Os limites da tolerância
I
O conceito de tolerância exerce no discurso político contemporâneo um papel
central e, no entanto, ambivalente. Basta pensar nos seguintes exemplos,
tirados do contexto alemão mas que assumem um caráter um tanto paradigmático
nos debates acerca do próprio significado da tolerância. Em 1995, um
dispositivo da Lei Educacional da Bavária que determinava a fixação de uma cruz
ou crucifixo em cada sala de aula da rede pública foi declarado
inconstitucional pela Corte Constitucional Federal; desde então tem havido um
debate acalorado sobre se o dispositivo seria intolerante com relação às
minorias ou se, em vez disso, não seriam as minorias que objetavam à ostentação
de cruzes ou crucifixos que estariam sendo intolerantes. Outro exemplo seria o
acirrado debate sobre se deveria ser permitido a uma professora muçulmana
vestir o véu islâmico na escola: é intolerante requerer que ela deixe de usá-lo
ou, ao contrário, vesti-lo é que é sinal de intolerância? Também quando o
governo alemão aprovou uma lei que atribuía às uniões homossexuais um status
legal com alguns dos direitos e deveres do casamento, contestou-se que a
tolerância não exige tal igualdade legal; em vez disso, para os opositores
daquela lei, a tolerância não requer mais do que se permitir legalmente
relações homossexuais. Os limites da tolerância foram atingidos, assim
sustentavam, quando tais leis colocaram a tradicional instituição do casamento
em questão (um dos slogans utilizados dizia: "Tolerância, sim; Casamento,
não!")1.
Por fim, nos últimos anos têm-se estabelecido em várias cidades e regiões
alemãs "alianças (políticas) pela tolerância", "declarações de tolerância" vêm
sendo aprovadas por parlamentos e grandes manifestações foram encampadas (como
a de Berlim em novembro de 2000, com duzentas mil pessoas). A motivação para
essas manifestações foi a onda de violentos ataques racistas a estrangeiros,
especialmente negros. As reações a isso consistiram em, de um lado, apelos aos
cidadãos para que demonstrassem mais tolerância com relação a pessoas
culturalmente e etnicamente diferentes e, de outro, a promoção de políticas de
"tolerância zero" contra os perpetradores da violência e suas organizações.
Nesse contexto, o parlamento e o governo formalizaram um pedido à Corte
Constitucional para que declarasse inconstitucional o Partido Democrático
Nacional (NPD), um partido de extrema direita - instrumento para a demarcação
do limite democrático da tolerância que não tinha sido usado desde 1956. Os
membros e partidários daquela agremiação não foram os únicos, contudo, a
considerar essa medida intolerante2.
Estes exemplos demonstram o acentuado valor de uso político do conceito de
tolerância: sempre se tenta modelar a própria posição como tolerante e a dos
outros como intolerante, estando além dos limites adequados da tolerância. Como
esses limites são assim tão controversos, pretendo tratar da questão acerca de
quais critérios deveriam servir de base para determiná-los.
II
Já sugeri uma resposta aparentemente simples para essa questão. Ela sustenta
que os limites da tolerância devem ser postados onde a intolerância começa. A
tolerância só pode exigida em face daqueles que são tolerantes; é uma questão
de simples reciprocidade.
Uma breve olhada nos textos clássicos da história da tolerância fornece suporte
a isso. Pierre Bayle defende a máxima "de que uma religião que coage a
consciência não tem direito a ser tolerada"3, sendo que ele tinha em mente o
catolicismo; John Locke conclama que "aqueles que não possuírem e professarem o
Dever de tolerar Todos os homens em matéria de simples Religião" não detêm
"nenhum direito de ser tolerados pelo Magistrado"4. Ele inclui ainda aqueles
"que negam a Existência de um Deus" porque "Promessas, Pactos e Juramentos, que
são os Elos da Sociedade Humana, não podem exercer influência sobre um Ateu"5.
Rousseau formulou apenas um dogma negativo em sua declaração de fé dos
cidadãos: o da intolerância6. E, de acordo com Voltaire, "os homens devem
evitar o fanatismo para merecerem a tolerância"7. Ele também adverte quanto ao
ateísmo, pois um "ateu furioso tende a ser uma praga tão grande quanto um
supersticioso furioso"8. Ambos podem ser evitados por meio de "idéias embasadas
a respeito da divindade".
Essas poucas citações devem bastar para sustentar o seguinte:
(a) Ainda que a tese de que os limites da tolerância devam ser
colocados onde a intolerância de uma pessoa ou grupo começa seja
incontroversa, resta cada vez mais controverso o que isso
significaria em um dado contexto. Onde se inicia a tolerância? Com
aqueles dispostos a recorrer à força da religião ou com aqueles que
questionam fundamentações religiosas da ordem política, ou seja,
"papistas" ou ateístas? É óbvio que o mero slogan "sem tolerância com
o intolerante" não é apenas vazio, mas potencialmente perigoso, pois
a definição de intolerante muito freqüentemente é ela mesma resultado
de parcialidade e intolerância.
(b)Isso pode levar a uma conclusão muito cética com relação ao
conceito de tolerância9. Simplesmente não existe tolerância, poder-
se-ia dizer, pois qualquer entendimento concreto desse conceito leva
à intolerância para com aqueles arbitrariamente chamados de
"intolerantes" - o que significaria que a tolerância é sempre apenas
uma forma mais ou menos efetivamente velada de intolerância. A idéia
toda pareceria não ser nada mais do que uma estratégia retórica nas
lutas políticas pelo poder, na qual cada parte reivindica, mas sem
fundamento para tanto, o direito a um nível superior de legitimidade
e imparcialidade na definição da diferença entre o tolerante e o
intolerante. Nesse caso a sentença, "Os limites da tolerância devem
ser postados onde a intolerância começa", adquire um sentido muito
diferente, que mostra os próprios limites do conceito de tolerância.
Ele é posto em dúvida pelo paradoxo de que a tolerância termina tão
logo começa: assim que um limite arbitrário é estipulado pela
definição do "intolerável" e do "intolerante".
III
Essa tentativa de se des(cons)truir radicalmente o conceito de tolerância
aponta um problema importante, mas tira a conclusão errada. Ela nos alerta
corretamente para suspeitarmos da forma como os limites da tolerância têm sido
e são traçados entre o tolerante e o intolerante/intolerável. É sempre
necessário se indagar quem estabelece esses limites e contra quem, com base em
que razões, e quais motivações estão em jogo. Em suma, quem quer que fale de
tolerância não pode silenciar quanto ao poder.
Mas deve-se também prestar muita atenção ao tipo de retórica desconstrucionista
a respeito da "carência de fundamento" dos termos normativos. Pois ela mistura
dois significados de "intolerância" que precisam ser distinguidos - ou melhor,
que aqueles que ainda pretendem usar o conceito de tolerância deveriam
distinguir: a intolerância dos que se colocam além dos limites da tolerância,
porque recusam a tolerância como norma em princípio, e a intolerância dos que
não querem tolerar a recusa dessa norma. Chamar ambos os pontos de vista
igualmente de "intolerantes" pressupõe que não haja um modo não-arbitrário,
imparcial de demarcar os limites da tolerância à luz de considerações
normativas de ordem superior. Contudo, para que o conceito de tolerância seja
salvo desse paradoxo destrutivo, deve existir tal possibilidade; só assim pode
a crítica a uma (possível) ação contra a "intolerância" ser ela mesma mais do
que apenas outra forma de "intolerância".
Do exercício desconstrutivo podemos, entretanto, ainda aprender que o conceito
de intolerância por si só é indeterminado demais para engendrar uma resposta
justificável para a questão de como os limites da tolerância devem ser
demarcados. Tolerância é o que eu chamo de um conceito normativamente
dependente, o qual, para que tenha um determinado conteúdo (e limites
especificáveis), carece de recursos normativos adicionais que não sejam
dependentes nesse mesmo sentido. Tolerância não é, portanto, contrariamente a
uma visão comum, ela mesma um valor, mas, em vez disso, uma atitude requerida
por outros valores ou princípios. Além disso, a fim de evitar a acusação de
arbitrariedade, os fundamentos necessários devem ser normativamente "auto-
sustentáveis" e têm que possuir a qualidade de permitir que se estabeleçam
divisas e limites de um modo mutuamente justificável. A história da tolerância
demonstra que ela não tem sido alcançada com muita freqüência, já que as idéias
de ordem política e moralidade que foram até então utilizadas para o propósito
eram excessivamente particularistas e, em especial, enviesadamente religiosas.
Assim sendo, se a intenção é evitar a desconstrução da tolerância, deve-se
começar com uma reconstrução do conceito.
IV
Para tanto, uma definição clara do próprio conceito de tolerância é necessária,
pois a tese de dependência normativa recém-elaborada não significa que o
conceito, ele mesmo, seja amorfo. Ele deve ser analisado mediante seis
características10, observadas a seguir.
Em primeiro lugar, o contexto da tolerância precisa ser especificado. Qual é a
relação entre o tolerante e o tolerado (por exemplo, pais e filhos, amigos,
cidadãos etc.)? Quais são os sujeitos (indivíduos, grupos, o Estado) e os
objetos (crenças, ações, práticas) da tolerância? Obviamente, as razões a favor
e contrárias à tolerância variam de acordo com esses contextos.
Em segundo, é essencial para o conceito de tolerância que as crenças ou as
práticas toleradas sejam consideradas objetáveis e erradas ou más em um sentido
relevante. Se esse componente de objeção11 estiver faltando, não falaremos de
"tolerância", mas de "indiferença" ou "afirmação".
Em terceiro lugar, o componente de objeção precisa ser balanceado por um
componente de aceitação, que não remove o juízo negativo, mas fornece algumas
razões positivas que superam as negativas em um contexto relevante. De acordo
com essas razões, seria errado não tolerar o que é errado, para mencionar outro
paradoxo bem conhecido da tolerância. As práticas ou as crenças em questão são
erradas, mas não intoleravelmente erradas.
Em quarto, os limites da tolerância precisam ser especificados. Eles ficam em
um ponto no qual as razões para a rejeição se tornam mais fortes do que as
razões para a aceitação (o que ainda deixa em aberto a questão dos meios
apropriados para uma possível intervenção). É importante observar que as razões
de rejeição não precisam ser idênticas às razões de
objeção
12; elas podem ser independentes, ou, o que é mais provável, internamente
conectadas com as razões para a aceitação, as quais especificam certas
condições e limites para aquela aceitação. Além do mais, é preciso salientar
que existem dois limites envolvidos aqui: o primeiro fica entre o terreno
normativo daquelas práticas e crenças com as quais se está de acordo e o
terreno das práticas e crenças toleráveis que são consideradas erradas, mas
ainda assim se pode aceitar de certo modo; e o segundo fica entre esse último e
o terreno do intolerável, o qual é estritamente rejeitado (o limite da
tolerância propriamente dito). Há, então, três, e não apenas dois terrenos
normativos em um contexto de tolerância.
Em quinto lugar, só se pode falar de tolerância onde ela é praticada
voluntariamente e não é coagida, pois de outro modo estaríamos no plano do
"suportar" ou "aturar" certas coisas que se rejeita, mas contra as quais se é
impotente.
Em sexto, pode-se distinguir entre tolerância como uma prática (de um Estado,
por exemplo) e como uma atitude ou mesmo uma virtude, a qual chamamos de
aceitação
***. A primeira pode estar presente em uma sociedade sem a última.
V
Baseado nessas seis características centrais do conceito de tolerância, é
possível desvelar diferentes concepções do termo, aplicáveis no contexto de uma
comunidade política em que os cidadãos estão divididos por profundas diferenças
culturais e religiosas. Para os atuais propósitos, destacarei duas dessas
concepções, cada uma delas implicando um diferente modo de demarcar os limites
da tolerância13.
De acordo com a primeira concepção, que chamo de concepção como permissão, a
tolerância é uma relação entre uma autoridade ou uma maioria e uma minoria
dissidente, "diferente". Tolerância significa, então, que a autoridade (ou
maioria) concede uma permissão qualificada aos membros da minoria para viverem
de acordo com suas crenças, na condição de que a minoria aceite a posição
dominante da autoridade (ou maioria). Contanto que a expressão de suas
diferenças permaneça dentro de limites, isto é, um assunto "privado", e
contanto que não reivindiquem status público e político iguais, eles podem ser
tolerados tanto em termos pragmáticos como de princípio - em termos pragmáticos
porque essa forma de tolerância é considerada a menos custosa de todas as
alternativas possíveis e não perturba a paz civil e a ordem conforme o grupo
dominante a define (ao contrário, contribui para a mesma); e em termos de
princípio porque se considera moralmente errado (e, de todo modo, infrutífero)
forçar as pessoas a abandonarem certas crenças ou práticas arraigadas.
Essa concepção como permissão é aquela clássica, que encontramos em muitos
documentos históricos e precedentes ilustrativos da política de tolerância
(tais como o Edito de Nantes de 1598) e que - de modo considerável - ainda
informa nossa compreensão do termo. Tolerância significa aqui que a autoridade
ou maioria que detém o poder de dificultar as práticas de uma minoria não
obstante a "tolera", ao passo que a minoria aceita sua posição de dependência.
A situação ou os "termos de tolerância" são não-recíprocos: um grupo permite ao
outro certas coisas sob as condições que ele especifica de acordo com suas
próprias crenças e interesses. Ele define sozinho os "limites do tolerável". É
essa concepção que Goethe tinha em mente quando afirmou: "A tolerância deveria
ser uma atitude apenas temporária: ela deve conduzir ao reconhecimento. Tolerar
significa insultar"14.
Em oposição a isso, a outra concepção de tolerância - a concepção como respeito
- é aquela na qual as partes tolerantes reconhecem uma a outra em um sentido
recíproco: embora difiram notavelmente em suas convicções éticas a respeito do
bem e do modo de vida legítimo e em suas práticas culturais, e sustentem em
muitos aspectos visões incompatíveis, elas se respeitam mutuamente como moral e
politicamente iguais, no sentido de que sua estrutura comum de vida social deve
- na medida em que questões fundamentais de reconhecimento de direitos e
liberdades e de distribuição de recursos estejam envolvidas - ser guiada por
normas que todos possam igualmente aceitar e que não favoreçam uma "comunidade
ética" específica, por assim dizer15. A base para isso é o respeito moral pelos
outros na condição de cidadãos iguais e a capacidade de traçar os dois limites
mencionados acima, com relação a (1) o campo daqueles valores e práticas
afirmados em sua totalidade (ou em sua maior parte), (2) o campo das crenças e
práticas julgadas eticamente erradas, mas ainda assim toleradas por não se
poder julgá-las moralmente erradas em um sentido mais objetivo e, finalmente,
(3) o campo do que não pode ser tolerado sob aquela base moral16.
Se tomarmos os critérios de independência e imparcialidade normativas como
referenciais para se determinar a substância e os limites da tolerância, e
compararmos as duas concepções nessa base, vê-se que a concepção como permissão
dá à autoridade no poder total discrição com relação aos valores que justificam
e limitam a tolerância. Em sua maior parte, eles serão os valores e costumes da
forma de vida ético-política da maioria dos cidadãos; e conseqüentemente os
limites da tolerância podem ser amplos se a base de valores relevante for
interpretada de um modo abstrato (e o valor da liberdade pessoal, por exemplo,
for destacado), mas podem também ser bastante estreitos se, por exemplo,
valores religiosos provirem sua base normativa. O mais importante é o fato de
não haver um princípio de ordem superior para avaliar essas interpretações, de
forma que a estipulação dos limites da tolerância corre o risco de
arbitrariedade. Isso viola o critério da imparcialidade.
A concepção como respeito procura atentar para esse critério na determinação do
conteúdo da tolerância, com o auxílio de considerações de justiça
procedimental. De acordo com essas considerações, nem a autoridade política nem
a maioria dos cidadãos têm o direito de moldar as instituições básicas do
Estado com base em suas concepções éticas do bem, uma vez que essas concepções
possam ser criticadas por outros cidadãos como interessadas e particularistas.
Do prisma da concepção da tolerância como respeito, portanto, é uma concepção
de justiça que fornece a fundação para uma distinção justificável entre os três
campos de nossas próprias visões éticas, daquelas que são toleráveis e daquelas
que não o são. É isso que eu pretendo discutir brevemente - e sustentar - nas
seções seguintes.
VI
Uma democracia reflexiva, aquela consciente de seus próprios princípios, deve
estar baseada no fundamental princípio de justificação da justiça, o qual diz
que todas as instituições que determinam a vida social e, por conseguinte, as
vidas individuais dos cidadãos de modo considerável precisam ser justificáveis
à luz de normas que os cidadãos não possam recíproca e genericamente
rejeitar17. Isso resulta recursivamente de uma reconstrução da pretensão de
validade daquelas normas que devem ser reciprocamente justificáveis e
genericamente legítimas - pretensão essa que deve ser testada discursivamente,
isto é, em um discurso justificatório que procure gerar recíproca e
genericamente razões não-rejeitáveis. Reciprocidade, nesse contexto de
justificação, significa que não se reivindiquem certos direitos e recursos que
são negados aos outros, e que nossas próprias razões (valores, interesses,
necessidades) não sejam projetadas sobre as dos outros ao defendermos nossas
pretensões. Deve-se estar disposto e apto a sustentar normas básicas com razões
que não estejam fundadas em verdades "superiores" ou em concepções do bem que
possam ser razoavelmente rejeitadas por outros com identidade ética e cultural
diferentes. Ademais, de acordo com o critério da generalidade, as razões para
as normas básicas devem ser reciprocamente aceitáveis e compartilháveis entre
todos os cidadãos, não apenas entre os grupos dominantes. Compreendidos
corretamente, os critérios de reciprocidade e de generalidade implicam que não
é qualquer dissenso que pode invalidar normas gerais, mas apenas o dissenso que
levante objeções que não podem ser, elas mesmas, rejeitadas com base nesses
critérios.
Considero que o tipo de respeito que corresponde ao princípio de justificação
consiste na forma mais fundamental de reconhecimento moral: o respeito pelo
outro como titular de um direito à justificação18. Um caso particular de
violação desse respeito ocorre quando membros de uma religião consideram
legítimo impor sua concepção parcial de verdade e virtude a outros, ao tornarem
esses valores - rejeitáveis reciprocamente - o fundamento para normas gerais
obrigatórias. Vista desse modo, a intolerância é uma forma específica de
injustiça, e a tolerância uma demanda por justiça. A demanda consiste em
tolerar aquelas crenças e práticas das quais se discorda, mas que não violam
elas mesmas os critérios ou o "limiar" de reciprocidade e generalidade, isto é,
práticas de indivíduos ou grupos que não negam formas básicas de respeito aos
outros e não impõem ilegitimamente suas visões eticamente rejeitáveis
(ultrapassando por tal via a "fronteira" entre visões éticas legítimas e normas
gerais válidas). Aqueles que se toleram mutuamente consideram as concepções
éticas um do outro erradas e mal-formadas, mas mediante razões que o outro pode
justificadamente rejeitar, com base em suas próprias visões e concepções do
bem. Em tal situação, as pessoas tolerantes reconhecem que suas objeções éticas
são boas em si mesmas, mas não são suficientes para justificar uma rejeição
moral das concepções do outro como intoleráveis (para usar a linguagem da
"objeção" e da "rejeição" sugerida anteriormente). Enquanto uma objeção ética é
aquela que pode ser rejeitada com base no critério da reciprocidade e, dessa
forma, levar a um "desacordo razoável", uma rejeição moral é baseada em razões
que os outros não podem recíproca e genericamente rejeitar.
Os limites da tolerância são, portanto, atingidos quando um grupo tenta dominar
os demais fazendo de suas visões rejeitáveis a norma geral. Tal negação do
direito à justificação é uma forma de intolerância que não pode ser tolerada.
Não tolerá-la, entretanto, não é absolutamente mais uma forma de intolerância,
pois é justificado pelo próprio princípio de justificação e não absolutiza uma
concepção ética controversa. A determinação dos limites da tolerância é, ela
mesma, reflexiva e pode sempre ser questionada por aqueles que se vêm
excluídos19. Em oposição a isso, o modo pelo qual a concepção como permissão
estabelece os limites da tolerância é parcial e potencialmente repressivo em
relação às minorias.
Com relação aos exemplos do início deste texto, isto significa o seguinte. Em
uma sociedade na qual um grupo defende que a cruz ou crucifixo é um símbolo de
valores éticos comuns, "cristãos-ocidentais", tais como a tolerância, em vez de
"uma expressão da proclamação de sua própria crença em uma certa confissão",
conforme sustentou a Alta Corte Administrativa da Bavária20, e outro grupo
argumenta que isso é na realidade o sinal de um particularismo cristão e,
talvez mesmo, um símbolo de sua "expansão missionária", como presume a Corte
Constitucional Alemã21, viola-se o critério de reciprocidade se o Estado tomar
aqui partido de uma dessas interpretações e determinar a fixação da cruz nas
paredes das salas de aula da rede pública por meio de lei. Esse caso,
sobretudo, corresponde a um exemplo importante, na sociedade alemã, do conflito
entre uma compreensão da tolerância baseada na concepção como permissão e outro
baseado na concepção como respeito. A Corte da Bavária não afirmou somente que
a cruz é um símbolo mais abrangente dos valores éticos liberais; ela também se
contradisse ao argumentar que a cruz na parede é uma expressão do "direito
positivo à liberdade religiosa", isto é, do direito à expressão em público do
credo religioso particular. Considerou, além do mais, que isso é mais
importante que o direito negativo do demandante à liberdade religiosa, o
direito a ser livre de religião. Esse argumento constrói a posição do
demandante de uma forma puramente negativa e, assim, denega às suas concepções
um conteúdo religioso positivo. Mais do que isso, implica ainda que é à minoria
que aqui se requer que seja tolerante: "Dada a obrigação de tolerância que a
ele também se aplica, pode-se exigir de um não-cristão ou de uma pessoa com
crenças éticas diferentes que tolere [representações da cruz], em acordo com o
respeito requerido para com as crenças dos outros, ainda que aqueles rejeitem
essas representações"22. Visto desse modo, é a minoria quem está sendo chamada
de intolerante com relação às visões da maioria, ao passo que a tolerância da
maioria se mostra meramente em não interferir nas crenças das minorias. Essa
forma de identificar as crenças da maioria com as bases de instituições como as
escolas é uma clara violação do princípio de justificação e de respeito igual.
Os demandantes tinham, portanto, uma pretensão não rejeitável reciprocamente a
direitos iguais e reconhecimento, enquanto o outro grupo nesse caso não tinha.
No que diz respeito à questão de "se deve ser permitido às professoras vestirem
símbolos religiosos", aqueles que usam símbolos cristãos ou quaisquer outros do
gênero são igualmente obrigados a respeitar a liberdade religiosa de seus
alunos, bem como outras normas fundamentais, tais como a igualdade entre homens
e mulheres. Não há razão prima facie para se suspeitar de que uma religião
específica - nesse caso (como em muitos outros), o Islamismo - seja de um modo
geral intolerante e, assim, ser necessário excluir seus símbolos como
vestimenta imprópria para professores na escola. Símbolos estão certamente
abertos a muitas interpretações, e para muitos o hijab pode ser um "signo da
opressão", mas ele também pode ser um sinal da afirmação livre da identidade
religiosa de um indivíduo. A sociedade e o Estado têm que estar atentos aos
mecanismos de repressão e doutrinação cultural e religiosa, concomitantemente
na sociedade como um todo e nas comunidades menores. Mas exclusões
generalizadas de certos símbolos são nesse caso tão inapropriadas quanto
justificações para a tolerância que não enxergam a diferença entre um hijab e
uma fantasia23. A pretensão de igual reconhecimento de uma identidade ético-
religiosa própria é mutuamente não-rejeitável.
A concepção como respeito não implica uma separação estrita entre a "pessoa
privada" ética e o citoyen político livre de toda particularidade; ao
contrário, implica uma espécie de "igualdade qualitativa" de respeito igual e
direitos iguais para pessoas com identidades ético-culturais diferentes. Isso
pode requerer exceções aos requisitos legais usuais e às tradições sociais, mas
pode também requerer uma nova interpretação mais abrangente das instituições
existentes. Esse é o caso do casamento homossexual, em que os casais demandam
as mesmas possibilidades legais de outros casais aos quais se permite o
casamento24. Enquanto essa alegação de direitos iguais é baseada na
reciprocidade política, os contra-argumentos que negam esses direitos iguais e
se apóiam em visões não-generalizáveis (religiosas, por exemplo)para se
justificarem violam tanto o critério da reciprocidade como o da generalidade.
Uma mera "tolerância" social de formas de vida homossexuais, como muitos
defendem, não é suficiente (ainda que seja também "tolerância" de acordo com a
concepção como permissão); em vez disso, o reconhecimento legal igual é o que a
justiça exige.
Em todos esses casos é preciso salientar que a demanda por tolerância não tem
qualquer implicação cética ou relativista, pois as crenças ou as práticas que
devem ser toleradas continuam sendo vistas pelo tolerante como eticamente
erradas. Tolerá-las por respeito não é compreendê-las ou nutrir algum tipo de
estima por elas. Tudo o que é requerido é o entendimento de que tal tipo de
crítica ética não é o bastante para se traçar os limites da tolerância.
VII
Neste momento, uma objeção pode ser feita. Só teríamos uma compreensão
tendenciosa da sociedade política democrática se acreditarmos que ela esteja
fundada em princípios abstratos, como o princípio de justificação? Pois um
Estado democrático é cultural e historicamente situado e não um simples projeto
de aplicação de princípios morais gerais; ele tem fundações ética, cultural e
histórica particulares. Não enxergar isso, prosseguiria a objeção, significa
negligenciar os recursos da comunidade política para a reprodução cultural e
sua autocompreensão específica como coletividade una. Os Estados liberal-
democráticos necessitam de "força internas de regulação da liberdade" que
assegurem sua "homogeneidade", como afirma o teórico do direito e ex-juiz da
Corte Constitucional Böckenförde - uma forma concreta de Sittlichkeit, para
usar o termo hegeliano. Böckenförde conclui com a observação importante de que
"o Estado liberal e secularizado alimenta-se de pressuposições que não pode ele
mesmo garantir". E propõe a questão de "se o Estado secularizado e temporal não
deve também se manter, em última análise, dos impulsos vitais e forças de
ligação liberados pela fé religiosa de seus cidadãos"25.
Se essa objeção estivesse correta, se o Estado liberal e democrático não
tivesse fundações éticas "neutras", mas, em vez disso, particularistas, e se
elas estivessem necessariamente ligadas a valores e crenças religiosos
específicos que compõem o "substrato moral" da comunidade e geram a
"homogeneidade" social, surgiria então o risco da seguinte dialética da
tolerância. A insistência em um tipo de tolerância baseada no princípio de
justificação - no debate sobre o crucifixo, por exemplo - poderia levar ao
solapamento e ao enfraquecimento daquele substrato moral, o qual só poderia ser
preservado se a forma de vida ético-política dominante não fosse questionada e
colocada em risco. Pois do contrário a tolerância em demasia poderia levar a
seu oposto, à desorientação, à perda de valores e, em última instância, à
intolerância e à perda de liberdade. A tolerância com base em princípios
destruiria seus próprios pressupostos culturais, seria autodestrutiva. Para
evitar isso, e para se assegurar a possibilidade da tolerância, uma certa
medida de intolerância (conforme vista pelas lentes da concepção como respeito)
seria necessária e justificada26.
Da perspectiva da concepção como respeito, contudo, isso provoca o risco de uma
reversa segunda dialética da tolerância. A tentativa de se preservar e
assegurar as alegadas pressuposições ético-culturais de um Estado liberal,
democrático e tolerante levaria à intolerância. Pois, nesse caso, uma série de
regras e regulamentações discriminatórias com relação às minorias culturais e
religiosas poderiam ser justificadas em nome da tolerância. Por trás desse véu,
preconceitos contra os "diferentes" poderiam determinar o que a lei considera
tolerável ou intolerável. Logo, a objeção deve ser rejeitada.
VIII
Ainda assim, a tese de Böckenförde aponta para a questão importante da base
moral-cultural de um Estado democrático e liberal. Pois uma comunidade
tolerante de acordo com a concepção como respeito é evidentemente impossível
sem a tolerância como uma virtude cívica dos cidadãos, baseada em um senso de
justiça27. Mas uma tal postura e virtude, uma tal intuição do que devemos uns
aos outros, raramente consegue crescer em um terreno cultural que cultive
apenas os valores e as concepções do bem de uma parte de seus cidadãos. Em vez
disso, um sentimento de eqüidade deve florescer cultural e mutuamente, a partir
das experiências de eqüidade28, e em uma cultura política democrática o senso
de justiça correlato deve adquirir um caráter autônomo, na medida em que o
respeito ao direito à justificação seja devido a e requerido de toda e qualquer
pessoa sem exceção, independentemente da identidade ético-cultural ou religiosa
dele ou dela. Se os cidadãos de uma sociedade pluralista não estiverem ligados
por um tal senso de justiça, se pensarem que capacidades morais básicas
requerem fundamentações ético-religiosas específicas, eles não confiarão em
pessoas da religião errada ou naqueles sem religião - posição, de fato,
assumida por Locke. O resultado será uma demarcação dos limites da tolerância
estreita e parcial, que exclui aqueles que não são moralmente confiáveis29.
Para evitar tais exclusões, um tipo de respeito moral incondicionado deve
formar o cerne do que se poderia chamar de um "Sittlichkeit democrático",
firmemente ancorado na identidade dos cidadãos. Eles certamente terão seus
modos particulares de combiná-lo com as suas concepções do bem, um processo que
nem sempre estará livre de tensões internas; a intuição prática quanto ao dever
de respeito para com todas as demais pessoas deve, no entanto, ser "auto-
sustentável" no sentido de ser uma intuição "humana" autônoma, independente de
outros tipos de razões30. Isso não significa que ela não seja histórica e
culturalmente situada, pois a necessidade de um tal tipo de respeito pode bem
ser vista como a principal lição de uma história de exclusão e violência
característica de uma dada comunidade política. Ela provém de uma pluralidade
de fontes e experiências necessariamente particulares, mas que conduzem todas a
um ponto no qual os indivíduos reconhecem o ser humano como uma pessoa que deve
ser respeitada independentemente de qualquer razão adicional requerida.
Demandar tais razões seria considerado, em vez disso, "um refletir em
demasia"31.
IX
Isso me traz de volta ao exemplo supramencionado do radicalismo de direita. Em
vista do que se disse até agora, parece óbvio que o limite da tolerância é aqui
atingido, conforme a concepção como respeito o demarca. Pois aqueles que põem
em questão e violam o direito básico ao respeito e à justificação não podem
justificadamente requerer serem tolerados, de acordo com tal concepção. Assim
sendo, traçar os limites do tolerável daquele modo não é apenas uma outra forma
de intolerância, mas um exercício do dever moral para com as vítimas daqueles
atos.
Isso deixa, entretanto, duas questões em aberto. Em primeiro lugar, o que isso
significa na prática - quem desenha essa linha divisória em relação a quem e
por quais meios? Em segundo, poderiam haver outras bases sobre as quais a
tolerância de tais crenças possa ser justificada?
Com relação ao primeiro ponto, apenas algumas observações (insuficientes).
Primeiramente, a tolerância é uma virtude dos cidadãos de uma democracia e,
assim, demarcar e defender os limites da tolerância é uma tarefa fundamental
dos membros da sociedade civil. Um Estado democrático vive das atitudes
normativas de seus cidadãos e da disposição dos mesmos a agir com base em
princípios democráticos, a agir solidariamente e a combater os preconceitos
não-democráticos. Isso é ainda mais importante à luz da consideração de que o
radicalismo de direita com freqüência não é meramente um fenômeno dos extremos
da sociedade; ao contrário, o ressentimento racista e nacionalista pode ser
encontrado amplamente na sociedade e oferece um pano de fundo para a violência
racista.
Outra questão importante é até que ponto os cidadãos devem utilizar a lei como
um meio de se reforçar e defender os limites da tolerância - expresso em termos
clássicos, o quão tolerante deve ser a ordem legal. Nesse contexto, os aspectos
de legitimidade e de efetividade precisam ser distinguidos. No que tange à
legitimidade, a "tolerância zero" é requerida com respeito aos ataques
violentos. Mas fora disso surgem dilemas difíceis quanto a se restringir as
liberdades básicas de expressão e de comunicação, os direitos de reunião e de
associação dos grupos racistas e neonazistas - questões sobre se tais formas
drásticas de restrição são necessárias como uma espécie de ultima ratio para se
assegurar os direitos básicos dos cidadãos (o que pode ser o caso em certas
situações sociais). Além disso, devem-se considerar as questões de efetividade,
pois pode bem ocorrer que tais restrições legais não sejam muito bem-sucedidas
e possam mesmo levar a efeitos colaterais não pretendidos e negativos. Às
vezes, pode ser mais vantajoso defender os limites da tolerância não por
intermédio da lei, mas a partir de considerações pragmáticas para o exercício
da tolerância com relação a grupos que são em princípio intoleráveis - o que
pode inclusive ter resultados positivos32. Isso já fornece então uma resposta à
segunda pergunta formulada acima: pode haver razões pragmáticas para se tolerar
os intolerantes, ao menos em termos legais, mesmo que eles não possam pleiteá-
lo.
Neste ponto, pode-se objetar que isso demonstra o "retorno do reprimido" na
concepção como respeito, isto é, o retorno da concepção como permissão que
pensávamos ter superado. Pois parece que no caso em discussão o tolerante
concede ao intolerável o usufruto de certas liberdades que a autoridade
encarregada da permissão pode arbitrariamente revogar, o que corresponde
exatamente à implicação da concepção como permissão. Em certo sentido isso é
verdadeiro: esses grupos são tolerados em alguma medida porque os custos de
interferência são muito altos, sob a condição de que não ultrapassem certos
limites. Mas a diferença importante entre isso e a clássica concepção como
permissão é o papel exercido pelo princípio da justiça baseado no critério da
reciprocidade. Assim, aqueles que se queixarem de tratamento injusto não
poderão rejeitar esse princípio como arbitrário, porque terão de recorrer a
ele. Eles se encontrariam na situação paradoxal de rejeitar um princípio que ao
mesmo tempo invocam.
X
Uma última observação. Por mais importantes que sejam os vários clamores por
tolerância e audácia cívica, deve-se também ser aqui cuidadoso, por exemplo,
quando se ouvem apelos por "tolerância para com aqueles que pensam e enxergam
diferente". Pois se deve lembrar que falar de tolerância só faz sentido onde
existe uma objeção normativa contra certas crenças ou práticas. Esse pode ser o
caso de pessoas que pensam diferente de nós de um modo eticamente relevante.
Mas está longe de estar claro quais espécies de razões seriam capazes de levar
a uma objeção contra alguém "aparentemente" diferente. Atitudes desse tipo -
contra negros, por exemplo - podem estar, ao contrário, baseadas em
preconceitos raciais e não em qualquer razão sequer minimamente "razoável". Mas
então requerer a essas pessoas que sejam "tolerantes" corre o risco de declarar
que seus preconceitos sejam juízos éticos legítimos ou, ao menos, razoavelmente
possíveis. Para se evitar isso, não se deve ambicionar tolerância nesse caso,
mas uma dissolução de tais preconceitos, o desenvolvimento de um respeito
básico. O conceito de tolerância sempre foi e continua sendo um conceito
ambivalente.
[*] Sou grato aos participantes da conferência "Tolerância e Conflito de
Identidade" na Universidade George Washington por suas proveitosas questões e
críticas, especialmente a Melissa Williams por seus comentários esclarecedores,
a Ingrid Creppell pelas sugestões de aprimoramento e a Glen Newey por
importantes discussões em correspondências. Beneficiei-me ainda de uma
discussão no encontro da subdivisão alemã da Associação Internacional para a
Filosofia do Direito e a Filosofia Social em Heidelberg, bem como dos
comentários de Felmon Davis, Günter Frankenberg, Klaus Günther e Martin Saar.
Uma versão anterior deste texto foi publicada com o título "Grenzen der
Toleranz", em Grenzen als Thema der Rechts und Sozialphilosophie, editado por
Winfried Brugger e Görg Haverkate (Stuttgart: Franz Steiner Verlag, 2002), e é
aqui usada com generosa permissão. Uma versão revisada será publicada no volume
Toleration: changing perspectives in a time of conflict, editado por Ingrid
Creppell, Russell Hardin e Stephen Macedo e aparece aqui com a gentil permissão
dos editores.
[**] É autor de Contexts of justice: political philosophy beyond liberalism and
communitarianism (2002) e Toleranz im Konflikt. Geschichte, Gehalt und
Gegenwart eines umstrittenen Begriffs (2003)
[***] No original, o autor usou o termo tolerance, no lugar de toleration,
utilizado até então (N. do T.).
[1] Discuti esses conflitos em detalhe em meu estudo histórico e sistemático da
tolerância: Toleranz im Konflikt. Geschichte, Gehalt und Gegenwart eines
umstrittenen Begriffs. Frankfurt/Main: Suhrkamp, 2003,
§
38. Na segunda parte deste livro, desenvolvo os argumentos apresentados neste
artigo.
[2] O pleito foi denegado pela Corte Constitucional Federal (18/03/2003, 2 BvB
1/01) por razões processuais, especialmente porque o pedido de banimento do
partido citava pronunciamentos e atividades comprometedoras de seus
integrantes, que eram também informantes de agências de segurança do Estado.
[3] Bayle, Pierre. Philosophical commentary on these words of Jesus Christ,
Compel Them to Come in, trad. e ed. de A. Godman Tannenbaum. Nova York: Peter
Lang, 1987, p. 147.
[4] Locke, John. A letter concerning toleration, editado por J. Tully.
Indianapolis: Hackett, 1983, p. 50.
[5] Ibidem, p. 51.
[6] Rousseau, Jean-Jacques. The social contract. In: Gourevitch, Victor (ed.).
The social contract and other later political writings. Cambridge: Cambridge
University Press, 1997, vol. IV, p. 8.
[7] Voltaire. A treatise on toleration and other essays, trad. de J. McCabe.
Amherst: Prometheus Books, 1994, p. 203.
[8] Ibidem, p. 207.
[9] Ver, por exemplo, Fish, Stanley. "Mission impossible: settling the just
Bounds between Church and State". Columbia Law Review, vol. 97, 1997, pp. 2255-
333.
[10] Para uma discussão mais completa do que se segue, ver Forst, Rainer.
"Toleration, justice and reason". In: McKinnon, Catriona e Castiglione, Dario
(eds.). The culture of toleration in diverse societies. Manchester: Manchester
University Press, 2003, pp. 71-85.
[11] Os termos "componente de objeção" e "componente de aceitação" retiro de
King, Preston. Toleration. Nova York: St. Martin's Press, 1976, pp. 44-54.
[12] Sobre esse ponto, ver Newey, Glen. Virtue, reason and toleration.
Edinburgh: Edinburgh University Press, 1999, pp. 32-34, de
quem difiro, no entanto, em especial quanto ao entendimento da natureza das
razões de objeção.
[13] Para outras concepções (não diretamente relevantes aqui), a "concepção
como coexistência" e a "concepção como estima", ver Forst, "Toleration, justice
and reason", op. cit., pp. 73-76.
[14] "Toleranz sollte nur eine vorübergehende Gesinnung sein: sie mu
βzur Anerkennung führen. Dulden heiβ
t beleidigen" (Goethe, Johann Wolfgang. "Maximen und Reflexionen". In: Werke 6.
Frankfurt/Main: Insel, 1981, p. 507 (tradução minha).
[15] Ver discussão sobre "neutralidade" em Forst. Contexts of justice:
political philosophy beyond liberalism and communitarianism, trad. J. Farrell.
Berkeley/Los Angeles: University of California Press, 2002, cap. 2.
[16] Com respeito à terminologia, introduzo aqui uma distinção entre concepções
"éticas" do bem e normas "morais" de justeza, a qual segue (e desenvolve) a
sugestão feita por Habermas, Jürgen. "On the pragmatic, the ethical, and the
moral employ-ments of practical reason". In: Justification and application,
trad. Ciaran Cronin. Cambridge, MA: MIT Press, 1993, pp. 1-17. Para minha própria versão da distinção, ver especialmente Forst.
"Ethik und Moral". In: Gün-ter, Klaus e Wingert, Lutz (Eds.). Die
Öffentlichkeit der Vernunft und die Vernunft der Öffentlichkeit, Festschrift
für Jürgen Habermas. Frankfurt/Main: Suhrkamp, 2001, pp. 344-371.
[17] Para uma discussão desse princípio (e sua óbvia relação com as teorias de
Rawls, Habermas e Scanlon, por exemplo), a qual não posso detalhar aqui, ver
Forst, Contexts of Justice, op. cit., cap. 4; Idem, "Die Rechtferti-gung der
Gerechtigkeit. Rawls' Politischer Liberalismus und Habermas' Diskurstheorie in
der Diskussion". In: Brunkhorst, Hauke e Niesen, Peter (eds.). Das Recht der
Republik. Frankfurt/Main: Suhrkamp, 1999, pp. 105-168.
[18] A esse respeito ver, em particular, Forst. "The basic right to
justification: towards a constructivist conception of human rights".
Constellations, vol. 6, 1999, pp. 35-60.
[19] Sobre esse ponto, ver também O'Neill, Onora. "Practices of toleration".
In: Lichtenberg, Judith (ed.). Democracy and the mass media. Cambridge:
Cambridge University Press, 1990, pp. 155-185; e Bohman,
James. "Reflexive toleration in a deliberative democracy". In: McKinnon,
Catriona e Castiglione, Dario, op. cit., pp. 111-31.
[20] "Verwaltungsgerichtshof München", decisão de 3 de junho de 1991 (7 CE 91.
1014). Neue Zeitschrift für Verwaltungsrecht, vol. 11, 1991, pp. 1099-101. Para
uma discussão mais detalhada sobre este caso, ver Forst. "A tolerant
Republic?". In: Müller, Jan-Werner (ed.). German ideologies since 1945. Nova
York: Palgrave Macmillan, 2003, pp. 209-20.
[21] "Bundesverfassungsgericht", decisão de 16 de maio de 1995 (1BvR 1087/91).
Europåische Grundrechte-Zeitschrift, vol. 22, 1995, pp. 359-369.
[22] "Verwaltungsgerichtshof München", p. 1101 (tradução minha).
[23]Sobre a questão do respeito com relação às minorias religiosas e culturais
e seus símbolos, ver Galeotti, Anna Elisabetta. "Citizenship and equality: the
place for toleration". Political Theory, vol. 21, 1993, pp. 585-605. No caso de
Kopftuch mais famoso da Alemanha, a Corte Constitucional decidiu (decisão de 24
de setembro de 2003; 2 BvR 1436/02) que o estado de Baden-Württemberg não devia
negar a uma professora muçulmana o direito de vestir o hijab na escola, pois
não havia base legal suficiente nas leis daquele estado para tais obstruções
aos direitos básicos de liberdade religiosa e de oportunidade igual de ocupar
cargos públicos. Tal regulamentação, contudo, parece deixar aberta a
possibilidade de uma tal base ser provida, e é objeto de controvérsia qual
seria a margem para se proibir o hijab e ainda assim se permitir símbolos
cristãos, por exemplo, como fez o Legislativo do estado em uma lei aprovada em
1º de abril de 2004.
[24] Sobre o casamento homossexual, ver também Galeotti. "Toleration as
recognition: the case for same-sex marriage" e Dees, Richard. "Of socinians and
homosexuals: trust and the limits of toleration", ambos In: Creppell, Ingrid,
Hardin, Russell e Macedo, Stephen (eds.). Toleration: changing perspectives in
a time of conflict (no prelo). Em uma decisão de 17 de julho de 2002 (1 BvR 1/
01), a Corte Constitucional Alemã manteve a lei para o estabelecimento de
eingetragene Lebenspartnerschaften para casais homossexuais, argumentando que
ela não entra em conflito (como havia sido alegado) com a proteção
constitucional do casamento (tradicional).
[25] Böckenförde, Ernst-Wolfgang. "The rise of the State as a process of
secularisation". In: State, society and liberty: studies in political theory
and constitutional law. Nova York: XX, 1991, pp. 44ss.
[26] Devo aqui acrescentar que essa é uma conclusão que o próprio Böckenförde
não tira explicitamente (especialmente dos casos como o do conflito do
Kopftuch); simplesmente aponto uma implicação possível de sua famosa tese, que
é comumente destacada em tais debates.
[27] Ver, especialmente, Forst. "Tolerance as a virtue of justice".
Philosophical Explorations, vol. 4, 2001, pp. 193-206.
[28] Ver Rawls, John. A theory of justice, ed. eevisada. Cambridge, MA: Harvard
University Press, 1999, cap. 8.
[29] De maneira significativa, esse problema reaparece na leitura que Jeremy
Waldron faz de Locke e no argumento para uma base religiosa do respeito moral
(Waldron. God, Locke, and equality. Cambridge: Cambridge University Press,
2002, especialmente cap. 8).
>
[30] Aqui reside um importante ponto de diferença com relação à idéia de Rawls
de um "consenso sobreposto", a qual pressupõe uma concepção política de justiça
que seja "auto-sustentável", mas cuja base moral, contudo, não será
independente e autônoma, porém derivada das diversas doutrinas abrangentes
(Rawls, John. Political liberalism. Nova York: Columbia University Press, 1993,
especialmente pp. 147ss.). Do modo como vejo, isso cria um "paradoxo do
liberalismo político" com respeito às questões de prioridade normativa.
[31] Uso aqui a famosa frase de Bernard Williams, cunhada por ele, contudo, em
um sentido um tanto diferente, a saber, no contexto de uma crítica às teorias
morais kantianas (Williams. Moral Luck. Cambridge: Cambridge University Press,
1981, p. 18). Elaboro esse ponto em Forst. "Moralische Autonomie und Autonomie
der Moral". Deutsche Zeitschrift für Philosophie, vol. 52, 2004, pp. 179-97.
[32] A esse respeito, ver Rawls, A theory of justice, op. cit.,
§35; e Bobbio, Norberto. "Gründe für die Toleranz". In: Das Zeitalter der
Menschenrechte. Berlim: Wagenbach, 1998, pp. 87-107.