevistas com ex-
lobistas, políticos, etc.) mas em fontes secundárias e nem sempre fidedignas.
Pintam um quadro monolítico e bastante sinistro desse "agente de facto para um
governo estrangeiro" aplicando uma "gravata" no Congresso dos EUA.29 Alguns
líderes da Aipac se gabam da própria atuação, pois têm interesse em maximizá-
las, até pela competição com outras organizações judaicas.30 A isso Mearsheimer
e Walt chamam "evidência". Seus exemplos e fontes são fracos e a conclusão é
bastante exagerada.
O que dizer do caráter judeu do Lobby de Israel? Claramente não há nada de
excepcional ou impróprio no ato de agir em favor de seu povo ou país de origem.
Nos EUA, o lobby é uma indústria, que funciona sob o princípio de que um
interesse urgente para um pequeno grupo (indústria, igreja, diáspora ou
qualquer grupo político, local, ambiental ou identitário) muitas vezes deixa a
maioria indiferente. Divulgar esses interesses em troca de uma compensação pode
fazer sentido, o custo político é baixo e a tarefa do lobby é suavizar a
transação. A menos que outro grupo de interesse expresse demandas contrárias...
Os EUA têm uma gama extensa de lobbies étnicos com prioridades na política
externa, mais do que alhures, porque são por excelência uma sociedade de
imigrantes e refugiados. Americanos irlandeses influenciam a política dos EUA
na Irlanda, taiwaneses fazem sentir seu peso no caso da China, exilados cubanos
mantêm o embargo a Fidel, refugiados iraquianos pressionam para desalojar
Saddam, exilados iranianos fazem intrigas contra os aiatolás. (O fenômeno não
se restringe aos EUA; a recente legislação francesa, criminalizando a negação
do genocídio armênio, tem algo a ver com a presença na França de 1,5 milhão
armênios). É surpreendente que muitos judeus norte-americanos sejam ativos em
favor de Israel?
Os judeus constituem menos de 2% dos americanos, mas têm uma tradição de
expressividade e engajamento políticos e estão concentrados em cidades e
profissões politicamente sensíveis. Também marcam forte presença na academia,
na mídia, na indústria de entretenimento e em muito mais. A maioria se importa
com Israel, o que torna fácil a mobilização da boa vontade, filantropia e
esforço pessoal por parte dessa comunidade politizada e próspera. Fora disso,
porém, as opiniões divergem tanto entre os judeus dos EUA quanto entre outros
americanos. É verdade que os judeus são super-representados entre os
neoconservadores, quase todos favoráveis a Israel por razões ideológicas (por
exemplo, William Kristol, Norman Podhoretz, Paul Wolfowitz, Richard Perle,
Douglas Feith, Bernard Lewis). Porém, muitos "neocons" são não-judeus, como
Francis Fukuyama, Jeane Kirkpatrick e Max Boot (ultimamente também Christopher
Hitchens se juntou a eles, e não pode ser suspeito de simpatias sionistas).31
Mas os judeus são também super-representados na esquerda velha e nova (Thomas
Friedman, Paul Berman, Michael Walzer e anti-sionistas extremos, como Noam
Chomsky, Tom Judt e Norman Finkelstein), além do neo-realismo centrista que
Mearsheimer e Walt integram (Kissinger, Martin Kramer, Daniel Pipes). Na
realidade, são super-representados em todas as correntes políticas, à exceção
da Velha Direita anti-semita. Tal representação desproporcional também se
encontra em muitos outros países: as razões são complexas, mas certamente não
têm nada a ver com qualquer motivo conspiratório!
Os judeus não são, de longe, os únicos a promover Israel. Mearsheimer e Walt em
grande parte ignoram os fundamentalistas protestantes e outros grupos não-
judeus. Igrejas cristãs evangélicas nos EUA acreditam que o Segundo Advento do
Cristo depende da conversão anterior dos judeus ao cristianismo, algo que só
pode acontecer após a volta de todos os judeus para a Terra Santa. Essa
teologia conduz alguns a posições políticas extremamente pró-israelenses (e não
raramente islamofóbicas); e Israel não hesita em explorar essa simpatia. Os
fundamentalistas cristãos são um componente crucial do Lobby de Israel.
O Lobby não é o único a negociar o campo minado Israel-Palestina. Há nos EUA
entre 4 e 6 milhões de muçulmanos, sendo uma proporção significativa deles
descendentes de imigrantes árabes, além de árabes cristãos. Muitos são
prósperos e ativamente engajados na questão da Palestina ou no lobby árabe-
americano. Organizações como o Conselho de Relações Islâmicas Americanas, o
Instituto Americano Árabe, o Comitê Americano-Árabe de Anti-discriminação e
outros agem contra o Lobby de Israel com um ponto de vista anti-sionista e pró-
palestino, embora seu impacto seja bem menor. Judeus anti-sionistas são também
ativos, assim como algumas igrejas cristãs críticas a Israel. Embora suas
opiniões sejam opostas, tanto judeus quanto árabes se interessam pelo conflito
no Oriente Médio; essa preocupação alimenta um interesse desproporcional dos
veículos de comunicação.
Mearsheimer e Walt acusam o Lobby de Israel de manipular a mídia, apesar de
aceitar que as reportagens sejam mais equilibradas do que certos editoriais.
Porém, mesmo os comentários do New York Times, supostamente de tendência pró-
sionista, são com freqüência bastante críticos a práticas israelenses (oTimes é
às vezes considerado anti-semita em círculos do Likud). Eles também criticam os
esforços do Lobby para "evitar que Israel seja criticado nos
campiuniversitários", embora admitam que o esforço "não foi tão bem-sucedido na
academia quanto em Capitol Hill".32
Alguns think tanks aos quais Mearsheimer e Walt se referem (o Washington
Institute for Near East Policy, a Heritage Foundation, entre outros) de fato
assumem posições pró-israelenses. Mas centros de estudo e propaganda pró-árabes
não ganham menor atenção da mídia. Os campi americanos são há tempos campos de
batalha entre forças pró e anti-israelenses. O debate é vigoroso, até áspero, e
não há sinais de que a crítica a Israel seja reprimida. Em termos de produção
intelectual e ativismo estudantil, a tendência predominante parece antes
favorecer os críticos de Israel o que preocupa as forças pró-israelenses:
será que a opinião dos alunos é termômetro para uma futura mudança, mais ampla,
na opinião da sociedade?
É claro que grupelhos pró-Israel tais como o Campus Watch seguem de perto
qualquer fala de professores pró-árabes, como o recém-falecido Edward Said, ou
Rashid Khalidi e Joseph Mattar. Porém, a mesma tentativa de "policiar o
pensamento" é dirigida a acadêmicos pró-Israel, como Alan Dershowitz, Daniel
Pipes e Bernard Lewis. Mearsheimer e Walt têm provavelmente razão quando dizem
que acusações de anti-semitismo são facilmente proclamadas pelos judeus. É uma
arma eficaz, pois ninguém quer ser tachado de anti-semita. Mas rótulos como
racista, fascista ou imperialista, às vezes usados por oradores pró-árabes,
podem ser "silenciadores" igualmente efetivos. Terrorismo intelectual não
adianta. Em ambos os lados, há métodos impróprios e abusivos para silenciar o
outro. As comunidades judaicas, que incluem ainda milhares de sobreviventes do
Holocausto, são compreensivelmente supersensíveis ao mais leve sintoma de anti-
semitismo e propensas a reações defensivas exageradas. Muitos vêem Israel como
o último refúgio e garantia de sobrevivência judaica e alguns têm dificuldade
em distinguir entre a crítica a Israel, o anti-sionismo e o anti-semitismo,
embora os três fenômenos sejam analiticamente distintos. A mesma confusão é
comum entre israelófobos menos sofisticados, criando um círculo vicioso. Não
esqueçamos que o anti-semitismo na realidade está longe de ser extinto; a
garantia de Mearsheimer e Walt de que está recuando na Europa não é confirmada
pelos fatos.33 Aqui Mearsheimer e Walt estão pouco fundamentados.
Na realidade, se o Lobby de Israel fosse realmente culpado de todas as coisas
de que eles o acusam, provavelmente precisaria de mais funcionários do que a
Casa Branca, Ministério do Exterior, Pentágono e Congresso juntos. Para lavar
tão drástica e permanentemente o cérebro de milhões, teríamos de transformar o
poder do Lobby numa conspiração onipresente ou então duvidar da inteligência
e força de vontade da maioria dos americanos: qualquer dessas pressuposições é
ultrajante. É verdade que a opinião pública nos EUA costuma estar mal-informada
sobre assuntos internacionais (por exemplo, a convicção popular, não provada,
de que existiam ligações entre Saddam Hussein e Osama bin Laden). Também é
verdade que o Lobby de Israel influencia o tom do discurso público sobre o
conflito árabe-israelense sendo provavelmente mais influente nessa área do
que em decisões específicas34 de política externa; ou seja, seu impacto é
principalmente difuso, doméstico e ideológico. Mas, se as vozes pró-Israel
conseguem ultrapassar as pró- árabes, o desequilíbrio não é exatamente
ensurdecedor; sugerir que, apesar da extensa liberdade de expressão
prevalecente nos EUA, o Lobby de Israel pode impedir opiniões contrárias por
controle de pensamento é incrível. Além disso, o potencial de qualquer lobby é
inerentemente limitado: pode encorajar ou censurar, mas não ditar opiniões e,
ainda menos, decisões. O consistente e quase-unânime apoio a Israel no
Congresso e na grande maioria do público americano é sem dúvida estimulado e
aplaudido pelos amigos de Israel e pode ser baseado em informações unilaterais.
Mas talvez Clinton, Bush e todos esses Senadores e americanos "ingênuos"
simplesmente acreditem nisso! Pode-se argumentar que a política americana no
Oriente Médio superestima a necessidade da segurança de Israel em comparação à
demanda árabe por justiça, ou é otimista demais ao acreditar que Israel optará
pela rota da paz, ou é reticente demais ao exigir um preço político pela
ajuda.35 Em outras palavras, seria possível defender que suas posições
simplesmente tornam os EUA inadequados no papel de "corretor honesto" (embora
não haja outro corretor em vista). Mas não é preciso um "Lobby de Israel" para
explicar o que no olhar dos críticos é uma abordagem errada. A responsabilidade
por isso é dos políticos democraticamente eleitos. E os presidentes dos EUA, de
Carter a Bush II, têm refletido em suas políticas para o Oriente Médio a
preferência de seu eleitorado. Erros foram cometidos; porém um julgamento
falível não significa que a maioria dos americanos careça de uma bússola moral.
Isso me leva ao que vejo como o maior engano de Mearsheimer e Walt: ao
contrário do que argumentam, o alinhamento político dos EUA com Israel não está
baseado numa percepção unilateral da realidade israelo-palestina unilateral,
eles afirmam, em decorrência do controle do Lobby de Israel sobre órgãos de
informação , mas numa identificação emocional da maioria dos americanos com o
Estado judeu. O ponto fundamental é que essa identificação se baseia em valores
compartilhados, mais do que em interesses comuns. O que o Lobby de Israel faz é
organizar e dar forma política às preferências já existentes da maioria dos
cidadãos.36 A consonância de valores explica o êxito de sua atuação. Na
percepção norte-americana, ambos os países se desenvolveram a partir de
comunidades de pioneiros idealistas e vítimas de perseguição, obrigados a
sobreviver num ambiente novo, duro e hostil; os norte-americanos vêem ambas as
sociedades à luz da tradição de acolher e dar amplas oportunidades a recém-
chegados; ambos se entendem como democracias pluralistas num mundo cheio de
ditadores agressivos; além do mais, para dezenas de milhões de americanos
cristãos religiosos, Israel é também o lar do povo eleito de Deus, com uma
missão religiosa para cumprir na terra lembrando o chamado Bíblico ao povo
judeu (reelaborado no sionismo clássico e soando agora bastante irônico) para
se tornar uma "luz para as nações". Se adicionarmos a todas essas semelhanças a
experiência que milhões de americanos tiveram através do turismo em Israel e as
amizades interpaíses, a "relação especial" pode ser entendida como a expressão
de um "agrupamento civilizacional".37 O conceito nem sempre tem o poder que
Huntington lhe atribui, mas parece bastante adequado para a relação EUA-Israel.
A rejeição ao extremismo e terrorismo árabe ou muçulmano reforça os sentimentos
de solidariedade para com o "coitadinho" (Mearsheimer e Walt podem zombar desse
moralismo sentimental, porém, o apoio aos palestinos, na medida em que está
presente, é baseado em reflexos semelhantes de proteger o oprimido e a vítima).
Recentemente, Israel chegou a também ser visto como um aliado, aliás muito
experiente, na "guerra contra o terror". A tradicional falta de interesse do
público norte-americano em questões internacionais desapareceu depois do 11 de
setembro. O sentimento em relação ao mesmo inimigo letal estimula a empatia. Há
uma percepção de que a condição geopolítica de Israel se assemelha à dos
próprios EUA, até mesmo quando seus interesses geopolíticos de curto prazo não
necessariamente coincidem. O público americano não se mostra avesso a que os
EUA apliquem mais pressão sobre ambos os lados para superar o conflito.38
Porém, enquanto Israel for visto como disposto a pagar um preço razoável pela
paz, e o outro lado como pouco disposto a aceitar mesmo a existência de Israel,
imagino que um comprometimento com a justiça manterá os EUA ao lado de Israel
apesar de sua inconveniência política.39
Se é assim, por que os EUA estiveram distantes de Israel nos anos 1950? A
relação especial (e o Lobby) só cresceu após 1967, depois da ocupação por
Israel dos territórios que, na visão de Mearsheimer e Walt, prejudicam os
interesses dos EUA. A diferença pode ter a ver com um medo residual do
socialismo e da nostalgia pró-soviética dos sionistas durante a Guerra Fria;
além do mais, Israel desfrutava então de uma latitude mais ampla, jogando com
várias potências. É inegável que quanto mais Israel ficou isolado, mais os EUA
lhe estenderam sua guarda protetora. Uma causa pode ter sido a democratização
da sociedade americana, que por fim também atingiu a esfera das relações
exteriores. Até os anos 1950, a política estava sob o domínio dos WASP (White
anglo-saxon protestants). A emancipação e a entrada de católicos, negros,
judeus, etc, estava apenas começando nos anos 1950 e 1960. Roosevelt, por
exemplo, apesar da visão social transformadora e dos instintos antifascistas,
era impermeável aos interesses judeus. Sob Truman e Eisenhower, a política para
o Oriente Médio estava ainda nas mãos de arabistas profissionais, interessados
em petróleo e antipáticos ao sionismo. Isto tem mudado gradualmente a favor de
Israel.
Como bons realistas, os autores supõem que a política externa seja movida por
interesses nacionais. Porém, motivos idealistas se intrometem periodicamente.
Pesquisas de opinião mostram que o público norte-americano prefere uma política
externa não realista, movida por valores morais. Assim como nos países
escandinavos, na Holanda e talvez na Alemanha do pós-guerra (e em contraste,
por exemplo, com a Rússia), a maioria do público norte-americano não aceita o
preceito de que a atuação internacional de seu país deva ser guiada por
interesses egoístas. Os autores presumem que a doutrinação pelo Lobby de Israel
é o que impede a população norte-americana de formar uma opinião "melhor" (isto
é, mais crítica) sobre Israel. Mas é provável que as posições do governo
estadunidense no que diz respeito a Israel e à Palestina (até agora muito
amplamente apoiadas pelo público) pouco mudariam sem o Lobby.
Se fosse tão fácil, quanto Mearsheimer e Walt sugerem, para "um agente de facto
de um governo estrangeiro"40 moldar a política externa de um Estado soberano,
por que não há um Lobby de Israel na França ou Inglaterra (onde Tony Blair
compartilha muitas das posições geopolíticas de Bush, menos na questão
Palestina)? Pelo mesmo raciocínio, também a Alemanha poderia, em razão de seu
passado, ser facilmente induzida a manter o passo com os EUA em sua posição
pró-Israel. Mas não o faz. Se o Lobby de Israel fosse eficaz graças à presença
de uma diáspora judaica ativa e simpática a Israel, existiriam lobbies
equivalentes na França e talvez na Rússia. Não é o caso. A diferença pode se
explicar pelo caráter mais aberto e pluralista da política externa americana
comparada à de países europeus (e, presumivelmente, do Brasil). O mesmo
pluralismo a torna também mais aberta às pressões contrárias (por exemplo, de
americanos árabes). A hegemonia ideológica nunca é incontestável. Na verdade, a
contestação já começou há algum tempo. Com os desastres se acumulando no
Iraque, Irã, Líbano e alhures, há motivos para que cresça ainda mais.
IRAQUE: ALEGAÇÃO NÃO COMPROVADA
Uma das afirmações mais mirabolantes de Mearsheimer e Walt sustenta que o Lobby
de Israel levou os EUA à Guerra do Iraque. Segundo eles, o Lobby seqüestrou a
política dos EUA para o Oriente Médio e criou uma guerra que serviria não a
propósitos americanos, mas israelenses. Mearsheimer e Walt também dizem que o
mesmo Lobby pressiona agora por um ataque contra o Irã, o que, advertem, seria
até pior para os interesses americanos, pois inflamaria ainda mais a opinião
pública árabe e muçulmana.
Para fortalecer a afirmação sobre o Iraque, Mearsheimer e Walt apontam, em
primeiro lugar, uma série de falas de líderes israelenses (e sinais de
entusiasmo na imprensa israelense) clamando por uma guerra dos EUA contra o
Iraque; em segundo, ligações entre os "neocons" pró-guerra nos EUA e Israel.
Ambas as afirmações devem ser qualificadas. Assim como a opinião pública
americana em geral e a comunidade judaica nos EUA, também a opinião israelense
estava dividida quanto à guerra. Havia nervosismo sobre o suposto arsenal de
armas de destruição em massa de Saddam Hussein, motivado por suas ameaças e
ataques contra Israel em 1990 e 1991 e pelo histórico de uso de armas químicas
na guerra contra o Irã e contra sua própria população civil curda. Contudo,
houve também um longo debate na elite de segurança israelense sobre quem seria
o inimigo mais perigoso para Israel: Irã ou Iraque? Muitos apontaram o Irã como
risco maior, uma vez que o Iraque de Saddam permaneceu mais ou menos contido
depois de 1991. Além disso, havia o medo de que o extremismo religioso islâmico
fosse mais intransigente do que o nacionalismo árabe. Uma guerra preventiva
contra Saddam poderia complicar ou tornar inviável um futuro conflito com um
Irã dotado de bomba nuclear, liderado por radicais que odeiam Israel.41 (Este
parece ser o rumo que as coisas estão tomando agora). Forçada pelo duro
ambiente do Oriente Médio, a política externa de Israel é mais realista do que
a americana. Os israelenses foram e são céticos quanto ao efeito da campanha de
democratização que os "neocons" esperavam desencadear no Oriente Médio. Temem
que eleições possam alçar ao poder movimentos islamistas populares ainda mais
perigosos para Israel do que ditadores corruptos. Dizer que Israel ou seu Lobby
induziram a guerra, portanto, está muito longe da verdade. Isso não significa
que não tenha havido entusiasmo em Israel com a perspectiva de eliminar Saddam,
ou mesmo o devaneio de que um tsunami de mudanças positivas transformaria o
Oriente Médio depois da destruição do potencial agressivo do Iraque.42
Considerando o consenso entre os serviços de inteligência americano,
israelense, francês e russo em 2002 e 2003 sobre a existência de armas de
destruição em massa no Iraque, não invadi-lo teria sido a decisão mais
irresponsável. Mesmo não tendo participado, Israel mais ou menos paralisou sua
economia durante a guerra por medo de retaliações iraquianas, tal como em 1991.
Dentro dos EUA, os que preconizavam a invasão do Iraque eram um grupo maior do
que o Lobby de Israel. Inclui árabes e muçulmanos como Kanan Makiya, Fouad
Ajami, Michael Maloof, Ahmed Chalabi e Zalmay Khalilzad. Existe uma
sobreposição parcial entre os "neocons" americanos e lobistas pró-Israel
(Feith, por exemplo). Mas tal correlação não prova que o Lobby tenha causado a
guerra. A maioria dos "neocons" não tem pessoalmente nada a ver com Israel.
"Neocons" acreditam em "tornar o mundo seguro para a democracia", projeto com
nuances protestantes, kantianas e wilsonianas; a política externa israelense,
por sua vez, é baseada num prisma amargo, implicitamente realista, de um mundo
hostil, predominantemente anti-semita, onde todo o poder emana do cano do
fuzil. Os "neocons" acreditam que a expansão de "valores americanos" (valores
da modernidade que surgiram primeiro no ocidente, mas são vistos como
universalizáveis: democracia, direitos humanos, paz internacional, etc.)
tornará as sociedades do Oriente Médio menos extremistas e diminuirá a atração
exercida pelo terrorismo; eles vêem isso como um fator crítico para tornar os
EUA mais seguros e querem usar o poder dos EUA "para o bem comum" da
humanidade. A maioria dos políticos israelenses não compartilha esse otimismo.
"Neocons" como Wolfowitz aplaudiram a intervenção da Otan em Kosovo, em 1998,
para proteger uma população muçulmana albanesa contra Milosevic; Israel manteve
uma linha cautelosamente pró-Sérvia. Além do quê, muitos "neocons" são
neoliberais ao extremo, assunto de importância secundária no Oriente Médio.
Tendo sofrido na própria carne, israelenses vêem o terrorismo como ameaça
principal; Netanyahu não é o único a deplorar a ausência de um esforço
concertado internacional para eliminar o terrorismo; e naturalmente os
israelenses são sensíveis a qualquer sinal de apaziguamento. Mas poucos acharam
que Saddam Hussein estivesse por trás do 11 de setembro.
Já em 1998, um grupo de americanos incluindo Elliott Abrams, Francis Fukuyama,
Robert Kagan, William Kristol e Paul Wolfowitz solicitaram que Clinton
depusesse Saddam Hussein.43 Mas a pressão neoconservadora não foi suficiente
para provocar a desejada invasão. Em 2001, o novo governo Bush não era
intervencionista: tentava diferenciar-se do que via como o idealismo nation-
building criticável dos democratas, e desengajou-se visivelmente do processo de
paz árabe-israelense. Também não havia, ao tempo dos ataques de Bin Laden,
muitos soldados americanos na Arábia Saudita. Como Mearsheimer e Walt
confirmam, somente após o 11 de setembro Bush tornou-se favorável à guerra. Não
é segredo que sua família mantinha estreitas relações com membros da elite
saudita, que depois de 1990 tem muito mais contas a acertar com os iraquianos
do que Israel. Observar que Bush, Dick Cheney, Donald Rumsfeld, Colin Powell e
Condoleezza Rice mudaram de opinião depois do 11 de setembro não significa que
fossem vítimas indefesas de algum incansável lobby israelense. Os EUA tinham
muitas razões para invadir o Iraque, e a preocupação com a segurança de Israel
pode ter sido um motivo secundário. Mearsheimer e Walt não conseguem demonstrar
que foi o principal. Mas "a derrota é órfã": culpar um fator externo pela atual
crise dos EUA no Oriente Médio é conveniente...44
Mearsheimer e Walt repetem uma linha bastante atual, que responsabiliza a
política americana no Oriente Médio, com suas invasões do Afeganistão, Iraque e
a "exportação da democracia", pelo terror islamista. "A tentativa do governo
Bush de transformar a região numa comunidade de democracias ajudou a produzir
uma insurgência resistente no Iraque, uma violenta elevação nos preços mundiais
do petróleo e ataques terroristas em Madri, Londres e Amã."45 Isso vira as
coisas de ponta-cabeça. Até 2001, os EUA estavam basicamente fazendo o
prescrito por neo-realistas como Mearsheimer e Walt. Foi o terrorismo islamista
que os fez mudar a estratégia. Até os anos 1990, a política americana no
Oriente Médio era amplamente baseada no equilíbrio de poder. Após o fim da
Guerra Fria, a prioridade da estabilidade sobre a justiça fica clara no modo
como os EUA encerraram a guerra do Golfo, em 1991: George H. Bush chamou os
curdos e xiitas para protestar contra Saddam Hussein e depois permitiu a este
massacrar as revoltas: ante o perigo de desestabilização e uma possível
fragmentação do Iraque, era preferível a continuação da ditadura enfraquecida
de Saddam.46 Clinton acrescentou uma dose de idealismo a seus esforços pela paz
entre Israel e Palestina, mas no geral os EUA mantiveram o apoio a aliados
repugnantes, como os monarcas absolutistas sauditas, Hosni Mubarak, do Egito, e
os emires kuwaitiano e do Golfo; somente contra o Irã e o Iraque foi conduzida
a malsucedida política de "contenção dupla". Nem Clinton nem Bush II prestaram
muita atenção ao terrorismo islamista, até que os EUA foram atacados de maneira
traumática e sem precedentes. Realistas com foco no Estado não tinham
explicações nem recomendações políticas a oferecer em face da virulência e
efetividade do súbito terror empreendido por um ator não-estado e movido por
ideologia. Já os neoconservadores tinham diagnóstico e terapia: era a vez
deles. É possível que as intervenções americanas tenham criado um mecanismo de
feedback negativo, no qual a reação ao terror cria e legitima mais terror
islamista antiocidental (a Al-Qaeda parece dar boas vindas ao potencial
radicalizante da "agressão dos cruzados e judeus"). Mas isso é diferente de
identificar a reaçãocomo causa básica. É bem possível que a causa da atual
bagunça não tenha sido o fato em si de eliminar tiranos odiosos, mas a maneira
como a operação foi executada.
Mearsheimer e Walt também foram atacados de uma direção inesperada, a extrema
esquerda, ao subestimar o fator petróleo como gerador da guerra do Iraque. Noam
Chomsky e Stephen Zunes, por exemplo, os acusaram de subestimar o impacto
militarista dos interesses petrolíferos.47 Permitir acesso e fornecer petróleo
a preços acessíveis é sem dúvida um interesse chave do ocidente (até mais
europeu e japonês do que norte-americano). Contudo, não havia risco de falta de
petróleo antes da invasão, e o Iraque teve papel secundário no que foi uma
guerra movida por geopolítica e ideologia. A acusação a grupos de interesse
econômico reforça a fantasia conspiratória de Chomsky sobre a ação dos EUA no
mundo e não deve ser levada ao pé da letra. Mas seria loucura negar que a
política norte-americana para o Oriente Médio seja produto de fatores diversos:
Mearsheimer e Walt focalizam um único o Lobby de Israel, negligenciando todos
os outros.
Os autores estão mais bem fundamentados quando acusam vozes a favor de Israel
de pressionar o governo Bush para uma postura mais ativa contra a Síria e o
Irã. Eles também acreditam que um Irã com bomba nuclear não é uma ameaça para
os EUA ou Israel. Ocorre que o Lobby de Israel não é o único ou mais forte
elemento a se preocupar com o Irã: a IAEA, França e Alemanha não estão menos
alarmados, pois um Irã nuclear dedicado à hegemonia regional, controle de
petróleo e choque de civilizações não vai ameaçar apenas Israel. Se Israel
tentou forçar uma guerra, seus esforços não geraram frutos e parecem ilustrar
antes os limites do Lobby do que sua onipotência. Mearsheimer e Walt declaram
que "Irã e EUA dificilmente seriam aliados se o Lobby de Israel não existisse,
mas a política americana seria mais moderada e a guerra preventiva não seria
uma opção séria".48 Mas quando foi uma opção séria?
Não é correto definir as relações entre Israel e EUA como se um fosse uma
marionete nas mãos do outro. A maioria dos norte-americanos apóia Israel. E a
grande maioria em Israel apóia a aliança com os EUA, pois em vista do que é
percebido como ameaça, contar com um amigo forte não é exatamente uma escolha.
Israel é o cliente, e muitas vezes mais dependente da superpotência do que o
oposto, pois simplesmente não tem alternativa para suas necessidades militares
e apoio político. Os EUA, por outro lado, poderiam se desvincular do
inconveniente protegido sem colocar em risco os interesses nacionais. O fato de
ser possível discutir, como Mearsheimer e Walt fazem, se o apoio incondicional
a Israel é desfavorável aos EUA, já define a relação como oposta à doutrina
realista.
O apoio americano convém aos interesses de Israel no longo prazo? Mearsheimer e
Walt negam. O apoio cego a políticas direitistas como a colonização da
Cisjordânia também é ruim para Israel, pois não fosse o suporte americano,
Israel teria aceitado mais oportunidades para fazer a paz. É razoável supor
que, ao negar direitos políticos aos palestinos, Israel não se tornou mais
seguro e contribuiu para tornar os inimigos mais extremistas. Israel precisa
mais da paz e do reconhecimento que o lado árabe. Mas sua disposição para
assumir riscos pela paz é condicionada à existência de uma crença recíproca de
que a paz é desejável e alcançável se forem dados os passos corretos. Pode
Israel ser acusado unilateralmente pelo desaparecimento dessa esperança?
Mearsheimer e Walt também acreditam que a paz com a Síria e a implementação
total dos acordos de Oslo teriam sido possíveis não fosse a amizade entre EUA e
Israel. Isso parece exagerar as possibilidades da política externa americana. A
oposição dos EUA aos assentamentos foi declarada freqüente e enfaticamente, sem
resultado. Mearsheimer e Walt acreditam que uma política americana mais
assertiva poderia ter impedido Israel de continuar construindo. Meus estudos da
política de assentamentos de Israel apontam na direção contrária: essa
colonização é um processo interno e só marginalmente influenciado por fatores
internacionais.49 De qualquer forma, mesmo uma potência amiga dificilmente
convenceria o governo e o eleitorado israelenses se não houver certeza quanto
às intenções árabes. O governo do Likud (1996-1999) tem uma parcela de
responsabilidade pelo fracasso do processo de Oslo. Contudo, a evaporação da
confiança, ainda que limitada, após 1999 parece-me ser mais responsabilidade do
Hamas, Hizbollah e seus aliados árabes do que de Israel. Ainda que uma
consistente maioria israelense apóie a idéia da partilha e de um Estado
palestino, um profundo pessimismo quanto à paz negociada está agora enraizado.
Israel não cederá a pressões estrangeiras mais do que o lado árabe. Afinal, a
não ser que haja uma guerra catastrófica, transformações em conflitos étnico-
religiosos prolongados somente podem vir de dentro para fora. A mediação
externa pode ser indispensável para que ambos os lados superem suas
reticências; por outro lado, as condenações e sanções que expressariam uma
política para o Oriente Médio mais "equilibrada", tal como esperam Mearsheimer
e Walt, apenas causarão pode-se prever com confiança a reação oposta. Será
que uma política americana mais punitiva vis-à-vis Israel conseguiria estimular
fatores árabes e muçulmanos que querem destruir e tornar Israel mais
desmoralizado, medroso, agressivo e pronto a lançar uma guerra regional
preventiva? Extremistas de ambos os lados esperam por isso.
É plausível argumentar que o terrorismo islamista foi desenhado e cronometrado
para prejudicar os passos em direção à paz árabe-israelense, mais do que para
protestar pela demora. Nem Hamas, Al-Qaeda, Hizbollah ou Irã consideram
desejável a paz com Israel: todos dizem abertamente que querem sua destruição e
aceitam a violência maciça, inclusive massas de vítimas árabes e muçulmanas,
como um preço aceitável. Esse programa seria obviamente uma calamidade para
toda a região. Não fica claro como tal cenário poderia servir aos interesses
americanos.
CONCLUSÃO
O apoio americano a Israel não ficará necessariamente em seu nível atual. A
rejeição popular contra a guerra do Iraque poderia gerar uma reação adversa,
assim como a eleição de um presidente mais crítico a Israel. Não quero afirmar
que a relação especial seja inatacável, mas ela é no máximo cultivada pelo
Lobby de Israel e não por ele criada. A relação está fundamentada em valores
compartilhados pela maioria dos cidadãos norte-americanos. Se uma profunda
mudança ocorresse nas atitudes americanas em relação ao Oriente Médio, nenhum
lobby pró-Israel o salvaria.50
O artigo de Mearsheimer e Walt é anti-semita como alguns proclamam? Eu não
acho. Não há necessidade de impugnar a integridade de autores que não têm
precedentes anti-semitas. Eles repetidamente enfatizam o direito à existência
de Israel e a legitimidade do Lobby. Também não dizem que o Lobby é idêntico à
comunidade judaica, todo-poderoso ou monolítico. Contudo, para além dos
numerosos erros factuais e raciocínio tendencioso, sua formulação nesse terreno
supersensível é pouco cuidadosa. A sugestão de uma conspiração judaica, a não
dita, porém inquestionável acusação de dupla lealdade judaica, o uso de Israel
e do Lobby de Israel como bode expiatório para as falhas americanas no Oriente
Médio todos estão ali e servem ao clássico repertório racista. O líder da Ku
Klux Klan e ex-congressista David Duke valeu-se do artigo em apoio a suas
idéias anti-semitas; Mearsheimer e Walt parecem sinceramente horrorizados por
esse mau uso. Contudo, se eles se sentem mal compreendidos, é porque deram
muita abertura para isso. Mearsheimer apoiou Israel antes de "converter-se" à
postura anti-israelense por meio das leituras dos "novos historiadores", como
Morris, Avi Shlaim e Ilan Pappe. Trata-se de um viés de leitura bastante
seletivo. A despeito do realismo frio e da rejeição à moralidade nas relações
internacionais, os autores não parecem imunes à necessidade psicológica de
identificação com o lado bom, rejeitando o lado mau em conflitos complexos que
não permitem moralização fácil e onde ambos os lados têm fortes argumentos
morais. Precisamos de compaixão e de uma mão amiga mais do que de falsos
moralismos unilaterais. Mearsheimer e Walt justificam a publicação do artigo
pelo desejo de livrar os EUA de um abominável tabu público. Desconfio que haja
outro: irritação com a ineficácia da capacidade explicativa e preditiva de sua
ferramenta teórica, o neo-realismo, e a crença de que mesmo valores
profundamente arraigados são em última instância gerados ou mantidos
externamente. Em outras palavras: eles precisam se agarrar à supremacia de
fatores externos na formação da política internacional. Por ora, essa relação
especial turbinada por valores éticos e culturais parece mais forte do que
qualquer cálculo estratégico frio. É uma pena que a análise de Mearsheimer e
Walt seja prejudicada por tantas falhas, pois a essência da tese suscita
questões dignas de discussão. Assumir que a excessiva proximidade no
alinhamento da política externa americana com Israel é prejudicial a ambos é
uma posição defensável (mas na minha opinião errônea). Afirmar que esse
alinhamento resulta das maquinações do Lobby de Israel é amplamente exagerado.
[1] Este artigo foi escritos por encomenda de Novos Estudos. Tradução do inglês
de Eliane M. Rosenberg Colorni.
[2] "O interesse nacional americano deveria ser o primeiro objetivo da política
externa norte-americana. Nas últimas décadas, porém, e em particular desde a
Guerra dos Seis Dias, em 1967, a peça central da política americana para o
Oriente Médio tem sido a sua relação com Israel. A combinação do constante
apoio a Israel e o esforço associado para difundir na região a democracia tem
inflamado a opinião árabe e muçulmana e posto em perigo a segurança dos EUA."
Mearsheimer e Walt, p. 1. (As indicações de página em nota de rodapé referem-se
à versão extensa do artigo, disponível em http://ksgnotes1.harvard.edu/
Research/wpaper.nsf/_rwp/RWP06-011/$File/rwp_06_011_walt.pdf. Já as citações
acompanhadas de indicação de página no corpo do texto remetem à versão
publicada nesta edição de Novos Estudos).
[3] Op. cit, p. 14.
[4] US$ 2.3 bilhões dos menos de US$ 2.6 bilhões que Israel recebeu em 2005; a
parcela não-militar está sendo reduzida desde 1998 e em dois anos deve zerar.
Dennis Ross, in: "The Israel Lobby: Does it Have Too Much Influence on US
Foreign Policy?", debate promovido pela London Review of
Books, 10 de outubro de 2006. Ver http://www.scribemedia.org/2006/_10/10/
transcript-israel-lobby/.
[5] Peter Demant, O mundo muçulmano. São Paulo: Contexto, 2005. Versão atualizada: Islam vs. Islamis: The dilemma of the Muslim world.
Westport, CT and London: Praeger, 2006.
[6] cf. "World Islamic Front for Jihad Against Jews and Crusaders: Initial
'Fatwa' Statement," assinado por Osama bin Laden e publicado no jornal árabe
al-Quds al-'Arabi (Londres), 23 de fevereiro de 1998, p. 3. Tradução em http://
www.ict.org.il/articles/fatwah.htm. Cf. Peter Bergen, "What
were the causes of 9/11". In: Prospect Magazine 126, September 2006 http:_//
www.prospect-magazine.co._uk/article_details.php?id=7717
[7] Martin Kramer, "Stephen Walt's World". Sandstorm. 17 de março de 2006.
http://www.martinkramer.org_/index._html.
[8] Como observou sarcasticamente o ex-Ministro do Exterior israelense Shlomo
Ben-Ami, os palestinos não esperam que os EUA façam a mediação, mas que
entreguem Israel: "The complex truth". In: Foreign Policy, julho-agosto de
2006, pp. 62-63.
[9] Tony Judt, "A lobby, not a conspiracy". New York Times, 19 de abril de
2006. http://travel2.nytimes.com/_2006/04/19/opinion/19judt.html.
[10] p. 14.
[11] Op. cit., p. 9.
[12] p. 10
[13] Aharon Cohen, Israel and the Arab world. Boston: Beacon, 1976. Walter Laqueur, A history of Zionism. New York: Schocken, 1976, pp.
266-267.
[14] Benny Morris, The birth of the Palestinian refugee problem, 1947-1949.
Cambridge: Cambridge University Press, 1988. Morris,"And Now
For Some Facts". The New Republic, 8 de maio de 2006.
[15] p. 10.
[16] Morris, Righteous victims, pp. 168-169, 139. Cf.
Dershowitz, Debunking the Newest and Oldest Jewish Conspiracy: a Reply to
the Mearsheimer-Walt "Working Paper" (http://_www.ksg.harvard.edu/research/
working_papers/dershowitzreply.pdf). O texto fornece muitos
exemplos de citações errôneas. Não quero exonerar Israel da sua
responsabilidade fundamental pelo êxodo palestino de 1948. Mas a preferência
sionista era não pela guerra, e sim por uma troca de populações,
presumivelmente como o exemplo grego-turco mediado pela Liga das Nações nos
anos 1920. A questão é se a separação era ainda evitável, uma vez que o
conflito se tonara mais intenso, como nos anos 1930. A sorte dos judeus na
Palestina teria sido pior se os árabes tivessem vencido a guerra: Azzam Pasha,
o secretário-geral da Liga Árabe previa: "Isso será uma guerra de extermínio,
um massacre que será lembrado como os massacres mongóis e as cruzadas." (citado
em Larry Collins e Dominique Lapierre, O Jerusalem! New York: Pocket Book,
1973. p. 457).
[17] p. 11.
[18] Ibid.
[19] A idéia dos Bantustões pode ter tido sua origem numa proposta israelense
precoce, pré-Camp David, e posteriormente substituída por outras, mais
generosas: Mideastweb http://_www.mideastweb.org/lastmaps.htm. Certos autores
desacreditam a noção de que os palestinos nunca fizeram contrapropostas. A
impressão geral é de que a paz esteve ao alcance. Documentos relevantes
incluem: Hussein Agha, Robert Malley, "Camp David: The Tragedy of Errors". The
New York Review of Books, 9 de agosto de 2001 (http://www.nybooks.com/articles/
14380); Benny Morris, "Camp David and After: An Exchange (1.
An Interview with Ehud Barak)". NYR, 13 de junho de 2002 (http://
www.nybooks.com/articles/15501); Benny Morris, Ehud Barak,
Reply by Hussein Agha, Robert Malley, "Camp David and AfterContinued". NYR, 27
de junho de 2002. (http://www.nybooks.com/articles/15540); o
debate entre Benny Morris e Avi Shlaim em The Guardian 21/22 de fevereiro de
2002; cf. MEMRI Inquiry 68 "The (Revised) Palestinian Account of Camp David
Part I: The Refugee Issue"; the July 2000 Camp David diary of Shlomo Ben-Ami,
Maariv, 6 de abril de 2002, traduzido em MEMRI (Special Dispatches 207 e 209,
20 de abril de 2001). Aparentemente, Memri retirou esse documento de seu site,
mas partes continuam sendo acessíveis em: http://www._jewishvirtuallibrary.org/
jsource/Peace_/benamidiary.html; Dennis Ross, The missing peace. New York:
Farrar, Strauss and Giroux, 2004. Shlomo Ben Ami, Scars of
war, wounds of peace. Oxford UP, 2006; Charles Enderlin,
Shattered dreams. New York: Other Press, 2003; Menachem Klein,
The Jerusalem Problem. University of Florida Press, 2003.
[20] p.11.
[21] Khalil Shikaki, "Willing to Compromise: Palestinian Public opinion and the
Peace Process". United States Institute of Peace, Special Report 158 (Janeiro
2006). http://www.usip.org/_pubs/specialreports/sr158.html.
[22] Jerusalem Post, 8 de março de 1998.
[23] p. 11.
[24] O apoio a Israel é mais forte nos EUA do que em qualquer país do mundo.
Pew Research Center, 19 de julho de 2006, "The U.S. Public's Pro-Israel
History: In Mid-East Conflicts, Americans Consistently Side with Israel" (http:
//pewresearch.org/obdeck_/?ObDeckID=39). A pesquisa demonstra
que entre 1993 e 2006 o apoio a Israel entre os norte-americanos era mais ou
menos estável entre 41 e 48 % (com tendência para crescer), enquanto o apoio
para os palestinos flutuava entre 21 e 13 % (com tendência decrescente).
[25] Avi Shlaim, "The lost steps". The Nation, 12 de agosto de 2004. Obviamente, Ross e outros funcionários americanos identificados como
judeus são vistos, pelos negociadores e mídia árabes, como pró-israelenses em
excesso. Contudo, tais suspeitas não provam a "onipresença" de qualquer lobby
pró-Israel ou judeu.
[26] Michael Massing, "The storm over the Israel Lobby". New York Review of
Books, 8 de julho de 2006.
[27] As posições americana e israelense nem sempre coincidiram. Na fracassada
cúpula de Camp David de julho de 2000, Clinton quis oferecer aos palestinos a
soberania sobre o Haram al-Sharif/Monte do Templo, ao que Barak se opôs.
Finalmente, Israel cedeu, mas Arafat recusou mesmo assim.
[28] Mitchell Bard, The Israeli and Arab lobbies: http://
www.jewishvirtuallibrary.org/jsource/US-Israel/lobby.html; Michael Massing, Deal breakers. The American Prospect, 3 de novembro
de 2002: http://www.prospect.org/web/page.ww?section=_root-
&name=ViewPrint&articleId=6166.
[29] Numa resenha importante em Salon, Michelle Goldberg observa que
Mearsheimer e Walt ... "juntam grupos meramente simpáticos a Israel com outros
que ativamente apóiam as políticas de linha dura do Likud.... a discussão sobre
o dinheiro judeu como uma força monolítica é tão feia quanto enganadora." Ver
http://www._salon.com_/news/feature/2006/04/_18/lobby/_index_np.html
[30] Asad AbuKhalil, http://angryarab.blogspot.com/2006/03/note-of-dissent-on-
israel-lobby-piece.html; cf. Michael Kinsley, "You never know where you're
going to find anti-Semitic propaganda". Slate, 12 de março de 2003.
[31] Christopher Hitchens, "Overstating Jewish Power: Mearsheimer and Walt give
too much credit to the Israeli lobby". Slate, 27 de março de 2006.
[32] p. 24.
[33] Ver "US State Department Report on Anti-Semitism: Europe and Eurasia", 5
de janeiro de 2005. http://_usinfo.state.gov/eur/Archive/2005/_Jan/_05-
93928.html
[34] Rashid Khalidi e Tony Judt, "The Israel Lobby: Does it Have Too Much
Influence on US Foreign Policy?". Debate promovido pela London Review of Books,
10 de outubro de 2006.
[35] Avi Shlaim, "The lost steps". The Nation, 12 de agosto de 2004.
[36] Ver entrevista com Abraham Ben-Tsvi em Haaretz, 19 de outubro de 2006:
http://www.haaretz.com/_hasen/pages/rosnerGuest.jhtml?itemNo_=775072.
[37] Samuel Huntington, The clash of civilizations and the remaking of world
order. New York: Touchstone, 1996, pp. 272-290.
[38] The PIPA/Knowledge Networks Poll, "What Kind of Foreign Policy Does the
American Public Want?", p. 9. http://www.worldpublicopinion._org/pipa/pdf/
oct06/SecurityFP__Oct06_rpt.pdf
[39] O Egito e a Jordânia assinaram acordo de paz com Israel; a OLP reconheceu
sua existência como Estado e fez diversos acordos; a Liga Árabe propôs
reconhecimento e paz em troca da retirada completa. Mas são atos políticos das
elites árabes; com o passar do tempo, esmaecem. O recente terrorismo
antiisraelense por islamistas e nacionalistas árabes extremos, reforçado pelas
demonstrações beligerantes e conclamações à destruição de Israel, se fixa de
forma mais duradoura nas percepções americanas. Correta ou incorretamente, a
crescente intolerância a Israel no mundo muçulmano se associa facilmente, no
entendimento de milhões de norte-americanos, ao terror antiocidental que ameaça
a própria segurança dos EUA; pode também se misturar a preconceitos
islamófobos.
[40] p. 18.
[41] Martin Kramer, "Sandstorm: Israel and the Iraq War", 12 de abril de 2006.
http://www.geocities.com/_martinkramerorg/2006_04__12.htm.
[42] "(...) desde que os líderes de Israel perceberam que o governo Bush falava
absolutamente a sério sobre o afastamento de Saddam, eles entraram no trem. Os
políticos israelenses integraram o coro e a elite de segurança israelense
entrou na fila." Kramer, op. cit.
[43] http://www.newamericancentury.org/iraqclintonletter.htm.
[44] Norman Finkelstein, "It's not either/or". Counterpunch, 1 de maio de 2006.
http://www.counterpunch._org/_finkelstein05012006.html.
[45] p. 1.
[46] Foram necessários a fuga maciça dos curdos para a Turquia e o risco
concomitante de desestabilização regional para que a ONU chegasse a proteger os
"safe havens" em 1991.
[47] Noam Chomsky, "The Israel Lobby?". ZNet, 6 de março de 2006 (http:_//
www.zmag.org/content/showarticle.cfm?ItemID=9999); Stephen
Zunes, "The Israel Lobby: How Powerful is it Really?". Foreign Policy in Focus,
16 de maio de 2006 (http://www.fpif._org/fpiftxt/3270).
[48] p. 39.
[49] Peter Demant, "A Colonização Israelense nos Territórios Palestinos
Ocupados, 1974-1977". Revista de História Contemporânea 4, novembro de 2003,
pp.74-92; Cf. Gershom Gorenberg, The accidental empire. New
York: Times Books, 2006. Shlomo Ben-Ami sugere que os EUA
hesitaram em aplicar pressão mais forte não por causa de qualquer lobby, mas
porque os estadistas americanos supunham que isso poderia gerar uma crise em
Israel, afetando sua disposição para fazer concessões mais substanciais nos
estágios posteriores e decisivos do processo de paz.
[50] De acordo com uma pesquisa da Zogby International, publicada em 10 de
outubro de 2006, quase 40 % dos eleitores norte-americanos acreditam que o
Lobby de Israel é pelo menos parcialmente responsável pela invasão dos EUA no
Iraque: http://www._cnionline.org/learn/polls/czandlobby/X-CNI.pdf.