FHC: o intelectual como político
O SENSO DA REALIDADE E O JUÍZO POLÍTICO
Fernando Henrique em livro recente, Cartas a um jovem político, publicado em
2006, no qual destila didaticamente a sua experiência e reflete sobre os temas
de interesse "para quem queira entrar no vasto mundo da política", registra:
"Eu me sinto mais professor e intelectual do que político, no sentido que se
atribui normalmente à palavra "político"1. É certo que ele não é, como diz
pertinentemente, um político no sentido mais usual do termo como foram, por
exemplo, Campos Sales, Rodrigues Alves, Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek,
eminentes e qualificados antecessores seus na presidência da República. No
entanto, não é menos verdade que se trata de homem público cuja trajetória, no
conjunto, é das mais bem-sucedidas - e das mais bem-sucedidas no exercício de
atividades medularmente políticas, como são as do prócer partidário, senador,
ministro das Relações Exteriores e da Fazenda, presidente da República por dois
mandatos, democraticamente eleito pela maioria de um grande eleitorado em
primeiro turno. Nesse sentido é um caso singularíssimo na história brasileira,
e pouco freqüente no cenário internacional: o de um grande intelectual, de
forte e reconhecida presença no mundo universitário do país e do exterior, que
não foi apenas influente no espaço público da vida nacional, mas exerceu
efetivamente o poder na cúpula do sistema político de um país da escala e
complexidade do Brasil, de 1995 a 2002. Por isso o seu percurso convida a uma
reflexão sobre o tema dos intelectuais e o poder.
O tema dos intelectuais e do poder não é importante apenas porque os
intelectuais apreciam a discussão em torno desse assunto e as controvérsias que
suscita. É importante porque a atividade intelectual de produção, discussão e
transmissão de idéias é muito necessária para a ação política nas sociedades
contemporâneas. Com efeito, essas se caracterizam por sua complexidade;
constante mudança; democratização impulsionada pelo grande número; globalização
que internaliza o mundo na vida dos países e pela presença da mídia no
cotidiano das nações. As sociedades contemporâneas requerem, assim, tanto
princípios, valores e diretrizes que apontem rumos nas incertezas das
transformações, como saber técnico apto a prover conhecimentos-meios
necessários para traduzir os rumos apontados e os valores escolhidos em
políticas públicas viáveis.
O primeiro tipo de conhecimento, como diz FHC com um camoniano saber de
experiências feito, requer visão global, ou seja, a capacidade "de entender o
conjunto das coisas" e a competência estratégica para perceber o que está
aberto "para as possibilidades do futuro". É isto que permite ao bom político
aprender "a navegar e saber caminhar entre escolhas, sempre atento à
meteorologia" e sem "perder o rumo"2. O segundo tipo opera o relacionamento
entre meios disponíveis e fins desejáveis. Daí, para um político, a
importância, por exemplo, da economia - "porque a economia predomina nos
acontecimentos e nas sensações da sociedade", como aponta FHC3 -, dos preceitos
da administração e da capacidade de dominar e saber lidar com a lógica dos
meios de comunicação (televisão, rádio, imprensa escrita), pois, em especial no
Executivo, num país como o Brasil contemporâneo, a vida democrática passa pela
política de massa, e política de massa "significa a mídia"4.
As atividades intelectuais podem se traduzir ou não em influência na vida
social, econômica e política de uma sociedade, e os intelectuais, na medida em
que estão interessados na vida política, nela podem desempenhar distintos
papéis, ligados à avaliação que fazem da sua própria responsabilidade e,
sobretudo, da aceitação mais ampla, pela sociedade, do exercício desses papéis.
Esquematicamente e valendo-me com liberdade das indicações de Bobbio em livro
instigante e abrangente sobre o tema5 - e sem entrar na discussão sobre
"verdadeiros" e "falsos intelectuais" ou na elaboração do tipo ideal de
intelectual - creio que, descritivamente, cabe registrar que os intelectuais
podem fazer a crítica do poder, podem legitimar o poder, podem assessorar o
poder e podem - o que é mais raro - exercer o poder.
A crítica do poder tornou-se usual com o processo histórico da modernidade, que
levou à desconcentração e à descentralização do poder ideológico. É a expressão
política com fundamento no "uso público da razão", para falar com Kant do
exercício da liberdade de opinião voltada contra os abusos do poder. A postura
da crítica em face do poder adquiriu força a partir da tradição filosófica
oriunda do "Iluminismo" do século XVIII. Tem muito a ver com o inconformismo,
por vezes radical, perante os males da sociedade. Na vertente animada pela
moralidade da discussão pública, representa a idéia-força de independência, mas
não indiferença dos intelectuais em relação à política, lastreada na autonomia
relativa da cultura em relação à política.
Inversamente, os intelectuais podem legitimar o poder, ao sustentá-lo perante a
opinião pública, explicitando as razões e destacando as realizações do governo.
Neste caso, os intelectuais, seja em função de interesses mais circunscritos,
seja à luz de convicções mais abrangentes, exercem funções de porta-vozes do
poder perante a sociedade. São os "intelectuais orgânicos" de um governo, para
valer-me da formulação de Gramsci destituída de seus pressupostos marxistas.
Também está ao alcance dos intelectuais assessorar o poder, ou seja, agir mais
diretamente sobre ele, exercendo influência e por vezes assumindo
responsabilidades públicas em múltiplas tarefas necessárias para a gestão
governamental nas sociedades contemporâneas. Neste caso, a base e a fonte da
influência normalmente é o domínio dos conhecimentos-meios - o mandarinato do
saber técnico - em campos como, por exemplo, a economia e o direito, ou, hoje
em dia, da capacidade dos "marqueteiros" de lidar com os meios de comunicação.
Finalmente, os intelectuais podem assumir e exercer, a título próprio, as
responsabilidades do poder.
No seu percurso de homem público, FHC desempenhou todos estes papéis. Foi
crítico do poder, foi legitimador do poder, foi conselheiro do poder e exerceu
o poder. Se os três primeiros papéis são razoavelmente usuais na vida dos
intelectuais com interesse pela política, o último é pouco freqüente. É pouco
freqüente porque normalmente há, por parte deles, uma razoável dose de
imperícia no trato da realidade política. Dela é uma ilustração Rui Barbosa
que, com preeminência pública e envergadura intelectual, exerceu na vida
política brasileira uma magistratura de influência, mas não logrou alcançar a
presidência da República que almejava e que disputou em duas ocasiões. Esta
imperícia não caracterizou a trajetória de FHC. Daí o caráter paradigmático de
sua atuação, pois foram os seus recursos de intelectual que contribuíram para a
sua perícia, como vou procurar, a seguir, explorar.
II
O potencial de imperícia dos intelectuais no trato da realidade política
mereceu uma sugestiva apreciação de Afonso Arinos - ele mesmo um intelectual na
política - quando nas suas memórias evocou a trajetória de San Tiago Dantas por
ocasião do seu falecimento em 1964. San Tiago Dantas teve, na vida política
brasileira, como deputado, ministro do Exterior e da Fazenda, e importante
liderança política, um luminoso e irradiante poder de raciocinar, instrumentado
e lastreado numa cultura sólida e abrangente. Entretanto, não conseguiu levar a
bom termo nem o controle da inflação, nem as lúcidas reformas da sociedade
brasileira que propôs. Não logrou, igualmente, o respaldo do Congresso para
ser, na vigência do parlamentarismo, primeiro-ministro, e não conseguiu,
posteriormente, evitar com suas iniciativas a queda do governo Goulart, que
trouxe a implantação de um regime autoritário-militar em nosso país. Penso que
o próprio San Tiago Dantas diria sobre este assunto, para valer-me de uma frase
de seu ensaio sobre Cairu, anterior à fase decisiva da atuação política,
evocado por Marcílio Marques Moreira no prefácio à segunda edição de Figuras do
Direito: "Está fora do alcance da vontade humana o que permite ao homem
transfundir na história a força operativa do seu pensamento"6.
Entende Afonso Arinos que, no caso, mais que tudo a falha "de uma inteligência
política super lúcida, como a de San Tiago é que, abandonado ao seu próprio
movimento e distanciado da sensibilidade, tende invencivelmente a sobrepor, ao
que é, aquilo que deve ser". Se, continua Afonso Arinos, no campo do Direito,
no qual sublinho, San Tiago destacou-se como grande advogado e jurista, o ponto
de partida é a prevalência da lógica do dever-ser das normas, em "política não
se pode atingir ao dever-ser senão pelo que é". Ora, San Tiago Dantas foi
incapaz de empreender com pleno sucesso a incursão pela via da política -
pedregosa, muitas vezes pantanosa, freqüentemente irracional. Nas palavras de
Afonso Arinos, tomava "pelo real o que não era propriamente fantasia, mas
aparência criada pelo raciocínio. Criava uma realidade lógica que pretendia
tomar como vital"7.
Numa reflexão mais geral sobre este tema, observou Isaiah Berlin que a suspeita
que cerca os intelectuais na política provém da aspiração que freqüentemente os
motiva confiar no resultado benéfico de aplicar diretamente à realidade viva
conclusões obtidas numa esfera teórica. Com efeito, a crença numa chave teórica
que enseja o conhecimento da realidade freqüentemente leva, diz Isaiah Berlin,
à perda do senso da realidade, pois a teoria busca o geral, e a percepção
política requer captar as características próprias e as diferenças específicas
que singularizam a conjuntura de uma dada situação. A política requer uma
sabedoria prática que identifica na realidade as especificidades do que pode e
do que não pode resultar. É, assim, uma perícia, uma competência que pode
beneficiar-se do conhecimento mas requer, antes de mais nada, compreensão, que
a experiência favorece. Em síntese, um raio-X teórico não assegura por si só o
diagnóstico para a ação concreta, assim como o conhecimento da botânica não faz
um bom jardineiro8. É nesse sentido que Camões adverte, recomendando ao
soberano português:
Tomai conselho só de experimentados,
Que viram largos anos, largos meses,
Que, posto que em cientes muito cabe,
Mais em particular o experto sabe.
[Os Lusíadas, X, 152]
Já ao tempo em que fazia a crítica do poder constituído, FHC tinha clareza
sobre os desafios do juízo político apontados por Isaiah Berlin, autor que ele
evoca nas suas Cartas a um jovem político9 e também em A arte da política: a
história que vivi, igualmente publicado em 2006, e que é um extenso relato da
sua vida política e do seu governo permeado por inúmeras digressões teóricas10.
Registro, a título de depoimento, que as reflexões de Isaiah Berlin sobre as
peculiaridades do juízo político foram, em muitas ocasiões, objeto do nosso
diálogo durante o seu período presidencial. Em 1978, discutindo o papel do
intelectual na política, FHC observou: "O risco do intelectual é sempre o risco
dele pensar que é demiurgo, que ele substitui o real". "Pensa que sabe o que
deve ser feito - e não ouve nada". Por isso "o intelectual não pode pensar que
ele comanda, que vai dar a palavra de ordem"; "o que ele pode fazer é articular
o debate, fazer aflorar o que está na sociedade". Registrava, na sua postura
crítica: "O intelectual tem que ousar enfrentar certas questões. Sem
provocação: não há intelectual que não faça um pouco de subversão - no sentido
de que altera a ordem das coisas". Apontava que cabia ao intelectual, numa
pedagogia de dimensão popular, "ensinar e aprender", e comentando os trabalhos
do Cebrap sobre as condições de vida em São Paulo, afirmava: "quem faz
pesquisa, como eu, vê o quanto não sabe"11.
Esta postura de FHC como intelectual no exercício militante do papel de crítico
do poder vigente no Brasil na época do regime autoritário-militar é congruente
com o que tinha sido a sua identidade de acadêmico pesquisador, de sólida
formação sociológica. Desde a sua tese de doutorado, publicada em 1962,
Capitalismo e escravidão no Brasil meridional: o negro na sociedade
escravocrata do Rio Grande do Sul, passando pelo mais conhecido Empresário
industrial e desenvolvimento econômico no Brasil, de 1964, e com maior
abrangência no livro de grande ressonância, escrito em parceria com Enzo
Faletto, publicado em português em 1970, Dependência e desenvolvimento na
América Latina, a tônica de FHC foi pesquisar e refletir sobre a interação
entre o geral das determinações e o específico, dentro dos quais se inserem
situações particulares com suas articulações próprias. Daí a clareza da
advertência do prefácio a Dependência e desenvolvimento na América Latina:
"falar da América Latina sem especificar dentro dela as diferenças de estrutura
e de história constitui um equívoco teórico de conseqüências práticas
perigosas"12.
Em síntese, FHC empenhou-se, também no plano acadêmico, em não incidir no risco
da pesquisa divorciada do senso da realidade. Tal empenho preparou-o para lidar
politicamente com a dialética da interação entre logos e pragma. Para isso, no
meu entender, muito ajudou o pluralismo das leituras que norteou a sua formação
sociológica na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Estas leituras
incluíam Durkheim, Max Weber, Marx, os funcionalistas como Talcott Parsons e
Merton e passavam por Dilthey - que, realço eu, foi quem destacou o papel da
compreensão como algo distinto da explicação nas ciências humanas, Simmel, o
sociólogo da sutileza analítica, e Mannheim, que elaborou uma sociologia do
conhecimento e tratou da latitude mediadora que ela oferece para o
posicionamento dos intelectuais. Estas leituras, por sua vez, foram sendo
absorvidas pela diversidade do magistério e dos interesses intelectuais e de
pesquisa de seus grandes professores, a começar por Florestan Fernandes, mas
também Roger Bastide e Antonio Candido13.
O pluralismo desse lastro acadêmico instigou FHC na sua prática política a ir
aprendendo com a experiência, na acepção etimológica do termo, de experiri,
testar, ensaiar, pôr à prova. Da experiência ele se valeu intelectualmente na
sua reflexão política, pois, na linha do que apontou Hannah Arendt, deu-se
conta de que numa época de universais fugidios, rupturas e descontinuidades, a
relação entre o próprio pensamento e os incidentes da experiência viva é o
único ingrediente que nos pode servir de baliza norteadora14. Foi essa baliza
que contribuiu para a sua perícia política, em associação com os atributos de
sua personalidade. Entre eles, o que os gregos qualificavam de anquinoia - a
agilidade e a rapidez da inteligência - e o dom de gentes, o people skills no
trato com as pessoas, facetas configuradoras de uma liderança que foi se
afirmando desde o tempo da Universidade.
A passagem da perícia no trato concreto da vida política para o conhecimento da
política foi um dos temas de Hannah Arendt. Com efeito, empreendeu, na sua
reflexão, uma crítica à tradição da filosofia política a partir de Platão, em
que se observa uma espécie de dualismo ontológico que hierarquiza, separando,
de um lado, o mundo do Ser e da Verdade e, de outro, o mando do Fenômeno e da
Aparência. Para essa tradição, nas suas múltiplas vertentes, todos os fenômenos
são vistos como epifenômenos. Por isso só podem ser apreendidos como a
expressão de algum universal. Daí o risco da análise que, ao se distanciar do
concreto, perde o que Isaiah Berlin qualificou como senso da realidade. É por
este motivo que Hannah Arendt tinha especial apreço por autores como Maquiavel,
Montesquieu, Tocqueville, os founding fathers da Revolução Americana, como
Jefferson, Madison, Adams que, em contraste com a tradição dos autores de
filosofia política, escreveram sobre a política não "de fora", mas "de dentro",
articulando suas experiências básicas15.
Registro, neste sentido de apreço intelectual pelos que escreveram "de dentro"
sobre a política, que em FHC Maquiavel, Montesquieu e Tocqueville são
referências importantes na discussão de temas como virtu e fortuna, ética na
política e a qualidade da percepção, em meio à experiência política, da
movimentação dos atores que impulsionam o desenrolar dos fatos em A arte da
política: a história que vivi16.
Um dos grandes méritos de FHC, que adquiriu densidade própria por obra da
experiência na presidência da República, é, na linha do recomendado por Hannah
Arendt, o de ter refletido com muita qualidade sobre a política "de dentro" e
não "de fora". É justamente sobre esta reflexão "de dentro", mais do que numa
avaliação detida do seu governo, que me concentrarei neste texto. Para isso,
tomarei como base o livro O presidente segundo o sociólogo, livro muito
singular na bibliografia brasileira, pois articula uma análise da política
elaborada no calor do exercício do poder.
O PRESIDENTE SEGUNDO O SOCIÓLOGO
III
O presidente segundo o sociólogo é fruto de uma abrangente entrevista concedida
ao destacado e qualificado jornalista e escritor Roberto Pompeu de Toledo.
Publicado em 1998, portanto antes da bem-sucedida eleição para o segundo
mandato presidencial de FHC. Resultou de entrevistas realizadas entre 27 de
outubro e 20 de novembro de 1997, somando vinte horas de gravação. O texto,
preparado pelo entrevistador, foi previamente submetido a FHC com duas
condições: (i) a da aceitabilidade de reparos de erros factuais ou de
infidelidade ao seu pensamento, e (ii) a de que questões de outra natureza,
eventualmente levantadas pelo entrevistado, seriam objeto de negociação com o
entrevistador que se reservava o direito de não acatá-las. Registra Roberto
Pompeu de Toledo que as intervenções foram mínimas e em consonância com as
"regras do jogo", anteriormente estipuladas17.
Como expõe no prefácio, Pompeu de Toledo entende que a aposta de FHC neste
livro foi a aposta política no ato de explicar18. O ato de explicar e o desejo
de ser compreendido são inerentes à condição de professor, e foi esta
preocupação que FHC, no exercício da presidência, transpôs para o espaço
público. Esta preocupação é congruente com sua formação e prévia experiência
acadêmica, assim como com sua postura em prol de uma pedagogia de dimensão
popular, advogada quando fazia a crítica do poder19. Não foi desta maneira que,
na presidência, operou politicamente Getúlio Vargas, que no seu Diário pontuou:
"gosto mais de ser interpretado do que de me explicar"20.
A aposta política de FHC na transparência democrática da explicação contrapõe-
se, assim, ao cultivo de um certo mistério enigmático que caracterizou Getúlio
Vargas. Fernando Henrique também não atuou na política "com a distância e o
silêncio"21 de Mitterrand ou De Gaulle, nem seguiu a recomendação do never
complain and never explain de outro homem público de sucesso, Benjamin
Disraeli22, que se construiu politicamente como uma esfinge. Com efeito, FHC
não só explica, mas segundo Roberto Pompeu de Toledo "não raro se queixa de que
não é compreendido"23. Assim, se o livro, como afirma o entrevistador, é a
expressão da dimensão visceralmente política do entrevistado24, é o intelectual
FHC que, ao se explicar, explicita as características do seu ser político.
Nas 357 páginas do livro, instigado pelas relevantes questões suscitadas pelo
entrevistador, FHC, ao explicar e, desse modo, revelar o político, enfrenta o
desafio de ser analista observador - o sociólogo - de uma realidade na qual,
como presidente, era ator político protagônico. Na avaliação do que resulta
deste desafio o leitor beneficia-se da qualidade do texto de Pompeu de Toledo,
que escoimou a informalidade da linguagem oral para transformá-la num discurso
escrito. Foi fiel na sua transposição ao estilo, aos métodos explanatórios, ao
vocabulário e ao ritmo do entrevistado25. Em síntese, no livro ressoa com
clareza inequívoca a identidade da voz de FHC, como posso testemunhar tendo
sido seu interlocutor e amigo no correr dos anos, desde o tempo em que, ainda
estudante universitário, acompanhei a pesquisa do Empresário industrial e
desenvolvimento econômico no Brasil.
No seu explicar presidencial, o professor FHC enfrenta o desafio intelectual
representado pela dialética da complementaridade entre teoria e prática,
pensamento e ação, razão e vontade, que constituem as grandes dicotomias
configuradoras do tema das relações entre os intelectuais e o poder. É na
reflexão sobre o como, no exercício do poder por um intelectual opera esta
dialética de complementaridade que reside o cerne da discussão de FHC sobre a
política vista "de dentro" e não "de fora". Na lida com estas dicotomias
observo que não é epistemologicamente fácil ser, ao mesmo tempo, sujeito e
objeto de análise. Trata-se de um desafio que pressupõe um dédoublement
fonctionnel, para valer-me, por analogia, de um conceito dos internacionalistas
sobre a atuação dos Estados tanto como criadores quanto aplicadores das normas
do direito internacional. No caso, este desdobramento funcional significa o
esforço de articular um distanciamento crítico-reflexivo, vinculado ao mesmo
tempo aos acontecimentos da conjuntura do dia-a-dia ou, em outras palavras, o
empenho em ser, ao modo de Raymond Aron, de quem FHC foi aluno na França, um
qualificado expectador engajado de maneira a mais objetiva possível na análise
dos limites e possibilidades da ação26; só que, diferentemente de Aron, a ação
é a própria e não a de terceiros.
A postura de Fernando Henrique como observador-intelectual da ação de seu
próprio governo não é ocasional. A publicação de O presidente segundo o
sociólogo não deve ser entendida como apenas um esforço para transmitir uma
mensagem política na antevéspera da disputa eleitoral do segundo mandato
presidencial. Esta postura correspondeu à sua maneira de ser no exercício do
poder. Disso posso dar o meu testemunho como Embaixador e Ministro de Estado no
seu período presidencial, pois foi esta a minha experiência, em despachos e
diálogos no trato objetivo dos assuntos governamentais.
Sobre esta maneira de ser de FHC, no poder e fora dele, lembro o que dizia, no
Sermão da Sexagésima, o padre Antonio Vieira: "O pregador há de pregar o seu e
não o alheio" e, explicando por que Davi não aceitou as armas que lhe ofereceu
Saul para combater o gigante Golias, afirma: "Com as armas alheias ninguém pode
vencer, ainda que seja Davi. As armas de Saul só servem a Saul, e as de Davi a
Davi [...]. Pregador que peleja com as armas alheias não hajais medo que
derrube gigante"27. Foi por isso que FHC, na arena política, pelejou com as
suas armas - as de professor e intelectual - e não, por exemplo, com as de
Getúlio, que incluíam o cultivo de um certo mistério.
Observo que o cultivo de certo mistério por parte de Getúlio propiciava uma
latitude compatível com a sua maneira de ser e com uma leitura do mundo e da
ação política, que articula numa passagem do seu Diário. Nela registra uma
conversa com o filho Lutero e, recordando suas preocupações e anseios de
juventude de encontrar na ciência ou na filosofia uma fórmula explicativa da
vida e do mundo, dava a sua própria interpretação da teoria de Darwin: "vencer
não é esmagar ou abater pela força todos os obstáculos que encontramos - vencer
é adaptar-se... adaptar-se não é o conformismo, o servilismo ou a humilhação:
adaptar-se quer dizer tomar a coloração do ambiente para melhor lutar"28. No
adaptar-se getuliano, ser interpretado dava latitude mais funcional para a ação
do que o explicar-se.
IV
FHC no exercício da presidência dialogava a seu modo e não à maneira de Getúlio
com os colegas intelectuais que não exerciam funções públicas. Dessas conversas
deflui uma das diferenças entre a análise "de dentro" e a "de fora". Isto
transparece num comentário sobre suas dificuldades com os intelectuais, colegas
de academia, na discussão a respeito do porquê de não se levar adiante e
executar tais ou quais objetivos. Dizia ele que a cobrança freqüentemente
resultava do fato de não conhecerem ou conviverem com as engrenagens do poder.
Assim, pondera: "Política é o caminho, não é o objetivo. É preciso ter
objetivo, mas o político não é só quem tem objetivo, é quem constrói o
caminho"29.
A relação entre o objetivo e o caminho passa pelo juízo político, pelo senso de
realidade que permite avaliar, numa dada conjuntura, o que pode ou não pode
resultar, para relembrar a análise de Isaiah Berlin30, evocada por FHC nas
Cartas a um jovem político e na A arte da política31. A propósito do juízo
político, Hannah Arendt sublinha que o pensar, o querer e o julgar são três
faculdades distintas que, no seu pluralismo, regem a mente. Na discussão sobre
o juízo, como faculdade distinta do pensar e do querer, lembra que, para Marx,
o que une a teoria e a prática é a crítica - e seguramente muitos intelectuais
brasileiros, no exercício do papel de críticos do poder, partem na sua análise
do governo FHC dessa perspectiva, quando avaliam a relação objetivo-caminho. Ao
contrapor-se a Marx, observa Hannah Arendt que, para Kant, o que liga a teoria
à prática é o juízo. Desta colocação kantiana, parte para afirmar que o juízo
político não é um juízo determinante, do tipo que se caracteriza pela subsunção
de um caso particular a uma dada regra. É um juízo do tipo reflexivo, examinado
por Kant na Crítica do juízo, que opera na situação na qual só o particular
está dado, cabendo ao juízo buscar a sua regra. O juízo político opera, assim,
a mediação entre o particular e os universais fugidios32. É para isso que FHC
aponta ao falar do caminho na especificidade das situações, sem perder o
horizonte do seu significado geral, ou seja, o objetivo.
Acredito que um dos aspectos da imperícia dos intelectuais no trato da
política, apontada no início deste texto, é imaginar que o juízo político seja
determinante e que seja possível subsumir a realidade à chave das categorias
universais, operacionalizando juízos determinantes na realidade pelo querer.
Neste desequilíbrio entre pensar, querer e julgar não incidiu FHC na sua
análise e vivência da política, "de dentro" e não "de fora", e esta é uma das
razões porque, na sua prática, foi um intelectual bem-sucedido como político.
Em O presidente segundo o sociólogo, FHC está em sintonia com Hannah Arendt
quanto ao juízo político ser reflexivo. Assim, sobre a inadequação de juízos
determinantes, diz: "A dinâmica da história não se dá pela imposição dos
universais sobre os locais, nem com a explosão dos universais que se contrapõem
aos locais. Existem formas de inter-relação"33. Perceber estas formas pressupõe
um juízo reflexivo que, segundo Hannah Arendt, requer o senso de comunidade,
que permite alargar a mente e ir além do cunho intransitivo do sensus
privatus34, no qual muitas vezes incidem os intelectuais na política. É para a
importância desse senso de realidade, realçado por Isaiah Berlin, que FHC
recorre quando reflete sobre o caminho e o objetivo, ao afirmar que o juízo
político requer "uma sensibilidade, como dizem os franceses, à tous les
azimuts"35.
V
Em Cartas a um jovem político, reiterando o que permeia O presidente segundo o
sociólogo, FHC afirma que se considera de esquerda, ressalvando que não é de
uma velha esquerda, socialista ou comunista, mas de uma esquerda moderna e
democrática, que guarda do passado a bandeira de igualdade voltada para tornar
as pessoas, as classes e os povos menos desiguais sem abrir mão do valor
fundamental da liberdade. Esta esquerda aposta não só no Estado, mas também na
ação pública da sociedade civil - comunidades, ONGs etc. -, "para corrigir as
desigualdades que o predomínio absoluto do mercado acaba produzindo e
reproduzindo"36.
É por esse motivo que FHC, no capítulo 4 de O presidente segundo o sociólogo,
ao tratar do objetivo e do caminho no exercício do poder e na sua perspectiva
de esquerda, reflete sobre a mudança. Repensa as leituras marxistas e
funcionalistas da mudança para, sem deixar de levar em conta as contribuições
que trazem, explorar o que chama a "teoria dos curtos-circuitos", articulada
pela primeira vez no discurso, em Nova Deli, de transmissão da presidência da
Associação Internacional de Sociologia, que ocupou entre 1982 e 1986.
Exemplifica, neste capítulo, a mudança provocada pela comoção que percorre
todos os segmentos da sociedade, com a sensibilidade do que observou na França
de maio de 1968; na Polônia, nos anos de 1980, quando começava o movimento
operário liderado por Lech Walesa, e na União Soviética, quando da fermentação
que antecipou a ascensão de Gorbatchev e as reformulações que encetou. Quanto à
vida política brasileira, ancora a teoria do curto-circuito na análise do
movimento das Diretas-Já, que considera a faísca que promoveu a desagregação
final do regime militar.
Na dinâmica da mudança por obra do curto-circuito existe espaço para a
criatividade das "artes da política", na medida em que os atores políticos se
dão conta do seu potencial de oportunidades. Dessas oportunidades, comenta FHC,
valeu-se Mario Soares na Revolução dos Cravos em Portugal e Helmut Kohl, ao
promover rapidamente a reunificação da Alemanha no bojo do curto-circuito da
queda do muro de Berlim37. Foi um juízo político desse tipo que fez Franco
Montoro, então governador de São Paulo, insistir na realização, em 25 de
janeiro de 1984, do Comício da Sé, que deu início ao ímpeto da já mencionada
campanha das Diretas-Já38.
Sobre as artes da política, FHC muito aprendeu na estreita convivência com
Franco Montoro e Ulysses Guimarães - homens públicos mencionados com freqüência
em O presidente segundo o sociólogo com os quais trabalhou a partir do momento
em que deu início à sua efetiva militância política. Em Franco Montoro, soube
apreciar a abertura que este empreendeu como governador de São Paulo em direção
à sociedade civil, com o intuito de fomentar a igualdade e a mudança, e em
geral as coisas nas quais acreditava, sempre movido pelo senso dos valores. Em
contraste com o mundo acadêmico, que preza a inovação, Montoro lhe mostrou a
importância da repetição da mensagem - a identidade do discurso - como
expressão de lealdade em relação aos eleitores39. Já Ulysses Guimarães, que
qualificou como ator de primeira ordem e o contraponto do regime autoritário,
mostrou-lhe em sua prática as peculiaridades do tempo na política, que não é o
tempo mais abstrato dos intelectuais. FHC faz uma referência ao que Ulysses
dizia sobre a importância do tempo da conversa política e menciona uma das suas
frases na qual, criticando a impaciência e evocando Joaquim Nabuco, afirmava:
"o tempo não perdoa o que se faz sem ele"40.
Neste contexto, analisando a política "de dentro", FHC aponta que não cabe ser
no mundo da política nem o profeta que afirma a sua verdade, nem o político que
fica só na conversa. Para promover a mudança é necessário combinar um sentido
de direção - o objetivo - com a capacidade de pavimentar o caminho: "A
responsabilidade do político é fazer as coisas andarem..., saber como se faz
para as coisas andarem. E então é preciso ter paciência"41.
Paciência não quer dizer imobilidade, assim como o adaptar-se getuliano não
significava conformismo. Dizia Ulysses Guimarães: "Todo político tem seu
Rubicão. Atravessa-o, e se consagra, ou estaca na margem com medo e se
liquida"42. FHC atravessou o Rubicão, pela primeira vez, quando se candidatou
em 1978 ao Senado, dando-se conta que o processo de redemocratização brasileira
abria espaço para ele ser um ator político diferente do usual. Atravessou para
valer o Rubicão quando aceitou ser ministro da Fazenda do governo Itamar Franco
numa situação difícil, quando: "Ninguém acreditava que fosse possível acabar
com a inflação num governo de transição e com o Congresso em pandarecos por
causa do escândalo da Comissão de Orçamento"43. Unindo a teoria à prática, com
base num juízo reflexivo, percebeu que a sociedade brasileira estava cansada da
inflação, das desigualdades e incertezas que promove e que seria possível
catalisar o curto-circuito para pôr fim à cultura e à política inflacionária44.
Como explica no Capítulo 5, teve clareza quanto ao objetivo, pavimentou o
caminho político e instrumentou a ação reunindo uma equipe qualificada, que
vinha pensando os conhecimentos-meios para lidar com o problema à luz das
falhas e dos insucessos dos planos prévios de estabilização - entre eles, Edmar
Bacha, Gustavo Franco, Winston Fritsch, André Lara Rezende, Pedro Malan e
Pérsio Arida45. Seguiu, nesse sentido, o que subseqüentemente recomendou em
Cartas a um jovem político, ou seja, que na política moderna o político bem-
sucedido é o que consegue, com autoconfiança, juntar pessoas de talento46. Como
ministro da Fazenda não impôs surpresas e, como político-professor, dirigiu-se
diretamente à sociedade para "explicar tudo exaustivamente", todos os dias,
pelo rádio e pela televisão47. O êxito do Plano Real acabou sendo a base da sua
eleição para a presidência da República.
Em síntese, virtu e fortuna, de que falava Maquiavel, conjugaram-se para
propiciar o novo, confirmando uma frase de Proudhon citada por Hannah Arendt:
"A fecundidade do inesperado excede de longe a prudência do estadista",
aduzindo: "E ainda mais claramente os cálculos dos peritos"48. Daí a sabedoria
da frase de Guimarães Rosa, o grande escritor que FHC evoca ao falar do
caminho, tendo em mente as Veredas no Grande Sertão da política49: "o poder,
aos tombos dos dados, emana do inesperado"50. É esta frase que explica o título
de suas memórias publicadas em 2006, The accidental president of Brazil: a
memoir51. É por isso que FHC afirma: "Em política sempre há o inesperado -
aliás esta é a situação normal, não a exceção. Uma das marcas básicas do homem
público competente é lidar bem com o não previsto"52.
Nas inúmeras entrevistas que fiz com Juscelino Kubitschek para elaborar minha
tese de doutorado sobre o Programa de Metas, ao referir-se ao antecedente das
metas que estabeleceu e levou adiante como governador de Minas Gerais, antes de
chegar à presidência, dizia que o vitorioso não muda de método. FHC foi
politicamente bem-sucedido na condução do Plano Real, que o levou à
presidência, porque o explicou exaustivamente à sociedade brasileira. Isto, em
sua experiência, confirmou sua convicção de professor nas virtudes da
explicação e ajuda na elucidação da aposta política no ato de explicar, que
permeia O presidente segundo o sociólogo e o seu percurso no espaço público.
Se a paciência e a capacidade de não exasperar-se são necessárias para a ação
política, tais características só constituem um ingrediente de mudança, diz
FHC, se o ator político tiver uma visão - o "discurso geral" e o "sentido da
História"53. O presidente segundo o sociólogo explicita e articula tal visão,
muito consciente de que isto exige um "quadro mental" que permita
contextualizar a informação fragmentada oriunda do mundo complexo em que
vivemos54. É no âmbito deste "quadro mental", de uma sensibilidade em todas as
direções, que interagem o pensar do intelectual - o sociólogo - e o julgar da
conjuntura do presidente.
VI
FHC é um scholar que pensou e pesquisou a realidade brasileira, estudou os
problemas mundiais e associa a sua experiência política na reflexão articulada
em O presidente segundo o sociólogo. Sabe que a sociedade brasileira, em função
da sua história, é uma mistura própria de hierarquia e mobilidade55. Afirma, no
decorrer do livro, a exigência de abrir espaço para oportunidades voltadas para
atender aos imperativos da inclusão social. Realça as virtudes da democracia e,
numa leitura de político político-militante, registra que "os políticos têm um
comportamento, para com os pobres, diferente da classe dominante", pois deles
não têm medo e deles necessitam para ter votos56. Vê, no conservadorismo
brasileiro, menos uma "direita política" e mais um "atraso de cabeça e de
costumes" que pode ser qualificado como prática social conservadora, com mais
horror à igualdade do que à inclusão. Afasta-se nitidamente do neoliberalismo,
uma vez que essa perspectiva não tem compromisso fundamental com a mudança
social. Registra a diferença entre a demanda da igualdade e da inclusão, que
podem ir numa mesma direção, mas não representam o mesmo tipo de demanda.
Registra, por fim, a prioridade da inclusão, avaliando, como sociólogo na
condição de presidente, que o acordo político na questão da inclusão é mais
fácil57.
Numa discussão histórica sobre seus antecessores na presidência, FHC chama a
atenção para dois eixos da agenda brasileira, o da democracia e o do
desenvolvimento, e afirma, com base nos seus valores: "o desenvolvimento tem
que vir com democracia e com incorporação"58. Daí a importância que atribuiu,
no seu governo, às políticas públicas de educação e saúde que, sem o
tradicional assistencialismo, criaram uma rede de proteção social, para fazer
mais para quem precisa mais, do que são exemplos a Bolsa-Escola, a Bolsa-
Alimentação e o programa de erradicação do trabalho infantil.
Também neste campo, como no da economia, reuniu pessoas de talento, com
sensibilidade e domínio dos conhecimentos-meios para promover a mudança.
Ajudou-o nesta tarefa Vilmar Faria, seu dedicado colaborador e assessor no
Palácio do Planalto, e é de justiça realçar o papel inspirador de Ruth Cardoso
que, com seu conhecimento dos movimentos sociais no Brasil, contribuiu para a
concepção de uma rede social de proteção voltada para o empowerment da
cidadania. Nesse contexto, no qual atuaram vários de seus correligionários do
PSDB - entre eles Paulo Renato de Souza no Ministério da Educação e José Serra
no Ministério da Saúde -, cabe lembrar a avaliação social-democrata que fez de
seu partido. FHC entende que ao PSDB cabia combinar o mercado e um Estado
eficiente e, por isso, desinflado; estar no centro olhando para a esquerda e
valer-se da porosidade e plasticidade da sociedade brasileira para promover a
mudança59.
O Brasil está no mundo e para pensar o que isto significava para o país em
termos de mudança o intelectual FHC tinha, no exercício da presidência, um
diversificado e relevante repertório. Nisto cabe incluir o ter estudado e
lecionado no exterior; a experiência do exílio; a do trabalho na Cepal - que
ampliou a sua percepção das realidades da América Latina e ensejou a
convivência e o diálogo com Raul Prébisch, Anibal Pinto e José Medina
Echevarria, além de inseri-lo numa rede de contatos com intelectuais e
profissionais de diversos países e distintas formações, entre eles Allain
Touraine e Albert O. Hirschman60. Esta base se adensou no trato, como senador,
de temas da política internacional do Brasil como, por exemplo, a dívida
externa e a sua negociação, e se aprofundou no exercício, no âmbito do Poder
Executivo, das funções e das responsabilidades de chanceler e ministro da
Fazenda.
O "quadro mental" com o qual FHC lidou, graças à informação haurida nessas
múltiplas experiências, para pensar o impacto da globalização que no seu
governo interiorizava, com novas características, o mundo no Brasil está ligado
aos seus estudos e pesquisas como sociólogo sobre dependência e
desenvolvimento. Neles apontou a internacionalização dos mercados e discutiu a
industrialização na periferia, que rearranjou o sistema produtivo com
alterações nas relações sociais de produção e que, transformando a dinâmica
entre o "interno" e o "externo", criou novas formas de vinculação do país com o
exterior61.
É por esta razão que FHC contesta a veracidade da frase largamente veiculada
pela mídia: "Esqueçam o que eu escrevi". Ele a contesta com inteira propriedade
não só porque não esqueceu o que escreveu, mas também porque não é uma verdade
factual. Como relata, estive presente no almoço em que alegou-se que ela teria
sido proferida. É uma alteração corrompida da resposta a uma pergunta que lhe
fiz, a que ele respondeu nos seguintes termos: "Celso, você que escreve tanto,
sabe que, muitas vezes, quando se está numa função pública e vai se ver o que
escreveu, conclui-se que não é bem assim"62. Com isso, o que ele estava
dizendo, e posso dar o meu testemunho como seu interlocutor naquele momento e
em tantos outros, é que a reflexão não é fixa e imutável, mas passa por ajustes
- não por denegações - em função da evolução das circunstâncias e do tempo.
É preciso "exercitar o seu raciocínio para o que está adiante", diz FHC63. Foi
o que sempre fez no passado, antes da presidência. São exemplos os ensaios
sobre as teorias do desenvolvimento, recolhidas em As idéias e seu lugar64, que
repassam os temas da teoria da dependência, anteriormente formulada, e os
problemas da simplificação do seu uso. É o que continua fazendo, na pós-
presidência, como se comprova pela leitura do denso artigo de 2007 "Caminhos
novos? Reflexões sobre alguns desafios da globalização"65.
Não é por outra razão que, com argúcia e precisão, Francisco Weffort, no
discurso de saudação por ocasião da outorga a Fernando Henrique do título de
Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP,
proferido em 15 de maio de 1992, ao traçar o perfil da personalidade
intelectual de FHC e discutir a trajetória da sua obra, qualificou-o como o
sociólogo das relações in fieri, das formações in the making, das "relações
cambiantes", delle cose a fare, que entende que "o dever do intelectual é tanto
o do engajamento quanto o da lucidez da análise"66. É isso, que radica na sua
obra e na sua personalidade intelectual, que o predispôs, em O presidente
segundo o sociólogo, por meio do desdobramento funcional acima mencionado, a
ser um empenhado analista-observador da sua própria ação.
A frase - "esqueçam o que eu escrevi" - apesar de inventada, "pegou", circulou
e continua perseguindo FHC até hoje, mesmo depois de ele ter deixado a
presidência67, pois se tornou uma arma de combate político à eticidade da sua
atuação. Ela é um excelente exemplo de como dois temas, traição e deserção,
cercam, como aponta Bobbio, a recorrente controvérsia sobre a ética dos
intelectuais na vida pública, distorcendo a relação entre a política e a
cultura, quando o patrulhamento ideológico transforma a cultura em instrumento
de denuncismo da ação político-partidária. Trair, segundo Bobbio, significa
passar para o lado inimigo e servir à parte errada; desertar significa
abandonar os amigos e não servir à parte justa68.
No combate ideológico, movido contra FHC pelos seus opositores de esquerda, a
frase serviu para apontar que ele teria traído seus ideais para servir os
poderosos ou, mais brandamente, desertado da batalha em prol das causas justas.
O uso que se fez desta frase inventada e não de outra deriva da peculiaridade
de FHC ser um intelectual na política. Não serviria, como frase inventada, para
o combate político que a seu tempo foi movido contra Campos Sales, Getúlio
Vargas ou Juscelino Kubitschek. Ela é, no entanto, no plano geral, a expressão
daquilo que ocorre com os que se dispõem a atuar na esfera pública, onde é
freqüente a desqualificação. A desqualificação, cabe lembrar, é o procedimento
mediante o qual, na confrontação política, busca-se deliberadamente minar a
integridade e a legitimidade do adversário. Visa-se, com isto, provocar para
machucar. Isto requer, de quem enfrenta esse tipo de situação, a virtude forte
da coragem, o sentimento de suas próprias forças para levar adiante, com
firmeza de espírito, as suas escolhas, enfrentando os perigos e suportando os
labores, como dizia Cícero69. Na explicação da acrimônia, que muitas vezes
permeou no Brasil a crítica de intelectuais a FHC, na qual também detecto
ressentimento, cabe lembrar a sabedoria do velho provérbio português: "Não há
montanha sem nevoeiro, nem mérito sem calúnia".
Ao pensar a inserção internacional do Brasil e as possibilidades de mudança, o
intelectual FHC discute, no Capítulo 6, com extraordinária argúcia, a diluição
entre o "interno" e o "externo" que, com a globalização, se aprofundou e
assumiu novas formas, distintas daquelas que operavam quando escreveu
Dependência e desenvolvimento na América Latina. Registra o papel da
comunicação instantânea que altera o impacto do tempo no dia-a-dia dos países;
aponta como o processo de interligação dos mercados se viu aguçado na década de
1990 pela aceleração dos fluxos financeiros, no âmbito do qual "o virtual
passou a comandar o real"70; pondera a erosão da possibilidade de
desenvolvimento em relativo isolamento, ao modo do que caracterizou o processo
de substituição de importações; sublinha também o impacto da globalização para
a governabilidade dos países, dadas as limitações do Estado nacional - mesmo
para países de dimensão continental como o Brasil; avalia, assim, como um
significativo número de temas da agenda brasileira passa pelo seu
encaminhamento no plano global. ressaltando, em conseqüência, o potencial da
vulnerabilidade nacional propiciada pelas interdependências geradas pela
globalização71.
Este "quadro mental" foi o ponto de partida para o juízo reflexivo de FHC sobre
os rumos a serem dados à política externa no seu governo. Concluiu que
construir a autonomia pela distância, como se buscou fazer no período da Guerra
Fria, não era o meio de ampliar o controle da sociedade brasileira sobre o seu
destino, mesmo sendo a tendência natural de um país continental mais voltado
para olhar a si próprio72. Traçou como caminho perseguir a autonomia pela
participação, ou seja, internacionalizar para não ser internacionalizado, como
indicou Giorgio Napolitano, dirigente comunista italiano e atualmente
presidente da Itália, em fórmula que FHC cita e da qual se valeu no debate
político interno sobre a globalização, afirmando: "O problema não é saber quem
é globalizado ou não. É se vamos ser vítimas cegas da globalização ou se
teremos uma política para a globalização"73. Daí o juízo sobre a sua
responsabilidade como Presidente, no sentido de "tentar assegurar para o Brasil
um lugar na mesa de negociações", num sistema internacional em transformação,
no qual "os países mais fortes não têm mais a facilidade de outrora para impor
sua ordem"74.
Para FHC, é claro que no sistema político brasileiro o presidente tem um papel
central no processo decisório75 em função do seu poder de iniciativa que não é
de natureza burocrática. A diplomacia presidencial que executou, dada a relação
que analisou entre o "interno" e o "externo" é expressão disso. Representa uma
articulação entre a sua ação política interna e a sua política externa. Foi um
investimento no soft power do alcance internacional da credibilidade de suas
políticas públicas - entre elas a estabilidade da moeda, a responsabilidade
fiscal, as redes de proteção social, a importância atribuída aos direitos
humanos e ao meio-ambiente - voltado para obter, nos diversos tabuleiros
diplomáticos, o lugar devido ao Brasil nas mesas de negociações. Teve como um
de seus componentes, dada a importância da palavra na ação diplomática, a vis
atractiva da sua capacidade de explicar e persuadir para promover mudanças. É,
portanto, também neste campo, uma aposta política do intelectual na razão76, no
ato de explicar, temperado com o paciente senso da realidade e lastreado nas
realizações concretas do seu governo na gestão de um país de escala continental
como o Brasil, com peso no âmbito internacional.
Em matéria de política externa, também cabe lembrar que da vida acadêmica de
FHC e de seus contatos com intelectuais como Gino Germani e Torcuato Di Tella
adveio uma relação fácil com os argentinos e a convicção de que o Brasil
deveria manter uma relação próxima com a Argentina, numa época em que essa
idéia não era generalizada77. Da sua experiência na Cepal e do seu conhecimento
da América Latina surgiu a concepção de que este conceito é muito amplo e que
"do ponto de vista da organização do nosso espaço econômico, temos que pensar
em América do Sul"78, que é o contexto da nossa vizinhança. Daí, e com base no
que viveu como chanceler, o impulso que deu ao Sul como América do Sul e o
juízo sobre o papel do Brasil como fator de organização do espaço sul-
americano79, num mundo que, na década de 1990, simultaneamente se globalizava e
se regionalizava. Por isso, lastreado no entendimento argentino-brasileiro,
respaldou vigorosamente o Mercosul, nele identificando potencial de ser o
pilotis de sustentação de todo o edifício sócio-político-econômico da América
Meridional80.
VII
O sociólogo FHC, que no seu período de crítico do poder afirmava que cabia ao
intelectual, articulando o debate, "fazer aflorar aquilo que está na
sociedade"81, seguiu essa orientação no exercício da presidência. Assim,
ampliou coerentemente a agenda governamental, para nela incluir e encaminhar
temas subjacentes à sociedade brasileira, como raça e classes, negros, índios,
MST e reforma agrária. Também, em consonância com as aspirações trazidas pela
redemocratização e a memória política do arbítrio do regime autoritário,
impulsionou uma inovadora e abrangente política de direitos humanos. Nesta
matéria contou com a colaboração de José Gregori e com a experiência e a rede
de contatos que trouxe para o governo, proveniente da luta em prol dos Direitos
Humanos nos períodos difíceis do regime militar.
O sociólogo como presidente teve, igualmente, a sensibilidade para discutir as
"políticas da vida" - violência, trânsito nos centros urbanos, meio-ambiente -
e para identificar a dimensão mais ampla de segurança pública que transita por
drogas, lavagem de dinheiro e contrabando82.
Na dupla condição de politólogo analista e de político experiente, FHC
explicita em O presidente segundo o sociólogo o quebra-cabeças do equilíbrio
federativo no Brasil e o que isto representa como obstáculo às reformas
tributária, política e do Judiciário83. Tem clareza sobre a relevância das
reformas do Estado nas suas funções econômicas e sociais, que são meios para a
mudança e, por isso mesmo, objetivos do seu governo. Ao mesmo tempo, está
atento às resistências expressivas a estas reformas84.
Está ciente de que governava democraticamente sob o reinado da mídia e que o
ator político e os fatos que produz exigem uma sintonia com ela85. FHC mostra
como a mídia na democracia brasileira é parte do jogo do poder, disputando
parcelas do poder com o Executivo, com o Congresso e com o setor econômico-
produtivo, buscando e exercendo influência nos mercados, na sociedade e na
cultura86. Sabe o papel dos boatos - este "ente invisível e impalpável, que
fala como um homem, está em toda parte e em nenhuma, que ninguém vê donde
surge, nem onde se esconde", como dizia Machado de Assis87. Percebe como a
imprensa antecipa fatos porque está antenada e reconhece a inutilidade política
dos desmentidos88. No desafio do trato com a mídia, e de acordo com a sua
maneira de ser, o intelectual FHC, como presidente, aposta na sua capacidade de
explicar e de jogar com a possibilidade da compreensão por meio da ampliação do
entendimento89.
VIII
No juízo político sobre as relações entre o caminho e os objetivos, FHC
empreende, em O presidente segundo o sociólogo, uma análise "de dentro" sobre
os desafios da governabilidade democrática. Tais desafios passam pelo estresse
da desproporção entre as demandas que surgem cada vez em maior número da
sociedade civil e a dificuldade que o sistema político tem para satisfazê-las
em função da crise fiscal do Estado contemporâneo que não tem o poder e os
recursos suficientes para tempestivamente solucionar, na procura do "bem
comum", todos os problemas coletivos90. Desse estresse - que é um dado
explicativo das privatizações - provêm empecilhos e resistências a uma
apropriada reordenação do Estado. Esses problemas estão relatados no Capítulo 7
de A arte da política, no qual aponta como, durante o segundo mandato, logrou
uma importante vitória com a aprovação da lei de responsabilidade fiscal, que
foi um avanço no controle do direcionamento dos gastos públicos e na
organização orçamentária do país, que a estabilização da moeda, por meio do
Plano Real, impôs como uma exigência de racionalidade91.
Os desafios da governabilidade passam igualmente pelas vulnerabilidades
provenientes da globalização, em especial a instabilidade dos fluxos
financeiros e das pressões especulativas92, as quais FHC teve que enfrentar
concretamente durante seu governo. Nem por isso, em meio à crise asiática "que
derrubou ações, quebrou bancos e espalhou incertezas", deixou de conceder, como
analista observador de seu governo, as entrevistas que deram origem a O
presidente segundo o sociólogo, como relata no prefácio Roberto Pompeu de
Toledo93. A isso tudo se somam os próprios desafios internos da governabilidade
democrática num país complexo, de escala continental e de diferenças regionais
como o Brasil, que tem uma estrutura federativa.
O intelectual e o político conjugam-se na avaliação de que, no Brasil, os
partidos não são a alavanca, mas, sim, uma das alavancas do processo político.
FHC mostra que a sociedade civil brasileira se tornou mais forte, ressaltando
por isso o seu papel na demanda e na sustentação de reformas94. Não foi por
acaso, mas uma expressão da sua justa avaliação, que o assim chamado terceiro
setor cresceu muito em nosso país a partir do seu governo. É por esta razão que
no Brasil de hoje, segundo FHC, as oportunidades de participação política não
se circunscrevem aos partidos e às eleições, mas encontram caminhos "em
entidades locais, organizações não governamentais (ONGs), sindicatos, igrejas,
movimentos sociais"95.
O intelectual FHC avalia, analisando a história do Brasil, que os partidos não
são fortes, mas que o Congresso, como instituição, tem força própria - uma
força que deriva do seu funcionamento, que se estende com poucas interrupções
na vida política brasileira, desde a Independência. Daí a relevância do
Congresso para a governabilidade, como assinala o político FHC, com base na sua
destacada experiência parlamentar. Por isso discute a especificidade da lógica
do processo decisório no Congresso96e realça: "quem foi deputado ou senador,
sabe o quanto se aprende no Congresso", aprendizado no qual, convivendo com os
seus pares, adquirem-se "requisitos necessários para influenciar, para liderar,
para decidir"97.
Na sua leitura da vida política brasileira, FHC recolhe a lição do papel
crucial das alianças políticas, pois a alternativa às alianças é, ou queda -
como Jânio e Collor - ou o golpe, pela intervenção dos militares98. Daí a
importância que atribui às alianças, que foram fundamentais na sua eleição e
que, no exercício da presidência, se revelaram indispensáveis tanto para a
microgovernabilidade dos apoios como para a macrogovernabilidade dos objetivos.
Vale a pena lembrar que o intelectual FHC foi sempre um leitor atento de
Joaquim Nabuco. Prefaciou a edição chilena de 1999 de Balmaceda, estudo
pioneiro de governabilidade na América Latina. No prefácio lembra que a crise
da presidência Balmaceda no Chile teve, como desenlace, a ditadura, e aponta
que os ciclos de instabilidade democrática na região estão ligados à
fragmentação do sistema partidário, à estrutura oligárquica do poder, ao
militarismo e ao populismo99.
Na sua reflexão sobre os caminhos e os objetivos de um governo, FHC evoca as
idéias de Albert O. Hirschman sobre as possibilidades de ação - saída, voz ou
lealdade - e conclui: "ou você cai fora do jogo, ou tenta mudar o jogo, ou se
submete"100. Hirschman, amigo e referência intelectual de FHC, é um arguto
estudioso da interação entre economia e política e faz a defesa da "paixão pelo
possível" na promoção da mudança101. É a paixão pelo possível que FHC evocou,
discorrendo sobre a nova agenda sociológica da América Latina no discurso
pronunciado em 6 de julho de 1995, ao receber o título de doutor honoris causa
da Universidade Central da Venezuela102. É a paixão do possível que o anima a
mudar o jogo político a fim de promover o caminho para a mudança.
No trato concreto da "paixão pelo possível", adquiriram grande dimensão, no
exercício da presidência, as qualidades de liderança de FHC. "A liderança
genuinamente democrática - diz ele- está indissoluvelmente ligada à capacidade
de simbolizar e transmitir mensagens e, portanto, o que no fundo é a mesma
coisa, à virtude de enxergar e propor à sociedade um caminho que seja aceito
pelos liderados, ainda que de forma momentânea"103. Esta capacidade de
iniciativa para encontrar, com apoio majoritário, um curso comum de ação, tem
dois componentes básicos, como indicou, no plano mais geral, Bertrand de
Jouvenel, ao examinar o princípio do movimento e o princípio da ordem no trato
da busca do bem comum. O componente dux inova, transforma e, por isso,
freqüentemente desestabiliza; o componente rex pacifica e harmoniza e, por
vezes, imobiliza104. Todo líder bem-sucedido associa de maneira própria esses
dois componentes, ora se alternando, ora prevalecendo um deles.
Churchill, como dux combativo, foi fundamental para a Grã-Bretanha enfrentar a
Segunda Guerra Mundial. Roosevelt mesclava dux e rex - convicção e
circunstância, no dizer de FHC - e, desta maneira, para lidar com a recessão
dos anos de 1930, implantou, no plano interno, o New Deal e conduziu os Estados
Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. Churchill e Roosevelt são exemplos de
lideranças corajosas mencionadas em Cartas a um jovem político105. De Gaulle
foi um dux no reposicionamento da França na Europa e no mundo, bem-sucedido
neste seu componente de liderança por conta, como lembra FHC, da identidade que
logrou alcançar entre a sua pessoa e o sentimento francês de sua história106.
A qualidade da liderança e o senso da realidade são dados importantes na
discussão da governabilidade. FHC observa, avaliando Trotski e Lênin:
Nunca fui trotskista na vida, nunca tive entusiasmo por suas idéias.
Mas Trotski era pessoa de generosidade. Era um espírito empolgante.
Era um visionário, como Lênin, e não quero dizer que não fosse capaz
de fazer qualquer maldade. Isso é outra coisa. Mas era um visionário
com domínio da palavra. Ele tem uma coisa que de vez em quando cito,
porque acho muito bonito: "O verdadeiro orador, quando fala, por ele
fala a voz de Deus". Isto mostra esse lado a que estou me referindo,
ele tem essa empolgação. Não senti isso no Lênin, e sim algo mais
metálico, mais frio, mais pai ou avô de Stalin, mesmo107.
O metálico e o frio no trato da política revolucionária garantiram a Lênin e
Stalin o poder. Não é fora de propósito sugerir - como fez Hannah Arendt no
curso de pós-graduação sobre as experiências políticas do século XX, no qual
fui seu aluno em Cornell em 1965 - que a menor sensibilidade sobre o que pode
ou não resultar acabaram por transformar Trotski - um exemplo de grande
intelectual na política - no profeta desarmado, assassinado no exílio, no
México, por um militante stalinista.
Em suma, liderança é um ingrediente crítico na obtenção e na manutenção do
poder. Não se manda impunemente como adverte Antonio Candido na abertura do seu
texto sobre o Ricardo II de Shakespeare, em que analisa como esta grande peça
trata da representação figurada de uma desestruturação do mando. Mandar,
observa Antonio Candido, é uma atividade que envolve atos, relações e
sentimentos muito complicados. A estrutura do mando pressupõe três elementos:
um princípio que o justifica, uma função que o encarna, e uma pessoa que o
exerce. Para se exercer, todo mando precisa ser reconhecido como legítimo - daí
a importância do princípio e da função -, mas acaba dependendo muito da pessoa
que o exerce108. É a pessoa que, pela qualidade de sua liderança, afirma ou
compromete o exercício do mando: "um fraco rei faz fraca a forte gente", lembra
Camões n'Os Lusíadas (III, 138). Por isso o direito e a literatura medieval
elaboraram, na proto-história do tema da governabilidade, o conceito do rex
inutilis, do qual um exemplo foi a justificativa da deposição, no século XIII,
do Rei Sancho II de Portugal109.
Sobre as vicissitudes do mando, as qualidades e os componentes de liderança
referidos por Jouvenel, cabe fazer uma rápida, ainda que simplificada
exemplificação com base na história brasileira, que é útil como pano de fundo
da reflexão de FHC sobre a governabilidade.
D. Pedro I foi mais dux e assim promoveu a Independência. No entanto, a falta
da dimensão rex é um dado da sua abdicação. D. Pedro II foi mais rex e, desse
modo, no seu longo reinado, consolidou a unidade nacional - o que não impediu,
com a proclamação da República, a sua deposição e a amargura do exílio. Na
República, Getúlio Vargas, no seu extenso percurso, com combinatória específica
de dux e rex, encaminhou as mudanças que configuraram o Brasil do século XX,
mas essas qualidades não evitaram o desenlace da sua carreira com o suicídio no
exercício da presidência. Juscelino Kubitschek, com qualidades rex e dux,
valeu-se do existente para trazer o novo e promover o desenvolvimento acelerado
com estabilidade democrática e tolerância política. Essas qualidades, porém,
não inibiram, subseqüentemente, o regime militar a promover a cassação dos seus
direitos políticos e a forçar seu exílio. Washington Luis, por ser muito dux e
pouco rex favoreceu a Revolução de 30, sua deposição e exílio e o fim da
Primeira República. Jânio Quadros teve sucesso eleitoral como dux, mas, por
carência da capacidade rex, teve dificuldades de governança. Daí a renúncia que
frustrou a sua mensagem de inovação. O componente dux contribuiu para a eleição
de Fernando Collor, impulsionou, na sua presidência, a mudança, mas a carência
do componente rex foi um dos fatores que favoreceu o processo de impeachment.
FHC, na sua prática presidencial, com convicção democrática, combinou de
maneira própria a pacificação e a mudança para assegurar a governabilidade e
evitar os riscos maiores do "não se manda impunemente" que a exemplificação
acima feita do ocorrido com governantes brasileiros e seus modos de liderança
evidencia.
Em O presidente segundo o sociólogo afirma:
[...] você não pode deixar de ser afirmativo nas coisas centrais. Se
não tiver um discurso geral, não faz nada, não muda. Mas se você
tiver só o discurso geral, vira profeta ou pregador, e não muda
também [...]. Não se pode perder o sentido da história. Quando isso
acontece, cai-se na política pequena, na politicagem. Não gosto de
politicagem. Eu converso, e gosto de conversa, mas não entro na
politicagem, no jogo miúdo. Quero entender o jogo miúdo, mas não para
fazer o jogo miúdo, e sim o outro jogo. Agora, se eu contar com todos
os que só fazem o jogo miúdo, não ando, porque é a maioria110.
Até com o carcereiro convém conversar, para não deixar o adversário longe, diz
FHC, lembrando a lição de seu pai que, por razões políticas, foi preso em
várias ocasiões111.
A tarefa do intelectual, como lembra Bobbio, é a de agitar idéias, levantar
problemas, elaborar programas ou teorias gerais. A tarefa do político é a de
tomar decisões112. Governar é escolher, como dizia lapidarmente Mendès-France.
Tomar decisões bem-sucedidas, na dicotomia caminho/objetivo, passa por buscar
atingir o que deve ser pelo que é, relembrando Afonso Arinos na passagem
mencionada no início deste texto. Por isso o dever-ser do componente dux requer
um juízo reflexivo sobre o quanto é necessário do componente rex das alianças.
FHC, como um intelectual na política, na sua análise de governabilidade,
avalia, com senso de realidade, que só a qualidade do pensar e o voluntarismo
do querer não permitem cortar revolucionariamente os nós que emperram o
desenvolvimento e comprometem as legítimas aspirações de justiça do país. É
preciso desatá-los democraticamente. Para desatá-los é necessário o juízo
reflexivo, que é um juízo conjetural, sobre o como promover a mudança por
intermédio da arte da convivência humana que constitui a política num sistema
democrático.
É esta a aposta, baseada no pressuposto de que "a reforma permanente é um ideal
razoável. A revolução permanente, não"113, que permeia a análise "de dentro" da
política defendida por FHC no exercício do poder e nas páginas de O presidente
segundo o sociólogo. Ele a explica, como intelectual, examinando a enorme
complexidade que o circundou no exercício da presidência, conferindo à
complexidade, como político, uma configuração inteligível e articulada, voltada
para legitimar sua ação e liderança presidencial.
Na aposta reformista, na qual juntou o pensar, o querer e o julgar, cabe
lembrar a avaliação que faz, em A arte da política, do 18 Brumário de Marx e
das Lembranças de 1848 de Tocqueville. Ambos foram escritos no calor da hora,
sem a perspectiva do tempo e, no meu modo de ver, são paradigmas analíticos
subjacentes à tessitura intelectual de O presidente segundo o sociólogo.
Marx, no 18 Brumário, aponta FHC, "constrói um modelo cujas propriedades e
diferentes formas de reação estuda como em um laboratório; e depois aplica
estas observações para interpretar o que ocorre empiricamente". Desse modo,
como observador crítico, explica o grande movimento das estruturas da
sociedade. FHC reconhece a importância deste explicar, mas ressalva que tem
"mais pendor para ver como as estruturas se formam pela ação das pessoas". Por
isso considera que o bom contraponto analítico de 18 Brumário é Lembranças de
1848 de Tocqueville. Sem endossar a visão geral deste, admira como, sem
prejuízo de sua condição de ator governamental, ele teve a "capacidade de
entender o desenrolar dos fatos de 1848", analisando, no esmiuçar da narrativa
do dia-a-dia, a compreensão das "ações, pensamentos e omissões dos distintos
atores" - dos que se moviam na cúpula aos sans-culotte casualmente encontrados
nas barricadas de Paris114.
Explicar e compreender interrelacionam-se. Remetem, no plano do conhecimento, a
processos distintos, porém complementares, relevantes para o entendimento da
história. O explicar está voltado para a investigação das grandes forças que
moldam os eventos. O compreender, realçado por Dilthey, liga-se a experiências
vividas que, recriadas e objetivadas pela mente humana, oferecem conexões de
sentido. Estas ensejam percepções válidas na medida em que estão
apropriadamente inseridas no contexto do movimento histórico.
Ao analisar a política do século XX, Hannah Arendt realça a importância
epistemológica da compreensão como um processo complexo, em constante variação,
diferente porém vinculado à informação correta e ao conhecimento científico,
mas indispensável para se chegar, pelo entendimento, a um acordo com a
realidade. Ela também, escrevendo sobre Dilthey, aponta que logrou, à maneira
do que diz Goethe (Fausto II, vv. 11292-293), evocado por Hofmannsthal, olhar o
distante e observar o perto115.
Explicar e compreender para julgar o potencial da ação política são
constitutivos do enredo substantivo de O presidente segundo o sociólogo. Nele
se imbricam, numa dialética de complementaridade, tanto o olhar devidamente
distanciado, voltado para explicar as forças que moldam os eventos quanto
observar o perto da especificidade de como, no exercício da presidência, lidou
com essas forças.
Isaiah Berlin entende que o intelectual é a pessoa que quer que as idéias sejam
tão interessantes quanto possível e acredita no interesse que para ele têm as
idéias que discute116. À luz do que expus neste texto, penso que não cabe
dúvida que as razões e os argumentos de FHC são os de um intelectual na acepção
de Isaiah Berlin. A sua mescla própria de explicar e de compreender revela, de
maneira inequívoca, seu gosto e empenho na discussão das idéias, ao pensar em
profundidade a política no calor do exercício do poder.
[1] Cardoso, Fernando Henrique. Cartas a um jovem político. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2006, p. 73.
[2] Ibidem, pp. 7, 45, 47, 70, 169.
[3] Ibidem, p. 78.
[4] Ibidem, p. 60.
[5] Bobbio, Norberto. Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de
cultura na sociedade contemporânea.Trad. Marco Aurélio Nogueira. São Paulo:
Editora da Unesp, 1997, pp. 67-189.
[6] Dantas, San Tiago. Figuras do Direito.2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002,
pp. 10-11.
[7] Arinos de Melo Franco, Afonso. A escalada: memórias.Rio de Janeiro:
Livraria José Olympio, 1965, pp. 262-63.
[8] Berlin, Isaiah. The sense of reality.Londres: Chatto and Windus, 1996, pp.
5, 19, 23-24, 32, 35, 45, 52.
[9] Cardoso, op. cit., p. 109.
[10] Idem. A arte da política: a história que vivi.Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2006, pp. 46-49.
[11] Idem. Democracia para mudar (30 horas de entrevista).Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1978, pp. 25-26, 28.
[12] Cardoso e Faletto, Enzo. Dependência e desenvolvimento na América Latina:
ensaio de interpretação socio-lógica. Rio de Janeiro: Zahar, 1970, p. 7.
[13] Cf. Bastos, Elide Rugai e outros. Conversas com sociólogos brasileiros.
São Paulo: Editora 34, 2006, pp. 68-70; Cardoso. "Ciência e
política. In: A utopia viável: trajetória intelectual de Fernando Henrique
Cardoso.Brasília, Presidência da República, 1995, pp. 20-21.
[14] Arendt, Hannah. Entre o passado e o futuro.Trad. Mauro W. Barbosa de
Almeida. São Paulo: Perspectiva, 1972, p. 41.
[15] Cf. Parekh, Bhikhu. Hannah Arendt and the search for a new political
Philosophy.New Jersey: Humanities Press, 1981, pp. 1-19.
[16] Cardoso, A arte da política,op. cit., pp. 25, 43-49.
[17] Cardoso e Pompeu de Toledo, Roberto. O presidente segundo o sociólogo. São
Paulo: Cia. das Letras, 1998, pp. 7-8, 10.
[18] Ibidem, p. 11.
[19] Cardoso, Democracia para mudar,op. cit., p. 25.
[20] Vargas, Getúlio. Diário. São Paulo/Rio de Janeiro: Siciliano/Fundação
Getúlio Vargas, 1995, vol. 2 (1937-1942), p. 209.
[21] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., p. 112.
[22] Disraeli, Benjamin. The sayings of Disraeli (ed. Robert Blake). Londres:
Duckworth, 1992, p. 34.
[23] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., p. 11.
[24] Ibidem, pp. 11-12.
[25] Ibidem, p. 9.
[26] Aron, Raymond. Le spectateur engagé (entretiens avec Jean-Louis Missika e
Dominique Wölton).Paris: Gallimard, 1981, pp. 189, 298-319.
[27] Vieira, Antonio. Sermões (org. Eugenio Gomes). 11ª ed. Rio de Janeiro:
Agir, 1992, pp. 140-41.
[28] Vargas, op. cit., vol. 1 (1930-1936), pp. 486-87.
[29] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., p. 306.
[30] Berlin, op. cit., pp. 40-53.
[31] Cardoso, Cartas a um jovem político,p. 109; A arte da
política,pp. 48-49.
[32] Arendt. A vida do espírito: o pensar, o querer, o julgar. Trad. Antonio
Abranches, Cesar Augusto de Almeida e Helena Martins. Rio de Janeiro: Relume
Dumará/Editora da UFRJ, 1992, pp. 361-382; ibidem, Lições
sobre a filosofia política de Kant.Trad. André Duarte. 2ª ed., Rio de Janeiro:
Relume Dumará, 1994, pp. 39, 73-84.
[33] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., p. 98.
[34] Arendt, Lições sobre a filosofia...,op. cit., p. 73.
[35] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., p. 58.
[36] Cardoso, Cartas a um jovem político,op. cit., pp. 89-91.
[37] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., pp. 104-117, 112-113,
[38] Ibidem, pp. 58-60.
[39] Ibidem, pp. 21, 58, 331, 344.
[40] Ibidem, pp. 188, 345; cf. Guimarães, Ulysses. Rompendo o cerco.Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1978, p. 24.
[41] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., pp. 346-347.
[42] Guimarães, op. cit., p. 17.
[43] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., p. 67.
[44] Ibidem, pp. 58-64.
[45] Ibidem, pp. 66-67, 69.
[46] Cardoso, Cartas a um jovem político,op. cit., pp. 48-49.
[47] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., p. 72.
[48] Arendt, Hannah Crises da República.Trad. José Volkmann. São Paulo:
Perspectiva, 1973, p. 97
[49] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., p. 346.
[50] Guimarães Rosa, João. Tutaméia: terceiras estórias. 5ª ed. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1979, p. 52.
[51] Cardoso e Winter, Brian.The accidental president of Brazil: a memoir. Nova
York, Public Affairs, 2006.
[52] Cardoso, Cartas a um jovem político,op. cit., p. 182.
[53] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., pp. 346-47.
[54] Ibidem, p. 166.
[55] Ibidem, pp. 25-26.
[56] Ibidem, p. 27.
[57] Ibidem, pp. 37, 212-13.
[58] Ibidem, p. 338.
[59] Ibidem, pp. 211-13.
[60] Cardoso, "Ciência e política". In: A utopia viável, op. cit., p. 21.
[61] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., pp. 82-83.
[62] Ibidem, p. 172.
[63] Cardoso, Cartas a um jovem político,op. cit., p. 45.
[64] Cardoso. As idéias e seu lugar: ensaios sobre as teorias do
desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 1980.
[65] Cardoso. "Caminhos novos? Reflexões sobre alguns desafios da
globalização". Política Externa,vol. 16, nº 2, 2007, pp. 9-24.
[66] Weffort, Francisco. "O intelectual das identidades complexas". In: A
utopia viável,op. cit., pp. 10, 13, 15, 17.
[67] Cardoso, Cartas a um jovem político,op. cit., p. 189.
[68] Bobbio, op. cit., p. 77; Ibidem, Política e cultura.2ª ed. Torino:
Einaudi, 1977, pp. 15-48.
[69] Cf. Comte-Sponville, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. Trad.
Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1995, pp. 51-67.
[70] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., p. 84
[71] Ibidem, pp. 85-88.
[72] Ibidem, p. 91.
[73] Ibidem, p. 229.
[74] Ibidem, p. 89.
[75] Ibidem, p. 237.
[76] Ibidem, p. 90.
[77] Ibidem, p. 119.
[78] Ibidem, p. 130.
[79] Ibidem, p. 91.
[80] Ibidem, p. 127.
[81] Idem. Democracia para mudar,op. cit., p. 26.
[82] Cf. Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., caps. 9, 10, 19, 23.
[83] Ibidem, caps. 17, 18.
[84] Ibidem, caps. 14, 20, 21, 22.
[85] Ibidem, p. 166.
[86] Ibidem, p. 171.
[87] Machado de Assis, Joaquim Maria. "Comentário da Semana", 14de janeiro de
1862. In: Obra Completa. 2º ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008, vol. 4, p.
150.
[88] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., pp. 171, 179.
[89] Ibidem, p. 170.
[90] cf. Bobbio. "A crise da democracia e a lição dos clássicos". Arquivos do
Ministério da Justiça,ano 40, nº 170, 1987, pp. 35-37.
[91] Cardoso, A arte da política,op. cit., pp. 489-92.
[92] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., pp. 85-86.
[93] Ibidem, pp. 7-8.
[94] Ibidem, pp. 242-43.
[95] Idem. Cartas a um jovem político,op. cit., p. 14.
[96] Cardoso e Pompeu de Toledo, op., cit., pp. 237-38.
[97] Cardoso, Cartas a um jovem político,op. cit., p. 58.
[98] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., p. 40.
[99] Cardoso. "Prefácio a Joaquim Nabuco". In: Nabuco, Joaquim. Balmaceda.
Santiago do Chile: Editora Universitária, 1999, pp. 9-11.
[100] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., p. 104.
[101] Hirschman, Albert O. A Bias for Hope: essays on development and Latin
America.New Haven, Yale University Press, 1971, pp. 26-37.
[102] Cardoso, "A nova agenda sociológica da América Latina". A utopia
viável,op cit., p. 36.
[103] Idem, A arte da política,op. cit., p. 73.
[104] Cf. Jouvenel, Bertrand de. Sovereignty: an inquiry into the Political
Good.Trad. J. F. Huntington. Chicago, Chicago University Press, 1957, cap. 3; Pierce, Roy. Contemporary French political thought.Londres:
Oxford University Press, 1966, cap. 7.
[105] Cardoso, Cartas a um jovem político, op. cit., pp. 29-34.
[106] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., pp. 112-114.
[107] Ibidem, pp. 109-110.
[108] Candido, Antonio. "A culpa dos reis: mando e transgressão no 'Ricardo
II'". In: Novaes, Adauto (org.). Ética.São Paulo: Cia. das Letras, 1992, pp.
87-89.
[109] Cf. Peters, Edward. The Shadow king: rex inutilis in medieval law and
literature. New Haven: Yale University Press, 1970, cap. 4;
Oliveira Marques, A. H. de. Breve história de Portugal.2ª ed. Lisboa: Presença,
1996, pp. 43-44.
[110] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., pp. 346-47
[111] Ibidem, p. 342.
[112] Bobbio, Os intelectuais e o poder,op. cit., pp. 82-83.
[113] Cf. Bobbio. "Reformismo, socialismo, igualdade". Novos Estudos - Cebrap,
nº 19, 1987, p. 17.
[114] Cardoso, A arte da política,op. cit., p. 25.
[115] Cf. Dilthey, Wilhelm. Pattern and meaning in history: thoughts on history
and society.Nova York: Harper Torchbooks, 1961; Arendt.
Compreender: formação, exílio, totalitarismo: ensaios.Trad. Denise Bottmann.
São Paulo/Belo Horizonte: Cia. das Letras/Editora da UFMG, 2008, pp. 330-346,
167-168.
[116] Berlin, Isaiah e Jahanbegloo, Ramin. Conversations with Isaiah Berlin.
Nova York, Scribner's, 1991, p. 24.